Discurso durante a 34ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao excesso de edição de medidas provisórias. Leitura do artigo intitulado "Medidas de mais e democracia de menos", do jornalista Ricardo Amaral, publicado na revista Época, edição de 24 de março corrente.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • Críticas ao excesso de edição de medidas provisórias. Leitura do artigo intitulado "Medidas de mais e democracia de menos", do jornalista Ricardo Amaral, publicado na revista Época, edição de 24 de março corrente.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2008 - Página 6642
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • APREENSÃO, PRESERVAÇÃO, DEMOCRACIA, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DESCUMPRIMENTO, CRITERIOS, DETERMINAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PARALISAÇÃO, PAUTA, CONGRESSO NACIONAL.
  • ANALISE, MAIORIA, MATERIA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), POSSIBILIDADE, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, CRITICA, EXECUTIVO, USURPAÇÃO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, INCOMPETENCIA, PLANEJAMENTO, GOVERNO, FALTA, ARTICULAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • SUSPEIÇÃO, TENTATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESVALORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, AUTORITARISMO, DESNECESSIDADE, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, RECEBIMENTO, APROVAÇÃO, POVO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANALISE, DADOS, LEGISLAÇÃO, BRASIL, SUPERIORIDADE, INICIATIVA, EXECUTIVO, PERDA, DEMOCRACIA, REGISTRO, COMISSÃO ESPECIAL, CAMARA DOS DEPUTADOS, ESTUDO, PROPOSTA, RETIRADA, PRIORIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PAUTA.
  • APREENSÃO, FALTA, RESTRIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CONTINUAÇÃO, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, ANALISE, POLITICA PARTIDARIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, BANCADA, GOVERNO, TROCA, VOTO, NOMEAÇÃO, CARGO PUBLICO, EXPECTATIVA, APERFEIÇOAMENTO, DEMOCRACIA, BRASIL.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não quero caracterizar como atitude repetitiva o tema que trago mais uma vez a esta tribuna, mas, entra ano, sai ano, e um fenômeno continua a desafiar todos aqueles que se preocupam com a solidez de nossas instituições e, conseqüentemente, com a preservação de nossa democracia.

            Refiro-me, Srªs e Srs. Senadores, à absurda quantidade de medidas provisórias adotadas pela Presidência da República, distorção que tem sido observada desde que o instrumento foi criado, na Constituição de 1988, e que não foi sanada nem mesmo com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001.

            A origem da medida provisória, todos sabemos, não é das mais nobres. Ela veio substituir o decreto-lei, instituído pela Carta outorgada de 1937, que ajudou Getúlio Vargas a exercer plenos poderes durante o Estado Novo. A figura do decreto-lei foi ignorada na Constituição democrática de 1946, mas os governos militares a ressuscitaram por meio do Ato Institucional nº 2, de 1965, e a consagraram na Constituição de 1967.

            Nossa Carta Cidadã de 1988, com base na experiência de outros países, introduziu a figura da medida provisória. Tomou, é claro, as precauções necessárias, em especial a determinação de que o instrumento só poderia ser adotado em casos de relevância e de urgência.

            O problema, Srªs e Srs. Senadores, é que esse critério de relevância e de urgência tem sido desconsiderado a todo o momento. Ainda se tentou, com a Emenda Constitucional nº 32, de 2001, pôr algum freio à sanha do Executivo. Imaginava-se que, confrontado com a possibilidade de ver sua iniciativa naufragar por decurso de prazo, o Governo Federal pudesse ser um pouco mais cauteloso na adoção de medidas provisórias. Não é o que ocorre, Sr. Presidente. Continuam a ser enviadas ao Congresso Nacional propostas que não obedecem à prescrição de serem, ao mesmo tempo, relevantes e urgentes.

            Nossa pauta vive trancada por medidas provisórias que tratam da abertura de créditos extraordinários, da aprovação de planos de cargos e salários, da criação de secretarias, de absurdos como a chamada TV Pública e de outras matérias que poderiam muito bem ser contempladas num projeto de lei, num sinal de respeito ao Poder Legislativo.

