Discurso durante a 34ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comparações entre a epidemia da dengue no Rio de Janeiro e outras diversas epidemias que comprometem o futuro do Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Comparações entre a epidemia da dengue no Rio de Janeiro e outras diversas epidemias que comprometem o futuro do Brasil.
Aparteantes
Augusto Botelho, Mão Santa, Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2008 - Página 6630
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, EPIDEMIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), EXISTENCIA, PREVISÃO, FALTA, PLANEJAMENTO, PREVENÇÃO, EFEITO, MORTE, POPULAÇÃO, APREENSÃO, SEMELHANÇA, AMEAÇA, CRESCIMENTO, TUBERCULOSE.
  • REGISTRO, EXISTENCIA, PREVISÃO, PARALISAÇÃO, TRANSITO, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), FALTA, PLANEJAMENTO, PREVENÇÃO, PROBLEMA, AUSENCIA, MELHORIA, TRANSPORTE COLETIVO URBANO, SEMELHANÇA, AMEAÇA, PERDA, CONTROLE, VIOLENCIA, DROGA.
  • ANALISE, GRAVIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, INSUFICIENCIA, PROGRAMA ASSISTENCIAL, BOLSA FAMILIA.
  • PREVISÃO, PERDA, POVO, CONFIANÇA, DEMOCRACIA, REGISTRO, CORRUPÇÃO, PROCESSO, DESVALORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OMISSÃO, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), FRUSTRAÇÃO, ORADOR, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, APREENSÃO, RISCOS, AUTORITARISMO, DESRESPEITO, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • PREVISÃO, DESPREPARO, POPULAÇÃO, FUTURO, CONSTRUÇÃO, BRASIL, MOTIVO, PRECARIEDADE, EDUCAÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, COMPROMISSO, RESPONSABILIDADE, PREVENÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, os jornais desses dias têm dado destaque muito grande à tragédia da epidemia de dengue no Rio de Janeiro. O Senador Mão Santa, aqui presente, como médico, deve estar acompanhando isso com muito cuidado assim como o Senador Tião Viana, que também é médico.

            Mas eu não vim falar especificamente dessa epidemia, Senador Paulo Paim, nem desse mosquito. Eu vim falar dos outros mosquitos que sabemos vão provocar no País outras epidemias. Sabemos disso, mas continuamos agindo, fazendo tudo aquilo que é preciso para que a epidemia chegue.

            Hoje o cenário brasileiro parece uma peça de teatro grego. Você vai assistir à peça, conhece o desfecho, sabe da tragédia e fica triste, porque os atores fazem tudo para que termine em tragédia. Você não consegue parar; você não consegue controlar; você não consegue mudar o rumo das coisas para evitar o desenlace trágico que está adiante.

            Com a dengue foi assim, Senador Eurípedes Camargo. Todos sabiam que isso iria acontecer. Há mais de um ano que se fala que isso iria acontecer. E a gente caminhou dando os passos necessários para que hoje estejamos contabilizando o número de crianças mortas, as centenas de pessoas que sofrem por causa dessa doença. A gente faz tudo direitinho para que essas coisas aconteçam.

            E quais são as outras dengues? Na própria área de saúde, todos sabem que a tuberculose está crescendo no Brasil, e a gente não vê uma reação clara, nítida, para dizer: vamos parar com isso. E pode se fazer isso, mas a gente não vê. Por que a gente não vê a decisão clara de parar a epidemia de tuberculose, que está em marcha de maneira ainda lenta, mas em marcha no Brasil? E a febre amarela que a gente viu, não faz muito tempo, acontecendo nesse país, uma enfermidade que caracterizou a Idade Média?

            Mas, não é só na área de saúde, Senador. Num desses dias, a Folha de S.Paulo ou O Estado de S. Paulo, disse o dia e a hora em que a cidade de São Paulo vai parar, porque o número de carros não vai permitir que nenhum deles se mova mais. Todos sabem que as grandes cidades brasileiras vão parar qualquer dia por causa do excesso de automóveis. Alguém está pensando em reduzir a produção de automóveis, em melhorar o transporte público? Não. Ninguém houve falar nisso. É uma dengue que a gente sabe que vai acontecer.

