Discurso durante a 58ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relatos sobre a Brasília que muitos não conhecem, a propósito do transcurso, ontem, de seu quadragésimo quarto aniversário.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Relatos sobre a Brasília que muitos não conhecem, a propósito do transcurso, ontem, de seu quadragésimo quarto aniversário.
Aparteantes
Geraldo Mesquita Júnior, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2008 - Página 10388
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, JOAQUIM JOSE DA SILVA XAVIER, VULTO HISTORICO, LUTA, INDEPENDENCIA, BRASIL.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), ELOGIO, POPULAÇÃO, REGIÃO, RELEVANCIA, CULTURA, AMBITO NACIONAL, QUALIDADE, INDUSTRIA, AGRICULTURA, EXPORTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, HOSPITAL, UNIVERSIDADE, TRANSITO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem foi o dia em que o Brasil rememora a morte do grande herói brasileiro que foi Tiradentes; o grande herói da independência nacional, que merecia que dedicássemos aqui horas e horas, se fosse o caso, lembrando a sua luta, Senador Tasso, o seu sacrifício em nome da independência do Brasil. Inclusive lembrando tudo que ele deixou incompleto e que nós não conseguimos completar ainda em relação à independência brasileira.

Mas ontem foi também o aniversário desta Cidade, Senador Mão Santa, onde nós estamos; ontem foi o aniversário de Brasília. Ontem à noite, aqui, nessa Esplanada, que todos vêem, Senador Pedro, como o lugar do Congresso, entre 600 mil e 1 milhão de pessoas estiveram reunidas brincando, cantando, dançando, e nenhum acidente aconteceu. Nenhuma violência aconteceu, salvo um ou outro desses mal-entendidos que ocorrem naturalmente.

Brasília fez 48 anos. Mas eu não vim falar da Brasília Capital. Eu vim falar de uma outra Brasília que muitos não conhecem, que o Brasil inteiro não sabe que existe, que até muitos de nós, Senadores e Deputados, não conhecemos. É uma Brasília de gente que aqui vive. Ou porque escolheu esta Cidade, ou porque aqui nasceu. Comecemos até lembrando os muitos funcionários desta Casa que não estão aqui porque vieram por causa de mandato e da política, mas estão aqui como trabalhadores, como servidores, servindo ao País. Mas não é isso que eu quero falar.

Eu quero falar de uma Brasília, por exemplo, onde há pessoas que pouca gente se lembra de que são de Brasília. As pessoas lembram que Nelson Piquet e o Nelsinho Piquet também, dois símbolos brasileiros, são de Brasília?

Alguém se lembra com clareza de que os grupos Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, três dos mais importantes grupos da música jovem deste País - certamente, se não os mais dos mais -, são de Brasília, feitos por jovens que aqui nasceram, aqui cresceram, aqui criaram suas bandas, aqui começaram a tocar?

As pessoas se lembram de que, além de nós Parlamentares, Senador Jarbas, aqui vivem, aqui moram, aqui cresceram pessoas como Joaquim Cruz, Carmem de Oliveira, o grande campeão de basquete Oscar, o Kaká, que hoje orgulha o Brasil inteiro pelo mundo afora, o Tranquilini, esse grande campeão de judô?

Alguém se lembra de que esse é o pessoal de uma outra Brasília, não da Brasília Capital, da Brasília cidade, da Brasília de gente que aqui vive não porque esta é a Capital do País, mas porque esta é a cidade dessas pessoas?

Alguém se lembra até de que o grande Ney Matogrosso não nasceu aqui, mas aqui começou sua carreira e se transformou no grande cantor que é?

Pouca gente se lembra porque é uma outra Brasília. Uma outra Brasília que faz coisas surpreendentes.

Alguém sabe por aí que, em Brasília, nas paradas de ônibus, em diversas delas, há bibliotecas implantadas não pelo Poder Público, mas por um jovem baiano que aqui mora desde muito pequeno e que aqui iniciou esse grupo de atividades culturais? Com essas bibliotecas, Senador Mão Santa - queria um dia levar os Senadores lá -, ele não apenas leva a literatura para os pontos de ônibus, mas algo mais raro: essas bibliotecas são abertas, públicas, dia e noite, Senador Tasso Jereissati. Nunca roubaram um livro. E não é porque nunca tiraram um livro; é porque tiram e devolvem. Até o lápis que fica em cima de uma mesa para que a pessoa anote o livro que está levando e diga a data que vai devolver, até esse lápis continua o mesmo; e ele deixa de propósito, meses e meses lá. Fala-se de corrupção como se fosse uma coisa de Brasília. As paradas de ônibus daqui, não todas ainda, têm livros. Mas não é um, dois, três, não; uma das bibliotecas tem dois mil livros, abertos, dia e noite, sem guarda! As pessoas chegam, tiram, anotam, levam, trazem de volta.