            Gostaria de ressaltar, Sr. Presidente, mais uma vez, o fato de que prerrogativas essenciais do Poder Legislativo vêm sendo usurpadas pelo Poder Executivo, porque, a bem da verdade, dois atributos têm faltado ao Governo Federal: competência para planejar adequadamente suas atividades e disposição para fazer as necessárias articulações com o Congresso Nacional.

            Senador Mão Santa, V. Exª é um dos que batem muito no assunto da imposição do Executivo sobre o Legislativo na questão da medida provisória. Se formos analisar as medidas provisórias, veremos que são um retrato fiel da incompetência para planejar do Executivo. Se o Governo Federal planejasse, se tivesse noção de que planejamento não é o presente, mas o futuro, não haveria nem um quarto das medidas provisórias que aparecem por aqui.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - V. Exª me concede um aparte, Senador Papaléo?

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Concedo-o a V. Exª, Senador Antonio Carlos Valadares.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senador Papaléo, acredito que essa questão da medida provisória, que tem sido motivo de muito debate no âmbito do Congresso Nacional, seria bem resolvida se dependesse da boa vontade dos dois Poderes, do Poder Legislativo e do Poder Executivo. O Poder Legislativo se acomoda, e o Poder Executivo gosta da celeridade das medidas provisórias, acomodou-se com elas ao longo de muitos anos - não só o atual Governo, mas os governos anteriores usaram e abusaram de medidas provisórias - sob a alegação de que o ritmo do Executivo tem de ser acelerado, de que há vagareza no âmbito do Congresso Nacional no que diz respeito ao andamento das propostas governamentais. Ora, existe o instituto do projeto de lei em regime de urgência, mecanismo adotado em todos os regimes presidenciais. Na história do Brasil, o próprio decreto-lei e, depois, o projeto de lei em regime de urgência foram utilizados durante a vigência do regime discricionário. Apesar disso, a Constituição de 1988, que foi elaborada com espírito parlamentarista, adotou a medida provisória. Achava-se que o Brasil iria adotar o parlamentarismo, mas não o fez, e ficamos com um presidencialismo mitigado, que, de um lado, não precisa tanto do Poder Legislativo, a não ser durante a elaboração do Orçamento, porque as medidas provisórias resolvem, de forma imediata e incontestável, os projetos, os programas e as idéias do Executivo com relação à sua administração. Senador Papaléo Paes, V. Exª aborda um assunto realmente atual, que merece nossa consideração, mas vejo que quem pode alterar essa situação é o Poder Legislativo, que é quem legisla, que é quem dá força ao Executivo para fazer das medidas provisórias um instrumento de bloqueio de todo o trabalho do Congresso. Ora, se o Congresso está sendo bloqueado em sua atividade normal, o que lhe caberia? Fazer uma alteração profunda na tramitação das medidas provisórias, inclusive propondo sua extinção. Sou da Base do Governo, mas sou favorável a que se dê ao Governo Federal um instrumento de agilização de sua atividade executiva que não seja a medida provisória, que é um mecanismo proveniente do regime parlamentar de governo, a não ser que adotássemos o regime parlamentar de governo, ao qual também sou favorável - e creio que V. Exª também o é. Desse modo, é isto: de um lado, o Executivo abusa, mas o Legislativo deixa que o abuso aconteça. Infelizmente, é o que está acontecendo.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Agradeço a V. Exª seu aparte, que incorporo ao meu pronunciamento.

            O Presidente da República, quando declara que é impossível governar sem medidas provisórias, está deixando claro que se acostumou com elas. Acredito que, até intencionalmente, Sua Excelência está provocando a desmoralização do Congresso Nacional, porque não há necessidade de tantas medidas provisórias, Senador Alvaro Dias.

            O Governo tem maioria absoluta na Câmara e maioria absoluta no Senado. Então, a Base do Governo é que resolveria essa questão por meio do voto. Se a Oposição não quisesse votar, bastaria ao Governo colocar o número suficiente que tem para votar, que, com isso, aprovaria seus projetos de lei, tudo direitinho, discutindo democraticamente.

