Discurso durante a 64ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Quadragésimo Oitavo Aniversário de Brasília.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Quadragésimo Oitavo Aniversário de Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2008 - Página 10987
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), IMPORTANCIA, DIVULGAÇÃO, BRASIL, DIVERSIDADE, CARACTERISTICA, CAPITAL FEDERAL, SAUDAÇÃO, TRABALHADOR, PIONEIRO, FUNCIONARIO PUBLICO, COMERCIANTE AMBULANTE, ARTESÃO, POPULAÇÃO CARENTE, MENDIGO, EMPRESARIO, DESEMPREGADO, ARTISTA, MUSICO, ATLETAS, PROFESSOR, MEDICO, POLICIAL, JUVENTUDE, CRIANÇA, AGRADECIMENTO, VIDA, CIDADE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Um bom-dia a cada uma e a cada um de vocês. Cumprimento o Governador José Roberto Arruda e, em seu nome, todas as autoridades. Quero falar hoje não para as autoridades e nem para nós, os brasilienses. Nos aniversários, se convidamos só os irmãos, a festa fica sem graça. Esta sessão, que é para homenagear, graças à iniciativa do Senador Adelmir Santana, nossa cidade, nossa querida Brasília, está indo para o Brasil inteiro.

            Eu quero falar para quem não está aqui. Eu quero falar para os brasileiros que não moram e que não conhecem, inclusive, a Brasília real, a Brasília verdadeira, a outra Brasília. Porque a Brasília dos prédios, dos traçados, dos seus fundadores, a Brasília deste Congresso é muito conhecida lá fora, mas o que lá fora não conhece é que há uma outra Brasília cheia de gente. Permitam-me até a liberdade poética de chamar “as gentes” de Brasília. Quero falar sobre elas, para que lá fora saibam que há uma outra Brasília.

            Em primeiro lugar, quero cumprimentar, saudar e falar dos trabalhadores de Brasília. E não quero falar nem dos pioneiros que fizeram Brasília. Eu quero falar dos trabalhadores de hoje, que fazem Brasília, começando pelos trabalhadores da construção civil, setor dinâmico que caracteriza de maneira tão especial Brasília, mas não porque estão fazendo a Capital e, sim, porque estão fazendo uma cidade, a nossa Cidade, a Capital de todos os brasileiros. Além de ser Capital, é uma cidade cheia de sangue, de carne, de “gentes” mexendo, bulindo, agindo como qualquer outra do País não por ser Capital, mas por ser cidade.

            Quero falar a esses trabalhadores que são a imensa quantidade em Brasília, que são os nossos servidores públicos, mas não porque eles fazem Brasília, mas porque eles fazem o Brasil. Ao estarem aqui como servidores públicos estão fazendo o Brasil inteiro. As pessoas lá fora acham que os únicos servidores públicos que existem nesta cidade são os Deputados e os Senadores, o Presidente da República e os seus Ministros. Não! É preciso que lá fora saibam que aqui está cheio de trabalhadores no setor industrial, porque esta é uma cidade, hoje, que tem, sim, um setor industrial dinâmico. Está cheia de comerciários, porque eles hoje fazem parte desta cidade como os que estão fora de Brasília. E entre esses comerciários, quero citar especialmente os pequenos, que são comerciários e empresários, que são os feirantes, que caracterizam alguns setores de nossa cidade, como trabalhadores que suam todos os dias para fazerem com que suas famílias tenham o pão e fazerem com que neste País exista produção.

            Eu quero citar, especialmente, um grupinho de feirantes que fui obrigado a desalojar, porque ficavam onde fizemos a estação do metrô na rodoviária. São trabalhadores, trabalhadores nesta cidade, que eu queria que o Brasil inteiro soubesse que aqui existem.

            Quero falar dos artesãos que há em Brasília e que, hoje, produzem nesta cidade, não por ela ser capital, mas por ela ser cidade, algumas das mais belas peças de artesanato que este País tem.

            Depois dos trabalhadores, eu quero falar dos pobres de Brasília. Lá fora, as pessoas acham que Brasília não fica no Brasil e que aqui não há pobres. Há pobres. Há pobres, inclusive, nos sinais de trânsito, pedindo esmola; há pobres que moram perto da rodoviária; há pobres, inclusive, em locais onde têm suas pequenas casas, mas vivem em condições muito pobres. Quero que nós nos lembremos deles, mas eu quero que o Brasil inteiro saiba que eles existem nesta cidade, porque esta cidade não é apenas capital, esta é uma cidade brasileira e, nas cidades brasileiras, há pobres nas esquinas. Talvez não tenhamos esquinas, mas eles encontraram lugares onde podem ficar esperando quem passa para lhes dar uma ajuda.

            Quero, aqui, deixar esta mensagem para o resto do Brasil: que nós temos a beleza, que nós temos a maravilha, que nos orgulhamos disso, mas que nós somos iguais a vocês, em todas as cidades do Brasil. Temos trabalhadores; temos pobres, muito pobres.

