Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a entrevista concedida pelo Presidente Garibaldi Alves Filho à revista Veja desta semana.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Comentários sobre a entrevista concedida pelo Presidente Garibaldi Alves Filho à revista Veja desta semana.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2008 - Página 7907
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, APERFEIÇOAMENTO, DEBATE, SENADO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE, ENTREVISTA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PARALISAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, FUNÇÃO LEGISLATIVA, OMISSÃO, CORRUPÇÃO, MEMBROS, OCORRENCIA, ABUSO, PODER ECONOMICO, PERDA, REPUTAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PREVISÃO, ATRASO, TRAMITAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, RISCOS, DEMOCRACIA.
  • CRITICA, GOVERNO, BANCADA, OPOSIÇÃO, FALTA, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, RENOVAÇÃO, CONCLAMAÇÃO, DEBATE, BUSCA, SOLUÇÃO, LEGISLATIVO, DISCUSSÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, ESPECIFICAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, CRISE, MATRIZ ENERGETICA, DOLAR, EPIDEMIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, DESIGUALDADE REGIONAL, EXCESSO, AUTOMOVEL, REGIÃO METROPOLITANA, VIOLENCIA, ABUSO, CRIANÇA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste domingo, quando li, na revista Veja, a entrevista do nosso Presidente Garibaldi, pensei: “Segunda-feira, amanhã, o Congresso não vai funcionar normalmente. O Congresso vai se dedicar a debater a entrevista dada pelo nosso Presidente”.

         O que o Presidente Garibaldi disse, Senador Mão Santa, exige uma reflexão profunda do Congresso. Lamentavelmente, passou a segunda, a terça, a quarta, estamos na quinta, e não vemos o menor debate, nenhuma repercussão dessa entrevista aqui dentro.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Não é bem preciso o que diz V. Exª, porque alguns Senadores - o Senador Osmar Dias, eu e outros - fizemos referência a essa entrevista.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sim. Houve referências individuais, mas é isto que caracteriza o Senado: cada um de nós faz aqui o nosso discurso, vai embora e ninguém debate. Quando eu terminar de falar sobre a entrevista, ninguém vai se lembrar do que foi falado. Ninguém se lembra, Senador.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Eu me lembro, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Falo de debater realmente. Deveríamos fechar a porta, proibir a saída e debater, por exemplo, a primeira frase, verdadeira, corajosa, do Senador Garibaldi: “O Congresso deixou de votar, de legislar, de cumprir sua função. É uma agonia lenta que está chegando a um ponto culminante”. Como é que essas duas frases, perfeitas, passam, e a gente, no máximo, lê, comenta, elogia, mas não aprofunda o debate, Senador Suplicy? É preciso debater para saber, primeiro, até que ponto isso é verdade, como acho que é, ou não; segundo, para saber como a gente vai votar, como a gente vai legislar, como a gente vai cumprir a nossa função e como a gente pára essa agonia lenta que está chegando ao ponto culminante como o nosso Presidente disse.

A gente não debate. O meu discurso vai ser mais um, além dos três que o Senador Suplicy falou; o meu será mais um. A gente nem fica aqui, são dois dias por semana, no máximo, três. Como é que a gente vai debater isso? Nesse período, cada um de nós - não sou nem um pouquinho diferente - fica nos gabinetes, atendendo às pessoas. Não estamos parlamentando.

Mas não foi só isso que disse o Presidente Garibaldi. Em relação à outra pergunta, ele disse: “Essa leniência [a leniência com a corrupção que não ajuda a construir uma boa imagem do Congresso] tira a autoridade do Legislativo. Hoje, o Congresso só quer atuar na fiscalização dos outros”.

         É verdade o que o Presidente disse. E exige que a gente reflita, analise e mude essa realidade. É o que está faltando é agirmos para mudar. E isso a gente não está fazendo.