            Este é um Governo que tem a imagem do autoritarismo, diferentemente de Chávez, porque este é fanfarrão, fala, bate, arrebenta. Nosso Presidente não usa desse discurso de violência, de autoritarismo, mas o pratica quando vai ao palanque fazer seus “discursinhos arroz com feijão”, para agradar o povo. O Presidente discursa ali - vocês já ouviram um discurso de Lula -, e é como se estivesse no meio do povo, sofrendo todas as conseqüências de seu próprio governo. Parece que nem é o Presidente da República. Fala o que o povo quer ouvir. Ouviu, Senador Mão Santa? O Presidente está mesmo com alto índice de popularidade diante da população, porque o povo ainda não atentou que a fotografia do momento é a imagem do Lula com seus discursos bobinhos, com seus discursos irresponsáveis, que realmente não falam da responsabilidade que tem como Presidente da República. Então, ele prende e arrebenta, mas falando de uma maneira singela, com a voz do povo. Diferentemente, Hugo Chávez mostra a força, mostra o tanque, para impor sua ditadura. Aqui se dá o contrário. O que é que Lula vai fazendo? De mansinho, vai desmoralizando o Legislativo e o Judiciário e, de repente, está praticando uma ditadura, sim, sem ferir fisicamente ninguém.

            Então, concordo com o Senador Antonio Carlos Valadares. O Governo Federal, o Executivo, por intermédio do Presidente da República, tem de se acostumar com a democracia, tem de lembrar que ele mesmo era até contra a reeleição e hoje já está querendo um terceiro mandato. Ele tem de lembrar que declarava medida provisória como medida inviável para haver um governo democrático e, hoje, está usando dessa prática de maneira muito mais acelerada do que governos anteriores.

            Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Papaléo Paes, V. Exª, com lucidez e coragem, volta a rechaçar a medida provisória. Ô Luiz Inácio, atentai bem: isso aí é um mal muito maior do que todos os militares na ditadura. Bem-vindos os decretos-lei! Os militares governavam com decreto-lei, mas eles tinham o bom senso de só dar validade ao decreto quando este vinha para o Congresso, quando este era discutido, analisado e aprovado. Quanto à malsinada medida provisória, o Luiz Inácio taca o jamegão, não lê nem o que vê - ele mesmo disse que não gosta de ler, que ler uma página dá canseira -, e vem cada besteira para cá! Atentai bem, Papaléo! Aqui, estou combatendo a Medida nº 415, referente à venda de bebidas nas rodovias. Passei, como todos nós, a Semana Santa em nossa região. Ferro Costa está ali, ele que é psicólogo, símbolo do trabalho no Senado! Efraim Morais, o clube mais importante do norte do Piauí, o Country Clube - em toda cidade, há um clube social -, que fica no caminho de Parnaíba para a praia, estava fechado. Não pode funcionar, porque não há bebida! A sociedade, as famílias eram acostumadas a ir para a praia e, quando voltavam, Papaléo, tomavam um banho de piscina, bebiam uma cervejinha. O clube principal, que fica na BR, foi fechado. Como pode funcionar um clube em que a família não tem direito, num domingo, a tomar uma cervejinha? Quanto desemprego, quanta infelicidade! Essa era a tradição. Ô Luiz Inácio, foram os seus aloprados que fizeram isso, e o Senado tem o dever de enterrar. V. Exª está fazendo a profilaxia: é preciso combater essas pragas. Sabemos do mal que fez aquela que acabou com os velhinhos, taxando os aposentados. Queimaram aqui nossa heroína Heloísa Helena. V. Exª se lembra que nós, discutindo aqui, fizemos nascer uma medida paralela, para minimizar aquela. Então, isso tem de acabar. É uma vergonha, Luiz Inácio! Vossa Excelência está sendo mil vezes mais truculento do que o regime militar. Não se empolgue com essa popularidade! Garrastazu Médici teve 84% de aprovação, com a mídia, com o comando, com a caneta e com a subserviência dos que fazem a mídia. Então, essa é a verdade. Temos de enterrar essa medida, assim como as outras, e V. Exª está fazendo a profilaxia. É preciso acabar de vez com isso. O Luiz Inácio tem de dar para cada aloprado, para cada Ministro seu, um dicionário, para que eles saibam o que é urgência e o que é relevância, pois essa é uma exigência da Constituição. Meus parabéns! V. Exª tem fortalecido e enriquecido a democracia do nosso Brasil.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Agradeço-lhe, Senador Mão Santa, suas sábias palavras.

