Discurso durante a 36ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do ex-Senador, ex-Presidente do Senado Federal e Patrono da Biblioteca do Senado Federal, Luiz Viana Filho.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do ex-Senador, ex-Presidente do Senado Federal e Patrono da Biblioteca do Senado Federal, Luiz Viana Filho.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2008 - Página 6923
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, LUIZ VIANA FILHO, EX SENADOR, EX-DEPUTADO, EX PRESIDENTE, SENADO, PATRONO, BIBLIOTECA, EX MINISTRO DE ESTADO, EX GOVERNADOR, ESTADO DA BAHIA (BA), MEMBROS, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • ANALISE, PERDA, QUALIDADE, DIGNIDADE, POLITICO, POLITICA NACIONAL, COMPARAÇÃO, PERSONAGEM ILUSTRE, LUIZ VIANA FILHO, EX SENADOR, ELOGIO, VALORIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, CULTURA, LIVRO, INSTRUMENTO, CIDADANIA, PROGRESSO, LEITURA, TRECHO, DISCURSO, DEFESA, SISTEMA DE GOVERNO, PARLAMENTARISMO.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador César Borges; Deputado e Senador Luiz Viana Neto; Dr. Henrique Viana, neto do ilustre homem público homenageado; Dr. Alberto Pinheiro de Queiroz Filho, também neto do insigne Senador e Ministro Luiz Viana Filho; os dois ilustres - eu os cumprimentei como futuros Senadores - bisnetos de Luiz Viana; Drª Simone Bastos Vieira, Diretora da Biblioteca do Senado Federal, eu ouvia o Presidente Marco Maciel e me punha a pensar em algumas mutações que o quadro político brasileiro tem experimentado. E meu pensamento, Senador Marco Maciel, não era assim tão otimista em relação ao futuro. Sei que o Dr. Ulysses Guimarães dizia que o Parlamento, sempre necessário, apesar dos pesares todos, à Constituição e à consolidação da democracia brasileira, sempre haveria de piorar um pouquinho - ele costumava dizer isso. Mesmo assim, continuaria necessário por todo o sempre. Mas eu me perguntava quantos congressistas que conhecemos hoje mereceriam no futuro uma homenagem bonita, de unanimidade como esta que se presta a Luiz Viana na data presente. E é desanimador imaginarmos que estejam faltando hoje, talvez, mais Luiz Vianas.

Eu me lembro, meu prezado Luiz Viana Neto, que eu próprio filho de homem público - sempre digo que na minha casa sempre faltou engenheiro, sempre faltou médico, mas sempre sobrou político e advogado -, minha mãe dizia: “Meninos, fiquem quietos hoje que o ministro está vindo aqui”. E o ministro sempre era uma pessoa respeitável. Então, era para ficar quieto mesmo, para não ficar naquele corre-corre pela sala, porque era o ministro que ia chegar. Hoje em dia, se eu fosse menino e minha mãe dissesse isso, a pândega iria quintuplicar, porque não teríamos nenhuma reverência a prestar praticamente a ministro nenhum. Iríamos continuar virando do avesso - não que eu recomende aos dois senadorezinhos fazerem isso. Mas a pândega iria quintuplicar.

E a mesma coisa a figura do Senado, do Senador, que geralmente traduzia uma carreira que vinha, ou não, da Câmara Municipal, da Assembléia Legislativa, mas que sempre passava pela Câmara Federal, pelo menos; que vinha, ou não, mas muitas vezes vinha do exercício do Governo do Estado; que vinha, ou não, mas muitas vezes cabia que fosse assim, do exercício da Prefeitura de uma Capital ou de uma cidade importante. E o Senador geralmente terminaria sendo cogitado, quando não nomeado, Ministro de Estado.

Ainda há pouco, discutíamos, na Comissão de Justiça da Casa, sob a Presidência do Senador Marco Maciel, as mudanças possíveis, cabíveis, que sejam conseqüentes para resolvermos o drama dos suplentes. Estamos preocupados com a representatividade, estamos preocupados em darmos o máximo de dignidade à representação parlamentar, e percebo que está na hora de o Parlamento se repensar, está na hora de o Parlamento se impor como Poder, das pequenas atitudes aos grandes gestos.