Alguém se lembra de que o Programa Bolsa Escola nasceu em Brasília, apesar de que muitos digam que nasceu em Campinas? Na verdade, Brasília assessorou o Prefeito de Campinas na hora de implantar. Eu fui lá ajudar a implantar. E daqui se espalhou, primeiro graças ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando, em seu segundo mandato, logo no começo, pegou esse programa e levou para o Brasil, com uma generosidade rara em político, mantendo o mesmo nome utilizado por um político que era de um partido da oposição, que era eu. Ele pegou o Bolsa Escola - podia ter inventado o nome que quisesse, ate bolsa família, se quisesse, mas ele disse “vou manter o mesmo nome de Brasília” - e manteve o Bolsa Escola. Mas foi aqui que nasceu. Onde? Na Universidade de Brasília, como um conceito, em um livro publicado a partir da Universidade de Brasília, e, depois, com o Governo do Distrito Federal, quase - é preciso dizer - no mesmo dia em que Campinas também implantou, porque lá o Prefeito tinha começado dois anos antes.

Alguém se lembra de que aqui em Brasília as pessoas param o carro - inclusive de senadores - para que o pedestre passe? Alguém se lembra desse lado civilizador e civilizatório do Distrito Federal, Brasília, que espanta as pessoas do Brasil inteiro quando aqui vêm? Inclusive, eu já vi muitos estrangeiros ficarem espantados porque o carro pára não importa quem é que pede levantando a mão para passar. Até bicho, se for passar ali pela faixa, os carros param.

Esse gesto, essa outra Brasília, as pessoas não se lembram de que aqui existe, Senador. Mas Brasília não é só a capital do Brasil, não é só o Congresso Nacional, nem o Poder Executivo: é uma cidade de dois milhões de habitantes - dois milhões! -, que hoje exporta para o mundo inteiro. Fazem parte da balança comercial brasileira exportações saídas do Distrito Federal. E não só de indústria, também da agricultura. E, na indústria, o que há de mais moderno, de ponta na indústria da informática.

Alguém se lembra de que o Sarah Kubitscheck, essa maravilha do Brasil, nasceu em Brasília, graças a uma figura fenomenal chamada Campos da Paz, Aloysio Campos da Paz, que é praticamente um pioneiro desta cidade, que aqui chegou quando a cidade estava começando, aqui ficou, aqui desenvolveu o Sarah e levou-o para o Brasil inteiro, como exemplo de gestão e de eficiência científica e tecnológica?

Alguém se lembra, por exemplo, que aqui, nesta cidade, a gente tem uma coisa chamada Clube do Choro, que é um exemplo de música para o Brasil e o mundo inteiro? A gente se lembra - claro, com razão - do samba que tem o Rio, mas se esquece de que Brasília, independentemente de ser a capital do Brasil, independentemente da política, tem uma música própria. Não só aqueles grupos de rock de que falei, mas também essa coisa maravilhosa brasileira que é o chorinho, não só tocando, mas hoje ensinando com a escola que tem, para ser usada e levada para o Brasil inteiro.

Alguém se lembra, por acaso, de que em Brasília a gente tem uma orquestra do Teatro Nacional Cláudio Santoro, que é uma orquestra exemplar do Brasil?

Alguém se lembra de que hoje Brasília é uma das cidades de maior capacidade econômica de todo o Brasil?

As pessoas esquecem lá fora - e é para elas que estou falando e para os Senadores também - que há duas Brasílias que se orgulham de existir: a Brasília capital e a outra Brasília. A Brasília capital é aquela que sai no noticiário todas as noites. É aquela das coisas boas e dos escândalos também. Mas a outra Brasília é uma cidade de gente de carne e osso, que produz, que cria, que inventa, que dinamiza e que também, não podemos negar, tem as mazelas da sociedade brasileira, como as desigualdades.

Vim aqui hoje falar dessa outra Brasília, que não dá para a gente dizer que completa 48 anos, porque ela é permanente. Ela vai se desenvolvendo ao longo do tempo, ela não tem uma data de nascimento, ela é fruto da criatividade do povo do Distrito Federal e não da inauguração, do gesto de um Presidente, de um arquiteto ou de um urbanista, como foi a Brasília capital.

