Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a estória de um jovem residente em Jaboatão dos Guararapes, que passou no vestibular de medicina, em primeiro lugar, e cujo pai tem renda inferior ao salário-mínimo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre a estória de um jovem residente em Jaboatão dos Guararapes, que passou no vestibular de medicina, em primeiro lugar, e cujo pai tem renda inferior ao salário-mínimo.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2008 - Página 11045
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, DIVULGAÇÃO, PROGRAMA, TELEVISÃO, VITORIA, FILHO, FAMILIA, POPULAÇÃO CARENTE, RECEBIMENTO, BOLSA FAMILIA, EXAME VESTIBULAR, MEDICINA, DEMONSTRAÇÃO, IMPORTANCIA, INCENTIVO, PAES, CONSCIENTIZAÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, AUTORIDADE, SOCIEDADE CIVIL, INCENTIVO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, ESTUDO, VALORIZAÇÃO, PROFESSOR, DEMONSTRAÇÃO, EXISTENCIA, RECURSOS, PAIS.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, EDUCAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, que preside esta sessão.

            Sr. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, não sei se os Senadores, os Deputados, os Ministros e o Presidente da República costumam assistir ao Programa do Faustão no domingo à tarde. Não sei quantos dos líderes nacionais costumam assistir a esse programa. Se são poucos, quero dizer que, pelo menos neste domingo, foi uma pena terem perdido uma parte desse programa na qual esse apresentador trouxe para a televisão um jovem de Jaboatão, Senador Jarbas Vasconcelos, filho de um pobre homem daquela cidade - além da renda do Bolsa-Família, tem uma renda inferior a um salário mínimo - que teve a lucidez de fazer com que seus filhos estudassem.

            Não sei quantos de nós, líderes, assistimos ao programa e não sei quantos de nós temos a percepção da importância da lição que, naqueles poucos minutos, aquele homem pernambucano passou para nós, os líderes deste País. O que ele mostrou, com clareza rara, por meio das imagens que o apresentador Faustão colocou no ar, é que é possível fazer o milagre, Senador Mão Santa, de, no meio da pobreza, faltando comida, como ele disse, as crianças não pararem de estudar. E o mais importante é que, mesmo faltando comida em casa, eles - o pai e a mãe - não colocaram as crianças para trabalhar na hora de eles estudarem.

            Foi uma lição para o Brasil, uma lição que nos deve fazer refletir. Essa família é um exemplo de como sair da pobreza, Senador Mozarildo, mas fico pensando em quantos outros Esaús, que é o nome daquele menino, existem perdidos neste imenso território brasileiro, no meio da imensa população brasileira. Quantos outros meninos não teriam o mesmo futuro se fosse possível seus pais darem a eles o apoio que aqueles deram! O menino entrou na Faculdade de Medicina em primeiro lugar, fez outros vestibulares e passou também. Só que não dá para a gente acreditar que milhões de pais e de mães vão ter essa percepção, essa sensibilidade; isso é querer demais. Não foram dados estudos a essas mães e a esses pais; um ou outro desperta para a importância de estudar.

            Creio que devemos nos perguntar, Senador Mão Santa, o seguinte: será que o programa Bolsa-Escola, como era, e mesmo o programa Bolsa-Família - ele não cobra, mas está lá na lei - não tiveram um papel importante no despertar da família? Será que esse pai e essa mãe teriam percebido a importância da educação sem esse empurrãozinho que o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família deram? Será que, sem esse empurrãozinho, teria havido a tomada de consciência por parte dessa família? Talvez, não.

            O fato é que não dá para a gente exigir que outros pais e mães façam o mesmo. Daí minha pergunta: quantos de nós assistimos a esse programa? Quantos de nós vimos essa parte do programa? Quantos de nós despertamos para nossa responsabilidade de nos tornarmos - não vou dizer os pais - os tios das crianças brasileiras? Cada Deputado, cada Senador, cada funcionário público de nível superior, o Presidente da República, todos nós deveríamos tratar cada criança brasileira como se fosse nosso sobrinho ou nossa sobrinha, com a preocupação devida. O que aquele pai fez o Brasil pode fazer também; o Brasil pode fazer, para 42 milhões de crianças, o que aquele casal de Jaboatão fez para seus filhos.

