Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à edição de Medidas Provisórias que abrem créditos extraordinários, que contraria o artigo 167 da Constituição Federal. (como Líder)

Autor
Sergio Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PE)
Nome completo: Severino Sérgio Estelita Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV). ORÇAMENTO.:
  • Críticas à edição de Medidas Provisórias que abrem créditos extraordinários, que contraria o artigo 167 da Constituição Federal. (como Líder)
Aparteantes
Arthur Virgílio, Cristovam Buarque, Flexa Ribeiro, Marco Maciel, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2008 - Página 6450
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV). ORÇAMENTO.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, EMISSÃO, EXECUTIVO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA ADMINISTRATIVA, DEMONSTRAÇÃO, FALTA, ORGANIZAÇÃO, GOVERNO, DESRESPEITO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL.
  • ADVERTENCIA, ABUSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ABERTURA, CREDITO EXTRAORDINARIO, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AUSENCIA, ATENDIMENTO, REQUISITOS, URGENCIA, RELEVANCIA, CRITICA, INCOMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, DELIBERAÇÃO, ORÇAMENTO, FISCALIZAÇÃO, GASTOS PUBLICOS.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, COMPROVAÇÃO, EXCESSO, VALOR, CREDITO EXTRAORDINARIO, PAGAMENTO, DESPESA CORRENTE, PROJETO, PREVISÃO, LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS (LDO), PLANO PLURIANUAL (PPA), PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, ESPECIFICAÇÃO, CONSTRUÇÃO, FERROVIA, RODOVIA, PORTO, OBRAS, IRRIGAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, DENUNCIA, FALTA, EXECUÇÃO, OBRA PUBLICA, DEMONSTRAÇÃO, AUSENCIA, URGENCIA.
  • COMENTARIO, EXCESSO, ABERTURA, CREDITO EXTRAORDINARIO, COMPROMETIMENTO, DEBATE, NEGOCIAÇÃO, ORÇAMENTO, EFEITO, CONCENTRAÇÃO, PODER, EXECUTIVO, PREJUIZO, DEMOCRACIA, SOCIEDADE.
  • DEFESA, OMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, VOTAÇÃO, CREDITO EXTRAORDINARIO, DESCUMPRIMENTO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL.

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiro agradeço a deferência do Senador Tuma, que, com a sua cordialidade, marca sua atuação parlamentar. Uma segunda e rápida palavra sobre o pronunciamento do Senador Paim, um pronunciamento equilibrado, positivo, construtivo, como deveria ser a marca do Congresso no geral. Ele não fugiu dos seus compromissos assumidos há muitos anos, tem suas opiniões e as defende com independência e altivez e tem o respeito de todos nós.

Sr. Presidente, sobre essa questão das medidas provisórias, que neste instante polariza em parte a discussão do Congresso Nacional, tenho um raciocínio muito claro. Se as medidas provisórias se reduzissem ao seu conteúdo, ao que as justificaria - urgência e relevância -, elas seriam um instrumento positivo na atuação parlamentar e executiva. O fato é que o próprio Executivo, com o passar dos anos, se acomodou a uma política permissiva, que é muito cômoda para o Executivo e depreciativa para o Legislativo, que é a de emitir medidas provisórias em grande quantidade para resolver problemas gerenciais e administrativos que poderiam ser resolvidos por outro caminho legal e diz respeito à atuação parlamentar. Esse hábito, esse processo desorganiza o Governo.

De maneira que eu tenho aqui, na minha íntima convicção, a idéia de que, mesmo que o Governo decida agora ter uma política de maior responsabilidade na emissão de medidas provisórias, ele teria sérias dificuldades de transformar essa sua opinião, essa sua vontade em resultados. Porque o próprio Governo, o hábito de atuar, a forma como essa atuação produz desorganização, teria extrema dificuldade de se estruturar em uma outra base mais racional. Há uma adaptação. E essa adaptação implica uma transição que, eu tenho a impressão, as autoridades não estão decididas a promover. Percebo que, nesse assunto das medidas provisórias, como em muitos assuntos, há sempre duas tendências no próprio Governo: setores do Governo defendem negociação, acordo, respeito, convivência; setores do Governo não defendem isso. Tomam atitude de confronto, rolo compressor, cooptação.

