Discurso durante a 67ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância do projeto "escola igual para todos".

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Importância do projeto "escola igual para todos".
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2008 - Página 11307
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, TRABALHO, DESCRIÇÃO, HISTORIA, LUTA, GARANTIA, DIREITOS, FERIAS, SALARIO MINIMO, LICENÇA-MATERNIDADE, REDUÇÃO, JORNADA DE TRABALHO, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, TRABALHADOR, SOCIALISMO, CAPITALISMO, EXPECTATIVA, CRIAÇÃO, FUTURO, DIVERSIDADE, FORMA DE GOVERNO.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, FESTA, COMEMORAÇÃO, DIA, TRABALHO, ORGANIZAÇÃO, ENTIDADES SINDICAIS, DEFESA, EQUIPARAÇÃO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO.
  • DESCRIÇÃO, DIFERENÇA, EDUCAÇÃO, ESCOLA PUBLICA, ESCOLA PARTICULAR, REMUNERAÇÃO, PROFESSOR, INFRAESTRUTURA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, DEFESA, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, MERCADO DE TRABALHO, POSSIBILIDADE, EMANCIPAÇÃO, TRABALHADOR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também venho falar do Dia do Trabalhador, mas olhando o futuro, ainda que tomando um pouco do tempo para olhar o passado também.

            O Dia do Trabalhador tem sido, ao longo de mais de um século, um período de lutas do trabalhador, e, Senador João Pedro, foi graças a essa luta - as pessoas se esquecem disso - que se conseguiu, por exemplo, que a jornada do trabalho fosse de oito horas por dia. Por longo tempo, não havia limites na jornada de trabalho. O trabalhador era obrigado a trabalhar quantas horas o patrão quisesse. Foi uma luta - e essa luta teve muito a ver com o Dia do Trabalho - em que se conseguiu limitar a jornada do trabalho a oito horas, como foi também uma luta fazer com que, no sábado, tivéssemos quatro horas de trabalho, não as oito horas dos outros dias da semana, a famosa semana inglesa. Tudo isso as pessoas esquecem, mas foi resultado de muita luta, de muita manifestação, de muitas greves, de muito sacrifício, de mortes, de prisões, até se conseguir que a jornada de trabalho fosse de oito horas por dia e de quatro horas no sábado.

            Foi também necessário luta, muita luta, para conseguir, por exemplo, o direito a férias. O trabalhador não tinha férias, isso é muito recente. De poucas décadas para cá é que os trabalhadores têm direito a, uma vez por ano, tirar alguns dias de férias. Não havia isso. Foi resultado de lutas constantes. E, a cada dia 1º de Maio, essa luta se concentrava, os trabalhadores nas ruas se uniam e continuavam a luta.

            A licença gestante foi uma conquista também. Não havia licença gestante. A trabalhadora, se ficasse grávida, perdia o emprego ou tinha de trabalhar até o último dia antes do parto e voltar quase no dia seguinte, se os patrões deixassem. Em geral, não voltavam.

            Foi uma luta constante, de muito tempo, para que a gente conseguisse, os trabalhadores do mundo inteiro, essas conquistas.

            E deixei por último a outra conquista: o salário. O salário era fixado apenas pelo patrão. A idéia do salário mínimo é muito recente. Tem 50 anos no Brasil a idéia de salário mínimo, que foi fruto de luta, foi fruto de mobilizações e foi fruto do simbolismo do dia 1º de Maio.

            Então, todas essas lutas que foram ganhas - salário mínimo, licença gestante, férias, jornada de trabalho, semana inglesa -, todas elas vinham com um guarda-chuva, que estava sempre presente na luta do trabalhador pelo socialismo, pela idéia de que todas essas conquistas eram passageiras por que a grande conquista seria alcançada no dia em que o mundo inteiro tivesse um sistema econômico que prescindisse da idéia de lucro separado de salário. Toda a produção era transformada em salário mais uma poupança que seria guardada para investimentos para as próximas gerações e para os serviços sociais que a sociedade precisava receber do Estado, não comprar no mercado, como a gente faz com roupa e com comida.