            As cidades vão parar. É questão de tempo. Não é questão de sim ou não; é questão de quando. Mas a gente não aceita fazer as mudanças de que este País precisa para evitar essa tragédia que vai acontecer. Aliás, nós dizemos que vai acontecer de maneira definitiva, de parar tudo, mas já está acontecendo, Senador Papaléo Paes. Basta ver o tempo que a gente fica dentro do automóvel nas grandes cidades e, o pior, um tempo que não se sabe qual será: pode ser 15 minutos, meia hora, duas horas, três horas, cinco horas. A gente convive com isso, convive sabendo que a tendência é piorar. E não é só uma questão de São Paulo nem das grandes cidades. Acontece também com Brasília, que foi planejada para não ter engarrafamento, para prescindir de sinais de trânsito. Quem aqui vive, quando tenta se deslocar na hora do chamado rush, sabe que hoje há engarrafamento forte, mas a gente não faz nada, a gente não muda a postura que leva à epidemia, seja de tuberculose, seja de febre amarela, seja de dengue, seja do trânsito.

            E a violência? Quantas reuniões já fizemos aqui? Mas alguém, de fato, tomou uma decisão para dizer que dentro de tantos anos ou décadas este País será pacífico? Não. A gente continua caminhando para a violência como caminhou para a dengue. A gente continua fazendo tudo o que é preciso para que este País entre, de fato, numa guerra civil absolutamente incontrolável. Ou será que já não entramos e não percebemos, com clareza, que entramos nela? Por que nós, hoje, funcionamos no Brasil como se estivéssemos num cenário teatral, com o script pronto, com cada ator fazendo aquilo que é preciso mesmo sabendo que não gosta do resultado final da tragédia que vê adiante?

            E a desigualdade? Alguém tem dúvida de que um país com desigualdade como a brasileira vai terminar numa tragédia social? E eu pergunto: vai terminar ou já estamos vivendo? A gente perdeu a capacidade de ver a realidade social brasileira, como a gente passou meses sem ver o Aedes eegypti. Não é assim que se chama o mosquito, médicos presentes? A gente não via os Aedes aegypti e eles estava ali rodando, rodando, rodando, até que crianças começaram a morrer. A gente não está vendo o que vai acontecer neste país com a grave crise da desigualdade; pior, estamos escondendo a desigualdade.

            Quando dizemos que o Bolsa-Família diminuiu a desigualdade, estamos cometendo uma mentira neste país. O máximo que se pode dizer é que o Bolsa-Família, da maneira como é, reduziu a fome. O máximo que a gente pode dizer é que houve uma transferência de renda, não de qualidade de vida, não de perspectiva de futuro, não de emancipação dessas pessoas. Mas a gente insiste em dizer que essa é a saída para a crise da desigualdade, quando todos sabem hoje - felizmente esse começa a ser um consenso - que a desigualdade só desaparecerá quando as escolas forem iguais para todos. Quando a escola do filho do trabalhador for igual à do filho do patrão, quando a escola do filho do mais rico for igual à do filho do mais pobre aí a gente vai começar a diminuir a desigualdade. Mas a gente se perde nos discursos que não saem dos discursos - e reconheço que entre esses estão os meus - porque já não tem conseqüência falar no Senado, porque já não tem conseqüência falar no Congresso, porque ninguém consegue aprovar os projetos de lei que apresenta, porque nós estamos, aqui, num processo de desmoralização completa, em parte por culpa nossa, por erros cometidos aqui, por pouco tempo que passamos aqui, pela recusa parlamentar que nós temos hoje, porque ninguém parlamenta só dois ou três dias por semana, mas, em parte, pelas medidas provisórias, pela arrogância do Poder Executivo e pelas decisões judiciais que são impostas a nós.

            E, aí, tem um outro virusinho, tem uma outra epidemia adiante, Senador Mão Santa, tem um outro perigo adiante, para o qual a gente está vendo que se está caminhando, que está relacionado à democracia. Está havendo uma desmoralização, a cada dia que se segue, da confiança do povo brasileiro na democracia. A gente está deixando isso continuar, como deixamos proliferar o Aedes aegypti. Deixamos proliferarem os mosquitos; agora, deixamos proliferar a desconfiança, uma desconfiança que se está espalhando de maneira brutal.

            Um livro recente, que define a mente brasileira a partir de pesquisas feitas, mostra que, das instituições, a de menor credibilidade é o Congresso, depois dos partidos. Os partidos são piores ainda, em credibilidade, do que o Congresso. É claro que isso vai levar, mais dia, menos dia, mais ano, menos ano, a acontecer com a realidade política o que aconteceu com a dengue no Rio de Janeiro.

