Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentário sobre matéria publicada ontem pelo jornal Folha de S.Paulo, em que Ministro da Educação, Fernando Haddad, admite a possibilidade de o Governo promover a federalização do ensino médio.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Comentário sobre matéria publicada ontem pelo jornal Folha de S.Paulo, em que Ministro da Educação, Fernando Haddad, admite a possibilidade de o Governo promover a federalização do ensino médio.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2008 - Página 7020
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, ANUNCIO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), POSSIBILIDADE, FEDERALIZAÇÃO, ENSINO MEDIO, REGISTRO, ATRASO, IMPLEMENTAÇÃO, PROPOSTA, PARALISAÇÃO, CASA CIVIL, ESCOLHA, CIDADE, INICIO, EXPERIENCIA, REALIZAÇÃO, CONCURSO PUBLICO, PROFESSOR, AUMENTO, SALARIO, EXIGENCIA, FORMAÇÃO, EMPENHO, BUSCA, PADRÃO DE QUALIDADE, ENSINO, DESCENTRALIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, LIBERDADE, PEDAGOGIA, COMENTARIO, AUTORIA, ORADOR, PROJETO, GESTÃO, EX MINISTRO DE ESTADO.
  • REGISTRO, EXISTENCIA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEFINIÇÃO, PISO SALARIAL, PROFESSOR, APREENSÃO, DEMORA, QUESTIONAMENTO, POSSIBILIDADE, GOVERNO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), USURPAÇÃO, FUNÇÃO LEGISLATIVA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a Folha de S.Paulo de hoje, Senador Jefferson Péres, traz uma matéria que já na primeira página chama a atenção de algo que me tocou diretamente, que é a notícia de que o Ministro da Educação fala que, de fato, a crise educacional brasileira está exigindo pensar-se na federalização do ensino médio. É óbvio que isso me tocou, porque eu acho que é um caminho.

Eu me pergunto, Senador Paulo Duque, por que o governo esperou cinco anos para descobrir isso. Em primeiro lugar, por que cinco anos? Isso está lá desde 2003 como proposta na Casa Civil. A idéia da escola ideal era um projeto em que nós agarraríamos cidades deste País e faríamos a revolução educacional completa, federalizando a educação naquelas cidades, já que não há condições para fazer no País inteiro. Nem professor suficiente há para a gente fazer a revolução educacional com a qualidade que a gente quer.

A gente precisa fazer um concurso federal, pagando muito bem aos professores e exigindo muito deles em formação e dedicação, e não há, de maneira alguma, número suficiente no Brasil inteiro. Tem-se de escolher os lugares onde a gente começaria isso.

Não dá para equipar todas as escolas com computadores, não é nem só porque não existam os computadores, porque isso a gente apressa e faz ou compra importado; é porque não há professores na quantidade suficiente para usar com competência os computadores no lugar do quadro-negro como a gente vai precisar fazer algum dia.

Não há condições de ter a revolução no Brasil inteiro. Vai ter de ser por parte - por parte significa por cidade - escolhendo os Prefeitos que querem, realmente, eles próprios também colaborar, os Governadores que querem colaborar e aí implantar escolas com padrões federais: padrão do mesmo tipo, não importa a cidade, não importa a renda da família.

O Ministro fala nisso, Senador Jefferson Péres, depois que eu lembro que, ao assumir o Ministério, o então Ministro Tarso Genro disse que essa proposta era uma insensatez. De insensatez ele chamou, agora estão descobrindo que é o caminho, mas devagar demais. Estão falando em 1% para fazer esse exercício e somente no ensino médio, quando a gente pode começar na educação de base inteirinha, como os ricos do Brasil já têm, Senador Jefferson Péres, e pouca gente percebe.

As pessoas não percebem que, para as camadas mais altas, o ensino, no Brasil, é federal - não federal estatal, mas federal nas mãos da iniciativa privada. Só cinco grupos de escolas, tipo Objetivo, Pitágoras, têm 1,3 milhão de alunos no Brasil inteiro. Esses 300 mil alunos têm a qualidade da educação que eles recebem igualmente, não importa o Estado onde esteja essa escola. Pagam salários mais ou menos padronizados no Brasil inteiro, Senador Tião. A formação do professor é padronizada, mais ou menos igual em todos os Estados. Os equipamentos são mais ou menos os mesmos e até os conteúdos são os mesmos.

