Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do lançamento da campanha "Preconceito, Discriminação Zero". Reflexão a respeito de teses de Florestan Fernandes.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Registro do lançamento da campanha "Preconceito, Discriminação Zero". Reflexão a respeito de teses de Florestan Fernandes.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2008 - Página 13956
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REITERAÇÃO, IMPORTANCIA, DATA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, OPORTUNIDADE, DEBATE, COMPLEMENTAÇÃO, LIBERDADE, NEGRO, LANÇAMENTO, CAMPANHA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, BUSCA, INCLUSÃO, EXPECTATIVA, LIDERANÇA, SENADO, CONCLAMAÇÃO, APOIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, SOCIEDADE CIVIL, DETALHAMENTO, DIRETRIZ, OBRA INTELECTUAL, FLORESTAN FERNANDES, SOCIOLOGO, VALORIZAÇÃO, RAÇA, DIVERSIDADE, DENUNCIA, CLASSE SOCIAL, MANUTENÇÃO, PRIVILEGIO, EXPLORAÇÃO, POBREZA, LEITURA, MANIFESTO.
  • DEFESA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, APROVAÇÃO, ESTATUTO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, IGUALDADE, RAÇA, INDIO, REFORÇO, MEIO AMBIENTE, PREVIDENCIA SOCIAL, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, VALORIZAÇÃO, RIQUEZAS, CULTURA, BRASIL.
  • CONTESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, POLITICA, COTA, JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE, COMPENSAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, COMBATE, EXCLUSÃO, NEGRO, BRASIL.
  • COMENTARIO, NEGRO, CANDIDATO, ELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RESULTADO, PROCESSO, LUTA, DIREITOS, POPULAÇÃO, POLITICA, COMPENSAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, MANIFESTAÇÃO, APOIO, LUTA, NEGRO, APOSENTADO, TRABALHADOR.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mão Santa, Senador Cristovam Buarque, volto a falar da importância do dia de hoje.

            Nesta manhã, houve aqui uma sessão lembrando os 120 anos da abolição inconclusa. Lançamos aqui a campanha Preconceito, Discriminação Zero.

            Isso porque sabemos, Sr. Presidente, que a principal mudança a ser feita é na forma de pensar, de ver as coisas, pessoas e situações. Acreditamos que essa campanha será fundamental na luta por todos aqueles que hoje estão à margem da sociedade. Queremos ainda que ela seja liderada pelo Senado e que ela tenha o acompanhamento do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e de toda a sociedade organizada.

            Como dissemos hoje pela manhã, desejamos que esta Casa, que tem mostrado seu compromisso no embate e no combate a todos os preconceitos, seja o centro, o eixo da grande campanha nacional contra a discriminação e o preconceito.

            Sr. Presidente, nossa campanha é baseada na obra de Florestan Fernandes, que, ao lado de Roger Baptiste, teve papel fundamental na mudança da forma de tratar as questões raciais no nosso País.

            No dia em que completamos os 120 anos de uma abolição, eu diria, não concluída, pois, na verdade, ela não se deu por completo, é tempo, de uma vez por todas, de desalojar o racismo que por séculos foi propagado neste País. É tempo de jogar pela janela os preconceitos e as atitudes discriminatórias.

            Nosso objetivo é provocar conversas que possam se transformar, Senador Mão Santa, em alternativas de mudanças e fortalecimento das raízes, das origens do Brasil, das diferenças que formam nosso País.

            Queremos o envolvimento de todos, entidades, centrais, confederações, federações, sindicatos, entidades de empregados, de empregadores, enfim, de toda a sociedade. Temos que realizar uma cruzada nacional pelo fim dos preconceitos e das discriminações.

            Sr. Presidente, por que aguardei até esta hora para fazer essa leitura? Porque a campanha Preconceito, Discriminação Zero tem um manifesto, que foi construído, eu diria, a dezenas de mãos. Quero, neste momento, ler o manifesto, que vai embalar, embasar e propagandear a campanha Preconceito, Discriminação Zero.

            Quero contar as diferenças, quero cantar as diferenças, na certeza de que há muito por fazer.

            Sempre que temos um desafio pela frente sentimos aquele friozinho no estômago. Contar, cantar as diferenças, regidos pelo reconhecimento político das diferenças, todos os dias, onde quer que estejamos, com quem estejamos...

            É um projeto de vida!

            Muito ainda há, Sr. Presidente, por fazer na vida. Muitas são as nossas aspirações para uma trajetória completa, repleta de felicidade. E isso só é possível combatendo todos os preconceitos e as discriminações.