            Depois, eu quero falar de uma categoria que, lá fora, é esquecida e que existe em Brasília: os empresários. Pouca gente sabe - e, aqui, eu vejo diversos deles, não vou citá-los - que Brasília, hoje, é uma cidade de grande dinâmica empresarial. Três deles estão à mesa; muitos estão aqui. Lá fora, ninguém sabe que há um setor empresarial na construção, que há um setor empresarial na indústria, que há um setor empresarial no comércio, gerando produto. Esta não é uma cidade apenas de papéis, é uma cidade de ferro, também, de produção de ferro e não só de uso de papel, como nós costumamos fazer na máquina burocrática que temos obrigação de ser, como capital. Mas, além disso, nós somos um setor que tem um grupo importante de empresários neste País.

            Quero falar, também, para um grupo que não está dentro, exatamente, dos pobres, mas que são os desempregados. Lá fora, é capaz de acharem que aqui não tem desempregados, que, aqui, todos têm um emprego público. Não é verdade. Hoje, a maioria, a grande maioria da população de Brasília já não é mais de servidores públicos, é de trabalhadores no setor privado. É o setor privado que garante a maior parte do emprego nesta cidade e, obviamente, como em todo lugar do mundo, não só do Brasil, há momentos em que não se consegue gerar emprego suficiente para todos. Eu quero falar para eles, dizendo-lhes que esse 48º aniversário não é apenas da capital, é da cidade onde eles vivem, onde eles trabalham, quando conseguem, e onde eles não trabalham, neste momento, pelo desemprego que caracteriza o Brasil inteiro.

            Eu quero falar para os artistas, que a gente esquece muitas vezes. Lá fora, as pessoas não sabem que os melhores grupos de rock aqui nasceram. As pessoas não lembram que o grande cantor Ney Matogrosso aqui começou a cantar. É uma lista grande a que fiz, inclusive com muitas pessoas, que tentarei ler com medo de muitos que eu esquecerei, apesar de ter feito uma lista de 100 pessoas. Não por estarem presentes - aliás, eu comecei a tirar os que estão presentes -, mas para citar aqueles que caracterizam a alma de Brasília, não a alma da capital, a alma da outra Brasília. São artistas plásticos, são artistas de performance que esta cidade tem, numa profusão que surpreende pelo tamanho dela.

            Outro grupo são os atletas. Pouca gente sabe que muitos dos grandes campeões brasileiros - e não falo do futebol, em que temos, hoje, um grande nome - do atletismo daqui saíram, aqui se formaram, alguns aqui nasceram, inclusive.

            Quero falar, também, de uma categoria que as pessoas não sabem que existe aqui, quem mora lá fora: a categoria dos professores. Brasília é uma cidade de funcionários públicos, que servem ao Brasil como funcionários da capital, mas Brasília é uma cidade de gente, com centenas de crianças na escola e, portanto, com alguns milhares de professores e de servidores administrativos da área da Educação.

            Não vou falar de todas as categorias que fazem essa outra Brasília, mas falo também, ao lado dos professores e servidores da Educação, dos servidores da Saúde. Brasília é uma cidade que tem gente que fica doente. Por isso, aqui, em Brasília, nós somos atendidos por profissionais competentes de Brasília, em todas as áreas da Medicina. Alguns centros de ponta já temos hoje, aqui, que exportam conhecimento.

            Quero falar, também, nessas categorias, para os servidores da Polícia Civil e Militar, e do Corpo de Bombeiros. Lá fora, a violência, hoje, é um dos itens mais graves da agenda brasileira. Eu quero que eles saibam que Brasília é parte do Brasil. Aqui, temos problemas também, mas temos uma competência tão grande na área da Polícia, que a gente ainda pode dizer que Brasília é uma cidade privilegiada do ponto de vista da segurança.

            Eu quero falar, também, para os jovens. As pessoas esquecem que Brasília tem uma juventude, até porque, em alguns momentos, as notícias que saíram de grupos jovens foram notícias muito negativas, há alguns anos, por exercício da violência por parte de alguns jovens.

            Eu quero que, lá fora, saibam que, além desses atos que foram cometidos aqui, aqui tem pelo menos 300 mil jovens. Não falo em crianças, porque falarei delas no final. Jovens. Jovens, por exemplo, estudantes, que como o Senador Mão Santa lembrou, recentemente saíram nos jornais do Brasil inteiro por conta dos fatos da UnB. Mas o número de jovens universitários, hoje, é muito maior fora do que dentro da UnB. As pessoas esquecem, lá fora, essa juventude brasileira que nasceu aqui, que não veio para cá como nós viemos, que não fez a cidade como ela é, como os pioneiros fizeram, mas que está fazendo a outra Brasília e está fazendo o Brasil inteiro.

