Discurso durante a 160ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de texto em lembrança aos oito anos de falecimento de Dom Hélder Câmara. (como Líder)

Autor
Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Leitura de texto em lembrança aos oito anos de falecimento de Dom Hélder Câmara. (como Líder)
Aparteantes
Arthur Virgílio, Marisa Serrano, Tasso Jereissati.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2007 - Página 32159
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, OCORRENCIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, LUCIANO MENDES DE ALMEIDA, BISPO, HOMENAGEM POSTUMA, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, DEMOCRACIA, EDUCAÇÃO, BRASIL, COMBATE, MISERIA.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Pela Liderança. Sem revisão do orador) - Agradeço, Sr. Presidente.

Eu gostaria de ler um pequeno texto...

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Desculpe. Tenho que esclarecer que o Senador Valdir Raupp está inscrito antes do Senador Magno Malta.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Como eu estava dizendo, Sr. Presidente, eu gostaria de ler um pequeno texto, pois estamos lembrando o oitavo aniversário de falecimento de Dom Hélder Câmara. Hoje, na Câmara dos Deputados, houve uma Sessão Solene para lembrar esta grande liderança que o Brasil teve e que realizou um trabalho extraordinário de cunho social, de cunho político, importantíssimo para a liberdade, para a democracia, para a politização do povo brasileiro. A Dom Hélder Câmara, nestes últimos dias, inclusive hoje, muitos Senadores se referiram.

Quero dizer que a imagem que surge diante de nossos olhos quando lembramos de D. Hélder é a figura de um pastor.

Dom Luciano Mendes de Almeida, o grande bispo brasileiro, recentemente falecido, num artigo na Folha de S.Paulo, quando do falecimento de D. Hélder , escreveu: “Ele foi um pastor zeloso que acolhia as suas ovelhas, não por serem suas, mas por serem ovelhas”. Acolhedor foi a grande marca de D. Hélder. Acolheu a pessoa de posses como acolheu o pobre, não por possuir muito, ou nada, mas por ser pessoa, gente. E acolheu, preferencialmente e com mais carinho, os pequenos e mais abandonados de sempre.

Contam aqueles que o conheceram que esse seu espírito de abertura se manifestava na sua casa de portas abertas, expressão da abertura maior de um coração feito só de amor e respeito ao ser humano.

Nunca discriminou ninguém pelo estado social, pelas opções de religião, de partidos. Era respeitado e querido por todos. Praticou e ensinou a praticar o diálogo. Esse respeito pela pessoa não impedia D. Hélder de analisar as estruturas e condenar aquelas que criavam a desigualdade, a injustiça, a exclusão.

“quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, quando pergunto pelas causas da pobreza, me chamam de comunista...”

Escrevia no seu livro O deserto é fértil: “Que sejamos capazes do máximo de firmeza, sem cair no ódio, e do máximo de compreensão, sem cair na conivência com o mal”.

No mundo, ele é citado entre aqueles que pregaram os caminhos da superação da injustiça pela não-violência e são reconhecidos como construtores da Paz.

Foi D. Hélder um exemplo de coerência. Viveu o discurso que fazia. Talvez por isso embaraçou muitos poderosos. Sem dúvida, a vida de D. Hélder é um marco na história deste País. Talvez a história de sua vida devesse ser mais divulgada, a sua figura mais apresentada como modelo a todos, e especialmente aos jovens nos quais ele muito confiou e acreditou.

Para os jovens e educadores, deixou alguns princípios para uma educação libertadora. Dentre eles:

- Todo homem, cada homem, é responsável pelo destino da humanidade - por suas ações ou omissões.

- Indispensável é que, em lugar de o progresso estar a serviço de grupos sempre mais restritos, que ele fique a serviço da humanidade inteira.

- A guerra torna-se, cada dia, maior absurdo. É verdade literal que ela representa, potencialmente, suicídio coletivo da humanidade. Mas, ao lado da guerra nuclear, da guerra química e das guerras das armas, é indispensável incluir a miséria, a mais sangrenta, vergonhosa e traiçoeira de todas as guerras.

Neste momento sério e decisivo da vida de nosso País, que a figura e a mensagem de D. Hélder Câmara, cujo oitavo ano de falecimento estamos lembrando no Congresso Nacional, possa servir de luz e de caminho para todos nós.

Sr. Presidente, solicito de V. Exª que o pronunciamento seja transcrito na íntegra nos Anais da Casa, pois, em razão do tempo limitado, não pude me deter em todos os pensamentos. Agradeço a V. Exª. E que figura de D. Hélder Câmara, que marcou a história de nosso País, possa continuar marcando os posicionamentos deste Congresso e da sociedade em geral.

Muito obrigado.

 

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - O Senador Tasso Jereissati concluirá o pronunciamento do Senador Flávio Arns com um aparte.

