Discurso durante a 192ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2007 - Página 36928
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ERNESTO CHE GUEVARA, VULTO HISTORICO, REVOLUÇÃO, SOCIALISMO, AMERICA LATINA, PIONEIRO, INTEGRAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, IDEOLOGIA, LIBERDADE, SOBERANIA, JUSTIÇA SOCIAL, SOLIDARIEDADE, IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, SESSÃO ESPECIAL, SENADO, REGISTRO, COMEMORAÇÃO, OCORRENCIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, VISITA, VULTO HISTORICO, BRASIL, RECEBIMENTO, CONCESSÃO HONORIFICA, INICIATIVA, JANIO QUADROS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, LEITURA, TRECHO, DISCURSO, AGRADECIMENTO, PROVOCAÇÃO, CRISE, POLITICA NACIONAL, MOTIVO, POLITICA EXTERNA, APROXIMAÇÃO, COMUNISMO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, APOIO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, RECONHECIMENTO, GOVERNO ESTRANGEIRO.
  • ANALISE, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CUBA, REGISTRO, APOIO, SOBERANIA.
  • REGISTRO, LIVRO, AUTORIA, COLABORADOR, VULTO HISTORICO, MINISTERIO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, ELOGIO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, INICIO, GOVERNO, REVOLUÇÃO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, ORÇAMENTO.

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador José Nery, caro Embaixador de Cuba no Brasil, nosso ex-vice-Ministro de Che, companheiro Tiso, Senadores João Pedro, Sibá Machado e Eduardo Suplicy, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, senhoras e senhores convidados que comparecem a esta sessão solene que homenageia in memoriam o herói latino-americano e internacionalista Ernesto Che Guevara de la Serna.

Há muito a se recordar sobre esse homem de autêntica extração latino-americana, precursor da unidade continental, na linhagem de Simón Bolívar e José Martí, um cidadão da América e do mundo que mereceu atenção especial para suas idéias, publicadas pelas Edições Futuro, do Partido Comunista do Brasil, PCdoB, ainda no início da década de 60, com prefácio de Maurício Grabois, Líder da nossa Bancada na Constituinte de 1946 e que tombou, no Natal de 1973, na Guerrilha do Araguaia.

A sessão solene que ora se realiza no Senado Federal reflete mais que sentimentos nostálgicos, a amplitude e a atualidade do exemplo e das idéias do homem-símbolo, dos anseios libertários de soberania e igualdade que semeou generosamente em nossas selvas, planaltos, planícies e cidades latino-americanas.

É o reconhecimento neste 40º aniversário em que reverenciamos a memória de Ernesto Che Guevara, sua dedicação no combate às desigualdades sociais e suas convicções de uma América Latina livre, democrática, próspera e soberana. Reconhecer a importância de Ernesto Che Guevara na reafirmação dos ideais de democracia, justiça, paz e solidariedade entre os povos e distingui-lo como símbolo de luta pela liberdade e soberania dos países latino-americanos é dever de todos.

Por isso, Senador José Nery, parabéns à iniciativa de V. Exª e tantos companheiros que subscreveram o requerimento de sua autoria, juntamente com os Deputados Federais, que acorreram a esta sessão, porque iniciativa de tal magnitude também adotaram na Câmara dos Deputados do Brasil.

Ao reverenciar a memória de Che Guevara, o Senado Federal irmana-se aos vários países que organizaram homenagens para relembrar o 40º aniversário de sua morte. Em Cuba, cerca de 10 mil pessoas participaram de uma cerimônia em frente ao mausoléu de Che, na cidade de Santa Clara. Na Bolívia, o Presidente Evo Morales lançou um selo comemorativo em homenagem a Che Guevara. Centenas de jovens de diferentes países reuniram-se no segundo encontro mundial Che Guevara, em Vallegrande, cidade onde o corpo de Che foi exposto após sua execução. Marcaram presença vários ministros de Estado. O cubano Leonardo Tamayo, ex-companheiro de Che na guerrilha boliviana, artistas e representantes de organizações de esquerda da Bolívia, da Argentina, do Brasil, do Chile, do Paraguai e do Uruguai.

Na Argentina, País onde Che nasceu, foi realizado um festival de música na Praça de Maio.

