Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento favorável ao uso das células tronco embrionárias para pesquisas científicas.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. SAUDE. IGREJA CATOLICA.:
  • Posicionamento favorável ao uso das células tronco embrionárias para pesquisas científicas.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/2008 - Página 4545
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. SAUDE. IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • PARECER FAVORAVEL, UTILIZAÇÃO, PARTE, EMBRIÃO, PRODUTO TERAPEUTICO, QUESTIONAMENTO, JUSTIFICAÇÃO, IGREJA CATOLICA, MORAL, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, BRASIL, DESVINCULAÇÃO, RELIGIÃO.
  • COMENTARIO, PESQUISA, PARTE, EMBRIÃO, BENEFICIO, MEDICINA, POSSIBILIDADE, REVERSÃO, DOENÇA INCURAVEL, IMPORTANCIA, SOLIDARIEDADE, PRESERVAÇÃO, VIDA HUMANA, QUALIDADE DE VIDA, PACIENTE.
  • DISCORDANCIA, IMPEDIMENTO, PESQUISA, ATRASO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, BRASIL, RESTRIÇÃO, TRATAMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, SOLICITAÇÃO, DECISÃO, JUDICIARIO, OBSERVAÇÃO, DIREITO A VIDA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que a lucidez e até a esperteza política recomendam silêncio diante de temas polêmicos, mas creio que a responsabilidade histórica para os Anais desta Casa exige que tomemos posições sobre os mais diversos assuntos, sobretudo os polêmicos.

Eu vim aqui, Sr. Presidente, dizer da minha posição absolutamente favorável a que o Brasil não fique atrás nas pesquisas dirigidas para o uso das células-tronco. E vou dar as razões para isto: a primeira é política. Como político, eu falo. O Brasil é um País laico. A gente não pode deixar que uma das religiões professadas no Brasil, que é a minha, domine o conjunto da sociedade brasileira. Temos de ter liberdade. Os adventistas do sétimo dia não aceitam transfusão de sangue. Morrem, mas não recebem transfusão de sangue. Mas eles não tentam impor isso ao resto dos brasileiros. Temos de respeitar os adventistas; temos de aceitar que eles defendam essa posição. Porém, não poderíamos nos submeter à posição de uma fé para todo o País. O Brasil é composto por pessoas de diferentes religiões; muitos até sem religião, ateus. Temos de respeitá-los, porque esta é uma sociedade e um País laico, uma República que não é teocrática, em que uma religião confunde-se com o Estado, fazendo com que crime e pecado sejam a mesma coisa, como, por exemplo, em alguns países islâmicos, onde a fé e a política são a mesma coisa, onde o líder religioso é o líder político. Não é o caso do Brasil.

Por isso, por razões políticas, não podemos imaginar que uma razão de fé de uma religião se imponha a todo o País. Cada religião tem o direito, inclusive, de não aceitar o desenvolvimento da medicina. É um direito que tem o crente de dizer: “Não quero continuar vivo se for para usar estes instrumentos: transplantes de órgãos ou transfusão de sangue”.

A segunda razão é de ordem moral. Pessoalmente, sei que a moral varia, mas, pessoalmente, repito, não consigo entender por que considerar imoral, indecente o fato de se utilizar em pesquisas embriões fertilizados há mais de três anos e congelados. Não entendo por que isso seja considerado crime contra a vida. Todos os cientistas dizem que, depois de o embrião permanecer esse tempo fertilizado e congelado, é impossível dali surgir uma vida; é impossível dali florescer uma vida. Por que, então, moralmente, nós nos sentiríamos como se estivesse sendo cometido um aborto - assunto sobre o qual não estou falando aqui - ou uma eutanásia - assunto sobre o qual não estou falando aqui; estes são assuntos diferentes: eutanásia e aborto. Estou falando do uso de um embrião congelado há pelo menos três anos e que foi sobrante da tentativa de se gestar uma vida. Se houve erro moral, ele ocorreu com a fertilização in vitro, e não com o uso desses embriões.

O terceiro motivo é o ponto de vista religioso mesmo, a fé, que eu tenho. É a idéia de que o direito à vida não pode ser apenas o direito de nascer; tem de haver o direito de nascer e de viver. E muitas pessoas poderão viver se essas pesquisas forem adiante.

Vejo um imenso movimento, hoje, em nome do direito à vida, para não permitir o uso dos embriões. Quero ver um movimento à vida para dar qualidade de vida, para dar sobrevivência pelo uso dessas pesquisas.

Então, com todo atrevimento de falar religiosamente, sem ser sacerdote ou teólogo, não vejo como pode alguém falar religiosamente no direito à vida, pensando apenas no direito de nascer, e não no direito de ficar vivo, de sobreviver; de não morrer antes do tempo por falta de um instrumento médico que não surgiu por falta de correta pesquisa científica.