            Inclusive, quero pedir ao Sr. Presidente que dê como lido o restante do meu discurso, porque vou preferir até ler um artigo que saiu na revista Época, no dia 23 de março de 2008, assinado pelo jornalista Ricardo Amaral, que é repórter especial da Época em Brasília. A matéria, que é bastante interessante e objetiva, tem o seguinte título: “Medidas de mais e democracia de menos”.

            Inicia-se assim a matéria do Sr. Jornalista Ricardo Amaral:

“Alguma coisa está fora da ordem na Praça dos Três Poderes. Um levantamento produzido pela Câmara dos Deputados mostra que o Executivo vem produzindo cada vez mais leis, e o Legislativo, cada vez menos. Entre 2001 e 2007, o país adotou 1.911 novas leis ordinárias e complementares - uma fúria legislativa que por si só já é uma distorção. O mais grave é que, desse conjunto, 1.529 leis - mais de três quartos do total - nasceram no Palácio do Planalto e chegaram ao Congresso por meio de medidas provisórias ou projetos do Executivo. Não é bem assim que se imagina uma democracia funcionando.”

            Sr. Presidente, vou continuar lendo o artigo do Sr. Ricardo Amaral:

“Num regime presidencialista, é natural que o Executivo exerça um papel decisivo na vida do país, mas já se pode falar em atrofia do Poder Legislativo no Brasil. Uma das raízes do problema (a principal, mas não a única) é o mecanismo das medidas provisórias. Elas foram introduzidas na Constituição em 1988 para substituir o decreto-lei, um instrumento autoritário do regime militar. Antes, o Congresso tinha um mês para aprovar ou rejeitar um decreto-lei. Se nada decidisse nesse prazo, ficava valendo o decreto. Era o que ocorria.

Todo governo precisa ter um instrumento para atuar em casos urgentes, antecipando-se às decisões do Congresso quando a situação exigir. O decreto-lei era de fato um abuso, mas as medidas provisórias não têm se revelado uma solução democrática. Originalmente, o Congresso teria 30 dias para aprová-las, ou elas cairiam. Num governo parlamentarista como o da Itália, de onde veio a inspiração para as MPs, o governo cairia junto. No Brasil presidencialista, inventou-se a reedição das MPs, perpetuando o provisório.”

            Prossigo a leitura:

“Houve medidas reeditadas ao longo de três anos. O Congresso tentou acabar com a farra em 2001. Uma emenda constitucional aumentou de 30 para 120 dias o prazo de validade das MPs provisórias não votadas e proibiu a reedição. O problema saiu pela porta e voltou pela janela. Pelo sistema em vigor, quando uma MP completa 45 dias de vigência, ela fura a fila na pauta de votações. Nenhum projeto pode ser apreciado antes dela até o prazo de 120 dias. Era uma forma de obrigar os parlamentares a votar as MPs, mas acabou se transformando num ferrolho contra os outros projetos.

A Câmara informa que 68% de todas as sessões realizadas no ano passado foram para votar alguma MP provisória que estava no topo da lista. Nesta semana, 14 MPs provisórias completaram 45 dias e passam as interromper as outras votações no plenário. A medida provisória não é só um atalho para o Executivo impor as leis que lhe interessam; passou a ser também uma forma de controlar a pauta do Congresso.

Nesta semana, uma comissão especial da Câmara vai analisar uma proposta que pode mudar essa situação. A idéia, estimulada pelo Presidente Arlindo Chinaglia (PT - SP), é acabar com a prioridade das MPs provisórias na pauta. Isso eliminaria uma parte do problema e tornaria mais equilibrado o jogo entre Executivo e Legislativo. O Governo ficaria obrigado a construir maiorias para aprovar as suas medidas no prazo [é claro que não haveria nenhum problema tanto na Câmara quanto no Senado], e, no mínimo, haveria mais cautela com a edição de MPs.

A proposta da Câmara não pode ser tratada como disputa entre governo e oposição, o que de fato ela não é. Deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre poderes da República igualmente responsáveis. No final desse túnel, o melhor para a democracia será ter um Executivo que edite menos medidas provisórias e um Legislativo que cuide melhor de sua obrigação de votar leis.

Eis um tema urgente e relevante.”

