Discurso durante a 32ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamento sobre a edição da MP 415, que proíbe a venda varejista e o oferecimento para consumo de bebidas alcoólicas em rodovias federais. Protesto pela absurda edição de medidas provisórias pelo Governo Federal.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Questionamento sobre a edição da MP 415, que proíbe a venda varejista e o oferecimento para consumo de bebidas alcoólicas em rodovias federais. Protesto pela absurda edição de medidas provisórias pelo Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2008 - Página 6355
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, EDIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PROIBIÇÃO, VENDA, BEBIDA ALCOOLICA, MARGEM, RODOVIA, PAIS, APRESENTAÇÃO, PESQUISA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), DEMONSTRAÇÃO, SUPERIORIDADE, CONSUMO, ALCOOL, ACESSO RODOVIARIO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, CONSUMO, ALCOOL, RODOVIA, MELHORIA, CONSERVAÇÃO, ACESSO RODOVIARIO, REDUÇÃO, ACIDENTE DE TRANSITO, PAIS.
  • COMENTARIO, PESQUISA, CONSELHO NACIONAL DE TRANSPORTES (CNT), PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, RODOVIA, BRASIL, SUPERIORIDADE, FUNDOS PUBLICOS, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, EMPENHO, RECUPERAÇÃO, ACESSO RODOVIARIO, IMPEDIMENTO, ACIDENTE DE TRANSITO, AUMENTO, PREÇO, PRODUTO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, SOJA.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em qualquer país democrático, é papel institucional dos partidos de oposição apontar os erros dos governantes, bem como cobrar seu imediato reparo. Faz parte da natureza de ser oposição. Do mesmo modo, é sinal de maturidade política saber reconhecer os acertos dos governos, independentemente da coloração política ou do matiz ideológico de seus integrantes. Democracia e maniqueísmo encerram idéias diametralmente opostas: uma pressupõe a convivência entre os diferentes; a outra, a falta de convivência, isto é, o puro e simples antagonismo.

Vivemos em uma democracia. Por isso mesmo, os partidos de oposição aqui representados não se cansam de apontar os erros cometidos pelo Governo e de cobrar as soluções de que o Brasil tanto precisa. Ao mesmo tempo, a Oposição não se envergonha de elogiar os acertos, mesmo que eles sejam uma minoria entre os inúmeros atos praticados pelo Governo que aí está.

Poderíamos perder horas e horas a discutir o papel de governo e oposição no regime democrático. Hoje, não é esse o meu propósito. Honrando o alto nível do debate nesta Casa, bem como as práticas salutares dos partidos oposicionistas aqui representados, elogiarei, mas também criticarei o Governo.

No dia 21 de janeiro passado, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 415, que “proíbe a venda varejista e o oferecimento para consumo de bebidas alcoólicas em rodovias federais”. Não tenho dúvida de que se trata de uma medida extremamente benéfica, capaz de evitar muitos acidentes de trânsito provocados por motoristas embriagados. Já era hora de tomar uma atitude drástica para combater as milhares de mortes na estrada provocadas pelo excesso de álcool.

Para se ter uma idéia da gravidade do problema, pesquisa do Ministério da Saúde realizada no ano passado aponta que cerca de 150 mil brasileiros costumam dirigir após a ingestão de 4 a 5 doses de bebidas alcoólicas. Como médico, posso afirmar: tais pessoas deixam de ser apenas motoristas para se tornarem assassinos ambulantes, pois perdem totalmente a capacidade de conduzir um veículo com segurança.

Não tenho qualquer crítica quanto ao mérito da decisão tomada pelo Governo. Porém, devo afirmar que, mais uma vez, a forma utilizada é pouco adequada. Na abertura dos trabalhos do Congresso Nacional, o Presidente Garibaldi Alves criticou, com muita veemência e propriedade, a usurpação pelo Poder Executivo de nossa tarefa primordial, que é legislar. Essa Medida Provisória é mais um capítulo dessa inaceitável realidade.