A outra razão é social. Socialmente, sabemos que essas pesquisas serão feitas em alguns lugares do mundo, fora do País. E a gente sabe que os ricos brasileiros poderão, sim, tomar aviões e ir a outros países se beneficiar das pesquisas que serão feitas. Ora, como vamos tolerar, socialmente, que alguém se beneficie dessas pesquisas porque tem dinheiro e que outros não se beneficiem porque não têm dinheiro, quando a gente poderia fazer as pesquisas aqui e, por meio disso, facilitar o atendimento não apenas daqueles que podem pagar uma viagem, mas dos que podem tomar um carro ou um ônibus e ir a um hospital mais próximo?

Se não fizermos essas pesquisas, dentro em breve será preciso ir aos Estados Unidos e à Europa; depois, à Argentina e ao Paraguai, porque esses países também vão desenvolver pesquisas, mas não no Brasil. Por isso, do ponto de vista social, não vejo como a gente pode justificar o impedimento dessas pesquisas.

Do ponto de vista humanista, misturando, inclusive, o lado social e o lado moral, eu confesso que não posso ficar tranqüilo quando vejo pessoas que padecem de doenças graves, quando vejo crianças que poderiam ser curadas se essas pesquisas fossem feitas e tivessem resultado, e nós, como seres humanos, toleremos isso. Do ponto de vista do humanismo, eu vejo como uma necessidade autorizarmos essas pesquisas, não apenas do humanismo da solidariedade e do sofrimento, mas também do humanismo que tem a ver com a própria idéia de Cristo: o humanismo de colocar o homem como um instrumento de poder para melhorar a sua qualidade de vida.

É preciso que aqueles que falam tanto em religião não se esqueçam de que a primeira religião em que alguém vem e constrói a idéia de que Deus vira ser humano, assumindo o corpo e a vida de um ser humano, foi a da Igreja católica, a religião católica. Esse foi o maior gesto de humanismo, maior do que o dos próprios gregos, que fizeram com que o pensamento humano fosse forte, mas nenhum deles se disse Deus. A Igreja católica e a protestante - o cristianismo - assumiram a idéia de que Deus pode estar na terra como ser humano. Esse humanismo também faz com que a gente respeite o poder dos seres humanos de serem capazes de fazer, eles também, milagres, os milagres que são feitos pela ciência.

Então, do ponto de vista da política, do ponto de vista da moral, do ponto de vista religioso, do ponto de vista social, do ponto de vista humanista, eu não vejo como justificar a proibição das pesquisas com células-tronco a partir de embriões.

Mas eu ainda falo mais. Do ponto de vista patriótico, se isto ainda tem valor no Brasil, eu creio que a gente não pode abrir mão de o Brasil ter o controle científico nessa área tão fundamental das ciências. Se a gente proibir o uso dos embriões nas pesquisas, nós vamos, como Nação, dar um passo atrás em relação às outras nações que vão poder fazer isso.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Então, apresentei, aqui, todas as razões. A última, antes de dar o aparte, é a jurídica, em que não me meto, pois não me sinto em condições de analisá-la. Por isso, do ponto de vista jurídico, a única coisa que posso fazer é pedir que os juízes, quando votarem e quando tomarem sua decisão, pensem conforme esses argumentos; que levem em conta os argumentos daqueles que, por razões humanistas, por razões sociais, por razões morais, por razões patrióticas, por razões políticas e até por razões religiosas, dizem: o Brasil não pode ficar atrás nas pesquisas que dão direito à vida para pessoas que já nasceram e que não conseguem sobreviver ou não conseguem sobreviver com a qualidade de vida que a ciência já oferece.

Essa é a minha posição, Sr. Presidente. Fiz questão de vir aqui porque creio que a gente não pode ficar calado na hora das grandes decisões, que a esperteza do silêncio é uma esperteza que vai contra a História.

Assim, quero que minha posição fique registrada, apesar de toda minha formação católica, apesar de tudo o que eu devo, do ponto de vista moral, do ponto de vista espiritual, aos anos que passei estudando com padres, irmãos maristas e tantos outros que me influenciaram, inclusive na vida política, como Dom Helder Câmara.

Sr. Presidente, peço licença para dar dois apartes.