            Podemos citar, Sr. Presidente, algumas coisas como referências ou fatores de realização: saúde, satisfação material, espiritualidade e iluminação. Todavia, existem muitos outros itens que, juntos, abarcam a totalidade da busca do indivíduo pela felicidade.

            Poderíamos ainda agregar a esses fatores ideais como paz, justiça social, reconhecimento político das diferenças. Enfim, são inúmeros fatores. Entretanto, viver a vida em todas as suas manifestações, entendendo que o milagre da vida é maior do que todas as limitações que a restringem no terreno das aparências, é um bem inestimável.

            O Cantando as Diferenças, o contar as diferenças não é uma peça pronta. É um imenso desafio que queremos compartilhar com cada cidadão que se preocupa com o futuro e com uma sociedade sem nenhuma discriminação. Afinal, nossos filhos e netos estarão neste mundo e é nosso dever preparar um lugar melhor para viver.

            O programa Cantando as Diferenças é um semear permanente de esperanças, no fortalecimento do espírito público. Isso, ao mesmo tempo em que reconhece, politicamente, a individualidade de cada ser humano reconhece também a importância da luta pelo meio ambiente. O espírito público é a capacidade de enxergar o entorno com todos os sentidos da vida.

            Nesse horizonte, Sr. Presidente, os atores sociais serão capazes de entender que a essência humana está em compreender suas atitudes. É compromisso com a responsabilidade do seu agir. Uma sociedade não se faz apenas com a soma dos indivíduos. Ela se faz também a partir da capacidade de cada um se descobrir na identidade do seu grupo.

            Um indivíduo ou uma sociedade com espírito público espelham a autenticidade no potenciamento do grupo. Alcançar o espírito público é estar sempre junto com o coletivo, com a comunidade.

            Sabemos que ainda há muito por se fazer. Ainda precisamos, no âmbito do Legislativo, aprovar matérias de interesse do povo brasileiro tais como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto dos Povos Indígenas, fortalecer a luta pelo meio ambiente.

            Precisamos buscar a construção de uma Previdência universal, para que não tenhamos que, no futuro, brigar, a cada ano, por um ou dois pontos percentuais para esse ou aquele setor de aposentados e pensionistas. Assim, estaremos fortalecendo a democracia e garantindo às pessoas o exercício pleno da cidadania.

            Outra matéria que merece atenção, Sr. Presidente, é o ensino técnico profissionalizante. Por isso, insistimos tanto, Sr. Presidente, com o Fundep, Proposta que apresentei de nº 24, ainda em 2005. Certamente, o ensino profissional e tecnológico brasileiro dará um salto de qualidade, de amplitude com a aprovação do Fundep. A escola profissional é vertente de novos conhecimentos, alicerçando a inovação tecnológica à pesquisa de capacitação para o trabalho, o combate ao desemprego, a inclusão social e a agregação familiar, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento do País.

            Acredito que instrumentos como esses libertam o sujeito para a vida. Campanha “Preconceito, Discriminação Zero”, o Brasil é valorizado pelas suas riquezas naturais e culturais; pelas suas origens, pela pluralidade, pela diversidade nas raízes étnicas presentes na música, na arte, na culinária e nas matrizes religiosas.

            Mas é uma sociedade estratificada em que o acesso às oportunidades educacionais e às posições de prestígio no mercado de trabalho ainda são definidas pelo poder econômico, pela origem étnica e pelo gênero.

            Exigimos mudanças de consciência e de atitude; mudanças essas urgentes. Por isso, estamos propondo uma campanha nacional denominada “Preconceito, Discriminação Zero”.

            Conforme o Dicionário do Pensamento Social do Século XX, preconceito é um julgamento prévio, rígido e negativo sobre um indivíduo ou um grupo. O conceito deriva do latim, que designa um julgamento ou decisão interior, um precedente ou um prejuízo. As conotações básicas são inclinação, parcialidade, predisposição e prenoção. 

            O sociólogo inglês Anthony Giddens, na obra Sociologia, de 2005, pág. 208, define como preconceito as atitudes e opiniões. Por sua vez, as discriminações se referem ao comportamento concreto em relação ao grupo e ao indivíduo. Para esse pensador, “os preconceitos estão freqüentemente embasados em estereótipos, em caracterizações fixas e inflexíveis de grupo um de pessoas”.