            Se você observa a renda nacional como se fosse o salário daquele pai e daquela mãe, você vai ver que a renda nacional é maior para cada família do que o salário que aquele pai tem. Mas vamos deixar de lado a renda nacional. Se observarmos a renda do setor público brasileiro, que vai chegar em breve a R$1 trilhão, e a dividirmos pelo número de famílias, em torno de quarenta milhões, vamos ver que a renda para cada família é maior do que a renda que aquela família de Jaboatão tem. E eles conseguiram, com aquela pequena renda, manter seus filhos.

            O que quero dizer é que nós temos a renda. Este Congresso, o Presidente da República, o Poder Judiciário, nós - muito mais do que aquela família - temos nas nossas mãos dinheiro suficiente para atender todas as famílias brasileiras.

            A gente precisava aprender com aquele pai, a gente precisava aprender com o que ele disse: “Falta tudo na minha casa, mas não falta tempo para meus meninos estudarem”. E a gente não faz isso. Para boa parte das crianças brasileiras, falta tempo para estudar. Isso acontece, porque a parcela pobre tem de trabalhar, e a parcela rica tem diversões que a desviam da educação.

            A gente poderia enfrentar isso. Poderíamos tratar as crianças do Brasil como se fossem nossos filhos ou nossos sobrinhos e, com isso, tentar dar-lhes tempo para estudarem em vez de trabalharem ou de nada fazerem.

            Mas não basta usar o tempo. É perfeitamente possível dar um aumento substancial aos professores brasileiros e, ao mesmo tempo, exigir deles mais dedicação. Não é difícil fazer isso. A renda nacional permite isso perfeitamente, a renda do setor público permite isso perfeitamente. Falta em nós, começando pela Presidência da República e pelos outros Poderes, a vontade de tratar as crianças como aquele casal trata seus filhos.

            É possível dar tempo para as crianças estudarem, é possível remunerar bem o professorado, fazer com que este se dedique e se prepare. É claro que há dinheiro para comprar todos os livros necessários, todos os computadores necessários.

            Aquela família conseguiu comprar livros. Aparece na televisão aquela família numa casa absolutamente irreconhecível como casa, e os livros estavam na parede. Se aquela família, com R$140,00, com R$58,00, do Bolsa-Escola - são R$200,00 -, e com mais um dinheirinho que a mãe arranja vendendo coisas na feira, consegue ter livros em casa, por que há famílias sem livros em casa, quando nosso Estado é rico, quando nossa Nação é rica, pelo menos mais rica do que aquela família de Jaboatão dos Guararapes?

            Se há equipamentos nas escolas, professores bem remunerados e dedicados, crianças com tempo, construir os prédios custa quase nada, até porque os prédios a gente constrói uma vez, e uma boa escola pode durar 30 anos ou 50 anos. As que Dom Pedro fez estão aí há mais de 100 anos.

            Se a gente considera que o Brasil é uma grande família e que o Presidente da República, os Deputados e os Senadores são os chefes dessa família, temos recursos maiores do que aquela família teve para poder colocar seu filho na escola. Por que não fazemos isso? Porque não tratamos o Brasil como uma família, Senador Mozarildo. No Brasil, não vemos o conjunto da sociedade brasileira como uma grande família. Aquela família pobre, paupérrima, sozinha, consegue ver a importância da educação para seus filhos, mas nós, que somos os chefes da imensa família brasileira, não vemos essa importância, porque não tratamos a grande família brasileira como uma família. Alguns até a tratam como povo; outros, como população; outros, como habitantes. Mas não os tratamos como irmãos, não os tratamos como primos, não a tratamos como família.

            Este sentimento é que está faltando: o sentimento de familiaridade do conjunto da sociedade brasileira como uma só família, não como quarenta milhões de famílias, cada uma do seu lado, todas elas pulverizadas, e, de vez em quando, uma que encontra seu caminho, como a família do Esaú e outras famílias perdidas.

            Temos de fazer o que a Senadora Heloísa Helena dizia aqui - sinto saudades dela nesta Casa - quando falava que o Brasil só precisava de uma coisa: adotar uma geração de crianças. A Heloísa Helena falava isto: “Adotemos uma geração de crianças, que o Brasil não terá mais problemas no futuro, porque essa geração adotada vai encontrar o rumo e vai construir um Brasil diferente!”.