A história do Congresso e do Senado, de maneira especial, nos últimos tempos, tem sido este permanente vai-e-vem: numa hora, a ação é construtiva -desejo de negociação, desejo do ajuste correto; noutra hora, é atitude arbitrária de passar por cima de regras, costumes, hábitos, passar por cima da oposição, passar por cima da verdade, evitar fiscalização e desestruturar comissões parlamentares de inquérito, que deveriam cumprir o seu papel e que são impedidas de cumpri-lo. Tudo isso aponta na direção da contrademocracia e que termina prevalecendo.

Eu fiz algumas notas aqui para as quais eu gostaria de chamar a atenção dos companheiros Senadores. As medidas provisórias assolam a agenda do Legislativo. Gostaria, hoje, de tratar, especificamente, daquelas medidas que abrem créditos extraordinários. Parece-me, esse quadro - de créditos extraordinários -, parte de um grande desequilíbrio de funcionamento do Congresso no que diz respeito ao Orçamento, no sentido mais amplo, e às contas públicas em particular. O Congresso tem-se demonstrado absolutamente incapaz de cuidar de Orçamento e da fiscalização das contas públicas. E o Executivo tem-se demonstrado absolutamente decidido a evitar que essa fiscalização se dê.

A abertura de créditos orçamentários, por tratarem de prerrogativas financeiras entre poderes constituídos, tem seu disciplinamento fixado nas constituições. Sempre foi assim e assim é que deve ser.

Os créditos orçamentários dependem, como regra geral, de aprovação, pelo Legislativo, da lei orçamentária e de crédito suplementar ou de crédito especial. Essa é a regra que sempre presidiu o funcionamento da atividade parlamentar no que diz respeito a créditos ao Orçamento, que, como todo mundo sabe, são defeituosos e inconsistentes. Além disso, o §3º da art. 167 da Constituição - e isso é muito importante - circunscreve a possibilidade de abertura de crédito do tipo extraordinário somente para atender a despesas imprevisíveis - isso em relação a créditos - e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Somente nesses casos de imprevisibilidade e urgência, como nos decorrentes de guerra, comoção interna e calamidade pública, justificam-se medidas provisórias para créditos extraordinários. Não bastam, portanto, a relevância e a urgência, como se dá em qualquer medida provisória, tornando-se indispensável também a imprevisibilidade dos gastos. Está previsto, é norma, é lei, que só gastos imprevisíveis podem ser transformados em medidas provisórias em matéria de créditos extraordinários.

Nada disso acontece. O que era para ser extraordinário, no entanto, virou política e prática comuns. O montante de medidas provisórias abrindo créditos extraordinários é crescente nos últimos anos, como demonstrarei a seguir.

O uso abusivo pelo Poder Executivo de medidas provisórias para abrir créditos extraordinários contraria a Constituição, porque a maior parte desses gastos não atende aos requisitos de urgência e de imprevisibilidade. Eles têm de ser imprevisíveis.

Durante o Governo do Presidente Lula - é importante que os democratas que apóiam o Governo prestem atenção a isto, porque essa não é uma questão do Governo, mas da democracia -, houve cinco créditos extraordinários, somando R$2,6 bilhões no ano de 2003. Esse número foi crescendo até atingir, em 2007, o total de vinte créditos extraordinários, em montante de R$48,2 bilhões.

Isso é um absurdo! É um exagero. Não é defensável. Não haverá aqui nenhum político democrático que sustente e justifique uma decisão dessas. Quarenta e oito bilhões de reais, muito mais do que todo o investimento público, chegam aqui na forma de créditos extraordinários, por medida provisória, que não são examinados e que passam aqui na volúpia incessante da desconstrução do Legislativo.