            No “I seminário Cantando as Diferenças”, realizado em 10 de agosto de 2007, a professora Heloísa Fernandes, filha do grande e já falecido sociólogo Florestan Fernandes, patrono da Sociologia no Brasil, afirmou que a pesquisa decisiva, para Florestan, referente à interpretação da sociedade brasileira foi sobre as relações raciais no Brasil, realizada entre 1949 e 1951, juntamente com o professor Roger Bastide. O projeto de pesquisa era da Unesco e pretendia comparar o racismo existente na sociedade norte-americana com a democracia racial brasileira.

            A pesquisa de Bastide e Florestan concluiu que a tal “democracia racial” era um mito e que, desde a abolição da escravidão, as elites dominantes haviam largado os negros à sua própria sorte, mantendo-os numa situação da mais terrível exclusão.

            Do mesmo modo como, hoje, os defensores das cotas para negros nas universidades públicas são chamados, por incrível que pareça, de racistas, também Florestan e Bastide foram acusados não de estarem denunciando o racismo, mas de estarem “introduzindo um programa de racismo no Brasil”!

            No livro O Negro no Mundo dos Brancos, de 1972, Florestan vai ao cerne do funcionamento do mito quando afirma o seguinte:

As camadas dominantes e suas elites culturais estão tão acostumadas a considerar seu privilégio como “justo” e “necessário” que as formas mais duras de desigualdade e de crueldade são representadas como algo natural e até democrático. [Grande Florestan Fernandes!] Está nessa categoria o mito da democracia racial, tão entranhado na visão conservadora do mundo no Brasil.

            Desde as pesquisas sobre as relações raciais no Brasil, Florestan Fernandes assume algumas teses para a sociedade brasileira que nunca mais abandonou, durante a sua vida, até a morte. Um desses pontos de vista diz que a sociedade funciona graças e por meio da exclusão da grande maioria do seu povo, tanto no mercado de trabalho, como no exercício pleno da cidadania.

            Outra tese do grande Florestan é a que considera a elite dominante extremamente conservadora. Segundo essa visão, a elite brasileira resiste, com unhas e dentes, a qualquer mudança, porque entende que mudança de situação existente poderá afetar a sua posição de privilégio.

            Ele afirma, em 1979: “A minoria privilegiada encara a si própria e a seus interesses como se a Nação real começasse e terminasse nela”. Uma elite para a qual seus interesses particulares estão acima dos interesses da Nação.

            É dessa época uma outra tese, que Florestan Fernandes também não abandonara: a de que o “dilema social brasileiro”, como ele costumava dizer, está na resistência ultra-intensa da minoria dominante às mudanças sociais necessárias para resgatar a dívida que este País tem com os excluídos. Exclusão ainda mais cruel por sua capacidade de tornar invisíveis os próprios excluídos.

            No livro A Revolução Burguesa no Brasil, Florestan procura mostrar que a extrema desigualdade e a injustiça na distribuição da terra, da renda e dos direitos sociais são mantidos graças à dominação autocrática dos poderosos, ou seja, graças aos seus poderes ilimitados e absolutos. Está convencido também de que a extrema desigualdade e a injustiça são o preço que pagamos ao nosso berço colonial e escravista, assim como a continuada e persistente “drenagem para fora de grande parte do excedente econômico nacional”.

            Teses todas de enorme atualidade. Afinal, até hoje, em pleno século XXI, todos os projetos que propõem mudanças em nome da inclusão social e política encontram fortíssima rejeição: as cotas para negros, as cotas para os alunos de escolas públicas, a reforma agrária, a democracia participativa e a própria distribuição de renda.

            Quanto aos defensores das políticas afirmativas de inclusão, hoje como ontem, são acusados de preconceituosos, de destruidores da qualidade do ensino universitário, de pretenderem entregar a terra ou o emprego a pessoas incompetentes e incapazes. Isso é o que eles dizem.

            Não por acaso, essa interpretação sociológica da sociedade brasileira desemboca na criação do seu conceito de capitalismo selvagem. Para Florestan, especialmente após o livro A Revolução Burguesa no Brasil, em que o conceito é apresentado pela primeira vez, o capitalismo entre nós, um capitalismo dependente das economias capitalistas centrais e subdesenvolvido, é selvagem e só pode ser selvagem, o que significa que ele não é nem nunca será domesticável.

            O capitalismo selvagem é e será crescentemente uma máquina de exploração, de opressão e discriminação, sem consertos nem saídas, porque, quanto mais o capitalismo se desenvolver dessa forma selvagem, tanto maior a exploração, a opressão, a discriminação, a exclusão, agravando a selvageria que é sua própria condição.

