Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o assassinato da menina Isabela e da violência cometida contra as crianças brasileiras.

Autor
Kátia Abreu (DEM - Democratas/TO)
Nome completo: Kátia Regina de Abreu
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Reflexão sobre o assassinato da menina Isabela e da violência cometida contra as crianças brasileiras.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2008 - Página 11250
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ADVERTENCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, VIOLENCIA, INFANCIA, COMENTARIO, HOMICIDIO, CRIANÇA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ACUSAÇÃO, PAI.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO TOCANTINS, ESTADO DO TOCANTINS (TO), APRESENTAÇÃO, DADOS, DEMONSTRAÇÃO, SUPERIORIDADE, VIOLENCIA, REGIÃO.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SUPERIORIDADE, DENUNCIA, VIOLENCIA, CRIANÇA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, FAMILIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DELEGACIA, CRIANÇA, COMBATE, VIOLENCIA, INFANCIA, RELEVANCIA, TRABALHO, PROFESSOR, SUPERIORIDADE, TEMPO, ACOMPANHAMENTO, MENOR, DENUNCIA, ABUSO, FAMILIA.

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Srª Presidente, Senadora Rosalba, do Rio Grande do Norte, competente. É uma alegria para o Senado Federal tê-la conosco. Nós agradecemos a todo o povo do Rio Grande do Norte, especialmente da cidade de Mossoró, por ter-nos enviado uma pessoa tão distinta, tão determinada e batalhadora aqui para o Senado Federal.

            Srª Presidente, a senhora tem acompanhado, como todo o povo brasileiro, pela televisão, nos últimos dias, a questão de uma criança que tem a suspeita de ter sido assassinada pelos pais.

            Nós vimos, há alguns meses, o caso do menino João Hélio, que foi assassinado, arrastado pelo cinto de segurança, por dois assaltantes, traficantes e drogados. Esses dois casos foram amplamente divulgados pela imprensa nacional. Um não é pior do que o outro. Não são piores do que a morte de qualquer criança neste País, em qualquer lugar que esteja, em qualquer Estado, em qualquer circunstância, mesmo que seja por uma doença. No entanto, pela agressão, pela violência, esses casos nos trazem indignação.

            A criança tem de ser protegida por todos nós, principalmente pela família, pelos pais. Por isso nós temos pais, avós, padrinhos, madrinhas, tios e tias, que são a sustentação de uma família, bem como amigos que ganhamos pela vida afora, que nos ajudam também a criar e a proteger as crianças.

            Estamos assistindo ao caso específico de Isabela. O que talvez tenha chocado ainda mais o povo brasileiro foi exatamente ter sido assassinada cruelmente não só pela madrasta mas pelo pai.

            Sou avó e tenho uma netinha que tem a idade de Isabela. Maria Eduarda tem cinco anos de idade. Não consegui evitar que ela entendesse o caso, por conta da divulgação nos veículos de comunicação, e que o acompanhasse. Cheguei até a pensar e comecei a criar uma mentira dizendo que não havia sido o pai, mas outra pessoa. No entanto, não posso ficar o dia todo ao lado dela, e entendeu que, parece, foi mesmo o pai que matou aquela criança.

            Quero, não só como Senadora, mas, principalmente, como cidadã, como mulher, como mãe, como avó, como psicóloga, dizer a todos, colegas Senadores e Senadoras, a todos deste País que possam nos ouvir neste instante que este é um momento delicado para a família brasileira. Estamos todos em xeque, estamos todos assustados, mas, principalmente, as crianças, principalmente as crianças de pais separados, principalmente as crianças que têm padrasto, as crianças que têm madrasta. Não podemos fugir, como tentei fazer com a minha neta, para protegê-la e tirá-la desse medo, porque também o meu filho é separado da mãe da Maria Eduarda e ela é casada novamente, para tirar esse medo e esse pavor que as crianças poderão criar não apenas do padrasto, mas do próprio pai. Temos de conversar com as nossas crianças e dar atenção a elas e não imaginar que esse choque está sendo só para nós, adultos, mas muito mais porque não conseguiremos nunca dimensionar, na cabeça de uma criança, como a minha neta Maria Eduarda, de cinco anos, o que está significando para ela um pai ter matado a própria filha.

            Eu falo, Presidente, e consigo ficar sinceramente emocionada e arrepiada de ver o rosto da minha neta perguntando a todo momento se realmente foi o pai que matou a filha. Então, temos de ter bastante cuidado. As professoras e professores nas escolas dêem atenção e não fujam desse assunto. Não há como fugir. É o dia todo na televisão, e não estou condenando a veiculação desse problema. Ao contrário, a veiculação está ajudando a nos alertar para essa questão familiar. Estamos enxergando, estamos na iminência de assistir a uma quadrilha familiar.

            No início, pedi tanto a Deus que não tivesse sido ele, que pudesse ter sido outra pessoa e não ele. As investigações estão avançando e estamos vendo que o avô, que a tia, que aqueles avôs estão silenciosos e que sabem da verdade. É a formação de uma quadrilha familiar. Aonde nós vamos chegar com isso? Temos de acalmar as nossas crianças, temos de esclarecer a elas. Noventa e três por cento dos brasileiros consultados disseram que sabem do caso Isabella e só um pouco, pouco mais de cinqüenta por cento, sabia do cartão corporativo.