V. Exª tem a palavra.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador Flávio Arns, eu não poderia deixar de lhe dar meu abraço e minha solidariedade e parabenizá-lo pelo seu pronunciamento sobre a figura de um dos maiores brasileiros da nossa geração, que significou uma referência para centenas de milhares de pessoas, um símbolo da fé e da dedicação não só às pessoas mais pobres, mas àquelas que, de maneira geral, não tiveram da vida todos os privilégios, sejam materiais, físicos. Elas tiveram em D. Hélder sempre uma mão amiga, carinhosa, afetuosa, e um ombro onde apoiar. D. Hélder é, além de tudo, do meu querido Ceará. Se tivermos de escolher, no século XX, os grandes cearenses, sem dúvida nenhuma, ele estará entre os primeiros, em alma, caráter, exemplo, referência. Eu só poderia me regozijar com V. Exª por este oportuno e importante pronunciamento.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Agradeço a V. Exª o posicionamento. De fato, procuramos enfatizar que ele acolhia particularmente os pobres e os mais necessitados de justiça, mas, também, como bem colocou V. Exª, acolhia a todos, por serem pessoas, em primeiro lugar.

Eu, inclusive, solicito à Mesa que o aparte do Senador Tasso Jereissati seja incluído no meu próprio pronunciamento.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Flávio Arns...

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - A Presidência só esclarece a V. Exª que, de acordo com a regra regimental, não há aparte nesse tipo de fala. Mas, por ser um pronunciamento em homenagem a D. Hélder Câmara, a Mesa entende a necessidade da exceção e pede aos aparteantes que sejam objetivos.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Flávio Arns, eu ia pedir a palavra pela ordem ao Senador Tião Viana precisamente porque seria um erro imperdoável do Senado deixar passar em branco a homenagem a Dom Hélder Câmara. V. Exª acertou mais do que na mosca porque pegou um vulto desse peso histórico, alguém que dedicou sua vida inteira ao combate das desigualdades sociais, alguém que juntava à sua enorme fé uma extraordinária coragem pessoal, cívica e física, apesar de ser tão franzino quanto era. Eu diria que, na verdade, era um santo. Tive a alegria de conhecer pessoalmente Dom Hélder Câmara. Enterneço-me com suas palavras. Digo-lhe, Senador Flávio Arns, que temos de nos mirar no exemplo de pessoas como D. Hélder Câmara para que possamos levar a efeito e a cabo a tarefa de reerguer o nome deste Senado Federal. Era um caráter sem jaça, era uma coragem indomável e era um amor que não se podia medir. Meus parabéns a V. Exª. Agradeço-lhe penhoradamente a oportunidade que me deu de ter podido hoje homenagear Dom Hélder Câmara.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Agradeço a V. Exª.

Se a Presidência permitir, a Senadora Marisa Serrano gostaria de manifestar-se.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - peço o devido aproveitamento do tempo, por favor.

O Sr. Marisa Serrano (PSDB - MS) - Obrigada, Sr. Presidente. Eu também gostaria, Senador Flavio Arns, de poder colocar a minha voz apoiando, primeiro, as palavras de V. Exª sobre a vida de uma pessoa que deu um rumo para o País. Dom Hélder não foi somente aquela idéia que tinham dele, que muitos pensam, de um homem político, de um homem que trabalhou forçando uma mudança política no País. Não foi só isso. O mais importante é o que ele vivenciou, o que ele deixou como legado para o povo brasileiro, para a vida deste País, justamente não somente estar ao lado do mais pobre, daquele mais necessitado, mas aquilo que é mais importante: pensar na mudança dessa vida, na perspectiva de futuro, nas oportunidades a que o povo brasileiro tem direito. E é por essa luta, pelas oportunidades, que nunca poderemos deixar de lembrá-lo como a grande pessoa que enfeixou aquilo por que temos lutado tanto: a educação e a formação do povo brasileiro. Portanto, deixo aqui os meus parabéns, pedindo a Dom Hélder, que está lá, tenho certeza absoluta, ao lado do Pai, que continue levando a sua voz aos corações empedernidos de tantos, neste País, que não vêem que a mudança vai acontecer se conseguirmos fazer com que o povo brasileiro tenha dignidade, tenha força para continuar lutando. Meus parabéns.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - V. Exª tem toda a razão.

 

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SEGUE NA ÍNTEGRA DISCURSO DO SR. SENADOR FLÁVIO ARNS

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O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a imagem que surge diante dos nossos olhos quando lembramos de D. Hélder é a figura de um pastor.

D. Luciano Mendes de Almeida, o grande bispo brasileiro recentemente falecido, num artigo na Folha de S. Paulo quando do falecimento de D. Hélder, escreveu: Ele foi um pastor zeloso que acolhia as suas ovelhas, não por serem suas, mas por serem ovelhas”. Acolhedor foi a grande marca de D. Hélder: acolheu a pessoa de posses como acolheu o pobre. Não por possuírem muito, ou nada, mas por serem pessoa, gente. E acolheu, preferencialmente e com mais carinho, os pequenos e mais abandonados de sempre.