Mais adiante, o Presidente diz: “A política hoje é o seguinte: quem já entrou sem dinheiro, tenta sobreviver; mas quem é liso, não tem mais vez. Só vão entrar os endinheirados ou quem está atrás de mais dinheiro”. É muito grave. E o que é grave é que é verdade o que disse o Presidente. Ou que aqui a gente diga que o Presidente não disse a verdade! Repito o que ele disse: “A política hoje é o seguinte: quem já entrou sem dinheiro, tenta sobreviver; mas quem é liso, não tem mais vez. Só vão entrar os endinheirados ou quem está atrás de mais dinheiro”.

Mas somos nós que fazemos as leis. Quando é que vamos debater como é que se supera isso, se isso é verdade, como eu acho que é? Como é que a gente faz com que a política não seja para os endinheirados apenas, porque eles também são cidadãos e têm direito, mas que tenha direito igual e não direito diferenciado? Não estamos procurando....

Quando S. Exª diz assim: “Essa prática do fisiologismo termina nivelando todo mundo por baixo. A imagem hoje é a de que quem é do PMDB não presta”. Nesse ponto o Senador Garibaldi foi modesto. Acho que isso vale para praticamente todos os Partidos, e não excluo o meu. A imagem da opinião pública - e nesta mesma Veja tem uma pesquisa sobre a imagem - é a de que nenhum de nós está prestando.

O que fazemos? O grave é que não estamos fazendo nada, Senador Mozarildo. Não estamos fazendo nada! Até porque nos dividimos aqui entre uma Situação que só se defende e uma Oposição que só ataca. Não estamos vendo a Situação propondo, justificando o novo rumo do Brasil para o qual o Presidente Lula foi eleito; e não estamos vendo, Senador Mão Santa, a Oposição trazendo propostas claras; neste ponto, igual ao PT de antes, que também não trazia propostas.

Sei que muita gente do PT dizia: “A Oposição não é para formular propostas”. E eu fui do PT e já insistia que eu não tinha uma crítica a nada em que eu não tivesse uma alternativa no lugar. Nunca! Se eu não tenho o que colocar no lugar, não critico. Posso fazer denúncia, é outra coisa!

Mas o Congresso não pode se limitar à denúncia. Sinceramente, hoje, dá vontade de sermos oposição à Situação e sermos oposição à Oposição também, porque não estamos vendo um debate de idéias, não estamos vendo a confluência como já houve neste Congresso há muito tempo.

Vamos comemorar agora os 120 anos da abolição. Andei lendo, em uns momentinhos que tive por aí, as atas dos debates no Senado naqueles dias de maio de 1888. Havia debate. Havia gente que dizia: “Se acabar a escravidão, os escravos vão morrer de forme; temos que protegê-los, mantendo-“os. Outros diziam: “A agricultura vai se acabar”. A gente não vê esse debate agora. E isso me deixou mais preocupado que a entrevista. Felizmente temos um Presidente capaz de reconhecer e dizer isso com essa mesma competência.

E leio mais uma parte aqui, quando ele responde à pergunta da Veja se há alguma chance de se aprovar a reforma tributária que está no Congresso. Ele diz: “Este ano parece ser péssimo no Congresso por causa da eleição. Aparentemente ninguém aposta um real que a reforma tributária saia”. E é verdade. Mas é uma verdade muito triste, Senador Mozarildo. E não é só porque é ano de eleição, mas porque é mais um semestre de CPI também. E a gente não discute como sair da amarra que a CPI nos cria, não deixando de fazê-las, absolutamente. Sou tão radical que acho que deveria haver uma comissão permanente de inquérito, e dei entrada nesse projeto. Mas o que não se pode é paralisar o Congresso a cada denúncia que surge.

Por isso, Sr. Presidente, quero fazer aqui um apelo ao Presidente Garibaldi, que fez uma entrevista tão lúcida, mas vou fazer pessoalmente a ele, peço até desculpas de fazer primeiro de público, porque não o encontrei hoje. Temos de transformar essa entrevista em um ponto de confluência, de debate sobre como resolver esses problemas. Ou a Mesa - e V. Exª faz parte dela - discute isso aqui e pergunta como resolver cada ponto ou cria-se um grupo para fazer isso ou, ainda, nós nos trancamos aqui para dizer ao povo brasileiro: nós existimos e estamos aqui para encontrar soluções.