E ainda uma coisa ultramoderna: até os professores, alguns deles, são os mesmos, porque vão de avião e dão aula, segunda-feira, em Recife; na terça-feira, em Belo Horizonte; na quarta-feira, em Brasília.

Nós federalizamos o que é dos ricos e municipalizamos o que é dos pobres. Por isso, aeroporto é federal, mas rodoviária é municipal. Por isso, o sistema financeiro é definido por regras federais, mas a educação, por regras municipais. Por isso, o Banco do Brasil, aonde formos neste País, tem uma agência com a mesma qualidade - o prédio é igualmente bonito, os equipamentos de computação são os mesmos, os funcionários foram escolhidos em um concurso público federal e recebem um salário federal. Ou a gente faz isso para a educação ou a gente não vai conseguir fazer.

É claro que não defendo a centralização gerencial. A gerência tem de ser local. Aí, eu até radicalizo. Chamem-me de neoliberal, se quiserem, do ponto de vista gerencial, mas acho que até uma escola que não pertence ao Estado, à União pode ser considerada pública. Basta que ela tenha qualidade nacional e seja grátis.

O Bradesco tem uma rede de 56 escolas no Brasil. São 56 escolas da maior qualidade. São 56 escolas que pertencem, privadamente, ao Bradesco, mas são federais, porque elas têm o mesmo padrão no Brasil inteiro, e públicas, porque são gratuitas. Se elas são gratuitas e têm o mesmo padrão nacional, elas são federais e públicas.

Não é impossível ter boas escolas gerenciadas pelo prefeito, desde que sigam padrões nacionais, desde que o salário seja definido nacionalmente, desde que a qualificação do professor seja definida por um concurso federal e não municipal.

Essa federalização, o Ministro da Educação, Fernando Haddad, finalmente descobriu depois de fazer parte de um grupo que durante cinco anos disse que isso era insensatez. Título aliás, Senadora Serys, que eu usei para um artigo na Folha rebatendo o que ele dizia e que eu chamei de Sou Insensato. Assumi que eu sou insensato, pois eu acredito que é possível a federalização com descentralização gerencial e liberdade pedagógica. Sou contra impor nacionalmente o mesmo padrão pedagógico. Temos que deixar que as experiências floresçam. Não existe dono da verdade. Agora temos que dizer o que é uma escola nacionalmente e não localmente. Há prefeito hoje inaugurando escola que não é escola, é um restaurante mirim, onde os meninos vão apenas para comer a merenda e depois vão embora, onde os professores não estão preparados.

Todas as medidas para federalizar a educação com descentralização gerencial estão na Casa Civil do Presidente Lula, desde 2003, engavetadas, e uma dessas é a idéia do piso salarial. O piso salarial foi entregue na Casa Civil em abril ou maio de 2003 e ficou engavetado como muitos outros projetos de lei.

Quando eu voltei do ministério para o Senado, dei entrada no projeto do piso salarial pelo Senado. Em 2004, quatro anos depois, esse projeto hoje, Senador Paim, está nos finalmente, como se chama na Câmara dos Deputados. Já passou por todas as comissões e agora vai para a CCJ; de lá, para o plenário; do plenário volta para cá, e aqui vamos ter que discutir outra vez na Comissão de Educação para, depois, vir para o Plenário.

O meu medo é que com essas medidas provisórias que emperram, que entravam e não deixam o processo legislativo funcionar e também com a nossa lentidão - não é só a medida provisória que emperra os nossos trabalhos; é também a lentidão como a gente trabalha, são os poucos dias que a gente dedica ao trabalho legislativo, juntos aqui -, passem mais quinze dias, passe mais um mês, e aí, por causa da medida provisória que não deixa aprovar um projeto de lei de origem do Senado, o Presidente da República venha, como salvador dos professores, fazer uma medida provisória para implantar o piso salarial, que nasceu no Senado. Assim fazendo, vai ocorrer aquilo que o Senador Osmar Dias foi o primeiro a denunciar aqui, ou seja, que a gente prepara os projetos e na hora H o Governo Federal vem como o dono do projeto, assume a paternidade dele. E o mais grave é que por mais que eu seja contra as medidas provisórias, se aqui vier uma medida provisória para dar um salário maior aos professores, eu vou votar a favor dela. Não sou eu quem vai deixar não os dois milhões, porque alguns ganham acima do piso, mas 600, 700 mil professores ganhando menos porque eu quero ser o pai da lei. Mas é triste ver um governo que manteve durante cinco anos um projeto na sua gaveta esperar a última hora, até como forma de economizar dinheiro, para editar uma medida provisória para que a lei não fique como uma criação do Senado, como um projeto do Senado, e sim como um projeto imposto autoritariamente, embora positivamente, aos professores do Brasil.