            Essa bandeira do socialismo foi conquistada, sim, em alguns países e não foi conquistada em outros, mas chegamos ao século XXI sem essa bandeira, porque, nos países onde o socialismo foi implantado, os resultados não foram satisfatórios como se queria plenamente. Por exemplo, a idéia de que o trabalho seria mais livre não foi verdade; a idéia de que os salários seriam mais altos não foi verdade; a idéia de que a liberdade individual seria mais plena não foi verdade, e o resultado é que, hoje, há uma sociedade mundial em que parece que se assume como definitivo o sistema capitalista. Eu, pessoalmente, não acredito nisso. Não acredito que uma sociedade, uma humanidade que foi capaz de mandar alguns homens à lua, que é capaz de saber como cada um de nós é feito, porque conhece todo o mapa de genomas, uma sociedade que hoje consegue curar quase tudo não seja capaz de inventar um sistema em que não haja juros, em que não haja lucro, em que trabalhador não sofra, e capitalistas também, porque eles também sofrem com base na concorrência, na incerteza - investem hoje, perdem amanhã. Acredito que, um dia, haverá um sistema que vai superar tudo isso, que vai superar, sobretudo, a destruição ecológica que nossa sociedade, tanto capitalista quanto socialista, produziu, porque o socialismo não foi mais respeitador da natureza do que o capitalismo, de jeito nenhum, nem está sendo no caso da China, atualmente, embora seja difícil definir se China é socialista ou capitalista.

            Mas o que quero falar aqui, Senador, é que está faltando uma bandeira. Não basta a gente ficar apenas com a bandeira do salário ou da redução da jornada de trabalho, como vi ontem, em São Paulo, defendida pelas Centrais, que é uma bandeira correta. Não basta haver as bandeiras pontuais; estamos precisando de uma bandeira mais ampla. E é claro que, hoje, essa bandeira não é mudar o sistema econômico; não há possibilidade, hoje, nem nas próximas décadas, de a gente mudá-lo. Ontem, em São Paulo, durante o grande evento dos trabalhadores, fiz a proposta de que a gente pudesse ter uma bandeira mais ampla do que os salários, do que as férias, do que a jornada: a bandeira da escola igual para o filho do patrão e para o filho do trabalhador.

            Por que tem de haver escolas diferentes do ponto de vista da qualidade? Elas têm de ser diferentes do ponto de vista das características, sim, porque defendo liberdade pedagógica total; sou contra qualquer método imposto ao ensino. Mas por que haver escola caindo aos pedaços fisicamente e escolas bonitas e limpas? Por que haver professores bem remunerados de um lado e professores mal remunerados de outro? Por que também haver professores que se dedicam e professores que não se dedicam?

            Vamos falar com franqueza: hoje, nas escolas públicas, os professores se dedicam menos ao trabalho do que nas escolas particulares. Os filhos daqueles que podem pagar escola privada, hoje, recebem uma dedicação maior do que os filhos daqueles que põem suas crianças na escola pública, e isso ocorre nem sempre por que o salário é menor. Há lugares em que o salário é maior na escola pública do que na escola particular e em que a dedicação é maior na escola particular do que na escola pública. Por que tem de haver dedicação maior numa escola para rico do que numa escola para pobre? Por que haver escola com computadores para alguns e escola só com lápis para outros? Por que haver escola que consegue segurar a criança até o fim do ensino médio e outras em que as crianças são abandonadas, deixadas para trás, ao longo da educação de base?

            Para mim, hoje, a bandeira revolucionária para o trabalhador, que não fere o capital, que não fere as regras da economia, fere, sim, a definição de para onde vai o dinheiro do Orçamento, porque é uma decisão nossa, aqui, junto com o Poder Executivo. Para mim, a bandeira revolucionaria transformadora seria “escola igual para todos”. Todos vão ser iguais? Não. Porque alguns têm mais talento do que outros. E alguns têm uma coisa chamada persistência, que outros não têm. Aqueles que tiverem talento e persistência vão ter um desenvolvimento maior, mas não por que não foi dada chance aos outros, mas porque os outros não quiseram, porque os outros não se interessaram e até por esse lado do talento. Todo mundo tem algum talento, mas você, às vezes, não encontra o seu, e aí seu talento fica perdido, fica guardado dentro de você, sem você saber que ele existe. Quantos grandes jogadores de futebol deixaram de ser jogadores de futebol por que não perceberam o talento que tinham por falta de chance, embora isso seja raro no caso de futebol, porque bola todo mundo tem por perto?