            Então, quero deixar aqui meu comentário final a respeito disso que estamos vendo aí, ou seja, a possibilidade de que as medidas provisórias não passem a trancar a pauta, a que o Governo é muito simpático. Penso que isso aí é mais um incentivo para o Governo continuar mandando medidas provisórias para cá, porque, a partir do momento em que não trancam a pauta, não haverá nenhuma preocupação do Governo em mandar para cá as enxurradas de medidas provisórias, como vem fazendo, porque vamos continuar o nosso trabalho aqui e as medidas provisórias não vão forçar o parlamentar a votá-las para poder destrancar a pauta e votarmos os projetos que apresentamos.

            Então, essa é uma faca de dois gumes. Se o Governo passa a aceitar essa proposta de não trancamento de pauta pelas medidas provisórias é porque, logicamente, ele está levando vantagem, e não podemos, de forma alguma, deixar o Governo levar mais uma vantagem nessa questão das medidas provisórias.

            Não me refiro ao Senado, porque conhecemos bem esta Casa, sabemos aqui quem é quem. Refiro-me, principalmente, à Câmara, onde há uma quantidade enorme de Parlamentares, representando o povo dos seus Estados. Ali não há um controle rigoroso, mediante a fiscalização feita pela população, do voto desses parlamentares. Quando se trata de medidas provisórias, o problema maior do Governo para votá-las não é com a Oposição, mas com a própria base aliada, que dificulta a aprovação dos projetos do Governo quando está querendo dificultar. Quando vemos o Governo atrapalhado para aprovar um projeto seu, o que encontramos?

            Sr. Presidente, peço somente mais um minuto para concluir.

            Os próprios aliados usam do seu voto na medida provisória para barganhar os cargos do Governo. Isso ficou muito claro na apreciação da CPMF, quando o Relator na Câmara levou muitos meses para liberar o relatório, prejudicando o Governo, e só liberou seu parecer depois que o Presidente da República, depois que o Executivo deu os cargos que o Partido dele queria e que ele queria.

            Então, isso acaba aumentando o poder de barganha da própria base do Governo, porque quem derruba uma medida provisória aqui ou lá é a própria base do Governo. Aqui, a Oposição não tem número suficiente para derrubá-la. Então, é a própria base que o faz. Sabemos que, nessa questão de medidas provisórias, muitos Parlamentares da base do Governo são contra a forma com que o Governo governa, ou seja, por meio da imposição de medidas provisórias.

            Então, a democracia poderia grassar neste País de maneira sutil, com o Presidente bem aceito como homem democrático. Por quê? Ele poderia aprovar aqui seus projetos e suas medidas provisórias necessárias, porque tem a maioria tanto aqui quanto na Câmara dos Deputados. É um homem que soube negociar com a sua base e que, hoje, tem a maioria absoluta, podendo governar democraticamente, não sendo necessário o uso indiscriminado e repudiante de medidas provisórias, que serve única e exclusivamente para a intenção dele, que é a de desmoralizar o Legislativo e impor sua ditadura.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR PAPALÉO PAES.

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O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entra ano, sai ano, e um fenômeno continua a desafiar todos aqueles que se preocupam com a solidez de nossas instituições e, conseqüentemente, com a preservação de nossa democracia.

Refiro-me, Srªs e Srs. Senadores, à absurda quantidade de medidas provisórias adotadas pela Presidência da República. Uma distorção que tem sido observada desde que o instrumento foi criado, na Constituição Federal de 88, e que não foi sanada nem mesmo com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001.

A origem da Medida Provisória, todos sabemos, não é das mais nobres. Ela veio substituir o Decreto-Lei, instituído pela Carta outorgada de 1937, e que ajudou Getúlio Vargas a exercer plenos poderes durante o Estado Novo. A figura do Decreto-Lei foi ignorada na Constituição democrática de 1946, mas os governos militares a ressuscitaram por meio do Ato Institucional nº 2, de 1965, e a consagraram na Constituição de 1967.

Nossa Carta Cidadã de 1988, com base na experiência de outros países, introduziu a figura da Medida Provisória. Tomou, é claro, as precauções necessárias, em especial a determinação de que o instrumento só poderia ser adotado em casos de relevância e urgência.

O problema, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, é que esse critério de relevância e urgência tem sido desconsiderado a todo momento. Ainda se tentou, com a Emenda Constitucional nº 32, de 2001, pôr algum freio à sanha do Executivo. Imaginava-se que, confrontado com a possibilidade de ver sua iniciativa naufragar por decurso de prazo, o Governo Federal pudesse ser um pouco mais cauteloso na adoção de medidas provisórias.