Eu gostaria, portanto, de me associar, em nome do PSDB, à homenagem ao advogado Luiz Viana Filho, que se associou a esse outro grande brasileiro Aliomar Baleeiro, para produzir intelectualmente, inclusive, um livro, O Direito dos Empregados no Comércio; o homem público que foi derrotado em 1932, quando aderiu à Revolução Constitucionalista, emprestando a solidariedade baiana, tão brava sempre, ao esforço de São Paulo; que depois se elegeria Deputado Federal em 1934, para ter sua carreira truncada pelo golpe civil, pelo golpe estado-novista de Getúlio Vargas; e que depois teve uma carreira absolutamente brilhante, absolutamente incontestável do ponto de vista do comportamento ético que mantinha.

Foi Deputado Federal, Senador, Presidente do Congresso Nacional, Ministro de Estado, grande biógrafo, historiador. Escreveu sobre Rui, que respeito, que reverencio, e escreveu sobre Nabuco, que me fascina.

Poderíamos aqui trazer à baila que Luiz Viana Filho foi membro da Academia de Letras da Bahia, da Academia Brasileira de Letras, da Academia de Ciências e Letras de Lisboa, da Academia Internacional de Cultura de Portugal, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e do Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro.

Mas eu queria sobretudo, antes de ler algumas páginas - não são tantas; isso aqui a gente sempre saca e dá um susto em quem está ouvindo - da compilação muito competente feita com a ajuda da minha assessoria, sobre a vida de Luiz Viana, deixar aqui uma impressão muito pessoal do seu tamanho.

Eu não tive a honra de conviver com ele amiudadamente, mas sei do seu tamanho, sei da esteira de reputação que deixou atrás de si, e sei, portanto, de uma vida que valeu a pena: uma vida dedicada ao estudo, dedicada, obsessivamente, à educação. Uma vida que valeu a pena! Alguém sobre quem dá pra nós dizermos assim: “Olha, em cima de imagens como essa é que nós queremos projetar o Senado do futuro, lutando por mudanças profundas no Senado do presente”.

Mas feliz é o país cujos líderes têm apreço à cultura e aos livros. Feliz, sim. Já dizia Lobato que “um país se faz com homens e livros”.

Se a verdade é da essência da cidadania, aos livros cabe poder transformador, inseparável da ética e dos objetivos de qualquer nação.

Como o escritor de Taubaté, Luiz Viana Filho também pensava assim, e, como líder político em delicado momento brasileiro, apontou a questão educacional como providência primeira a ser tomada pelo Brasil, inclusive “para reduzir o fosso que separa o Nordeste das regiões mais desenvolvidas deste País”.

Num de seus livros, que hoje enriquecem o acervo da Biblioteca do Senado - que, aliás, leva muito honrosamente o seu nome -, Luiz Viana, com a angústia de um grande homem e também literato sensível que era, em sua linha academial, já advertia: “(...) como imaginarmos construir uma sociedade próspera, feliz, estável, alicerçada na ignorância?”

Era essa a inquietude de Viana, que, notavelmente, honrou o Congresso Nacional. Honrou e muito, sem perder jamais um natural zelo pela Bahia que o elegera: “(...) Não há como admitir, como sonhar sequer, que o Nordeste vai se desenvolver enquanto estiver mergulhado na ignorância.

Santa obsessão a de enfrentar um dos principais males a atrasar a vida pública deste País.

Com os ensinamentos filosóficos da escola de Platão, a que se juntavam sua própria sabedoria e ética, era esse acadêmico a proclamar, no Senado, verdades bem adequadas ao momento atual.

Repito Viana: “(...) É um erro grave pensar que devemos primeiro enriquecer para depois nos educar. Não, nós temos que primeiro nos educar para depois, talvez, nos enriquecer. A linha deve ser: Educar para enriquecer”.

Nada mais atual. Qualquer economista, quando produz seus ensaios, diz com outras palavras, às vezes até usando dos argumentos exatos da matemática, o que a bela expressão oratória de Viana proclamava.

À voz do acadêmico, que disseminava cultura em seus pronunciamentos deste plenário, juntava-se, com igual dimensão, o bom senso do líder político de expressão, pela sua convicção parlamentarista e pelo que apontavam os estudos a que sempre se debruçava.

São dele as palavras proferidas no Senado - ele que aqui cumpriu dois mandatos sucessivos:

“[...] Implantem o Parlamentarismo e não custará, tal como ocorreu sob a Monarquia, desenvolverem-se e firmarem-se os partidos, à cuja sombra se formarão os homens de Estado, representantes das suas idéias e dos seus correligionários.”

