Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a questão do uso irregular dos cartões corporativos.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a questão do uso irregular dos cartões corporativos.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/2008 - Página 3771
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, MALVERSAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, CARTÃO DE CREDITO, EXECUTIVO, NEGLIGENCIA, FALTA, RESPONSABILIDADE, ETICA, DEMONSTRAÇÃO, PROCESSO, PERDA, POLITICA NACIONAL, RISCOS, ESTADO DEMOCRATICO, CRISE, PODERES CONSTITUCIONAIS, SOLICITAÇÃO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, RESPEITO, LEGISLATIVO, COMBATE, ABUSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, é com certo constrangimento que trago o tema sobre o qual vou discursar hoje. Mesmo constrangido, eu não me omitirei, em face do mais recente escândalo que se abate sobre a Nação perplexa.

            Vejam que falo em escândalo “mais recente”, em vez de “último” escândalo. Afinal, se nada for feito ante a sucessão de desvios, erros, equívocos, irregularidades, ou seja lá o termo que o discurso oficial utilize para explicar o inexplicável, a única certeza que se tem é que o escândalo da vez nunca será o último, apenas o mais recente neste aparente infindável desfile de horrores.

            As atenções estão voltadas agora para a grave questão dos cartões corporativos. Aliás, parece-me rigorosamente inadequada a denominação dada a tais cartões. Quer dizer que o Estado brasileiro se confunde com mera corporação? Trata-se, porventura, de uma grande empresa, à maneira desses conglomerados econômicos ou financeiros que atuam em escala global? Claro que não. Logo, seria conveniente chamá-los de cartões institucionais, oficiais ou algo dessa natureza, e não cartões corporativos. Todavia, deixemos de lado esse aspecto do problema, mesmo porque ele se torna irrelevante quando se toma conhecimento de como o uso inescrupuloso do dinheiro público atingiu a dimensão do inimaginável.

            Com efeito, Sr. Presidente, independentemente de qualquer investigação, antes mesmo que a indispensável comissão parlamentar de inquérito possa aprofundar o exame das contas, o senso comum aponta para uma certeza: houve exagero, houve descuido, houve irresponsabilidade, houve desonestidade na utilização desses agora tristemente célebres cartões corporativos, em relação aos recursos gerados pelo povo brasileiro.

            É a partir da constatação desse absurdo que chego a uma terrível constatação, tão preocupante que sinto a impiedosa necessidade de partilhá-la com a Casa: por detrás desses pavorosos escândalos que enlameiam a República está em marcha um terrível e perigoso processo de deterioração política da Nação. É justamente isso que, ao mesmo tempo em que assusta a consciência dos que ainda não desistiram de ver o Brasil alcançar os padrões de civilidade e de cidadania que tantos outros países atingiram, nos impele e nos obriga à reflexão mais profunda.

            Digo mais, Sr. Presidente, essa reflexão haverá de ser feita não apenas entre Senadores, mas também entre Deputados, Vereadores, Governadores de Estado, Prefeitos, Presidente da República e Ministros de Estado, enfim, entre todos os agentes políticos, entre o Governo a e Oposição, entre todos que detêm alguma parcela de responsabilidade na condução da vida pública. Reflexão, diga-se, que haverá de envolver, mais cedo ou mais tarde, o conjunto da sociedade.

            O que está em jogo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é bem mais do que desvio de recursos públicos.

            O que está em jogo não se confunde apenas com práticas moralmente condenáveis, por mais graves que sejam.

            O que está em jogo é a credibilidade da política, a solidez das instituições, o próprio conceito do Estado democrático de direito.

            Eis, Sr. Presidente, o cerne da questão: corremos o risco de ver solapadas as bases sobre as quais se assenta a moderna concepção do Estado. E, convenhamos, nada, absolutamente nada foi fácil na conquista desse Estado. Chegamos a ele senão por meio de muita luta, muito esforço e superando enormes obstáculos.

            Houve quem perdesse direitos políticos, quem tivesse seu mandato eletivo sumariamente cassado, quem sofresse os rigores da prisão arbitrária ou da tortura aviltante, quem perdesse a vida, tudo isso para que chegássemos ao estágio civilizado da democracia de que ainda desfrutamos. Gente que lutou muito para que os brasileiros, superando a longa noite de trevas do autoritarismo, pudessem desfrutar da plena luminosidade que só os regimes democráticos são capazes de oferecer.

