Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de uma revolução na educação do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Defesa de uma revolução na educação do País.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2008 - Página 13954
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, COMPLEMENTAÇÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, INDEPENDENCIA, PAIS, APERFEIÇOAMENTO, DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, RETOMADA, DEBATE, JOAQUIM NABUCO (PE), VULTO HISTORICO, PROPOSTA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL.
  • PROPOSTA, REVOLUÇÃO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, TOTAL, ACESSO, POPULAÇÃO, IGUALDADE, SUPERIORIDADE, ENSINO, CONCLAMAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, CLASSE POLITICA, SOCIEDADE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Presidente Mão Santa.

            Hoje, Senador Paulo Paim, o senhor foi o principal responsável, junto comigo, com o Senador Aloizio Mercadante e outros, por uma sessão muito bonita, Senador Expedito Júnior, sobre os 120 anos da Abolição da Escravatura no Brasil.

            Foi uma sessão emocionante, pelos discursos, pela data, pelas recordações e pelos desafios. O Senador Mão Santa esteve presente, fez um belo discurso e nós aqui, quase que unanimemente, sem ninguém combinar, todos falamos que essa foi uma abolição incompleta; que conseguiu, sem dúvida alguma, um grande avanço ao dizer, com aquela simplicidade da Lei Áurea, que se abolia a escravidão em todo o País e revogavam-se todas as disposições em contrário a partir daquela data, 13 de maio de 1888.

            Foi um grande avanço. As pessoas que antes eram vendidas passaram a ser livres; que antes eram condenadas ao trabalho passaram a escolher o trabalho; que antes eram acorrentadas quando preciso quebraram seus grilhões. Uma data que 120 anos depois a gente relembra e que eu pessoalmente acho que deveria ser até feriado nacional. Mas, mesmo assim, não podemos esquecer que é uma data em que se comemora um fato incompleto, como, aliás, tudo no Brasil.

            A nossa independência - vamos falar com franqueza - até quando ela foi realmente completada? É uma independência limitada, amarrada.

            A República. Que República é essa que tem uma bandeira em que está escrito Ordem e Progresso, mas há de 13 a 16 milhões de analfabetos incapazes de ler o que está escrito? Não é uma bandeira de todos. Se não é uma bandeira de todos, não é uma bandeira republicana. Que República é essa, se a sociedade é campeã mundial da desigualdade? A República é incompleta.

            E o desenvolvimento brasileiro, que nos fez uma potência mundial - incompleto - que não distribui produto, porque não conseguiu conviver com a natureza, porque gerou violência? É um desenvolvimento incompleto.

            E a democracia que recuperamos a partir de 1985? Uma democracia incompleta, porque as leis mudam a cada dia; porque a gente não sabe quais regras vão prevalecer nas eleições deste ano ainda; porque a gente não sabe quais regras vão prevalecer nas eleições de 2010. Discute-se até se vamos ter ou não mais um mandato para o Presidente. Nos Estados Unidos, vai haver eleição, e ninguém está discutindo se vai haver mais um mandato para o Presidente Bush. Então, a nossa é uma democracia incompleta.

            A abolição foi incompleta, e é preciso completá-la. E o senhor, antes mesmo que eu falasse, Senador Mão Santa, Presidente, já começou a levantar aquilo que eu quero falar. Como é que vamos completar a abolição?

            Naquela época do grande debate sobre como fazer, se fazer e quando fazer a abolição já se discutia, sobretudo Joaquim Nabuco, que a abolição tinha que ser feita com três itens: a abolição em si, a educação para todos e a reforma agrária para garantir terra aos ex-escravos. Não fizemos a reforma agrária e nem garantimos escola para todos.

            Hoje, passados 120 anos, embora eu ainda ache que é preciso certa distribuição de terra, o conceito de reforma agrária já não é mais o mesmo em um tempo de mecanização como nós vivemos. Já não é a mesma idéia de necessidade de terra para cada trabalhador rural. Uma grande parte do trabalhador rural de hoje é um assalariado. E um assalariado que precisa de formação técnica para poder manejar os equipamentos.

            Já não se criam cavalo e boi apenas com um pequeno chicote. Hoje, para criar boi, é preciso saber ler bem. É preciso colocar no computador, Senador Paim, os dados do cavalo, como ele evolui. É preciso entender de inseminação artificial. Não basta fazer o parto, para o que era preciso apenas simples habilidade manual.