Por que o Governo não enviou um projeto de lei para ser discutido pelo Legislativo? Todos sabem que, quando há vontade política, especialmente da parte do Executivo, o trâmite dos projetos de lei se dá de forma célere! Além disso, tramitam no Congresso centenas de proposições que visam a aperfeiçoar a legislação de trânsito brasileira e que poderiam ser aproveitados para enriquecer a proposta do Presidente da República. Mais uma vez, no entanto, optou-se por atropelar o Parlamento brasileiro com a edição de mais uma MP!

É preciso, também, deixar claro que a presença de motoristas alcoolizados nas estradas brasileiras não é a única causa de acidentes. Sendo assim, não basta combater a venda de álcool nas rodovias, a despeito da enorme importância de fazê-lo. Muitas fatalidades acontecem por causa do péssimo estado de conservação da malha rodoviária brasileira, de um modo geral repleta de buracos e carente de sinalização adequada.

Segundo a Pesquisa Rodoviária 2007, elaborada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), dos quase 59 mil quilômetros de rodovias federais que foram pesquisados, 74,2% estão em estado regular, ruim ou péssimo, contra 17,6% em bom estado e 8,2% em estado ótimo. Os números revelam uma só verdade: o descalabro administrativo que tomou conta da gestão rodoviária brasileira.

Segundo a CNT, para que as rodovias brasileiras (federais e estaduais) atinjam, de imediato, padrões satisfatórios de segurança e de desempenho, são necessários recursos da ordem de R$23,6 bilhões. Para a correta manutenção da malha, ainda seria preciso gastar R$1,34 bilhão por ano, valor bem superior aos historicamente aplicados na conservação de nossas estradas.

O péssimo estado de conservação das rodovias brasileiras não é responsável, apenas, por boa parte dos acidentes de trânsito. Contribui, e muito, para o encarecimento do custo dos produtos nacionais, sejam eles destinados ao mercado interno ou à exportação. Exemplo clássico dessa triste realidade é a soja plantada em Mato Grosso. Mesmo com custo de produção inferior às demais regiões brasileiras, a soja mato-grossense chega aos portos custando bem mais, em virtude da distância e do caótico estado das rodovias.

Aqui perto, no Estado de Goiás, os produtores de leite não têm conseguido escoar satisfatoriamente sua produção. Em virtude das fortes chuvas ocorridas agora em fevereiro, as rodovias estão praticamente intransitáveis.

É forçoso reconhecer que a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias é uma medida extremamente benéfica. Mas só isso não basta! O Governo Federal precisa investir pesadamente na recuperação e na manutenção das estradas brasileiras, cujo estado deplorável é causa importante de acidentes que vitimam, ferem e incapacitam, todo ano, milhares de brasileiros e de brasileiras.

É bem verdade que os recursos necessários são vultosos. Entretanto, estou certo de que se o Governo resolvesse combater, com seriedade, a corrupção que ainda grassa neste País, assim como reduzir, mesmo que marginalmente, os inúmeros cargos de confiança que abarrotam a Esplanada dos Ministérios, grande parte da questão estaria resolvida!

O Governo Lula precisa parar de querer resolver os problemas pela metade. É preciso enfrentá-los por inteiro. Em nome da segurança nas estradas, muito além da proibição do álcool, é preciso investir na ampliação da malha rodoviária, bem como na duplicação, manutenção e correta sinalização das rodovias já existentes. Os usuários merecem respeito! E é isso o que exigimos.

O segundo assunto que trago à tribuna, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que, entra ano, sai ano, um fenômeno continua a desafiar todos aqueles que se preocupam com a solidez de nossas instituições e, conseqüentemente, com a preservação de nossa democracia.

Refiro-me, Srªs e Srs. Senadores, à absurda quantidade de Medidas Provisórias adotadas pela Presidência da República. Uma distorção que tem sido observada desde que o instrumento foi criado, na Constituição Federal de 88, e que não foi sanada nem mesmo com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001.

A origem da Medida Provisória, todos sabemos, não é das mais nobres. Ela veio substituir o Decreto-Lei, instituído pela Carta outorgada de 1937, e que ajudou Getúlio Vargas a exercer plenos poderes durante o Estado Novo. A figura do Decreto-Lei foi ignorada na Constituição democrática de 1946, mas os governos militares a ressuscitaram por meio do Ato Institucional nº 2, de 1965, e a consagraram na Constituição de 1967.