Faço aqui um exercício de números. Em 2003, foram cinco, que valeram R$2,6 bilhões; em 2004, foram 10, que valeram R$8 bilhões; em 2005, foram 17, que valeram R$12 bilhões, muito mais do que todo o investimento nacional; em 2006, foram 26, que valeram R$27,4 bilhões; em 2007, foram 20, que valeram R$48,2 bilhões. Estou falando de bilhões de reais e não de milhões de reais. Quarenta e oito bilhões e duzentos milhões de reais, na forma de crédito extraordinário de despesas que deveriam ser imprevisíveis e que não o são.

Agora, em 2008, até o dia 1º de março, já somam R$12,5 bilhões.

Eu me pergunto: qual é o papel do Congresso e o que estamos fazendo aqui? Isso não é brincadeira. São créditos de montante extraordinário.

Do montante de R$48,2 bilhões, de 2007, R$24 bilhões foram destinados ao custeio, outras despesas correntes - portanto, custeio tem a ver com despesa corrente, com folha de pagamento, com despesas completamente previsíveis, que estão na LDO, que são projetadas para todo o ano; R$16,5 bilhões para investimentos; e R$7,5 bilhões para empréstimos e inversões financeiras.

Grande parte das dotações abertas corresponde a projetos que constam da programação do Plano Plurianual. Previsíveis, portanto. O Plano Plurianual prevê o seu ano de execução e mais três anos na frente - são quatro anos.

Num país como o Brasil, que nunca trabalhou de fato, a não ser num passado muito antigo, com previsão de longo prazo e planejamento de fato, de real, quatro anos de macroplanejamento é tempo demais, previsibilidade demais. Como justificar que o que está projetado para quatro anos de execução seja imprevisível, urgente? Não tem o menor sentido. É contra a lógica, o bom senso.

Estou falando que apenas no Ministério dos Transportes, com essa mesma característica, foram abertos e efetivados R$3,1 bilhões em créditos extraordinários - R$3 bilhões é mais do que o Governo investe normalmente em todas as obras de recuperação e construção de estradas no País. Na Integração Nacional, R$1,5 bilhão; e, no Ministério das Cidades, R$3,3 bilhões.

São números assustadores, números brutais! Nós vivemos aqui falando de emendas de dez milhões, de cinco milhões, de doze milhões, de vinte milhões, brigando, em nossos Estados, por dotações de dez, vinte, trinta, quarenta milhões de reais! Estou falando aqui de R$48 bilhões, de Ministérios que gastaram R$3,3 bilhões, R$1,5 bilhão e R$3,1 bilhões!

É um absurdo! Não há como defender isso. Isso é uma agressão. Não precisa ser do PT, do PSDB, do PMDB, de qualquer partido para não aceitar uma coisa dessas. Basta ser democrata, basta ter respeito pelo povo que elegeu parlamentares para cumprir o seu papel. Fico rigorosamente indignado, com absoluta sinceridade!

Tratam-se de ações totalmente previsíveis, muitas delas integrantes do Plano Plurianual e do PAC - desse tal PAC - e que, portanto, possuem planejamento e programação intensiva. Ora, o que está no PAC tem planejamento e programação intensiva. Projeto executivo: noventa por cento dos casos. Como dizer que é imprevisível? Como é urgente? Não faz o menor sentido! É um absurdo!

Cito alguns exemplos:

“Construção de trecho ferroviário da Ferrovia Norte-Sul e reaparelhamento administrativo da Valec” - Medida Provisória nº 402, de 2007.

Ora, não se pode construir um trecho ferroviário sem planejamento, sem projeto executivo. Eu me lembro, há muitos anos, no gabinete do Vice-Presidente Marco Maciel, aqui presente, quando discutíamos sobre a Ferrovia Transnordestina, S. Exª, então Vice-Presidente da República, interrompeu nossa reunião - estavam presentes representantes da Companhia Siderúrgica Nacional, da Vale do Rio Doce, acionistas da CFN - e perguntou: “Vocês têm projeto?” - lembra-se disso, Presidente? -, “O projeto está pronto?”. Não havia projeto pronto. E até hoje a ferrovia não saiu do papel.