            Isso tudo, Sr. Presidente, teses e falas do grande Florestan Fernandes. Por isso mesmo, para Florestan, o capitalismo selvagem só se mantém e se reproduz graças à dominação autocrática, “um poder que se impõe de cima para baixo, recorrendo a quaisquer meios para prevalecer e convertendo, por fim, o próprio Estado nacional e democrático em instrumento puro e simples de uma ditadura da classe preventiva”, seja ela uma ditadura de classe aberta ou dissimulada e paternalista, isso é, uma “democracia restrita” aos mais iguais.

            Capitalismo selvagem e dominação autocrática são duas faces da mesma moeda. É assim, segundo ele, que a burguesia depende para poder acumular, expropriar, fortalecer seu egoísmo, seu despotismo de classe. O preço, Sr. Presidente, é o nascimento e a manutenção da sociedade civil incivilizada, mesmo porque as elites da classe dominante carecem de um projeto de Nação.

            Sr. Presidente, Florestan Fernandes vai mais além na sua análise profunda. E mais além, Sr. Presidente, outro pensador fala da seguinte forma a Florestan Fernandes: “Doía nele, como dói até hoje, a desigualdade; doía nele, como dói até hoje, a discriminação contra os negros; doía nele, como dói até hoje, a apropriação privada dos bens coletivos como, por exemplo, a educação”.

            Quem disse isso foi Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente da República, concordando com a análise do grande Florestan Fernandes. Então, ninguém diga aqui que estou lendo um texto revolucionário, socialista ou comunista. Estou lendo um texto inspirado na obra de Florestan Fernandes, que teve o aval do ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

            Florestan era habitado “por uma espécie de ira sagrada contra a injustiça”.

            Portanto, é tempo de desalojar o racismo introjetado nas nossas consciências e jogar pela janela os preconceitos e as atitudes discriminatórias.

            A campanha nacional que estamos propondo objetiva, Sr. Presidente, simplesmente provocar conversas que possam se transformar em alternativas de mudança e fortalecimento das raízes do Brasil.

            Convidamos todos a fazerem parte dessa história.

            Convidamos todos a cantar as diferenças e participar da campanha nacional “Preconceito, Discriminação Zero”, isso é coisa nossa.