Só para dar uma idéia, quando é que vamos discutir aqui, com clareza, como sair do atraso em que o Brasil está em relação aos outros países? Éramos melhores do que os Tigres Asiáticos há 30, 40 anos; do que o México. Hoje, estamos para trás. E vamos falar com franqueza: o PAC, mesmo que dê certo, não nos tira do atraso, apenas nos dá um pequeno fôlego para continuar na lenta marcha do desenvolvimento brasileiro.

Quando é que vamos discutir aqui como é que quebra a desigualdade neste País? Porque não vamos mentir, o Bolsa-Família não é ruim, mas não quebra a desigualdade e, pior, traz uma ilusão, Senador Eurípedes, ao dizer que a renda subiu meio por cento, logo a desigualdade diminuiu, porque não é verdade, Senador Augusto Botelho. Diminuir a desigualdade é quando todos morarem em casas decentes com água, saneamento, quando todos tiverem um sistema médico de competência, quando todos os meninos tiverem boas escolas, aí diminui a desigualdade. Mas um ligeiro aumento de renda é o mesmo que dizer que a nossa desigualdade diminuiu com o pobre que pede esmola porque demos R$1,00 para ele. Se uma pessoa rica dá R$1,00 de esmola, pode-se dizer que ela fez um gesto generoso, mas dizer que diminuiu a desigualdade entre os dois é mentira.

Quando é que vamos discutir como enfrentar, sem dúvida alguma, a crise energética que este País vai viver? Não pelo apagão deste ano, porque vai chover, nem do próximo, nem do próximo, mas em dez anos vai haver uma grave crise energética, porque o petróleo está ficando raro, porque não dá para continuar usando muito tempo já que está aquecendo o planeta, porque a energia nuclear é arriscada.

Quando é vamos discutir aqui se enfrentamos ou não a energia nuclear como saída? É aqui que tem que ser o foro. Quando é que a gente vai discutir como enfrentar a crise do aquecimento global do planeta que virá? E o Brasil faz parte dele.

Quando é que a gente vai discutir o fim da era do dólar? Está-se discutindo se a crise chega ou não ao Brasil. Tem uma coisa mais profunda que isso. O dólar, como símbolo de troca no mundo, está-se acabando, deixando de existir. Os próprios Estados Unidos percebem que esse é um peso muito grande para eles, têm que jogar lá para baixo para recuperar suas exportações e equilibrar sua balança comercial. Quando é que a gente vai discutir isso? Vamos nos atrelar ao euro? Vamos ficar independente de todos? Vamos propor, como alguns propõem, uma nova moeda simbólica com base nos recursos naturais, inclusive nos nossos recursos?

Quando é que a gente vai discutir aqui o enfrentamento não da dengue, mas da próxima epidemia que virá e das muitas que virão? Quando é que a gente vai discutir o problema da desigualdade regional? Quando é que a gente vai discutir com seriedade o problema da criminalidade, o problema das grandes cidades? O que vamos fazer daqui a cinco anos, quando São Paulo parar, porque todos os lugares vão estar ocupados por automóveis e, aí, nenhum deles sairá do lugar? O que faremos nesse dia? Vamos decretar uma moratória na produção de automóveis? Vamos retirar 25% deles e jogar fora, imprensando como lixo? Vamos proibir que as pessoas andem de carro, comprem e guardem na garagem? Não estamos discutindo isso. E não é só São Paulo, é Vitória, Brasília, que ninguém imaginava que ia ter problema.

Quando é que vamos discutir nossas crianças, Senador? Leia os jornais nestas últimas duas semanas: é uma criança jogada pela janela, é outra amarrada pela madrasta, é outra que morre por causa da dengue, é outra que é abandonada no lixo. Não tem um dia que não tenha alguma notícia trágica sobre alguma criança brasileira. E a gente não está discutindo isso.