            Imaginem as crianças que passam a tarde na frente da televisão, com os pais trabalhando, não tendo com quem conversar, com quem tirar as dúvidas, assistindo televisão pela manhã, assistindo televisão à noite, sem ter com quem conversar e tirar as dúvidas. Às vezes, os pais chegam cansados, vão jantar, deitar, dormir; querem ver o Jornal Nacional, querem ver a novela e não conseguem conversar com as crianças.

            Se nós não estamos conseguindo responder a nós mesmos que monstruosidade foi essa, imagine uma criança. Não estou aqui como conselheira. Longe disso. Estou estarrecida como todos. Faço um alerta: que observemos o comportamento das nossas crianças neste momento e tentemos acalentar o coração de cada uma delas, mostrando que as crianças precisam de seus pais, mas que existem as aberrações, que existem as distorções, que existem as calamidades, que existe o inadmissível. Que isso não é a normalidade. Isso é a exceção. Que existe a doença mental, a psicopatia, a neurose. Que existe não só a doença física, mas também existe a doença mental.

            Quero aqui complementar, dizendo também da minha tristeza ao ver no Jornal do Tocantins, jornal do meu Estado, um dos jornais de maior circulação, filiado à Rede Globo de Televisão, também no meu Estado, que divulgou, por meio do Conselho Tutelar de Palmas, Senador Cristovam Buarque, que em Palmas já foram registrados 78 casos de violência infantil apenas em 2008 - uma a cada 36 horas. Três mortes em 2008. Uma criança de apenas dois anos, Pablo Henrique, espancado pelo pai. Em 2007, quatro mortes, na minha capital, na cidade em que eu moro, na cidade em que minha neta nasceu e os meus filhos moram.

            No Brasil não é diferente: 76.568 denúncias entre 2003 e 2007. Isso foi relatado pela ONU. Dessas denúncias, 55 mil têm envolvimento familiar, o que não é diferente da violência brutal também contra a mulher - a grande maioria dentro de casa, pelos próprios familiares.

            Desses 55 mil que ocorrem dentro de casa, em 81% das agressões dentro de casa, os responsáveis são os pais. Os pais são os agressores. Os pais é que estão levando a essa estatística. De 76 mil, 55 mil dentro de casa. E de 55 mil dentro de casa, em 81%, os responsáveis são os pais. Creio que o restante possa ser um irmão, um parente, uma funcionária; eu lá sei quem. Mas os pais?! É demais! É uma estatística que assusta a todos nós.

            Cinco crianças, Senador Cristovam Buarque, de até 14 anos, morrem vítimas de agressão a cada dois dias. Esse é um dado do Ministério da Saúde. Uma criança é assassinada no Brasil a cada dez horas.

            E os principais tipos de violência são: maus tratos, negligência, abandono, violência sexual. Violência sexual que pode não matar, mas pode causar a morte emocional, a morte da alma, a morte do espírito, a morte da vontade de viver; da decepção profunda, vai ficar um morto vivo, uma criança que permanecerá morta viva.

            Nós temos meios de denunciar, e todos nós precisamos participar. O Governo tem que fazer a sua parte criando as delegacias da criança e do adolescente, assim como existe a das mulheres. Mas nós precisamos aconselhar, e os prefeitos e as prefeitas municipais precisam orientar os seus professores e as suas professoras, que são as pessoas que convivem mais com a criança. Depois da família, em segundo lugar, quem convive mais com a criança são os professores e as professoras, que nós conhecemos. Pelo menos, na minha época, nós chamávamos a nossa professora de segunda mãe. A professora tem a sensibilidade de observar o diferente, o diferencial na criança que está roxa, que está machucada, que foi esfolada numa brincadeira em que ralou o joelho de um roxo que está no braço, de um beliscão ou de um murro no rosto. Os professores são muito importantes! Não quero jogar apenas para eles essa responsabilidade, mas são um instrumento precioso para o Brasil, para todos nós. Que eles nos ajudem nessa luta!

            Que os vizinhos possam se manifestar. Nós, às vezes, nos acovardamos diante do problema familiar do vizinho. “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Esse é um ditado antigo. “Se um pai está educando um filho, eu não vou me meter”.

            Tudo tem o equilíbrio e o bom senso. Também a família vizinha é responsável; é responsável como cidadã. É responsável não legalmente por vigiar a família alheia, mas, moralmente, do ponto de vista ético, do ponto de vista humano. Se vir alguma coisa errada, denuncie! Se não houver delegacia da criança e do adolescente, que denuncie em qualquer delegacia de polícia. Não tenha medo! Denuncie no Ministério Público, denuncie no conselho tutelar. É difícil um município no Brasil hoje que não tenha um conselho tutelar.

            Você pode fazer a denúncia anônima. Você não precisa sequer se identificar diante desses casos.