Primeiro, ao Senador Mão Santa.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Senador Cristovam, vou atender seu pedido, mas peço brevidade ao Senador Mão Santa e ao Senador Eduardo Suplicy, visto que a Ordem do Dia de hoje se iniciará às 16 horas e há muitos oradores inscritos, mais de vinte por sinal.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Sr. Presidente, vai haver brevidade e, vamos dizer, conhecimentos. Eu fui professor de Biologia e de Fisiologia. Essa lei passou aqui, e quero prestar uma homenagem ao Senado e aos Senadores. Ela foi coordenada pelo Relator, Senador Juvêncio da Fonseca, extraordinária figura. Ele veio até mim e eu sugeri, Papaléo, como homem de ciências, que ele buscasse os cientistas. Ele buscou os melhores cientistas, que estiveram aqui em audiência pública, como nós estivemos, hoje, em audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, que V. Exª preside tão bem. Sempre tenho dito que o Cristovão Colombo buscou terras e que V. Exª busca o saber. Juvêncio da Fonseca trouxe os melhores cientistas, os melhores pesquisadores. Essa foi uma lei boa e justa que nasceu aqui, tratando da biossegurança. Evidentemente, a ignorância é audaciosa. Antes de você, o professor Sócrates já dizia que só há um grande bem, o saber; e um grande mal, a ignorância. E sempre foi assim. Na época medieval, em tudo se esperava por Deus. Aí, surgiram homens como V. Exª, que acreditavam no estudo e no trabalho, e fizeram o Renascimento: a pólvora, a bússola, a imprensa. Leonardo da Vinci os comandou. Muitos foram afastados e excomungados. Maquiavel era da época, Dante Alighieri, Rafael etc. Sou cirurgião e queria dizer, Papaléo, a V. Exª que vive em função disso: quantos cirurgiões foram excomungados porque abrir tórax era pecado, era blasfêmia, era profanar uma caixa sagrada! E, aí, estão transplantando até o coração. O Papaléo vive disso, porque é cardiologista. Então, é isso que quero dizer: isso aqui é a busca da ciência. A ciência é essa. Então, o Judiciário tem de respeitar uma lei boa e justa. A lei é para servir a humanidade. Não é o homem que serve a lei, não; é a lei que o serve. Se ficarmos para trás, vamos ficar atrasados e os outros países vão avançar. Tem muita gente, com muita história, que desenvolveu a ciência médica aqui, no nosso País. Então, é em respeito a isso que estou solidário. Ajudei esse extraordinário Senador Juvêncio da Fonseca, que, com muito estoicismo, relatou essa matéria aqui no Senado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço ao Senador Mão Santa.

Concedo o aparte ao Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Cristovam Buarque, V. Exª aqui traz ao debate uma das decisões mais importantes na história do Supremo Tribunal Federal. Todos nós respeitamos a iniciativa do então Procurador-Geral Cláudio Fontelles, que, com a sua formação, avaliou que haveria inconstitucionalidade. Eu estou muito próximo desse sentimento, inclusive como católico, formado no Colégio São Luís, tendo recebido formação católica de meus pais. Avalio, conforme V. Exª e pessoas como Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, e tantas outras pessoas que estão fazendo um apelo para que haja essa liberdade de avanço nas pesquisas, na linha do que disse o Senador Mão Santa, que falou como médico, inclusive. V. Exª mencionou argumentos em defesa da vida, respeitando a opinião do Presidente da CNBB. Nesse debate sobre o que é o respeito maior à vida, devemos considerar a opinião do Ministro José Gomes Temporão, que explica que, no seu entendimento, respeito à vida significa liberdade, com os cuidados necessários, para se fazer essa pesquisa com células-tronco. Então, quero cumprimentar V. Exª e também agradecer as palavras com que me honrou quando, na semana passada e novamente no início desta semana, sugeriu que eu me colocasse à disposição no debate, como V. Exª tem feito, sobre sucessão presidencial.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço-lhe, Senador Suplicy, pelo aparte. Quero dizer a V. Exª que não foi por nenhuma generosidade citar o seu nome, o do Senador Mão Santa, o do Senador Jarbas Vasconcelos e o de tantos outros, mas por achar que isso engrandeceria o Senado e levaria a que debatêssemos aqui grandes problemas do Brasil, e não ficarmos apenas, muitas vezes, em assuntos secundários.

Quero concluir, Sr. Presidente, dizendo que a minha mania de tentar falar sempre com o coração e evitar trazer textos escritos, às vezes, leva a erros. Creio que quando falei nos Adventistas como aqueles que não aceitam transfusão, talvez tenha cometido um erro. Pode ser que sejam as Testemunhas de Jeová. Mas isso não invalida o meu argumento de que a religião, embora tenha princípios e que corretamente os defenda, não tenta impô-los ao resto da sociedade brasileira. Temos de respeitar fortemente, até pela influência que têm no Brasil todos os nossos irmãos da Igreja Católica. Mas eu ouvi muitos evangélicos antes de vir aqui - e ouvi muitos católicos também -, e creio que chegou a hora de a gente mostrar que uma coisa é pecado, outra coisa é crime. Pecado são os líderes religiosos que definem; quanto ao crime, quem define são os líderes políticos e os líderes do sistema judiciário. Creio que está na hora de não ser crime algumas coisas que podem até continuar sendo pecado para aqueles que professam essa religião.

Era isso que eu tinha a dizer, Presidente.

Muito obrigado pelo tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/2008 - Página 4545