            Mas não quero falar só dos jovens universitários. Quero falar também, Presidente Garibaldi, de uma juventude de Brasília que tem os mesmos problemas da juventude do resto do Brasil, porque nós não somos uma ilha como muitos dizem. Aqui, hoje, há uma juventude perplexa, há uma juventude assustada, há uma juventude que tem medo do desemprego adiante, mesmo quando estuda, uma juventude que tem medo de não ter as condições que seus pais tiveram. Há uma juventude que é a primeira, na história do Brasil, que sabe que terá menos chance do que seus pais tiveram. Se há uma coisa que caracterizou este País, onde há uma grande mobilidade, é que a geração seguinte sempre tinha mais condições do que a geração anterior: os pais mais do que os avós, os filhos mais do que os pais. Pela primeira vez na história, a gente está tendo uma juventude com menos chance do que os pais tiveram. Essa juventude existe, também, em Brasília, porque Brasília não é só a capital. Brasília, além de ser a capital, é uma cidade plena de gente, de carne, de sangue, de angústia, de sofrimento, de esperanças, de vontade, de trabalho, de medo, como o resto do Brasil.

            Finalmente, quero dizer lá fora, aos que estão participando desta nossa festa como convidados, que Brasília tem crianças, que Brasília é uma cidade-criança, porque 48 anos não chegam nem a ser a juventude de uma cidade, mas é uma cidade-criança cheia de crianças.

            Lá fora, de tanto aparecerem os Senadores, os Deputados, os altos funcionários públicos, devem achar que aqui não tem criança, Senador Adelmir.

            Eu nunca vi, no Jornal Nacional, criança brasiliense aparecendo. Aqui tem criança, e tem criança dos dois tipos das crianças do Brasil: as crianças bem-cuidadas, as crianças com boas escolas, e as crianças que escapam desse cuidado, que escapam daquilo que a gente devia dar a elas, nas mesmas condições. É claro que é preciso dizer ao Brasil inteiro que mesmo essas crianças têm em Brasília uma situação bem melhor, muito melhor do que lá fora. No que se refere à educação, no que se refere à saúde, nós estamos melhor, mas nós não estamos iguais entre nós. Há uma desigualdade. É preciso que as pessoas saibam que nós temos crianças, crianças que aqui nasceram, crianças que aqui vão viver, crianças, elas sim, que vão fazer a Brasília do futuro, crianças, elas sim, que vão, cada vez mais, investir, produzir na outra Brasília, na Brasília que não é a capital, e elas sim - eu espero -, que sejam capazes, Senador Gim Argello, de casar as duas Brasílias - a Brasília capital com a Brasília não-capital - e fazer uma grande cidade, um misto de capital e cidade verdade. Porque, ao ser criada Brasília, ela ficou na idéia da Brasília capital. E lá fora o que vêem é isso. Rio de Janeiro nunca foi vista como capital. Ela era capital em conseqüência de ser uma cidade. Nós somos uma cidade em conseqüência de sermos a capital. Nós não conseguimos, ainda, casar para a opinião pública brasileira inteira a cidade-capital - para isso ela nasceu - com a cidade verdadeira, igual às outras, que é o que vai predominar cada vez mais.

            Até o trânsito, que a gente achou que ia poder dizer para sempre que éramos totalmente diferentes, eu quero que lá fora saibam que, embora estejamos muito melhor que o resto do Brasil, já temos problemas nessa área também.

            Fico, então, aqui dizendo a vocês que hoje estamos comemorando 48 anos da Brasília que foi feita pelos pioneiros, sonhada pelo nosso maior de todos os estadistas, desenhada por dois dos maiores gênios que a humanidade teve na área da arquitetura e do urbanismo, mas, daqui para frente, quando estivermos aqui - não pessoalmente nós, mas outros -, comemorando os 96 anos, daqui a 48, ou o centenário de Brasília... E digo nós não com qualquer sombra de desvario enlouquecido de que seremos nós aqui, mas nós a alma dos que aqui estão hoje, porque isso será lembrado mais adiante. Quando estivermos comemorando aqui os cem anos, serão as crianças de hoje que terão construído, serão as crianças de hoje que terão feito.

            Por isso, concluo dizendo que, nestes 48 anos, nesta festa para a qual tentei convidar todos os brasileiros, o nosso presente para o Brasil são as nossas crianças, porque, através delas, a gente vai fazer o casamento da cidade capital com a cidade real e vamos também ajudar a construir o Brasil, ajudar a mudar o rumo do Brasil em direção a uma sociedade mais justa, uma sociedade sem a desigualdade que temos, uma sociedade que respeita nossas florestas, nossos velhos, nossas crianças, uma sociedade com uma modernidade ética, e não apenas uma modernidade técnica, como tantos defendem.

            Ao Brasil inteiro, nós, pioneiros e não-pioneiros que aqui vivemos, e somos adultos, ao Brasil inteiro, o nosso presente são as nossas crianças para construírem, elas, o futuro desta cidade e o futuro do Brasil.

            Um grande abraço para cada uma, para cada um.

            E parabéns por nosso aniversário. (Palmas.)

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2008 - Página 10987