Na Venezuela, o Presidente Hugo Chávez inaugurou um monumento no Pico da Águia, um dos pontos mais altos dos Andes Venezuelanos, por onde Che passou. Outro monumento foi inaugurado na Guatemala.

Aqui no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em diversos pontos realiza a Jornada de Solidariedade de Trabalho Voluntário Che Guevara.

O Circuito Universitário de Arte e Cultura (Cuca) da União Nacional dos Estudantes também homenageou Che.

A França também rendeu homenagens ao líder revolucionário.

Quando se fala em Ernesto Che Guevara, a comum memória brasileira rapidamente o associa a uma emblemática passagem pelo Brasil no ano de 1961, no dia 19 de agosto, quando, por iniciativa do então Presidente Jânio Quadros, recebeu a Ordem do Cruzeiro do Sul.

Acompanhado de uma comitiva de cinqüenta pessoas, Guevara chegou ao Brasil procedente de Montevidéu e manifestou ao Presidente “o testemunho do agradecimento do Governo cubano pela posição do Brasil em Punta del Este, além de apresentar as saudações pessoais do Primeiro Ministro Fidel Castro”. Ernesto Che Guevara agradeceu a homenagem recebida com as seguintes palavras:

“Sr. Presidente, como revolucionário estou profundamente honrado com esta distinção do povo e governo brasileiros. Porém, não posso concebê-la nunca como uma condecoração pessoal, mas sim como uma condecoração ao povo e à nossa revolução. E assim a recebo, comovido com a saudação desse povo que V. Exª representa, e que transmitirei, com todo o desejo de estreitar nossas relações”.

A condecoração de Guevara provocou a indignação conservadora dos setores civis e militares.

E foi o mesmo Carlos Lacerda do episódio de 1954, do suicídio de Getúlio Vargas, agora crítico feroz da política externa de Jânio, que, em represália, entregou as chaves do Estado da Guanabara ao líder anticastrista Manuel Antônio de Verona, e protagonizou o episódio no qual vários oficiais devolveriam ao governo suas condecorações.

Segundo a Folha de S.Paulo de 20 de agosto de 1961, a Comenda suscitou “críticas ao Presidente, inclusive pelo que se adianta, para a crise política de que é figura central o Sr. Carlos Lacerda.” Entretanto, bem-humorado, Quadros parecia alheio e cooperou com os fotógrafos que pediam uma iluminação diferente, mudando o local da entrega da Comenda. Ao entregá-la, disse: “Ministro Guevara, V. Exª manifestou em várias oportunidades o desejo de estreitar relações econômicas e culturais com o Governo e povo brasileiros. Esse é o nosso propósito também. E é a deliberação que assumimos no contato com o Governo e o povo cubanos. E, para manifestar a V. Exª, ao Governo de Cuba e ao povo cubano o nosso apreço e o nosso respeito, entregamos a V. Exª esta alta condecoração do povo e Governo brasileiros.” Manifestou-se satisfeito com a honraria: “Não por mim, mas pelo que significa para a aliança entre os dois povos”, disse Guevara.

Na entrevista coletiva que concedeu no Palácio do Planalto, Guevara afirmou, então, que viera “apenas testemunhar os agradecimentos de seu Governo à atitude do Brasil em Punta del Este”. E falou sobre a posição assumida pelo Brasil em Montevidéu: “Foi sem dúvida o maior fator para que Cuba fosse tratada na Conferência de Punta del Este como país americano.” Manifestou também o “testemunho do agradecimento do Governo cubano pela posição do Brasil”; vimos com simpatia aquela reunião, pois, pela primeira vez, Cuba teve apoio para manter a sua posição de república americana. Antes, estivemos sempre sós e de tal maneira agredidos que só poderíamos reagir de maneira violenta. Nessa conferência, a atitude do Brasil - e também de outros países - evitou aquelas agressões pesadas e as tentativas de afastar Cuba do continente, mantendo-a isolada.