De novo, passado tanto tempo, meu prezado Viana Neto, estamos aqui a discutir o momento de melhor maturidade para propormos o Parlamentarismo. Estamos aqui a nos debruçar sobre partidos que não são autenticamente partidos, até porque, frutos eles, alguns partidos, muitos partidos, de um sistema político viciado, vicioso, que não prepara o cidadão para o exercício da soberania plena na hora das escolhas eleitorais.

São do mesmo texto mais algumas considerações que hoje se tornam oportunas para quem se detenha a estudar o Brasil atual e, quem sabe, o que se espera para o Brasil do amanhã. Aí dizia Luiz Viana Filho:

“[...] A verdade é que no clima do Presidencialismo não se torna possível o sistema em que a diferenciação entre o Executivo e o Legislativo seja assinalada pela colaboração. No Presidencialismo, o que realmente existe é a separação dos Poderes com a anulação do Legislativo.

[...] Ao prefaciar uma das mais recentes edições do famoso livro de Bagehot, escreveu Lord Balfour, o renomado estadista britânico, que o traço fundamental do regime parlamentar era um governo de cooperação, um governo em que Legislativo e Executivo funcionam como rodas dentadas com polias ligadas pela mesma correia, enfim, peças em um sistema animado por um movimento comum.”

E mais:

“[..] A própria oposição é um complemento do governo. Haverá algo mais diferente de um sistema em que Legislativo e Executivo se devam dar as mãos para o bem de uma nacionalidade? É o que, como afirmou Hermes Lima [e aí eu acrescento: outro grande homem à altura de Luiz Viana, na estatura de Luiz Viana Filho], a irresponsabilidade do presidencialismo exaspera o governo pessoal. “O Presidente [já dizia Hermes] converte-se fatalmente num centro de gravitação política diferente do Congresso e até contrário a ele. De maneira que, no sistema presidencial, há dois Poderes que se acham disputando o primado do comando político. Executivo e Legislativo são rivais e não colaboradores”. Luta da qual, no Brasil, uma das grandes vítimas foi Pinheiro Machado, que despontara como um caudilho da República.”

No caso de Machado, se eu faço um mergulho naquele período histórico, eu diria que ele foi vítima de uma brutalidade indescritível diante de uma dada situação histórica em que coube a ele também o papel de algoz, com sua política de asfixiar, nos Estados, com a política da degola, vocações que poderiam acrescentar, e muito, ao processo legislativo brasileiro. No meu Estado, por exemplo, havia um orador brilhante: Heliodoro Balbi. Hoje, nenhuma lembrança dele há para os mais jovens do meu Estado. Hoje praça, eu diria assim. Heliodoro Balbi, grande orador, hoje praça. Eleito diversas vezes deputado federal, foi degolado todas as vezes em que se elegeu a esse cargo pela caneta impiedosa do sistema erigido por Pinheiro Machado. Nem por isso eu deixaria de condenar a barbárie de que ele foi vítima no episódio que é tão conhecido da história nacional.

Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores amigos da família de Luiz Viana Filho, senhoras e senhores, neste dia consagrado à memória de Luiz Viana Filho, ao ensejo de seu centenário de nascimento, imaginamos que não se trata de qualquer coincidência a denominação que identifica a Biblioteca do Senado da República.

Nada seria mais justo para perenizar o nome de um grande homem que, agora, em tempo de lembranças, foi realmente uma figura fulgurante neste plenário. E ele tinha como mote da sua vida a cultura e o culto à educação. Portanto, melhor que uma Ala, é uma Biblioteca o lugar certo para abrigar o nome de Luiz Viana Filho. Nada mais justo nem mais adequado que o título a que, nessa denominação, é agregado ao nome do ilustre Senador pela Bahia: Acadêmico Luiz Viana Filho.

Ele, o Acadêmico, era, como Político, o líder de expressão sempre procurado por jornalistas que tinham a missão de relatar a fase política então vivida pelo País.

Dele, a serena apreciação dos fatos, à época necessária para que se pudesse entender a intensidade da busca da democracia, que precisava ser restabelecida.

Era comum ouvir de Viana, como palavra de ordem, a ponderação que entendia necessária para que, na análise do momento de ruptura institucional, se vislumbrassem as luzes do regime democrático.

É a trajetória desse homem de visão cultural e de acurada percepção política que hoje aqui relembramos.

Viana foi a representação viva, uma quase síntese da frase de Monteiro Lobato - “um país se faz com homens e livros”.

Como Acadêmico, ainda hoje parece ecoar já neste plenário, como no da Câmara, o sereno som de suas palavras bem construídas e sempre muito bem ouvidas.