            Senador Suplicy, fiz aqui a leitura de um manifesto feito por alguns intelectuais, inspirado na obra de Florestan Fernandes. E, para que ninguém se surpreendesse, no final, eu li a forma elogiosa como o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso se dirigiu ao grande Florestan Fernandes por esse texto.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Paulo Paim, eu gostaria de ter a cópia do manifesto que um número muito grande de intelectuais e de líderes de movimentos sociais encaminhou hoje ao Presidente Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, com respeito à questão das quotas e também relacionado aos diversos projetos que são de iniciativa, muitos deles, de V. Exª. E quero, mais uma vez, cumprimentá-lo pela iniciativa que, juntamente com o Senador Cristovam Buarque e muitos outros, teve para hoje refletirmos sobre os duzentos anos da abolição da escravidão.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Cento e vinte. Duzentos anos da guerra dos botocudos, que eram os índios que sofreram também, porque quiseram os portugueses escravizá-los.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permita, Senador Mão Santa, explicar o porquê dessa pequena falha. Há dez minutos, recebi o Diretor do Jardim Botânico, Liszt Vieira, que me fez um convite para a inauguração do Museu Restaurado do Meio Ambiente, justamente no momento em que o Jardim Botânico do Rio de Janeiro completa 200 anos. Por isso eu estava com 200 anos na cabeça. Permita-me a falha, mas foram 120 anos, pois, em 13 de maio de 1888, foi assinada pela Princesa Isabel a Lei Áurea. É muito importante a reflexão que, desde logo cedo, Senador Paulo Paim, V. Exª vem colocando para todos nós, brasileiros, a respeito de como será possível o resgate dos direitos de cidadania para os afrodescendentes, aqueles que foram arrancados da África, separados de suas famílias, que viveram a viagem tão belamente, ainda que trágica, descrita em “Navio Negreiro” por Castro Alves, nesse poema tão belo. Aqui chegando, irmãos, pais, mães, primos e primas foram separados, indo cada um para algum lugar, viver e trabalhar não por uma remuneração, mas por alimentação e teto, o que fazia com que os escravos tivessem uma expectativa de vida média pouco superior a 30 anos de idade. Estima-se que mais de quatro milhões foram arrancados da África para vir para cá, trabalhar naquelas condições, como escravos, e, certamente, eles contribuíram para a acumulação de riqueza deste País. Então, Presidente Mão Santa, quando por vezes V. Exª me pergunta a respeito dos ensinamentos bíblicos, de como se prover uma renda até para quem eventualmente não esteja trabalhando, com muita amizade, digo-lhe que é preciso que todos nós reflitamos que há o direito inalienável de todo brasileiro e brasileira participar da riqueza da Nação, da riqueza dos recursos naturais, da riqueza acumulada por milhões de pessoas que, quando trabalharam efetivamente, nem remunerados foram devidamente.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Atentai bem e ouça o povo: “liberdade, igualdade e fraternidade”. Essa fraternidade traduz o espírito cristão do povo.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Muito bem. Mas eu fiquei pensando até agora, Senador Paulo Paim, em algo que V. Exª emocionadamente falou, na manhã de hoje, em seu discurso. Fiquei pensando que caberia, sim, uma reflexão de uma pessoa que gosta muito de V. Exª: eu, como amigo. V. Exª, em certo momento, disse: “Olha, eu que gostava tanto, que gosto tanto das músicas, das canções de Caetano Veloso, agora, porque ele assinou o manifesto contra as quotas, não estou mais com vontade de ouvir as suas canções”. Fiquei pensando até agora para fazer-lhe a seguinte sugestão, Senador Paulo Paim: acho que seria bom - eu gostaria até de promover - que V. Exª dialogasse com ele. O cantor e compositor Caetano Veloso é um dos patrimônios do nosso País. Como sabe V. Exª, na Bahia, ele, que é amigo-irmão de Gilberto Gil, é amigo-irmão de muitos negros - citei Gilberto Gil porque logo me vieram à mente os dois, que tantas vezes cantaram juntos nos palcos e fizeram-nos vibrar com canções tão maravilhosas. Ele, por exemplo, em São Paulo, é uma pessoa querida pela composição poética tão linda que fez sobre a esquina da Avenida São João com a Ipiranga e tantas outras coisas. Ele é uma pessoa de quem seria bom ouvirmos os argumentos, inclusive para dizermos a ele que gostamos muito de suas canções e pedir-lhe para, juntos, refletirmos. Ainda hoje, V. Exª citou o livro que leu de Barack Obama. Procurei naquele livro algumas reflexões sobre as ações afirmativas. Nos trechos que pude encontrar - é claro que a experiência norte-americana...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ... é um pouco diferente do estágio em que nós nos encontramos - e pelo que pude depreender, na sua campanha presentemente, o candidato, Senador Barack Obama, não está propriamente enfatizando a defesa de ações afirmativas no sentido de quotas; ele está, sim, falando muito conforme o que V. Exª citou dele: ele quer uma nação sem diferenças, a nação dos norte-americanos...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador, permita-me, só para ajudar o seu raciocínio...

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Então, eu só queria transmitir-lhe esse pensamento...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Quanto ao Caetano, não há problema.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quem sabe possamos aqui, na própria Comissão de Direitos Humanos...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Estou concluindo, Sr. Presidente. É a sugestão que formulo a V. Exª. Eu gostaria até, quem sabe, com V. Exª, com o Senador Flávio Arns e outros membros da CDH, de pensar em promover um diálogo entre aqueles que assinaram o documento de hoje com aqueles que assinaram o outro documento. Façamos aquilo por que nós tanto lutamos neste País: a prática da democracia, das diferenças de idéias e tudo. Acho que os dois lados vão aprender, um com o outro. Pessoas como o Ali Kamel, que escreveu um livro de crítica à questão de quotas; o Caetano Veloso e outros. Podemos convidar, quem sabe, o Fábio Konder Comparato, o Hélio Santos, que falou tão bem na cerimônia do Ministro, e assim por diante.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - É a sugestão que eu formulo carinhosamente ao amigo Paulo Paim.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI. Fazendo soar a campainha.) - Suplicy, Cristo fez o Pai Nosso em um minuto. Veja se conclui, aí, em um minuto.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Suplicy, três questões rapidamente. Primeiro, quanto ao Caetano Veloso, não há problema; acho que dá para dialogar com tranqüilidade. Agora, o equívoco para mim é nós não entendermos que o próprio Barack Obama e o seu processo eleitoral é fruto das ações afirmativas. O grande equívoco de quem é contra as ações afirmativas é não entender que o Brasil está um século atrás da sociedade norte-americana. Se nós tivéssemos aqui adotado ações afirmativas, quem sabe hoje estaríamos discutindo com tranqüilidade a possibilidade de um presidente negro.