            Não é mais tão fundamental como instrumento libertário para as grandes massas a reforma agrária em um País onde 80% da população é urbana e não está disposta a voltar para o campo. Hoje, o grande instrumento, o grande vetor, o grande motor para completar a abolição da escravidão é a educação.

            Mas não é educação pura e simplesmente, como gestos pequenos. Não, uma revolução! Uma revolução que, por um lado, assegure todos na escola, por outro lado, assegure igual escola para todos e, por outro lado ainda, assegure a máxima qualidade nessa educação.

            O Brasil é um País que, hoje, sofre o fato de as massas não terem conhecimento, e o conhecimento de todos não ter massa. Não temos uma massa crítica de conhecimento no País, e não a temos, Senador Gilberto, porque a nossa massa não tem conhecimento. Porque, se temos dois terços que não terminam o segundo grau, como é que vamos ter uma boa universidade? Se dois terços não tiveram a chance de se preparar para usar o cérebro entrando na universidade? Já partimos, por baixo: apenas um terço dos cérebros brasileiros pode disputar a entrada numa universidade. Já jogamos fora dois terços dos nossos cérebros. É como se, para cada 100 poços de petróleo que encontrássemos, tapassem-se dois terços. Imagine, petróleo a gente vai buscar no fundo do mar; agora, cérebros a gente joga pela janela ao longo da história.

            A primeira revolução é termos todos na escola até o final do segundo grau; a segunda, é a escola igual para todos; e a terceira, é escola no Brasil tão boa quanto as melhores do mundo. Essa é a revolução de que precisamos.

            Até há um tempo, depois da idéia da reforma agrária, houve a idéia do socialismo: tirar o capital das mãos do capitalista e colocar nas mãos do trabalhador por meio do Estado. Não é mais hoje essa a proposta, até porque, pelas experiências nesse sentido, o capital não chegou aos trabalhadores; o capital ficou na burocracia, ficou na máquina do Estado, criou privilégios.

            Hoje, ser de esquerda, ser socialista, defender realmente a igualdade é colocar os filhos dos trabalhadores na mesma escola dos filhos do patrão. Esse é o desafio. Isto completaria a abolição: que a escola dos filhos da senzala seja a mesma da escola dos filhos da casa grande. Trazendo para o presente: que a escola dos filhos das favelas seja a mesma escola dos filhos dos condomínios. Esse é o desafio; isso é completar a abolição. Esse é o desafio para os Senadores de hoje, Senador Gilberto, porque, naquela época, o desafio era convencer a opinião pública de que se deveria abolir a escravidão. Para nós, isso é óbvio. Não era óbvio. A escravidão era uma coisa entranhada há quatrocentos anos dentro da imaginação brasileira. As pessoas viam o negro e viam um escravo, não viam uma pessoa, Senador Paim. Foi preciso mudar isso e fazer com que, ao ver um negro, vissem uma pessoa livre. É difícil fazer essa mudança e, falando francamente, muitos ainda não conseguiram ver dessa maneira os negros brasileiros. Imagine naquela época. Era difícil, mas conseguiu-se, e se conseguiu por causa de uma coisa chamada o movimento abolicionista no Brasil.

            O movimento que agarrou pessoas de todos os partidos que existiam na época: dois fundamentais e mais um, conservadores, liberais e republicanos. E, transversalmente, criaram o “partido abolicionista”. Não era um partido, não tinha representação formal aqui dentro. As pessoas pertenciam a um ou outro partido, e se diziam, e praticavam o abolicionismo.

            Hoje a gente precisa criar o educacionismo; hoje a gente precisa criar núcleos educacionistas, como os núcleos abolicionistas que existiram até 100 anos atrás, quando foi feita a abolição incompleta.

            Pois quero dizer aqui, Senador Mão Santa - e considerando que podemos ter um pouco mais de tempo e não apenas os 10 minutos que tivemos -, rapidamente, que hoje estão sendo criados núcleos educacionistas pelo Brasil. Nós já temos 50 núcleos instalados funcionando, ditos educacionistas, especialmente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. São grupos de pessoas que se dizem educacionistas, pessoas que acreditam hoje, como na época anterior se acreditava na abolição, que é possível, não de repente, mas um dia, a escola ser igual para todos no Brasil. Que uma criança, ao nascer, não importa se branca ou negra, não importa se rica ou pobre, não importa se rural ou urbana, ela vai ter a mesma chance de estudar numa escola com professores altamente bem remunerados, mas altamente qualificados e altamente bem dedicados, porque professor que ganha bem e não é bem preparado não melhora a educação. E que ganha bem, é bem preparado, mas não é bem dedicado, não dá aula, vive parado, não melhora a educação.