            Então, quero dizer que, ontem, fiz esta proposta: esse foi um 1º de Maio dedicado à luta pela redução da jornada, e espero que, daqui até o próximo 1º de Maio, independentemente do partido do qual a gente faça parte, independentemente dessa história de a gente defender o fechamento ou não das fronteiras, como alguns ainda propõem, nacionalizar ou não nacionalizar - tudo isso é uma discussão secundária neste momento -, a gente junte força, espero que nos juntemos nessa idéia transformadora, revolucionária, possível, com a liberdade de garantir que a escola seja igual para trabalhador e não trabalhador, para os filhos dos pais de salários altos e para os filhos dos pais com salários baixos. Essa, para mim, é a luta que a gente poderia trazer como um passo adiante naquelas tradicionais lutas por salário, por jornada, por semana inglesa, por licença gestante e por férias, que caracterizaram o século XX, em torno ao dia 1º de Maio.

            Passo, com muita honra, a palavra ao Senador Alvaro Dias, que me pediu um aparte.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Cristovam, eu gostaria inicialmente de parabenizá-lo. V. Exª sempre empalma as grandes bandeiras. Essa é uma bandeira superior. Ficaríamos engrandecidos se uma bandeira como essa fosse capaz de atrair a multidão que ontem atraíram as centrais sindicais, utilizando-se de grandes artistas com shows populares e de prêmios atraentes oferecidos por meio de sorteio aos que compareceram. Bom seria que uma bandeira como essa defendida por V. Exª fosse capaz de atrair multidões como a de ontem. De qualquer maneira, Senador, as centrais sindicais procuram contribuir, representando os trabalhadores do País da melhor forma possível, e temos de distinguir entre bons e maus sindicalistas - a generalização sempre é nociva. Mas não podemos deixar também, num momento de comemoração, de destacar que, em todo mundo, talvez, tenhamos mais razões para protesto do que para comemoração. No Brasil, também há razões de sobra para protesto, a par, evidentemente, de motivos que justificam também comemoração. Eu gostaria, para não tomar muito o tempo de V. Exª, apenas de lembrar um compromisso que se assumiu nesta Casa recentemente, quando deliberamos sobre a organização de centrais sindicais e do imposto sindical. Assumiu-se aqui o compromisso de que, ainda em março - já se passaram os meses de março e de abril, e isso ainda não ocorreu -, já contaríamos com um projeto de lei elaborado mediante acordo entre centrais sindicais e Governo, para que pudéssemos adotar outro sistema de imposto sindical, não impositivo, não obrigatório, mas negociado com as centrais sindicais, com as lideranças sindicais, com os sindicatos, por meio da própria competência, convencendo os sindicalizados a contribuírem, para que o órgão representativo pudesse fazer prevalecer seus direitos na luta diária que travam. Portanto, Sr. Senador Cristovam Buarque, apenas faço esta lembrança: já é hora de discutirmos essa questão do imposto sindical. Essa não é a sua bandeira - a bandeira que V. Exª propõe é superior -, é apenas um detalhe. Já que também devemos nos preocupar com os detalhes, é um detalhe que trago e que insiro no seu discurso, para lembrar às Lideranças do Governo e às lideranças sindicais que estamos devendo aqui esse projeto de lei.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço-lhe, Senador. Creio que a sua bandeira não é menor. Ela pode ser pontual como as outras, mas não dá para eu dizer que salário é menos importante que educação; não dá para eu dizer que jornada de oito horas é menos importante. A sua bandeira é igualmente importante, e solidarizo-me com ela. O que falo é que essa da educação é mais revolucionária, transformadora da sociedade e do grau de situação do trabalhador.

            Peço licença por mais algum tempo, embora ainda tenha alguns minutos, para analisar dois aspectos tradicionais dessa tal visão socialista e para adaptá-la hoje àquilo que chamo de “educacionista”. Um dos aspectos é a luta de classes. O Dia do Trabalhador sempre foi visto como um dia de antagonismo com o patrão, com o capital. E havia a velha idéia de que a revolução estava em tirar o capital das mãos do capitalista e colocá-lo nas mãos do trabalhador. O que se percebeu é que o capital não vai para as mãos do trabalhador, mas para as mãos do Estado, que nem sempre o usa a favor do trabalhador em geral. Grandes aristocracias trabalhadoras foram criadas por que o capital ficou na mão do Estado. E vamos falar com franqueza: o Brasil é um desses países. Alguns setores estatais brasileiros não serviram ao povo, mas às suas burocracias. Preciso dizer com clareza isto: a estatização não significa popularização, nem mesmo significa publicização, às vezes, significa corporativização.