Esses que estão aqui têm projeto executivo. Se não tivessem, não estariam aqui ou não poderiam estar aqui, e transformaram-se em crédito extraordinário por medida provisória.

“Restauração e manutenção de trechos rodoviários.” Como não prever manutenção de trecho rodoviário e restauração? É absolutamente óbvio, e tem coeficiente para isso, exames metódicos, absolutamente claros, de previsão. Pode-se deixar de fazer, mas a previsão existe para que ela tivesse de ser feita. Então, restauração e manutenção de trechos rodoviários em praticamente todas as rodovias. Em todas as rodovias brasileiras, créditos extraordinários foram usados para fazer restauração e manutenção das rodovias, em desrespeito total às regras que presidem o funcionamento das contas públicas no Congresso.

“Obras de integração do rio São Francisco e perímetro de irrigação.” Tudo isso tem projeto, tudo isso é previsível. Não tem o menor sentido que isso seja matéria de medida provisória. É um absurdo!

“Obras e portos. Portos de Itaguaí, Rio de Janeiro e outros.” É claro que ninguém vai fazer obra de porto sem ter o projeto, sem ter previsão.

“Obras de saneamento em geral.”

Estou falando em algo que vale mais de R$20 bilhões somente nesses itens. Isso aparece e foi aprovado aqui como crédito extraordinário, no Congresso, do qual fazemos parte, na forma de medidas provisórias.

Vamos continuar com isso? Vamos permitir que isso continue? Faz sentido isso? Isso pode ser objeto de negociação política? Não. Não pode haver negociação política sobre a lei: ou se cumpre ou não se cumpre a lei; ou se cumpre o que está determinado, o que é certo e correto e determinado em uma matéria dessa relevância, desse tamanho, desses valores, ou não se estará cumprindo nada e não há que se exigir nada de ninguém. É o regime da permissividade total e da inconseqüência absoluta.

É incrível o montante de créditos extraordinários abertos em 2007.

A conta de investimento, já em 2007, é de R$16,5 bilhões. Ainda mais inacreditável é o fato de que grande parte deles não foi executada em 2007. Mesmo sendo urgentes, mesmo sendo imprescindíveis, mesmo sendo relevantes, mesmo sendo imprevisíveis do ponto de vista do que deveriam ser, não foram sequer executados. Portanto, não eram nem urgentes, nem eram relevantes, nem eram imprevisíveis, tanto que não foram executados. Eu não estou falando de 10% nem 20%: mais de 50% não foram executados.

O valor pago, em 2007, corresponde ao valor de cerca de 20% do valor aberto no mesmo ano. Do que era urgente, imprescindível, inadiável, apenas 20% foi pago, 80% não foi. Isso é uma fraude, que passa por todos nós todos os dias e contra a qual nós não nos indignamos.

Por exemplo, não está presente, aqui, o Senador Aloizio Mercadante, infelizmente, que conversa sempre comigo sobre essas coisas. Por exemplo, Mercadante é uma pessoa que tem conhecimento da questão, do que estou tratando. Como é que ele poderia explicar uma posição dessas? Ou outros Senadores que têm maior foco nesse assunto, como qualquer Senador que tem preocupação com a democracia.

Não dá! Não dá para fazer isso e continuar desse jeito! Não estou sendo radical. Não estou sendo nada disso. Estou sendo a favor do Congresso, a favor do papel que nós cumprimos aqui, do voto que nós recebemos, dos partidos que nós somos, que têm programas, que deviam honrar a democracia.