            É óbvio que a democracia se desmoraliza, em primeiro lugar, a partir do funcionamento do seu Parlamento. Nós, Parlamentares, estamos contribuindo muito para isso, mas o Poder Executivo e o Poder Judiciário também estão.

            Essa aliança entre a nossa omissão e o excesso de medidas provisórias, de medidas judiciais impostas a nós, essa confluência vai levar a um enfraquecimento não mais do Congresso, que já tem pouco para onde se enfraquecer, mas vai levar ao enfraquecimento da democracia. E nós assistimos a isso com a mesma calma com que o Ministro da Saúde, o Prefeito do Rio e o Governador do Rio assistiram à proliferação do mosquito Aedes aegypti e, agora, se assustam diante da tragédia que a gente vive.

            E a droga, que está se espalhando por este País? A droga, que a gente vê tomando conta deste País sob diversas formas, sobretudo na juventude, como uma dengue, como uma epidemia, como uma tragédia. Que medidas a gente está tomando, de fato, a partir do Congresso ou a partir do Palácio do Planalto, para dar um basta a esse processo de proliferação das drogas?

            As drogas são mosquitos também, sob o ponto de vista de transmissão de doenças. Os mosquitos são naturais; as drogas, produzidas. Mas quando permitimos que a droga se espalhe, estamos permitindo que se espalhe o mosquito que leva a uma epidemia. Por que a gente continua aceitando essa marcha, como se fosse inevitável, da tragédia epidêmica neste País? Por que a gente não tem uma revolta a partir daqui e do povo, também, contra aqueles cujas políticas deixaram acontecer a tragédia da dengue? Nós estamos deixando, também, todas as demais tragédias, todas as demais epidemias que contaminam o futuro do Brasil.

            Nós estamos sendo tolerantes, coniventes com as diversas formas de epidemias que nos ameaçam.

            Passo a palavra ao Senador Papaléo, que pediu um aparte.

            O Sr. Papaléo Paes (PSDB - AP) - Senador Cristovam, parabenizo V. Exª, que, realmente, faz um discurso extremamente importante, didático, quando mostra para a população brasileira e para todos nós, aqui, o risco por que passamos nas epidemias que V. Exª relacionou. V. Exª iniciou o seu discurso falando sobre a questão das epidemias relacionadas a doenças, dentre as quais V. Exª citou a dengue. Fico abismado em ver que, num País que está com o sinal de alerta há muitos anos ligado para a questão da dengue, não haja a responsabilidade dos homens - e de todos nós que participamos da sociedade - que têm seus deveres e direitos a cumprir porque estão exercendo algum um cargo público diretamente ligado ao problema, mas que não atuam. Neste País, observamos sempre que é preciso haver primeiro o escândalo para, depois, aparecer o mocinho, que é um verdadeiro bandido, porque na hora de trabalhar ele está escondido e, de repente, aparece como mocinho, tentando resolver todos os problemas.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É verdade.

            O Sr. Papaléo Paes (PSDB - AP) - Na questão da dengue, por exemplo, a providência tem de ser preventiva. Não adianta, agora, ficar botando o Exército para carregar doente para hospital, porque o problema não é carregar doente para hospital, mas não deixar a fábrica de doentes funcionar exatamente pela falta de cuidados preventivos. Isso é obrigação, sim, do Poder Público e da população. Mas para essa população cumprir com sua obrigação, ela tem de ser educada e orientada, o que não está acontecendo no País. Então, estamos vendo essa epidemia de dengue. Uma autoridade já chegou até a falar que não considera que haja epidemia. Como não se considerar que haja epidemia no Rio de Janeiro com mais de 33 mil casos registrados e quarenta e tantas mortes? Parabenizo V. Exª por tratar desse assunto. O Senador Mão Santa, com muita sabedoria, já vem anunciando, aqui, essa questão da dengue, bem como o retorno de doenças que já tinham sido praticamente exterminadas e riscadas. O Governo, as autoridades sanitárias não levam a sério a prevenção e pensam mais na questão curativa, desperdiçando bilhões e bilhões em recursos públicos, sem objetivo, pois o objetivo maior deveria ser prevenir e não remediar. Parabenizo V. Exª pelo seu brilhante discurso, pela brilhante aula que dá sobre esses problemas gravíssimos que, realmente, afligem a sociedade brasileira, afetando a sua saúde e provocando-lhe doenças, e nos afligem quanto à expectativa de sucesso deste País no futuro. Muito obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, quero agradecer e dizer-lhe que o senhor me deu dois bons títulos para esta minha, como vou chamar, fala. Um é “sinal de alerta” e o outro é “fábrica de epidemias”. Dois bons títulos em que, em seu aparte, o senhor tocou. Acho que é um sinal de alerta numa fábrica de epidemias.