            É o que acontece também com as mulheres. Um caso muito mais complicado. Ao serem espancadas, violentadas elas denunciam. Mas a grande maioria em seguida se arrepende por vários motivos. Não é de caráter, mas normalmente as mais pobres, pela questão financeira, pela falta de moradia, pelos filhos pequenos que não tem com quem deixar. Elas são um instrumento que trabalha contra elas mesmas quando retiram a denúncia contra o seu agressor.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Agora há pouco, o Senador Cristovam Buarque estava falando sobre educação, como sempre faz desta tribuna, e também a Senadora Rosalba. Nós precisamos e temos instrumentos para minimizar tudo isso. Nós temos os casos, os abusos e as exceções do alcoolismo, da loucura mental. Mas nós precisamos diminuir essa exceção cada vez mais. Nós precisamos colocar essas crianças em lugares seguros. Não que longe dos pais seja o lugar mais seguro, não! Mas nós precisamos dar oportunidades, nós precisamos criar situações para que essas crianças possam ser protegidas, que elas possam ter uma formação intelectual, ter a educação infantil, a educação de tempo integral, a escola técnica, a universidade.

            E a questão não é dinheiro, Senador Cristovam Buarque! Não é dinheiro! Eu tenho uma informação que me deixou chocada. O Brasil investe em educação duas vezes mais do que a Coréia, que é um País asiático. Duas vezes mais, o dobro de dinheiro investido pela Coréia. E lá os 82% dos jovens estão na universidade; aqui no Brasil, apenas 18% Não é dinheiro! É interesse verdadeiro! É política pública consistente! É determinação, pois as coisas não acontecem com facilidade! Do mesmo jeito que acontece na vida dos seres humanos, acontece na economia. Chega de bravatas! Chega de anúncios falsos não realizáveis!

            A SRª PRESIDENTE (Rosalba Ciarlini. DEM - RN) - Senadora Kátia, eu gostaria só de fazer um pedido. Nós já estamos no tempo regimental. Eu gostaria que V. Exª pudesse concluir. São brilhantes e pertinentes suas colocações. Falar de crianças, ninguém mais do que eu que sou mãe, avó, médica de criança. Enfim, estou aqui, nesta Casa, em defesa das nossas crianças, como o Senador Cristovam Buarque. Mas eu gostaria de pedir a V. Exª que conclua nos próximos três minutos. Muito obrigada.

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Obrigada, Srª Presidente, pela sua paciência e compreensão.

            Eu quero, então, dividir estes três minutos com o meu colega Cristovam Buarque, concedendo-lhe o aparte que me pede.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Vou falar o mínimo possível, porque seu discurso é mais importante. Mas não queria deixar de registrar no meio do seu discurso o meu aparte para dizer uma coisa: eu não tinha ouvido ainda alguém falar sobre este assunto sob a ótica da criança. Eu a felicito, porque confesso que sou ligadíssimo em todo este assunto. Eu não tinha dado ainda a devida importância ao que está acontecendo na cabeça das crianças brasileiras por conta disso. A senhora me alertou para algo que estava meio escondido. De fato, hoje talvez seja essa a pior face da tragédia, a marca que vai deixar nas crianças brasileiras: o medo de seus familiares, para não dizer até de seus pais, da esposa do pai, do marido da mãe, que hoje é tão comum no Brasil. Então, seu discurso traz para nós uma força muito grande para refletir sobre o que fazer, porque não sabemos direito, mas pelo menos o que fazer para recuperar a confiança das crianças brasileiras naqueles que são os responsáveis por elas.

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Muito obrigada, Senador. Agradeço-lhe o apoio. É importante esse reforço para que possamos alertar as famílias do Brasil, que é nossa obrigação como representantes do Estado brasileiro.

            Encerro, minha Presidente, deixando aqui a minha compaixão, não o meu dó, não a minha pena. O povo brasileiro não merece isso. A minha compaixão é por todas as mães deste Brasil que têm os filhos roubados, que têm os filhos na rua, que têm os filhos mortos, assassinados. Especialmente neste momento, cumprimento todas as mães.

            O meu abraço de mãe, de avó, de solidariedade profunda. Eu sei exatamente o que cada uma delas está sentindo, embora, graças a Deus, comigo nunca aconteceu isso. Mas, como mãe, nós temos o mesmo sentimento.

            Eu quero deixar a minha solidariedade especialíssima pela mãe da Isabella, pelo seu sofrimento, que compartilho todos os dias. E já cheguei, sozinha, vendo o rosto daquela criança alegre, uma menina linda, pela televisão, a chorar junto com ela, junto com outros adultos presentes. Eu quero deixar a ela a nossa solidariedade, das mulheres do Brasil, das mulheres do Tocantins, de todos nós. Todos nós estamos com você e somos solidários, bem como às mães, mulheres anônimas, as Marias, as Joanas, as Raimundas, as Lúcias, as Lurdes, pois nós não temos a oportunidade de sofrer junto com elas, porque os seus casos não vão para a televisão. Mas também a nossa solidariedade, a nossa amizade, e a nossa força de trabalho, para tentar minimizar essa situação monstruosa que está acontecendo no País.

            Vamos denunciar! Vamos à luta!

            Muito obrigada.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2008 - Página 11250