O uso de medidas provisórias serve, na maior partes da vezes, como atalho à negociação política. Você usa a medida provisória quando você recebe uma pressão. E, em vez de - porque sempre tem origem numa pressão política - resolvê-la de forma normal, pela via orçamentária, com previsão, projeto e aprovação no Congresso, você usa medida provisória. Essa é a regra.

Mais ainda: os créditos extraordinários são financiados basicamente por duas fontes: superávit financeiro da União, R$24,3 bilhões - números de 2007 - e anulação de outras dotações, R$19,4 bilhões.

Sabe o que é isso? Quem pagou esses créditos extraordinários, na verdade, foi o Orçamento que nós aprovamos e que não valeu. Ele não valeu em R$40 bilhões. Vinte e quatro com dezenove... Quarenta e quatro bilhões de reais. Foi brincadeira! O Governo desconstruiu o que foi feito aqui. Por isso é que não presta atenção ao Orçamento e que o transforma apenas em moeda de troca para manter maioria parlamentar. Esse é que é o fato concreto. Responsabilidade econômica? Nada disso. Só com o FMI quando o FMI fiscalizava, e, agora, com certos interesses que não são exatamente os do povo.

A primeira fonte é de natureza puramente financeira e contábil. Não corresponde à nova receita corrente - falo do superávit. O resultado prático do seu uso nos créditos extraordinários é o aumento da necessidade de contingenciamento das demais dotações regulares. Como há o crédito e não há o orçamento para o crédito, contingencia-se o orçamento feito. O que nós fazemos não vale nada. Fica contingenciado, submetido à decisão do gerente de plantão em qualquer Ministério.

A segunda fonte que financia os créditos extraordinários corresponde à anulação direta de dotações regularmente aprovadas durante a apreciação da peça orçamentária. É a simples anulação do que aprovamos, direta, objetiva, clara: “Corte-se isto aqui e ponha-se lá”, na forma de crédito extraordinário indevido. Ou seja, num e noutro caso, a abertura generalizada de créditos subverte as prioridades, neutraliza e distorce os mecanismos de discussão da lei orçamentária que, por sua natureza, já são incompletos e desequilibrados.

Ao reduzir a necessidade de manter as negociações políticas em torno do orçamento, se tudo pode ser feito em medida provisória, o Governo passa a concentrar poder, o que é ruim para a democracia e a sociedade. Não existe democracia nesse assunto, nenhuma democracia, nem respeito às leis, e muito menos consideração com o Congresso.

Na minha cabeça - e creio que na de qualquer pessoa de bom senso -, propomos que as situações de abertura de créditos extraordinários sejam taxativas: guerra, comoções internas, calamidade pública e não meramente exemplificativas, como são essas que chegam aqui. Se não mudarmos isso, não estaremos mudando de fato o conteúdo dessas medidas provisórias.

As medidas provisórias de caráter político e social chamam a atenção da maioria da sociedade. Essas medidas provisórias que tratam de recursos desse tipo não chamam a atenção da sociedade, são herméticas do ponto de vista da compreensão pública. Então, elas passam, e vão passando, com a brutal e total falta de desempenho democrático. Eu concordo em dizer que, se eu fosse do PT e sendo democrata, eu faria este discurso que fiz aqui; se estivesse no Governo, eu faria também, porque não se trata de um discurso de oposição, mas de um discurso da democracia, que precisa ser restaurada enquanto é tempo, porque fora dela e fora das regras o que sobram é a radicalização e o populismo, que engordam de votos alguns e enfraquecem de fato a sociedade, a democracia e o futuro do País.

Eu ouço o nobre Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PTB - SP) - Senador Sérgio Guerra, praticamente V. Exª esgotou o assunto. O que me preocupa é saber qual o papel da Comissão de Orçamento diante dos números de suplementação de verbas que V. Exª ofereceu. Então, eu...

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Isso passa por fora da Comissão de Orçamento.

O Sr. Romeu Tuma (PTB - SP) - Hein?

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Isso passa por fora. Não devia passar por lá, e não passa.