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - E, finalmente, para não continuar discutindo como combater a corrupção, não apenas como denunciar a corrupção - porque denunciar a corrupção felizmente a gente já faz, mas combater a corrupção a gente não está fazendo ainda com clareza, com projetos de lei -, faria a seguinte pergunta: como é que a gente vai fazer para que o Congresso funcione? Como é que a gente vai fazer para que, na próxima entrevista de um Presidente nosso, ele não precise dizer as verdades que o Senador Garibaldi nos disse nesse fim de semana?

Não sei se esse é o meu discurso ou o meu desabafo. Mais um. Mais um desabafo que traz proposta, como eu sempre procuro trazer. Vamos nos reunir para valer aqui. Vamos fazer um anti-recesso e ficarmos aqui um mês, nós todos dialogando, buscando saídas, porque o Presidente tem razão, chegamos ao ponto culminante. E sabemos qual é o outro lado da montanha: é o fim da democracia, porque não há democracia sem Congresso. Pode haver a ditadura com Congresso fechado ou a ditadura sem Congresso mas com o Congresso aberto. Todo fim de mês a gente recebe o salário, todo fim de mês a gente recebe os recursos que tem direito, todos os dias possíveis a gente fala, diz o que quer, total liberdade, mas não basta isso para a democracia, se o Congresso não for parte ativa do processo de Governo. E hoje nós não estamos sendo.

Claro que uma grande parte é culpa do Poder Executivo com suas medidas provisória, mas uma parte é culpa nossa por uma certa leniência, como chama o Presidente Garibaldi em sua entrevista.

Era isso que tinha a falar, Sr. Presidente, Senador Gerson Camata, mas não gostaria de ficar impedido de conceder um aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti, se V. Exª permitir.

O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - O tempo para conceder apartes está esgotado, mas V. Exª dispõe de um minuto para conceder o aparte - anti-regimentalmente.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Respondendo às indagações do Senador Cristovam Buarque, queria realmente debater alguns pontos mas, infelizmente, não há tempo. Mas quero, pelo menos, dizer que 90% dos problemas mencionados pelo Presidente Garibaldi Alves Filho cabem exatamente ao Poder Executivo, que transforma o Congresso no que está aí. Realmente, 10% são culpa nossa. Por exemplo, o Senado faz uma parte, como no caso da reforma política, do Orçamento impositivo e do rito das MPs, e a Câmara dos Deputados engaveta. Aí, perguntamos: será que, quando o Presidente Lula deixou de ser Deputado e disse que tinham cerca de 300 picaretas no Congresso, ele estava se utilizando desse mecanismo para não fazer com que o Legislativo funcione? Já que não há mais tempo para o debate, quero deixar essas posições. Mas concordo muito com a afirmação que a maioria ou grande parte dos Parlamentares se preocupam em liberar emendas e nomear amigos para cargos. Isso tem de acabar, principalmente com relação às emendas. E já pedimos à Procuradoria-Geral da República que fiscalize e aplique os princípios da moralidade pública.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Mozarildo Cavalcanti, quero responder dizendo que eu não vou discutir os 10% ou os 90%, mas uma parte maior é deles e uma parte grande é nossa, porque, se quisermos, nós temos o poder. Por dois terços dos votos, aqui, nós podemos fazer tudo. A gente não se encontra para tentarmos construir essa maioria.

Finalmente, eu estou de acordo com V. Exª.

Não sei se o Presidente Lula ainda considera que aqui há 300 picaretas, mas acho que ele considera que todos aqui são desprezíveis do ponto de vista do poder. Talvez não sejamos picaretas, mas nós somos irrelevantes. Creio que esse sentimento de irrelevância existe no Poder Executivo em relação ao Congresso. Não sei o que é pior: chamar de irrelevante ou de picareta. Picareta é um juízo de valor, e o termo “irrelevante” significa: está aí, não conseguem aprovar as coisas e me obrigam a editar medidas provisórias. A meu ver essa é a psicologia do Governo. A prova é a resistência para vir depor na CPI, deveriam ter tomado a iniciativa de virem aqui logo. Mas a culpa também é nossa, como o Senador Mozarildo disse. E a entrevista do nosso Presidente abre os nossos olhos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2008 - Página 7907