            Não podemos confundir os Estados Unidos de um século atrás, ou 60 anos atrás, e o Brasil de hoje. Não podemos confundir e negar a história de Martin Luther King.

(Interrupção do som.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Não podemos negar a história da Marcha para Washington, onde milhares e milhares de pessoas, depois daquele grande movimento, conseguiram convencer a Suprema Corte a aprovar as ações afirmativas; e, em seguida, o próprio Congresso Nacional americano votou por unanimidade as ações afirmativas.

            Senador Suplicy, eu quero só fazer esse destaque. Barack Obama é fruto desse processo. Por isso é que chegamos lá. Eu também sonho, Senador Suplicy. Eu sonho com o dia em que este Brasil não precise mais discutir política de cotas. Eu sonho com esse dia.

            Agora, é preciso reconhecer que é um fato real de exclusão total do povo negro, e nós não podemos concordar que um programa lindo como o Prouni, que o Presidente Lula encaminhou - e V. Exª é testemunha -, seja contestado no Supremo Tribunal Federal com a assinatura de pessoas que eu, até ontem, respeitava.

(Interrupção do som.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - É claro que não vou citar nomes. Em relação ao cantor, estarei totalmente aberto para dialogar. Não dá para confundir a caminhada de Barack Obama, nos Estados Unidos, com a realidade brasileira. Estamos falando de realidades totalmente diferentes, em um país que aplicou as ações afirmativas. E deu certo!

            Por isso, enquanto hoje lemos um documento aqui neste plenário que afirma que, no Brasil, nem 3% de negros chegaram a cargos do Executivo, na área privada e pública, nos Estados Unidos, vemos um patamar que ultrapassa o número de negros da população daquele país chamados afrodescendentes. São realidades totalmente diferentes, e, para mim, é um equívoco comparar os Estados Unidos de um século atrás com o Brasil de hoje, já que nós, sem sombra de dúvida, estamos atrasados, e muito, em relação àquele País.

(Interrupção do som.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, sei que o Senador Flávio Arns está esperando pacientemente para fazer uso da palavra.

            Quero terminar, pedindo que V. Exª inclua nos Anais da Casa o documento que recebi do Fórum de Mobilização pela aprovação da Estatuto da Igualdade Racial e pelas quotas (PL nº 73), com uma série de assinaturas; o documento que recebi hoje da Cobap em apoio ao reajuste dos aposentados e pensionistas do nosso País - são dois projetos que o Senado aprovou por unanimidade; e, ainda, Sr. Presidente, a Carta de Brasília.

            Estive hoje à tarde num evento com cerca de quatro mil trabalhadores de todo o País: o Encontro Nacional do Fórum Sindical dos Trabalhadores. E aquele encontro, por unanimidade, apoiou a iniciativa desta Casa, com a aprovação dos dois projetos, tanto o dos aposentados como também o dos pensionistas.

            Senador Suplicy, quero passar a palavra para o Senador Flávio Arns...

(Interrupção do som.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - ...mas sou obrigado a dizer a V. Exª, quanto à sua proposta de convidar as duas partes, que eu já realizei reuniões com as duas partes uma dezena de vezes.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP. Fora do microfone.) - Eu sei.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Inclusive aqui na Comissão de Direitos Humanos e na Câmara. Não adianta. São posições pré-concebidas. Eles têm posição contra ações afirmativas, e a ampla maioria, 99% do Movimento Negro e da sociedade organizada, é a favor das ações afirmativas.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Eu sei, eu participei das reuniões.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Apenas quero demonstrar isso, para não dar a impressão de que só ouço um lado. Ouvi todas as partes. Sabe há quantos anos estamos discutindo aqui no Congresso o Estatuto da Igualdade Racial e a política de cotas? Há mais de dez anos. Ouvimos todos e, para alegria nossa e para tristeza de alguns, mais de 99% concordam com as ações afirmativas.

            Era isso.

            Obrigado, Sr. Presidente.

            Senador Flávio Arns, muito obrigado. Desculpe-me V. Exª.

 

************************************************************************************************DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR PAULO PAIM EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

***************************************************************************************Matérias referidas:

Fórum de Mobilização pela Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e do PL Cotas - 73/99;

Cobap (apoio ao reajuste de aposentados e pensionistas);

Carta de Brasília.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2008 - Página 13956