Contam aqueles que o conheceram que este seu espírito de abertura se manifestava na sua casa de portas abertas, expressão da abertura maior de um coração feito só de amor e respeito ao ser humano.

Nunca discriminou ninguém pelo estado social, pelas opções de religião, de partidos. Era respeitado e querido por todos. Praticou e ensinou a praticar o diálogo. Este respeito pela pessoa não o impedia de analisar as estruturas e condenar aquelas que criavam a desigualdade, a injustiça, a exclusão.

...quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, quando pergunto pelas causas da pobreza, me chamam de comunista...”

Escrevia no seu livro O deserto é fértil:Que sejamos capazes do máximo de firmeza, sem cair no ódio, e do máximo de compreensão, sem cair na conivência com o mal”.

Os registros do Congresso Eucarístico Internacional realizado no ano de 1955, no Rio de Janeiro, no aterro do Flamengo, contam da explosão do povo quando, em meio a dezenas de bispos e cardeais, surgiu a figura franzina, arqueada, com um bastão de madeira de D. Hélder que havia coordenado a organização do evento e que já atuava concretamente nos projetos de educação e promoção como o Banco da Providência.

D. Hélder foi um agregador. No mesmo livro, escreveu: Que olhemos em volta para descobrir irmãos e irmãs, marcados pela mesma vocação de dizer adeus ao comodismo e de marcar encontro com todos os que têm fome de verdade e juraram dedicar a vida tentando abrir, através da Justiça e do Amor, caminhos para a Paz”.

No mundo, ele é citado entre aqueles que pregaram os caminhos da superação da injustiça pela não-violência e são reconhecidos como construtores da Paz.

Foi D. Hélder um exemplo de coerência. Viveu o discurso que fazia. Talvez por isso embaraçou muitos poderosos. Chamou a atenção veementemente para este ponto: “Quem não sabe que, muitas vezes, o ateísmo nasce da decepção que os homens de fé - mormente os mais responsáveis dentro das respectivas religiões - causamos, sobretudo aos jovens, pela falta de correspondência entre a largueza e beleza de nossos princípios e a estreiteza e deselegância de nossas atitudes?”.

Neste trecho de uma de suas palestras, das centenas que fez no Brasil e mundo afora, dá o tom de toda a sua motivação: Seremos tão alienados, tão distantes e tão frios, de maneira a dar-nos ao luxo de procurar Deus, em horas cômodas de lazer, em templos luxuosos, através de liturgias pomposas e, não raro, vazias, sem vê-lo, sem ouvi-lo, sem tocá-lo, lá onde Ele está, e nos espera e exige nossa presença: no humilhado, no pobre, no oprimido, no injustiçado, sendo nós, muitas vezes, coniventes com esta situação?...”.

Sem dúvida, a vida de D. Hélder é um marco na história deste País. Talvez a história de sua vida devesse ser mais divulgada, a sua figura mais apresentada como modelo a todos e, especialmente, aos jovens nos quais ele muito confiou e acreditou.

Para os jovens e educadores, deixou alguns princípios para uma educação libertadora:

Todo homem, cada homem, é responsável pelo destino da humanidade - por: suas ações ou omissões.

Para as religiões judaico-cristãs, o fundamento básico é a afirmação bíblica: Deus fez o homem à sua imagem e semelhança.

O individualismo gera o egoísmo, raiz de todos os males.

É urgente solidarizar-se profundamente o ter e o ser: longe de se excluírem, os dois se completam e um não pode viver sem o outro.

O mal não é ter. Seria contra a verdade e, portanto, escravidão, temer a imaginação criadora do homem e o que se prevê para amanhã e depois de amanhã.

Indispensável é que, em lugar de o progresso estar a serviço de grupos sempre mais restritos, que ele fique a serviço da humanidade inteira.

Nem miséria que subumanize, nem excesso de conforto que desumanize.

A guerra se torna, cada dia, maior absurdo. É verdade literal que ela representa, potencialmente, suicídio coletivo da humanidade. Mas, ao lado da guerra nuclear, da guerra química e das guerras das armas, é indispensável incluir a miséria, a mais sangrenta, vergonhosa e traiçoeira de todas as guerras.

Os homens e as mulheres que dignificam a criação, dão sentido à vida e à humanidade, são aqueles que lutam pela justiça, pelos caminhos da não-violência, contribuem pela vida harmoniosa entre as pessoas e entre os povos, crêem na força libertadora do Amor porque lançam um olhar de paz sobre todos e tudo.

Neste momento sério e decisivo da vida de nosso país, que a figura e a mensagem de D. Hélder Câmara possa servir de luz e de caminho.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2007 - Página 32159