            Mas nós nos negamos a fazer como o pai do Esaú; nós nos negamos a fazer como o Severino da Silva; nós nos negamos a fazer como ele fez com seu filho, porque não tratamos os filhos das famílias brasileiras como se fossem nossos filhos. Não os tratamos assim. Nós os olhamos com um certo desprezo, com descuido, como se essa não fosse nossa responsabilidade.

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Presidente, obrigado pela generosidade, porque V. Exª colocou cinco minutos.

            Nós não temos essa generosidade quando tratamos das crianças brasileiras. Não, senhor! Digo “nós” no sentido plural - eu, inclusive. Não falo “nós” no sentido de esconder nada. Nós não estamos tratando a questão com o sentimento de adotar uma geração de brasileiros.

            Por isso, uma família, quando consegue fazer aquilo, vai para a cadeia nacional, graças à sensibilidade de um apresentador de televisão no seu programa de domingo à tarde. É exceção, é raridade. Aquele não é um fato comum. E não vai ser um fato comum se deixarmos a critério de cada família, a não ser que esperemos 20 anos, 30 anos, 50 anos, até que todas as famílias brasileiras despertem, sejam capazes da generosidade - veja que a família tem generosidade entre si! - de o pai trabalhar mais para que a criança não trabalhe. A gente não faz o mesmo com as crianças do Brasil inteiro.

            Gastamos quanto aqui? Quanto se gasta com os cartões corporativos, como se fala? Quanto se gasta em desperdício em diversos setores da vida nacional? Por que, na hora de decidirmos o Orçamento, submetemo-nos às pressões corporativas daqueles que usam gravata, calçam sapato, sejam líderes empresarias ou sindicais, que vêm aqui pedir e conseguem arrastar de nós?

            Há muitas semanas, há uma greve nacional de uma categoria que está pedindo o piso salarial de R$11 mil. De onde vêm esses recursos? Vêm dessa grande massa de recursos que tem a Nação brasileira. Aqui dentro, fala-se, de vez em quando, em aumento salarial dos nossos salários. Aqui dentro, fala-se de incorporar a verba indenizatória como parte do salário, desviando sua finalidade de financiar as atividades da defesa das bandeiras, para a gente defender como se fosse nosso próprio salário.

            A gente não trata os outros como parte da família. A gente não tem a generosidade de tratar as crianças brasileiras como se fossem parte da grande família. Temos a obrigação, como pessoas eleitas, como líderes nacionais, de vê-las como parte da nossa família.

            Aquele programa, Senador - e termino -, tocou-me, porque mostrou que uma família pode fazer sua revolução e que, logo, uma nação também pode fazer sua revolução. Um pai de família pode fazer sua revolução; logo, o Presidente da República, os Parlamentares, os Ministros, nós juntos podemos fazer uma revolução. O programa mostrou que aquele fato é tão inusitado na sociedade brasileira, que merece ir para a cadeia nacional. Se todos os pais fizessem o mesmo, nenhum apareceria em tevê nacional. Logo, vamos fazer com que esse inusitado de uma família se transforme no normal de todos. E aí só há um jeito: nós, os líderes nacionais, o setor público brasileiro fazermos o que a Heloísa Helena defendia, ou seja, adotarmos uma geração de brasileiros. Devemos adotarmos todos os Esaús deste País, como o pai e a mãe dele fizeram com que eles fossem adotados, no sentido não apenas de nascer, mas de serem cuidados; não apenas de serem cuidados no presente, mas de serem cuidados, olhando para um futuro, para um projeto nacional. E isso só pode ser feito por meio da educação, como aquele pobre homem de Jaboatão dos Guararapes percebeu e executou na sua casa. E nós não estamos conseguindo fazer isso na nossa casa chamada Brasil.

            Foi muito oportuno esse programa, ainda mais que tenha sido transmitido na véspera do Dia da Educação, que estamos comemorando hoje. Que seja o Dia da Educação não apenas de um Esaú, mas de todos os Esaús; não apenas liderado por um pai e por uma mãe, mas liderado por este País, por nós, que ganhamos as eleições para fazer essa liderança!

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2008 - Página 11045