            Ao mesmo tempo, o senhor disse que era uma aula. O triste é que meu dia de dar aula é terça-feira, mas eu, sinceramente, termino aqui com a sensação, Senador Augusto, de que isto não passa de uma aula, e uma aula para ninguém. Aos Senadores, não vou dar aula jamais, e cadê os alunos?

            Agora, não é para dar aula que estou aqui. Estou aqui para mudar o Brasil. Fui professor a vida inteira, continuo sendo e nunca tive a ilusão de mudar o Brasil pelas minhas aulas. Eu mudo a cabeça dos alunos e eles mudam a minha, às vezes. Para mudar o Brasil, vim para cá; para mudar o Brasil, fui Governador e, como Governador, até consegui mudar algumas coisas. Agora, aqui, hoje, a minha sensação, realmente, é a de que o senhor está certo. Aqui, a gente dá aula, mas para dar aula, é mais interessante eu ficar na Universidade de Brasília, onde sou professor. Não vim aqui para dar aula. Vim para mudar o mundo através de projetos de lei.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me concede um aparte?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Vou conceder-lhe, Senador, um minutinho só.

            Através de convencer, de ser convencido, de influir. Mas, hoje, está difícil a gente conseguir fazer isso aqui. Pode ser incompetência de uns, como eu, mas a sensação que tenho é a de que não há só incompetência de alguns, como eu, mas também uma inoperância do processo democrático.

            Essa é outra epidemia que está à frente. Quando um Senador se sente dando aula, está na véspera de uma epidemia de autoritarismo, de falta de democracia, e a gente está muito perto disso. Há um começo de epidemia de autoritarismo. Tem Aedes aegypti rondando o Palácio do Planalto. Não falo de fecharem o Congresso, de colocarem a política e tanques de guerra na rua, mas, simplesmente, de não respeitarem o Congresso como uma instituição equilibrada, tanto quanto o Poder Executivo, nas decisões da República. Nós estamos, de fato, tentando um sinal de alerta a esta fábrica de epidemias. Eu lhe agradeço esses dois títulos para esta fala.

            Ouço o aparte do Senador Mão Santa.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Professor Cristovam Buarque, V. Exª, todo o País sabe, não é necessário exame de DNA, V. Exª foi o pai deste programa social, o Bolsa-Escola. Pena que apareceu um padrasto que desvirtuou e educou mal aquele sonho de V. Exª que era a educação, que iria mudar o mundo. A criança que V. Exª sonhou, o Bolsa-Escola, foi mal-educado, foi desvirtuado, foi transformado, foi avacalhado, fugindo-se da competência que gera o saber e a produção. Mas V. Exª, hoje, adverte - talvez o mais feliz pronunciamento de V.Exª: “Eu vou ser político de uma nota só: educação”. V. Exª fala da abrangência do saber. Nós estamos aqui três médicos que vamos participar. O Papaléo, com sua vida pública, ele é um médico-político; ele é do tempo em que a política era honrada: sem um tostão, em campanha, hoje ele é Senador da República e foi Prefeito. Hoje, os maus costumes estão aí. Isso é impossível! Então, nós viemos dessa geração, cuja profissão dava o reconhecimento e o voto. Hoje, a gente sabe que isso é impossível. Desvirtuaram-se os valores. Mas V. Exª, aí na tribuna, começa com saúde. Nós já tínhamos advertido. O Luiz Inácio errou em não nos ouvir aqui. Nós somos preparados, Luiz Inácio, nós somos. 

            Eu, como médico, adverti sobre isso: “mosquitinho, Governo que não vence um mosquitinho...” A dengue e a tuberculose são uma realidade. Digo porque estudei dados do Piauí. A tuberculose voltou. Pior ainda é uma tal de rubéola. Se atingir homem, não tem nada; mas, quando atinge gestante, nasce um monstro o filho. São coisas de saúde pública. Pergunto ao Luiz Inácio: “Como Vossa Excelência pode ter esse patamar de preferência popular? Não faz sentido. Esses institutos mentirosos, comprados estão lhe enganando. Vossa Excelência é reprovado pelo Professor Cristovam e, em saúde, pelo Brasil. Em segurança, veja a violência que recrudesce”. Norberto Bobbio disse que o mínimo que tem que se exigir de um Governo é segurança, vida e liberdade. Atentai bem, meditai, Professor, Senador Cristovam, e Senador Papaléo Paes: como era difícil o vestibular! Como era complicado! Na minha época, na década de 60, começava com psicotécnico. Não deviam tê-lo tirado. E depois fazíamos as provas, como a de biologia. A de português eliminava o candidato que escrevia errado. Era um vestibular. Tomei muita estenamina, perventin, para não dormir. A gente ficava estudando à noite. Era difícil. V. Exª é um pouco mais novo. No meu tempo, era difícil.