            Quando, na esfera pública, se banaliza o mal, se naturalizam comportamentos execráveis, se desrespeitam os mais comezinhos princípios da moralidade e se agride a consciência de cidadãos de bem com atos e atitudes acintosamente criminosas, o que está em perigo é o próprio Estado. É nesse momento que a política, a mais excelsa das ações do homem em sociedade, se apequena e sucumbe. Exorcizar esse risco é dever de todos e de cada um de nós.

            Lembro-me, Sr. Presidente, de Mário Covas, fundador do meu Partido, o PSDB, figura ímpar cuja luminosa passagem pela vida pública brasileira - inclusive no Senado Federal - foi exemplo de integridade absoluta e de incondicional desvelo pela ética. Vivesse hoje, por certo, ele próprio substituiria o apelo formulado em 1989 para que o Brasil sofresse um “choque de capitalismo”. Nos dias que correm, Covas estaria conclamando a todos nós por um urgente choque de ética. É disso, Sr. Presidente, acima de qualquer outra coisa, que a Nação mais necessita agora.

            Que tenhamos clareza acerca de uma verdade incontestável ou incontrastável: a crise ética, ao se alastrar exponencialmente, corrói as instituições, desmoraliza os agentes públicos e liquida a credibilidade de que se nutre o Estado. No presente escândalo, não se trata de examinar apenas a legalidade ou não dos atos praticados por portadores dos tais cartões corporativos. O que não se deve perder de vista é o fato de que não pode haver política sem que esta esteja assentada nos princípios da ética. Assim, sendo a política a responsável pela construção das leis, lei alguma será legítima se não estiver amparada na ética. Esse, Sr. Presidente, é o pressuposto a partir do qual as sociedades se organizaram politicamente. É esse o consenso que mantém de pé os Estados.

            Eis, pois, o grande debate de agora. Ou fazemos isso com inteligência, e caráter, espírito público e sinceridade, ou a própria sociedade nacional estará sujeita à melancólica deterioração. Ou assumimos coletivamente essa tarefa, Estado e Nação, ou perderemos o próprio sentido de nossa existência. A gravidade da crise, que atinge indistintamente os três Poderes do Estado e os mais diversos segmentos e os mais diversos segmentos da sociedade, mais parecendo metástase por sua extrema capilaridade, exige imediata reflexão e ação.

            Cobrir o País com o manto sagrado da Ética...

(Interrupção do som.)

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Sr. Presidente, eu pediria mais um minuto para encerrar o meu pronunciamento.

            O SR. PRESIDENTE (Valter Pereira. PMDB - MS) - A Mesa concede mais dois minutos para V. Exª concluir o seu pronunciamento, lembrando que já foram feitas outras prorrogações. Mas V. Exª terá o tempo necessário para concluir o seu pronunciamento, já que a Nação estava aguardando com ansiedade a fala de V. Exª.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Cobrir o País com o manto sagrado da Ética, dela fazendo o ponto de partida e o de chegada de nossos atos, individuais e sociais, públicos e privados, é dever do qual não podemos, não devemos e não queremos fugir. Ainda é tempo de construir o Brasil com o qual sonhamos homens e mulheres de bem.

            Quero deixar registrado este meu pronunciamento, com preocupação relacionada à questão dos cartões corporativos e com a preocupação de que deve ficar bem claro para a população brasileira, coisa que não está acontecendo, que o Executivo é político também. E que não fiquem tentando desgastar o Congresso Nacional ou os políticos que exercem seus mandatos no Legislativo, tentando desmoralizá-los para desmoralizar nossas instituições, porque o povo está de olhos abertos para o Governo, mais propriamente para o Executivo, que está fazendo o que bem entende, o que bem quer fazer, principalmente por meio das malditas medidas provisórias, querendo nos desmoralizar aqui, impedindo o nosso trabalho.

            Por isso, Senhor Presidente da República, peço a Vossa Excelência que mantenha a sua conduta de homem público, como sempre o fez, respeitando os votos que recebeu, e mantenha a sua composição com aqueles que querem o Poder Legislativo não sendo usurpado pelo Executivo, principalmente por meio das medidas provisórias.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/2008 - Página 3771