Nossa Carta Cidadã de 1988, com base na experiência de outros países, introduziu a figura da Medida Provisória. Tomou, é claro, as precauções necessárias, em especial a determinação de que o instrumento só poderia ser adotado em casos de relevância e urgência.

O problema, Srªs e Srs. Senadores, é que esse critério de relevância e urgência tem sido desconsiderado a todo momento. Ainda se tentou, com a Emenda Constitucional nº 32, de 2001, pôr algum freio à sanha do Executivo. Imaginava-se que, confrontado com a possibilidade de ver sua iniciativa naufragar por decurso de prazo, o Governo Federal pudesse ser um pouco mais cauteloso na adoção de Medidas Provisórias.

Não é o que ocorre. Continuam a ser enviadas, ao Congresso Nacional, propostas que não obedecem à prescrição de serem, ao mesmo tempo, relevantes e urgentes.

Nossa pauta vive trancada por Medidas Provisórias que tratam da abertura de créditos extraordinários, da aprovação de planos de cargos e salários, da criação de secretarias e de absurdos como a chamada TV Pública e de outras matérias que poderiam, muito bem, ser contempladas num projeto de lei, num sinal de respeito ao Poder Legislativo.

Gostaria de ressaltar, Sr. Presidente, uma vez mais, o fato de que prerrogativas essenciais do Poder Legislativo vêm sendo usurpadas pelo Poder Executivo. E isso porque, a bem da verdade, dois atributos têm faltado ao Governo Federal: competência para planejar adequadamente suas atividades e disposição para fazer as necessárias articulações com o Congresso Nacional.

E não se diga, Sr. Presidente, que essa ânsia de legislar do Poder Executivo tem origem em eventual descaso por parte dos Parlamentares. Ao contrário! Ano a ano, tramitam nesta Casa milhares de proposições apresentadas por Deputados e Senadores. Proposições que, muitas vezes em função do trancamento da pauta provocado pelas Medidas Provisórias, não têm a oportunidade de ser apreciadas e votadas.

Por tudo isso, Srªs e Srs. Senadores - pelo desprestígio que as Medidas Provisórias representam para os Parlamentares, mas acima de tudo por seu caráter pouco democrático -, é que alguma providência mais drástica deve ser tomada.

Foi esse o motivo que me levou a apresentar a Proposta de Emenda à Constituição nº 47, de 2004, que extingue o instituto da Medida Provisória. Pela proposta, Sr. Presidente, ficam revogados o inciso V do artigo 59, os artigos 62 e 246, e todas as demais disposições de nosso texto constitucional que façam referência à Medida Provisória.

A matéria foi declarada prejudicada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e encontra-se na Ordem do Dia do Plenário. Pretendo, no entanto, recorrer desta decisão.

Tenho convicção, Srªs e Srs. Senadores, de que sua aprovação nas instâncias cabíveis, com a conseqüente extinção do instituto da Medida Provisória, não acarretará qualquer empecilho à governabilidade.

Vale lembrar que nossa Carta já prevê, no parágrafo 1º do artigo 64, que o Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.

Pode também o Presidente da República, de acordo com o artigo 136 da Constituição, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

Também não devemos subestimar o poder da opinião pública de obter pronta resposta do Congresso Nacional nos casos que exijam decisão urgente. Resposta que é facilitada com a imediata presença dos Parlamentares na Capital Federal ao serem convocados.

De outro lado, há de se convir que, na avaliação do que é bom ou ruim para o País, nada substitui a sensibilidade política do Parlamento. Os especialistas que assessoram o Presidente da República, ainda que tenham boa formação intelectual, nem sempre são capazes, do ponto de vista do jogo democrático, de fazer as melhores escolhas para a sociedade.

Esses, Sr. Presidente, são os meus argumentos. Minha avaliação é de que não podemos continuar convivendo com esse instrumento que afronta a soberania do Congresso Nacional. Penso que temos o dever cívico, a obrigação moral de, em nome da democracia, dar um basta às Medidas Provisórias.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2008 - Página 6355