Espero que o ministro, que hoje disse na Folha que talvez seja necessária a federalização, comece a estudar como implantar uma federalização respeitando-se a descentralização gerencial e a liberdade pedagógica.

Que nesses estudos ele considere a possibilidade que está na Casa Civil, que começou em 2003 e foi interrompida em 2004, quando o atual ministro era secretário executivo, da experiência das escolas ideais. Quando aquele projeto chegava a uma cidade, a educação de toda ela era revolucionada ao longo de dois anos apenas. Começamos em 29 cidades. Elas receberam o dinheiro para fazer isso em 2003, e o projeto foi paralisado em 2004. É uma pena que o Governo Lula tenha perdido cinco anos de uma experiência, e agora que a redescobre, traga o projeto na lentidão como hoje eu vi na Folha, como proposta, como uma hipótese e não como uma certeza. Vamos pedir ao ministro que transforme a hipótese em certeza e recupere o tempo perdido ao longo desse período.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Senador Cristovam Buarque, permite-me um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Com muito prazer, nobre Senador.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Na mesma entrevista de hoje na Folha, Senador Cristovam Buarque, o Ministro da Educação preconiza tirar a educação da DRU. Aquilo que a Bancada do PDT, por sugestão de V. Exª, já tinha conseguido com o Ministro Guido Mantega, se mantivesse a CPMF, o Ministro está agora preconizando; certamente amanhã vai surgir como uma iniciativa governamental.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É verdade, Senador Jefferson Péres. Isso serve não apenas para tirar, Senador Eduardo Suplicy, o prestígio dos Senadores, mas para desmoralizar o Congresso. E desmoralizar o Congresso é um passo na direção do autoritarismo - não chamei de ditadura, mas autoritarismo.

Hoje, dá para a gente dizer que o Brasil já está sob um regime autoritário, não ditatorial, porque o Congresso ficou irrelevante devido a gestos como esse.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Com o maior prazer, Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezados Senadores Cristovam Buarque e Jefferson Péres, eu tenho a convicção de que o Ministro Fernando Haddad, que tem observado os debates aqui e as sugestões formuladas pelo Senador Cristovam Buarque em favor de maior atenção para a educação, certamente está certo de que, ao dizer que está de acordo com uma proposição que a Bancada do PDT formulou por ocasião da discussão da CPMF - e disso todos nós fomos testemunha -, que isso seja reconhecido como a sugestão que o Governo acata e, obviamente, isso poderá ser objeto do reconhecimento. Todos nós temos reconhecido em V. Exª, Presidente da Comissão da Educação, inúmeras iniciativas, como a de ontem, quando ouvimos um professor espanhol especializado em reforma educacional. Conforme V. Exª assinalou, a Irlanda, a Espanha, a Finlândia e outros países têm muitas lições a nos dar. Aquela foi uma oportunidade de conhecermos mais a maneira de efetivamente dar prioridade à educação. V. Exª está avançando com a sua batalha, e, inclusive, nos convida a todos para abraçarmos a causa da educação. E por isso, eu o cumprimento.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço o seu aparte. E, realmente, um minuto é suficiente para responder a V. Exª.

Agradeço tudo, mas há muitas coisas que permitem suspeitar que a intenção não é essa. Por exemplo: o projeto que estabelece o piso salarial já está na Casa Civil desde 2003, já está no Senado Federal desde 2004. Quando chegou à Câmara dos Deputados, um Deputado do PT pediu urgência, mas no outro dia ele pediu que fosse retirada a urgência. É muito suspeito. Por que pedir a retirada da urgência de um projeto que ia beneficiar os professores? Só vejo duas razões: primeira, quanto mais adiar, melhor para o cofre público; então, o Governo prefere que não haja a urgência, para demorar mais. Segunda, se aprovasse aquele projeto, ele teria o mérito de ter saído do Senado ou da Câmara; esperando um pouco mais, o Presidente teria a desculpa para fazer uma medida provisória. Eu acho muito suspeito que um Deputado do PT peça urgência e, no outro dia, por alguma influência, peça a retirada da urgência. Ainda está em tempo de levarmos adiante essa urgência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2008 - Página 7020