Na mesma entrevista, Ernesto defendeu uma posição semelhante a que Fidel Castro manifestou nesses dias, quando conclamou George Bush a encerrar o bloqueio. Naquele momento, acentuou que Cuba está disposta a negociar com os Estados Unidos da América, “desde que mantida a igualdade e o respeito mútuo”. Informou de que o seu governo já se colocava expressamente desse modo e assinalou: “Todavia, não faremos esforço algum. Cuba é um país soberano, livre e está à altura dos Estados Unidos da América. Oferecemos negociações em pé de igualdade. Se eles quiserem está bem, e se não, também está bem. Cuba não se ajoelhará diante dos Estados Unidos da América.”

Quero ressaltar nesta ocasião um outro lado pouco conhecido de Che - o grande e competente formulador de políticas estratégicas de desenvolvimento. Recorro ao livro publicado no Brasil “O Ministro Che Guevara” - Testemunho de um Colaborador”, do ex-Embaixador Tirso Saenz, que aqui está entre nós, para nossa felicidade, um vice-Ministro de Che, que está na Mesa do Senado da República neste instante.

Che assumiu cargos importantes em Cuba. Até 1961, Che foi diretor do Instituto Nacional de Reforma Agrária e Presidente do Banco Nacional.

De 1961 a 1965, foi escolhido Ministro da Indústria de Cuba, tinha a responsabilidade de pôr em ordem a economia, a infra-estrutura produtiva e criar as condições para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Che queria Cuba produzindo tecnologia de ponta quando criou a Direção de Automação e Eletrônica - Queria ver Cuba produzindo computadores. Era aquele período de 60, 61, 62, por aí. Preocupado com a participação popular concebeu o Sistema de Direção Orçamentária em Cuba, o que chamou-se de Orçamento Participativo, lá, nos idos de 60.

O fotógrafo Alberto Korda afirmou: “Quando Che era ministro da Indústria, trabalhava tanto que recebia suas visitas até às quatro da manhã”. Tirso também aborda no seu livro essas passagens. Korda conta que “Che experimentando a Alzadora, uma nova máquina de cortar cana, cujo funcionamento ele havia concebido com um engenheiro francês”. Assegura Korda: “Quando o encontrei, com o rosto sujo de fuligem e terra, um pouco inchado pela cortisona que tomava para se tratar naquela época, olhou-me com uma mistura de ironia e surpresa. Ah, você está aí, Korda! Você é, afinal, da cidade ou do campo? - Eu? De Havana, comandante... E já cortou cana? - nunca...” Então, dirigiu-se a um dos guardas: “Alfredo, procure um facão para o compañero jornalista”.

No cargo de ministro, Che instituiu o trabalho voluntário como ato sagrado da revolução. Aos domingos, cortava cana e carregava sacos de açúcar. Encarnou este novo homem com o qual sonhava. Che afirmava “Deixe-me dizer-lhes, mesmo correndo o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor... Talvez seja este um dos grandes dramas do dirigente político.

É preciso que ele alie, ao espírito apaixonado, uma inteligência fria, tomando decisões dolorosas, sem contrair um só de seus músculos... Nestas condições, é necessário ter muita humanidade, um grande sentido de justiça e de verdade, para não cair em um dogmatismo extremo, em uma fria escolástica, para não se isolar das massas...”

É esta, então, a maior homenagem que podemos consagrar a Ernesto “Che” Guevara de la Serna nessas quatro décadas - desde o momento de sua execução pela CIA e pelos conservadores bolivianos - de heróica postura do povo cubano diante do bloqueio norte-americano: apoiar o crescimento dessa resistência estratégica, lutar pela unidade latino-americana e pelo desenvolvimento nesses países que vão se congregando no Mercosul e em outras instâncias sub-regionais, fundamentados nos ideais de soberania e da igualdade social.

Homenageá-lo é, portanto, lutar - e lutar muito -, não apenas como uma forma consciente de suprir a sua ausência, nos multiplicando, mas como uma fórmula de fazê-lo mais presente na canalização das imensas energias represadas nos grandiosos contingentes da juventude que orgulhosamente se vestem de Che, em camisas, bonés, em múltiplos símbolos e canções, e podem transformar o mundo parindo um futuro melhor para os nossos povos.

Che assegurou: “Quando chegar o momento, estarei disposto a dar minha vida pela libertação de qualquer um dos países latino-americanos, sem nada exigir em troca...”

Em sua homenagem, foi feita também “Soy loco por ti, América”.

É o que eu tenho a dizer. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2007 - Página 36928