O Sr. Romeu Tuma (PTB - SP) - Qual é o papel, se há previsão? Ninguém pode prever uma emergência de guerra, mas pode prever a construção de uma estrada, de saneamento básico. São previsões de longo prazo, inclusive.

Criaram até a Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo, provavelmente para organizar essas previsões. Então, questiono-me: qual é o papel da Comissão de Orçamento?

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Acho que é um questionamento absolutamente correto.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª completou 20 minutos; eu lhe dei mais três, no entanto, há outros oradores que o País ansiosamente aguarda.

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Pois não, Presidente. Vou responder rapidamente às consultas.

A Comissão de Orçamento deveria examinar esses créditos, se eles viessem na forma de crédito; não vêm.

Concedo o aparte ao Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Sérgio Guerra, de maneira bastante breve, conforme entendimento do nosso Partido, ontem já explicitei ao Presidente Garibaldi Alves que o nosso Partido não indicaria nomes para a próxima Comissão de Orçamento, porque a nossa luta, o nosso objetivo é no sentido de acabar com a Comissão tal como ela hoje funciona, para adotarmos a idéia, que é de V. Exª inclusive, de cada tema ser apreciado por cada Comissão Temática de uma Casa e da outra depois, com o afunilamento disso sendo feito por uma Comissão de Sistematização, a exemplo do que ocorrera na Constituinte. E queremos ver a Comissão funcionando de dia ao invés dessas reuniões à noite - não vejo por que esses serões todos. Têm de ser de dia, com a imprensa alerta, talvez até mais do que já esteve em relação ao que se passa naquela Comissão. Em segundo lugar, digo a V. Exª que concordo com seu pronunciamento em gênero, número e grau. Os créditos extraordinários, via medida provisória, prostituem a execução orçamentária, desmoralizam a existência do Congresso e facilitam, de maneira absolutamente irregular, inconstitucional, a vida do Governo. Terceiro, que o nosso Partido, em documentos e petições firmadas por V. Exª, já tem mais de meia dúzia de ações diretas de inconstitucionalidade contra medidas provisórias que estabelecem créditos extraordinários a serem apreciados pelo Congresso Nacional Portanto, a nossa posição é muito clara. Além de todas as razões que temos para nos insurgir em relação ao que chamam de normalidade aqui - querem que nós nos portemos com normalidade dentro de uma situação anômala, anormal -, além de todas elas, que vêm do episódio lamentável daquela sessão da esperteza, enfim, temos um claro objetivo - e nisso nós nos somamos ao DEM e o DEM se soma conosco -: não facilitarmos a aprovação de qualquer medida de crédito extraordinário aqui. Enquanto aguardamos o pronunciamento do Supremo, obstaculizaremos, sistematicamente, todas as medidas provisórias que venham a disciplinar essa questão, que venham a procurar oferecer a facilidade dos créditos extraordinários para o Governo Federal. Parabéns a V. Exª, que fez um discurso longo, mas muito proveitoso para quem o ouviu e para os seus Colegas. Muito obrigado.

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Agradeço a palavra do Líder Arthur Virgílio, e ouço o Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Nobre Senador Sérgio Guerra, Presidente Nacional do PSDB, eu gostaria de começar o meu brevíssimo aparte fazendo uma observação óbvia: em todos os parlamentos do mundo, a peça mais importante que se vota anualmente é o Orçamento. Daí por que as atenções da coletividade se voltar justamente para a discussão e votação do Orçamento.

No Brasil, diferentemente do que ocorre em todo o mundo “civilizado”, o Orçamento é uma peça que não é levada a sério. É mais um instrumento de ficção do que, uma peça que tenha a ver com o programa de Governo. Isso precisa acabar.

Talvez deva ser essa a nossa principal tarefa neste ano legislativo, porque, sem isso, vamos continuar, obviamente, extremamente defasados com relação ao que acontece nos países mais modernos e mais bem-sucedidos. Em segundo lugar, com relação à medida provisória, desde que foi discutida a última versão que se expressa por meio da Emenda Constitucional nº 32, de 2002, sempre considerei, naquela ocasião na Vice-Presidência da República, que essa não era uma boa emenda, por várias razões.