Antes de concluir, Sr. Presidente, quero passar a palavra ao Senador Geraldo para um aparte.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - Senador Buarque, muito oportuna e muito bem lembrada a sua manifestação de carinho e de apreço por esta cidade. Destaquei, hoje aqui de manhã, na sessão em homenagem aos aposentados, que Brasília, de alguma forma, é a cara do Brasil no que diz respeito ao fosso entre a enorme riqueza e a enorme pobreza que existe em nosso País. Mas ela tem coisas bonitas também, Senador Buarque. V. Exª estava falando dos grupos de música. Não se esqueça de exaltar a Escola de Música de Brasília, que eu não diria que é a melhor do mundo, mas talvez seja a melhor deste País, que já formou tantos e tantos profissionais nesta área. Brasília, esta cidade do contraste, da opulência e da miséria, também tem algo que foi introduzido no seu Governo e que, para mim, é um fato que simboliza a possibilidade, no nosso País, de a gente construir uma verdadeira democracia: é a faixa de pedestre e a obediência que todos temos a ela. Ali atravessam ricos e pobres, que têm o mesmo tratamento. Os carros param, e as pessoas atravessam, Senador Buarque. Isso pode parecer uma coisa muito pequena, mas não é, não. Isso simboliza, como digo a V. Exª, a possibilidade de a gente imaginar que, quando o povo deste País se mobiliza em torno de uma idéia fantástica como aquela, consegue realizar, consegue transformar, consegue produzir. Portanto, Brasília é isso: é a cidade do contraste econômico, mas é a cidade cuja população deu um exemplo para todo o País, quiçá para o mundo, de como a gente pode ser civilizado, de como a gente pode exercitar a civilidade e a democracia entre todos nós. Parabéns pelo seu pronunciamento.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador.

Para concluir, Sr. Presidente, quero dizer que a faixa de pedestres já tem dez anos que foi implantada aqui, e funciona há dez anos. Por quê? Porque a população de Brasília a adotou, dessa outra Brasília, dessa Brasília que não é feita da capital do Brasil, mas das pessoas que aqui moram.

Finalmente, quero dizer àqueles que estão me assistindo e que, durante essa fala, receberam uma ligação por alguma razão, que toda vez, Senador Mão Santa, que V. Exª vê lá no telefone o número que está lhe chamando, aquilo se deve a um inventor de Brasília. O bina foi inventado aqui por um mineiro chamado Nélio José, mas que mora em Brasília há muitos anos. É um produto de Brasília.

Quantos milhões de brasileiros todos os dias se beneficiam dessa tal de bina ou desse bina...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ... e não lembram que esse é um produto que saiu do Distrito Federal, que saiu da outra Brasília. Comemoro esse fato no dia do aniversário da Brasília que todos conhecem, que é a Brasília capital.

Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - O melhor de Brasília é a mocidade estudiosa, ela que se indignou contra a corrupção, não só lá, mas do País. Este é o grande presente da mocidade estudiosa, da Universidade que V. Exª dirigiu, da Universidade de Darcy Ribeiro, que hoje é a liderança máxima da juventude do Brasil. Brasília passou com a atitude de indignação, dando um basta na corrupção, por esta mocidade estudiosa da Universidade de Brasília. Ela hoje é a maior riqueza de Brasília e do Brasil!

O SR. PRESIDENTE (Valter Pereira. PMDB - MS) - Esta Presidência alerta...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, eu preciso de mais um minuto, pelo menos, mas não muito.

O SR. PRESIDENTE (Valter Pereira. PMDB - MS) - Esta Mesa vai dar mais um minuto a V. Exª, mas alerta que já foram feitas três prorrogações.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem.

O SR. PRESIDENTE (Valter Pereira. PMDB - MS) - Já está chegando à Casa o Presidente efetivo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT-DF) - Muito bem. Quero concluir apenas dizendo, Senador Mão Santa, que eu deixei a UnB, por ser a minha casa, aquela onde, hoje de manhã, eu dei a minha aula - toda terça-feira - por último. E estava escrito bem grande para não esquecer: “E o movimento estudantil”. Porque toda vez que essa grande instituição se desencaminhou foram os estudantes mobilizados, em geral junto com professores e servidores, que recuperaram a dignidade e o rumo para a Universidade de Brasília. Eu lhe agradeço por ter tocado no assunto.

Mas não há dúvida: a UnB é um produto da outra Brasília; é um orgulho da Brasília que não é apenas capital. É uma cidade, como todas as outras onde moram os nossos Senadores.

Era isso, Sr. Presidente, neste momento em que comemoramos o aniversário das duas Brasília: a capital e a outra Brasília.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2008 - Página 10388