Como homem público, coube-lhe, na condição de Governador de sua terra, concluir e inaugurar o hoje consagrado Centro Industrial de Aratu.

Aratu foi, em verdade, o grande empreendimento que mudou a economia da Bahia, algo que avalio bem pela semelhança com o Pólo Industrial de Manaus, responsável pela manutenção de 98% da cobertura florestal do meu Estado em pé, numa hora em que se discute, em âmbito econômico e não apenas ambiental, em âmbito planetário e não mais como se se tratasse de questão paroquial, a influência da Amazônia para o equilíbrio climático do Planeta.

Luiz Viana, a quem muito, pela consolidação de Aratu, se deve o desenvolvimento da Bahia. Deve-se dizer que, no entanto, ao lado do seu trabalho em favor da economia do seu Estado, manteve-se coerente com o seu ponto de vista acerca da educação.

Fez as duas coisas: trabalhou a ponta da economia sem se descuidar da sua feliz, da sua bendita obsessão pelo desenvolvimento educacional do País. Ao mesmo tempo em que assegurou condições, portanto, para a implantação do centro de Aratu, cuidou de ampliar a rede escolar do Estado. Disseminou escolas por todo o interior da Bahia, na convicção de que a educação é o bem maior de um povo.

Como escritor, foi um dos nossos bons historiadores de história contemporânea. Foi com essa característica, por sinal, que ele chegou à Academia Brasileira de Letras em dezembro de 1982. Ali ele foi, tal como o saudaram em sua posse, “um historiador na Academia Brasileira de Letras”.

Seu talento de escritor e a dedicação à pesquisa dos fatos de seu tempo legaram à Pátria uma das melhores biografias do general Castelo Branco, primeiro dos Presidentes do período militar. Abro parêntese para dizer que combati o regime militar durante todo o tempo em que durou esse regime. Mas nós fazemos revisões, e, se eu mantenho, no meu pobre tribunal pessoal, a condenação a Costa e Silva e a Médici, devo dizer que eu absolvo Geisel, que eu absolvo Figueiredo, por mais que isso não tenha valor qualquer, e que absolvo, sobretudo, Castelo Branco, que teve tudo para ficar e não ficou, teve tudo para prolongar o seu período e não o fez, teve tudo para se tornar o beneficiário de uma ditadura que se implantaria até sem ele, mas entrou em choque com a linha dos que queriam aprofundar a exceção, porque pretendia mesmo era devolver um País reconstitucionalizado.

E nada melhor do que a homenagem a Viana para nós, neste momento, resgatarmos Castelo Branco, fazendo o que, a meu ver, é uma proposta de rediscussão da história brasileira recente.

Mas, muito bem, voltando à obra intitulada O Governo Castelo Branco, ela foi editada em 1975. Viana foi Ministro Chefe do Gabinete Civil de Castelo, de 1964 a 1967, acumulando a função, por algum tempo, em 1966, com o cargo de Ministro da Justiça.

Como historiador, deu ao Brasil um notável clássico, em 1946: O negro na Bahia, tornando-se precursor na análise dos problemas suscitados pela integração e aculturação do negro trazido para o Brasil pela escravidão.

Falamos em livro, em reconhecimento à notável presença de Luiz Viana no mundo das Letras. Ele agora recebe deste Plenário mais um preito de homenagem ao historiador e político que, se vivo fosse, faria cem anos este mês. E, se vivo fosse, haveria de estar a nos aconselhar a todos em momentos tão delicados que igualmente temos nós todos -Senadores, Deputados, homens públicos - vivido no Brasil. Sua memória permanece, no entanto, entre nós no local com que ele certamente concordaria: bem aqui perto, na Biblioteca Acadêmica Luiz Viana Filho.

Eu digo, meu prezado Luiz Viana Neto, da responsabilidade tão pesada, por um lado, e, ao mesmo tempo, tão benigna de se carregar esse nome. E você honrou o seu mandato de Senador, como honrou os seus sucessivos mandatos de Deputado Federal.

Digo que é uma herança que se transmite para todos os descendentes de Luiz Viana, e acredito que pelo lado muito positivo: nada de “porque descendo de um grande homem, então não vou fazer a melhor parte que a mim possa caber no exercício da vida deste País” - seja numa empresa, seja dando aulas, seja no exercício da atividade parlamentar, seja na atuação como profissional liberal. Isso se estende aos dois “senadorezinhos” aqui presentes, se estende à família como um todo.

Os meus votos de que sejam todos sempre muito fiéis a essa memória que é inolvidável.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2008 - Página 6923