Primeiro, pela criação do instituto de trancamento de pauta. Em segundo lugar, por não limitar a matéria que objeto de deliberação. Fala-se muito do regime militar. Mas é bom lembrar que o decreto-lei, que correspondia ao que hoje significa, na Constituição de 88, as medidas provisórias, só era possível legislar sobre dois assuntos: segurança nacional e finanças, desde que não houvesse aumento de despesas. Depois, houve uma modificação para incluir também a questão do servidor público. Só nesses casos era possível baixar decreto-lei. Outra observação: a medida provisória - como se tem chamado a atenção com insistência - é um mecanismo do regime parlamentarista.

Uma vez que mantivemos o presidencialismo, não tem sentido a existência do instrumento da medida provisória. Por fim, precisamos verificar que os pressupostos de urgência e relevância também não são respeitados. Se a Casa fizesse como, aliás, recomenda a Emenda nº 32, Comissões para apreciá-las, certamente não daria parecer pela admissibilidade das respectivas medidas.

Então, está na hora de incluirmos, como algo inadiável, ainda neste ano legislativo, peça uma fundamental das chamadas reformas institucionais: a questão do orçamento, estabelecendo-se novas técnicas de elaboração orçamentária - e V. Exª é doutor nessa questão -, e, em segundo lugar, tratar também da questão das medidas provisórias, porque, da forma como são usadas pelo Executivo, destorcem totalmente os objetivos para os quais foram criadas.

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Obrigado pelo aparte esclarecedor do Presidente Marco Maciel.

Concedo o aparte ao Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Sérgio Guerra, hoje, todos os oradores falaram em medidas provisórias. Senti, ao escutar o discurso de Pedro Simon, que ele estava voltando ao tempo em que, no regime militar, a gente precisava fazer uma resistência. E é mais ou menos a mesma coisa. Obviamente, não há prisão nem exílio, mas o poder do Executivo, com as medidas provisórias, sendo usado esse poder da maneira arbitrária, generalizada como está sendo, é um regime de eliminação do papel do Congresso: fica aberto, mas não funciona. Hoje, a gente precisa fazer uma resistência muito mais profunda às medidas provisórias do que nos últimos meses muitos falavam. Hoje é uma questão de sobrevivência do Congresso...

(Interrupção do som.)

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - ...da forma como elas estão sendo usadas pelo Executivo. Sempre fui daqueles que disse, desde a Constituinte, lá fora, que precisávamos das medidas provisórias. Nunca fui contra. A velocidade como hoje acontecem as coisas exige que o Poder Executivo tenha algum instrumento que lhe dê agilidade, mas não de maneira arbitrária, autoritária e quase ditatorial, como está sendo. Então, esse é um ponto em que temos de fazer alguma resistência. E não pode ser só o discurso, porque a gente está tão irrelevante, que a gente faz discurso, discurso, discurso, e não adianta nada! Tem que se de pensar em algum gesto concreto. Segundo, sobre o Orçamento. O Senador Marco Maciel disse bem: o ponto chave do processo legislativo é a formação do Orçamento. Eu, que defendo transformações neste País, não tenho a menor dúvida. Houve um tempo em que a transformação vinha da desapropriação do capital, da desapropriação da terra... Não é mais isso! Hoje, o lugar onde se pode fazer uma revolução é no Orçamento. Dizia sempre que, se eu fosse da Comissão de Orçamento, eu viria vestido de guerrilheiro, porque é ali que se fazem as mudanças. Terminaram me colocando na Comissão de Orçamento, mas nem fui, porque, da segunda vez, a gente percebe que aquilo é praticamente uma farsa e uma manipulação muito grande. Temos de parar as medidas provisórias, como elas vêm, e temos de mudar a maneira como o Congresso participa da elaboração do Orçamento. É ali que a gente muda o País. Como está aí, a gente não está mudando coisa alguma, estamos ficando irrelevantes. O Orçamento todo é uma peça de quase medida provisória, ou uma medida provisória disfarçada. O Poder Executivo decide, a gente ratifica, e algumas migalhas são usadas de maneira nem sempre decente nas emendas que são feitas aqui. Parabenizo V. Exª, mas quero cobrar algo mais de todos nós, não só do senhor: algum gesto a gente precisa fazer sem precisar de tanque de guerra, sem precisar de fechar o Congresso, senão ficaremos irrelevantes, e aí não haverá mais democracia.