Não é o que ocorre. Continuam a ser enviadas ao Congresso Nacional propostas que não obedecem à prescrição de serem, ao mesmo tempo, relevantes e urgentes.

Nossa pauta vive trancada por medidas provisórias que tratam da abertura de créditos extraordinários, da aprovação de planos de cargos e salários, da criação de secretarias e de absurdos como a chamada TV Pública e de outras matérias que poderiam, muito bem, ser contempladas num projeto de li, num sinal de respeito ao Poder Legislativo.

Gostaria de ressaltar, Sr. Presidente, uma vez mais, o fato de que prerrogativas essenciais do Poder Legislativo vêm sendo usurpadas pelo Poder Executivo. E isso porque, a bem da verdade, dois atributos têm faltado ao Governo Federal: competência para planejar adequadamente suas atividades e disposição para fazer as necessárias articulações com o Congresso Nacional.

E não se diga, Sr. Presidente, que essa ânsia de legislar do Poder Executivo tem origem em eventual descaso por parte dos Parlamentares. Ao contrário! Ano a ano, tramitam nesta Casa milhares de proposições apresentadas por Deputados e Senadores, proposições que, muitas vezes em função do trancamento da pauta provocado pelas medidas provisórias, não têm a oportunidade de ser apreciadas e votadas.

Por tudo isso, Srªs. e Srs. Senadores - pelo desprestígio que as medidas provisórias representam para os Parlamentares, e acima de tudo por seu caráter pouco democrático -, é que alguma providência mais drástica deve ser tomada.

Foi esse o motivo que me levou a apresentar a Proposta de Emenda à Constituição nº 47, de 2004, que extingue o instituto da medida provisória. Pela proposta, Sr. Presidente, ficam revogados o inciso V do artigo 59, os artigos 62 e 246, e todas as demais disposições de nosso texto constitucional que façam referência à medida provisória.

A matéria foi declarada prejudicada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e encontra-se na Ordem do Dia do Plenário. Pretendo, no entanto, recorrer dessa decisão.

Tenho convicção, Srªs e Srs. Senadores, de que sua aprovação nas instâncias cabíveis, com a conseqüente extinção do instituto da medida provisória, não acarretará qualquer empecilho à governabilidade.

Discordo, portanto, da afirmação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que é “humanamente impossível governar sem as medidas provisórias”.

Gostaria de lembrar que nossa Carta já prevê, no § 1º do artigo 64, que o Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.

Pode também o Presidente da República, de acordo com o artigo 136 da Constituição, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

Também não devemos subestimar o poder da opinião pública de obter pronta resposta do Congresso Nacional nos casos que exijam decisão urgente, resposta facilitada com a imediata presença dos Parlamentares na Capital Federal ao serem convocados.

De outro lado, há de se convir que, na avaliação do que é bom ou ruim para o País, nada substitui a sensibilidade política do Parlamento. Os especialistas que assessoram o Presidente da República, ainda que tenham boa formação intelectual, nem sempre são capazes, do ponto de vista do jogo democrático, de fazer as melhores escolhas para a sociedade.

Para finalizar, gostaria de trazer ao Plenário algumas palavras para reflexão:

“Assumo o compromisso de acabar com o uso indiscriminado de medidas provisórias. O atual governo adotou mais MP’s do que os Decretos-lei editados pelos governos militares. Limitar-me-ei ao que prescreve a Constituição Federal - para cuja elaboração contribuí - de só editar medidas provisórias em situações de excepcionalidade e emergência”. Essa afirmação, Srªs. e Srs. Senadores, foi feita em julho de 1998 pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva em documento enviado a Ordem dos Advogados do Brasil, com suas promessas de campanha.

Sr. Presidente, minha avaliação é de que não podemos continuar convivendo com esse instrumento que afronta a soberania do Congresso Nacional. Penso que temos o dever cívico, a obrigação moral de, em nome da democracia, dar um basta às Medidas Provisórias.

Muito obrigado!

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR PAPALÉO PAES EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Governo ‘congela’ a produção de MPs” - O Liberal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2008 - Página 6642