            Olha, estudamos, a maioria, no Ceará, tinha uma faculdade só, e ia todo o Piauí, todo o Ceará e todo o Maranhão para lá fazer vestibular. V. Exª imagine, quase mil em busca de 60 vagas. Hoje, atentai bem, Professor, V. Exª é responsável porque preside bem a Comissão de Educação, uma criança de 8 anos foi aprovada no vestibular. Medite a zorra em que está a educação. Foi mesmo! Aí proliferaram, casas comerciais, passou mesmo, botou o nome, foi. Aonde nós andamos? Então, Luiz Inácio, o Professor Cristovam adverte: Vossa Excelência pegou pau na saúde. Muito bem. Vossa Excelência pegou pau na escola do Professor Cristovam Buarque, na violência e na educação. E mais, atentai bem: Vossa Excelência não tinha direito de desvirtuar aquela criança que nasceu, a criança esperança da Bolsa-Escola. Então, nossa solidariedade, V. Excelência é a esperança deste País. Ernest Hemingway, no seu livro O velho e o mar, diz que a maior estupidez é perder a esperança. Então, V. Exª garante essa esperança na democracia do Brasil.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Mão Santa, pelos seus comentários sempre generosos.

            Sr. Presidente, necessito de algum tempo mais porque estou na metade das epidemias que vejo ameaçando o Brasil. Obviamente, se demorei demais nas primeiras, não vou querer o mesmo tempo.

            Mas, Senador Augusto Botelho, e a corrupção? Não estamos percebendo que a corrupção está corroendo - não é apenas o Tesouro roubando-se dinheiro - a credibilidade das pessoas em relação ao poder político. Será que a gente não percebe que essa corrosão aos poucos vai fazendo com que, no final, não reste nada da credibilidade que precisamos ter para ocuparmos a posição de liderança?

            Hoje, a gente sabe que a corrupção é uma epidemia em marcha.E um problema da educação, até porque o Senador Mão Santa lembrou a idéia da nota só, de que não falei ainda. Será que as pessoas não percebem que não colocar conhecimento no cérebro das crianças é o mesmo que provocar uma doença, a doença do despreparo, a doença da falta de qualificação, a doença do desemprego que virá da falta de educação?

            Hoje, pela manhã, visitei escolas aqui, como de hábito, e fiz palestras para jovens e crianças do ensino fundamental e do ensino médio - aqui, no Distrito Federal, que é um privilégio, uma ilha no resto do Brasil. Converso com esses meninos do ensino médio e vejo a fraqueza do ensino que recebem. Agora, isso na escola pública; na escola particular, salvo raríssimas exceções, a formação também é insuficiente para enfrentar o século XXI.

            Estamos criando uma geração inteira despreparada para construir o Brasil. Essa é uma epidemia muito grave, Senador Augusto Botelho. Uma epidemia invisível que não dá febre; mas dá ineficiência. Que não dá dores, como a dengue; mas dá fome, despreparo, alienação. E a gente está aceitando isso tranqüilamente, tranqüilamente. O Estado de S.Paulo fez uma matéria essa semana mostrando a porcentagem de crianças que terminam o ensino médio e não têm o preparo que deveriam ter no ensino fundamental. É uma percentagem imensa. Isso é uma dengue que está contaminando o futuro da sociedade brasileira.

            O Senador Mão Santa falou da popularidade do Presidente. A popularidade mede o presente, não mede o futuro. Não há pesquisa de opinião que diga como vai estar na história esse personagem. E se tem todo o prestígio hoje, pode não ter nenhum prestígio amanhã...