            Nos países socialistas, ainda foi pior. Aí, sim, foram criadas classes burocráticas com altos privilégios, inclusive com escolas especiais para seus filhos. Hoje, para mim, a luta de classes não é mais entre propriedade do capital ou propriedade do trabalho, mas, sim, entre propriedade do conhecimento ou do não conhecimento.

            Não há mais grande disputa entre o patrão e um trabalhador altamente qualificado. Às vezes, o trabalhador tem mais poder do que o patrão em certas empresas e vive de salários que lhe permitem um padrão de vida igual ao do patrão: viajam no mesmo tipo de avião, vão para hotéis muitos parecidos nas férias. A diferença é o patrimônio. O patrimônio do trabalhador, mesmo o da alta classe assalariada, é menor do que o do dono da fábrica. Mas, no padrão de vida, não há diferença: vão para os mesmos churrascos de rodízio, comem a mesma quantidade de carne, usam roupas muito parecidas. Não há grande diferença ente o padrão de vida do patrão e o do trabalhador altamente qualificado. Mas, há, sim, uma radical diferença entre o padrão de vida do patrão e do trabalhador qualificado e o do trabalhador sem qualificação. Hoje, a luta de classes se dá entre quem tem qualificação e quem não tem qualificação. A mais valia, que era entre capitalista e trabalhador, hoje é entre trabalhador altamente qualificado e seus patrões e as massas excluídas, sem educação. Quando se educa alguém, este alguém entra aqui.

            Por isso, para mim, hoje, o verdadeiro objetivo transformador, revolucionário, se quiserem chamar socialista - prefiro chamar “educacionista” -, é colocar o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão. Essa é a revolução. Não me importa quem seja o dono do capital, não me importa se há planejamento ou livre mercado, desde que o mercado tenha algumas regras, como por exemplo, não desbastar florestas, não usar certos tipos de pesticidas, haver áreas reservadas para plantar e para alimentar a população. Essas são regras; não significa tirar a liberdade. Mas o que importa é que a escola tenha a mesma qualidade. Esse é o primeiro ponto da literatura tradicional, que falava que era preciso tirar o capital do patrão e dá-lo ao trabalhador. Hoje, é preciso colocar o filho do trabalhador na escola do filho do patrão.

            O segundo aspecto é a chamada idéia da emancipação da classe trabalhadora, que deve deixar de ser escravizada em função de ter ou não emprego, em função de ter ou não direito à existência plena. Não tenho mais dúvida de que, hoje, o que leva à emancipação não é ser dono do capital. Há patrão escravizado pelo mercado, há patrões, sobretudo os microproprietários, os microempresários, que são verdadeiros escravos, trabalhando mais do que a jornada de trabalho. O que emancipa hoje é ter acesso a uma educação de maior qualidade. Adquirem-se os instrumentos para pertencer a uma sociedade do conhecimento, que é a sociedade atual.

            Peço-lhe mais um minuto apenas, Sr. Presidente João Pedro.

            Quero dizer que fiz essa proposta ontem e espero que ela seja aceita pelas forças sindicais. Que essa seja a bandeira deste ano até o dia 1º de Maio próximo! E quem sabe, nesse evento, os patrões estarão juntos! Que a bandeira seja “escola igual para todos”! Que a bandeira seja, para ser mais explícito, “escola do filho do mais pobre brasileiro tão boa quanto a escola do filho do mais rico brasileiro”! Que a escola do filho do trabalhador seja a mesma do filho do patrão!

            Se fizermos isso, creio que conseguiremos realizar aquilo que temos tentado ao longo de mais de um século com o 1º de Maio: uma sociedade na qual o trabalhador possa viver sabendo que, diante dele, há a chance de ele ser uma pessoa emancipada; sabendo que, diante dele, há a chance de ele garantir emprego; sabendo que, diante dele, há a chance de ele ter um salário. Não vai ter lucro, mas não vai ser explorado, porque, se não estiver satisfeito com o salário, pode mudar de emprego.

            Essa é a bandeira que deixei nas festas em que passei ontem, no dia 1º de Maio, e pela qual vou continuar lutando, esperando que a gente possa conseguir que, um dia, no Brasil, a escola seja igual para todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2008 - Página 11307