            Escolas bonitas, bem equipadas, em horário integral, com ambiente ao redor de bibliotecas, de arte, isso é possível! Há um grupo de pessoas ditas educacionistas que começam, Senador Mão Santa, a fazer isso.

            Temos feito a criação desses núcleos em passeatas em cidades chamando a atenção da população.

            São cinqüenta núcleos constituídos e foram 53 caminhadas por cidades. A última, no sábado passado, foi na cidade de Campinas, pelo centro da cidade. Não vou dizer que são muitas pessoas - tivemos passeatas de quinze -, mas cinco mil, dez mil assistiram-nos caminhando com a faixa dizendo que acreditamos em escola igual para todos, com a faixa dizendo que professor tem que ganhar bem, ser bem dedicado e bem qualificado, com a faixa dizendo que a escola do filho do trabalhador tem que ser a mesma escola do filho do patrão. Nessas caminhadas, nós nos surpreendemos com a receptividade que encontramos. Aqui e ali, obviamente, ninguém acredita que é possível outra vez um movimento suprapartidário, transpartidário, de pessoas das diversas siglas, como foi o movimento abolicionista. Estamos muito presos às siglas partidárias que são representadas aqui, mas, mais do que esses aqui e ali, que reagem, desconfiam, não aceitam e não acreditam que a educação é o caminho, mais de que isso, é uma grande maioria de pessoas que pouco a pouco despertam para a idéia de que é preciso completar a abolição e que completar a abolição hoje significa escola igual para todos.

            É isso, Sr. Presidente, que quero dizer aqui hoje, lembrando os 120 anos - Professor Picler, que vejo aqui assistindo à nossa sessão e nos honrando com sua presença -, é isso que nós queremos hoje: lembrar os 120 anos de uma abolição. Grande passo, mas ainda não a caminhada completa; grande salto, mas ainda não o salto completo.

            Quero dizer que há um grupo que começa a despertar para completar a abolição, não mais os abolicionistas de antes, mas os educacionistas de hoje e do futuro.

            Quero dedicar esta fala a esses educacionistas, a esse grupo de pessoas que, ainda com a incompreensão de muitos, estão despertos, acreditando, como Joaquim Nabuco e outros acreditaram muitos anos atrás.

            Vivam, hoje, 120 anos depois, os abolicionistas de antes e vivam, hoje, neste momento, os educacionistas brasileiros!

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Cristovam, eu apenas queria lembrar a V. Exª que Napoleão Bonaparte, não o militar, mas o educador, o estadista, o que fez o Código Napoleônico, tem uma passagem muito importante para V. Exª e seu núcleo educacionista meditarem.

            Ele, Napoleão Bonaparte, o estadista, estava ao lado da sua professora. Ela notou que ele estava entristecido e, como tinha sido sua professora, disse: “Imperador, você não está o mesmo, está entristecido, acabrunhado”. Aí ele disse para a professora: “É, tenho me esforçado pela educação. Tenho investido muito em educação na França, no que acredito, mas ela está piorando cada vez mais”. Aí a professora se virou para Napoleão Bonaparte e disse: ”Faça uma escola de mães”.

            V. Exª falou da escola, dos educacionistas. Comentou, até negativamente, aquilo que foi o lema positivista.

            Queriam colocar na bandeira a frase "Família, Pátria e Deus", mas prevaleceu a filosofia do francês Auguste Comte: "Ordem e Progresso ". V. Exª já ousou - e ousar é bom - ao dizer que deveria ser escrito "Educação e Progresso."

            Quero lembrar a família, a mãe e a religião. Acho que isso tem de ser somado à caminhada de V. Exª. O próprio Rui Barbosa, cuja imagem está ali, em um dos momentos de maior inspiração, disse que "a pátria é a família amplificada". V. Exª, Senador Cristovam, sem dúvida nenhuma, é, hoje, o maior ícone da educação. Como Rui disse: "A salvação é a lei e a justiça." Creio que com V. Exª há salvação para a educação, que vai gerar a igualdade com que o Paim sonha.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2008 - Página 13954