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Garrastazu Médici teve 84%, quando ele era chefe de Estado e comandava a mídia.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Mão Santa, quando o futuro vier, essa popularidade não será lembrada, porque o que fica na lembrança são as realizações concretas que transformam um país. Os que hoje estão enfrentando a dengue no Rio, nem estão enfrentando, os culpados hoje, eles poderiam ter grande popularidade, mas não tomaram as medidas. Porque, naquele instante, quando você diz que está a favor ou não, você não pensa se o que ele está fazendo hoje vai ter ou não uma repercussão no futuro. Por isto a educação de base é abandonada, porque é de repercussão longa, não traz popularidade no presente.

            Sr. Presidente, eu tenho diversos outros itens de epidemia para falar, mas não vou esgotar isso hoje aqui. Todavia, não quero terminar sem conceder o aparte ao Senador Augusto Botelho. Em seguida termino a minha fala, Sr. Presidente.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Cristovam Buarque, pedi um aparte a V. Exª, para reforçar a posição em relação a essa epidemia de dengue. O dengue é uma doença que, quando aparece uma segunda ou terceira vez na pessoa, pode dar de forma hemorrágica. Eu, inclusive, tive a forma hemorrágica em 2006. É preciso unir todos os recursos disponíveis para socorrer a pessoa que tem a forma hemorrágica. Isso, porque a forma hemorrágica às vezes se manifesta no final do período febril. A pessoa pensa que está ficando boa e começa a passar mal; se não for tomada uma medida de choque, se ela não for energicamente hidratada, morre. No Rio já morreram quase 50 pessoas. Não vai haver nenhuma epidemia de dengue no Brasil, daqui para frente, em que não vai morrer gente. No começo, na primeira epidemia, não morreu ninguém. Na segunda, não morreu quase ninguém, mas depois começou a morrer. Isso, porque a pessoa passa a ter sensibilidade; há uma alteração imunológica que faz com que ela desequilibre os líquidos todos e morra. Uma colega sua, inclusive, a Professora Palmira, morreu em conseqüência de dengue em 2005, porque custaram a tomar uma atitude com relação a ela. Imagine, então, a pessoa que não tem recursos! O Governo tem que se mobilizar, tem que colocar realmente as Forças Armadas, tem que botar todo mundo para cuidar disso agora. Não adianta a gente ficar... Tem que ser um serviço continuado. É a educação em que V. Exª fala a toda hora. Se a educação tivesse sido feita, se as medidas educativas tivessem sido tomadas e continuadas, se a propaganda tivesse chegado às pessoas, não estaria havendo epidemia de dengue agora. Mas as próprias pessoas relaxam naquela areinha que colocam no vaso, que é uma medida bem simples, quando não há epidemia. Elas só lembram quando há epidemia. Nós temos, realmente, que nos mobilizar, e a educação, como V. Exª falou, é a coisa principal.

            A corrupção atinge demais a educação, não só no aspecto moral. Ela atinge também o alimento da criança. A corrupção não respeita a merenda escolar, nem o material de escola; não respeita nada. O Brasil precisa de várias revoluções, e a da educação é uma das mais importantes. V. Exª é um dos que mais falam nela aqui. Estamos trabalhando juntos na sua Comissão, para mudar isso.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Augusto Botelho.

            Para concluir, Sr. Presidente, quero lembrar uma das epidemias mais trágicas: a epidemia cujos mosquitos somos nós, claramente, que é a de não termos um desenvolvimento equilibrado no uso dos recursos da Amazônia e das nossas florestas. Não falo em mantê-las como santuário, mas em saber aproveitá-las, sem destruir os recursos. Aí o mosquito é o ser humano, pela maneira descontrolada como estamos deixando fazer, pela ganância como estamos querendo aproveitar esses recursos.

            Mas, se, no caso das florestas, é óbvio que a motosserra nas mãos de um ser humano termina sendo um elemento de destruição, quero dizer que todas as epidemias que citei aqui e outras mais dependem fundamentalmente não dos mosquitos, mas de nós, os que tomam a decisão de como conduzir o futuro do Brasil. Nós somos aqueles que precisam levar em conta o sinal de alerta e a fábrica de epidemias que o Brasil tem. Somos o Aedes aegypti da história e, como tal, deveríamos assumir a nossa responsabilidade e fazer o possível, para que não voltem a ocorrer epidemias como essa que está tomando conta do Rio de Janeiro e como todas as outras de que falei, que estão consumindo, adoecendo, colocando febre no futuro do Brasil.

            Agradeço o tempo, Senador Alvaro Dias, e também os apartes que foram feitos. Quero dizer que a esperança tem de ser mantida, mas às vezes é preciso muita energia para manter a esperança no Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2008 - Página 6630