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Agradeço o aparte que fez o Senador Cristovam Buarque com a lucidez que o caracteriza.

Estou falando de cem bilhões, Senador, que foram aprovados na forma de medida provisória de crédito extraordinário, distante das suas finalidades, por fora do Congresso, por fora da democracia.

Ouço o Senador Flexa Ribeiro.

O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Senador Sérgio Guerra, V. Ex.ª é, sem sombra de dúvida, um dos Senadores de maior conhecimento da questão orçamentária do nosso País. E V. Ex.ª tem repetidas vezes falado aqui das transformações que precisam ocorrer na Comissão Mista de Orçamento. Pouco antes da aprovação do orçamento, nós, pelo PSDB, nos colocamos em uma posição de afastamento total por não aceitarmos a forma como lá estava sendo conduzida com a criação de um anexo, com a distribuição de recursos inexistentes porque precisavam ser tirados da Lei Kandir e V. Exª sempre se posicionou sempre contrário a isso. Finalmente, o Senador Francisco Dornelles fez uma reavaliação da receita e conseguiu mais setecentos milhões para atender a área rural e os tribunais superiores. Assim, não foi preciso mexer na Lei Kandir...

(Interrupção do som.)

O Sr Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - ... e, por uma ação do PSDB, encabeçada por V. Exª e pelo nosso Líder, Senador Senador Arthur Virgílio, foi possível fazer a mudança daquele anexo para que, em vez de atender a alguns Parlamentares, fosse feita a divisão por Estado, conforme critério proposto até pelo Líder do PT. Então. Quero parabenizar V. Exª. Acho que não podemos coonestar aquilo que está sendo feito lá. Temos realmente que fazer a proposta como V. Exª tem dito aqui, de alterar substancialmente a condução da formatação do Orçamento. E hoje V. Exª traz ao conhecimento do Brasil todo que o Orçamento é uma peça...

(Interrupção do som.)

O Sr Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - ... de ficção, porque o Governo age com decreto legislativo abrindo créditos suplementares, que são inconstitucionais, como aqui já foi dito. Parabéns a V. Exª, que é um defensor permanente da legalidade no Senado Federal.

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Quero agradecer ao Senador Mão Santa, que até então presidiu esta sessão, a compreensão e a generosidade. O Senador Mão Santa é uma pessoa que tem os pés no chão, fala para o povo e sabe ouvir o que o povo pensa. Tenho grande admiração por ele.

Senador Magno Malta, estou apenas reafirmando aqui o que muitas vezes escapa ao acompanhamento de muitos: foram aprovados créditos extraordinários indevidos da ordem de mais de R$100 bilhões, em quatro anos, na forma de medidas provisórias - que somam mais de R$100 bilhões, eu disse -, que deveriam ser créditos normais submetidos ao Congresso pelo processo normal, legal, previsível. 

Que este Congresso não vote, nem o Senado muito menos, créditos desse tipo que não tenham a característica de previsibilidade nem referência com calamidade ou situação de efetiva emergência, para que a gente não renuncie, de maneira escancarada, aos direitos democráticos daqueles que votaram conosco e que este Congresso tem a obrigação de honrar.

Agradeço a atenção e muito obrigado a todos que me apartearam.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2008 - Página 6450