Discurso durante a 76ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem aos 60 anos de criação do Estado de Israel.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem aos 60 anos de criação do Estado de Israel.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2008 - Página 14011
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Adelmir Santana; Srªs e Srs. Parlamentares; brasileiras e brasileiros presentes e que nos assistem pelo sistema de comunicação do Senado Federal, são tantas as lideranças e autoridades que peço a permissão para saudar a todas elas, que são muitas - até porque eu poderia esquecer-me de alguns nomes, mesmo involuntariamente, o que seria imperdoável -, na pessoa do Sr. Jack Leon Terpins, Presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib).

Presidente Adelmir Santana, neste início de semana, V. Exª tornou-se piauiense por ato do Legislativo. S. Exª estava assim como os judeus, disputado, sem saber onde era a sua terra, se no Maranhão ou no Piauí - acredito que o Senador nasceu no rio Parnaíba. Então, o piauiense, que busca gente boa - ele já havia conseguido um título do Município de Uruçuí -, ontem, segunda-feira, por intermédio da Assembléia Legislativa, concedeu a S. Exª o título de cidadão piauiense. Isso mostra a importância da cidadania.

O povo judeu é diferente de todos. O povo judeu que, sem dúvida alguma, fora escolhido por Deus, deu uma mensagem muito bonita de liberdade.

Ontem, comemoramos, aqui, os 120 anos da libertação dos escravos. Mas Deus deixou claro, quando ungiu um líder, Moisés, dando-lhe uma missão, e disse-lhe: “Liberta o meu povo”. Então, a liberdade é uma imposição de Deus. O ungido Dele, que não era assim como o Senador Marcelo Crivella, porque S. Exª fala bonito, e ele nem falava, ele tinha um irmão para falar por ele. O Marcelo Crivella faz tudo e falou bonito. Aliás, fico até em situação difícil, porque, certa feita, um grande orador, o Senador romano Cícero, disse: “Nunca fale depois de um grande orador”, mas, agora, vou ter de falar depois desses grandes oradores. Mas, Crivella, Moisés, confiando no Deus que o ungiu, cumpriu a sua missão, Senador Adelmir Santana, não quis saber se havia faraó, se havia exército de faraó ou se havia Mar Vermelho, ou o quanto demoraria, ou mesmo se existia a seca e tudo o mais. Então, foi o primeiro ensinamento que Deus passou para que esse povo nos ensinar. Por que nós estamos aqui? Começou ali. E Deus deu ao ungido Dele as tábuas da lei, mostrando que o mundo tem de ter leis. E o povo preferiu as riquezas simbolizadas pelo bezerro de ouro. Mas ele quis desistir.

Conta a Sagrada Escritura que ele ouviu uma voz que disse: “Busque os mais velhos, os mais experimentados, e eles o ajudarão a carregar o fardo do povo”. Eis aí a inspiração do Senado: os mais velhos, os mais experimentados. Daí, a exigência de idade mínima para senador, o que não há para os outros cargos eletivos.

E foi melhorando pela Grécia; foi melhorando lá na Itália, com Cícero; foi melhorando na França, em que deixou de ser representativo, dividiu o poder, acabou o absolutismo - l’État c’est moi -, com Montesquieu; e melhorou aqui também, com Rui Barbosa. E ele está ali porque disse, ô Crivella: “Só tem um caminho e uma salvação, é a lei e a justiça”. Quer dizer, Rui Barbosa seguiu os hebreus, Moisés, e foi. E os judeus foram atrás da Terra Prometida, Canaã. Você conhece, Crivella?

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ) - Conheço.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Pois é, e nunca me convidou.

Mas eu gosto mais dele do que do Suplicy.

Outro dia, o Suplicy me convidou para ir para o Iraque, para o Haiti... O Crivella eu ainda aguardo, pelo menos no Rio de Janeiro, onde ele vai ser prefeito.

Mas aqui estamos. Leis, o Senado nasceu daí. Sofreram. Foram atrás dessa Terra Prometida. Tinha de ter muito leite, mel e água. Adelmir Santana, acho que Moisés errou o caminho. Ele devia ter ido para o Piauí, onde tem água, leite e mel, muito. É o Piauí a Terra Prometida, Canaã. Daí ele estar ali orgulhoso de ser hoje um piauiense.

Mas e nós, no Brasil? Os judeus já vieram aqui. Eu vinha no carro, estava no dentista, e ouvi os pronunciamentos do nosso Crivella e do nosso Dornelles. Que cultura! Ouvi todos. Mas e o Brasil? Sabemos da saga dos judeus. Todos nós devemos muito aos judeus. E estou aqui para agradecer.

Fui um brilhante cirurgião. Larguei, assim como Pelé deixou de jogar futebol. Fui um brilhante cirurgião neste Brasil. Mas agradeço a um judeu, Fischmann, que foi meu professor no Rio de Janeiro, no meu pós-graduado. Tinha um cirurgião e um anestesista, dois. Ele se casou com a filha do Lutz Ferrando, daquela ótica famosa. Mas essa é outra história.

Esse rapaz me ensinou tanto, tanto...

Olha, eu sou piauiense, e lá somos metidos a machos, a machistas, não choramos, mas quando terminei meu pós-graduado, que me senti habilitado, com muitos ensinamentos desse judeu... Ele não trabalhava segunda-feira. Não tem esse negócio? Davam dinheiro para a pátria, tinham o próprio ritual Eu assisti a isso. Mas eu vou dizer uma, e acho que essa gratidão todos nós temos. Fui para o Piauí porque quis mesmo, porque é bom, apaixonado pela Adalgisinha e tal. Não foi por necessidade não. Deus foi tão bom para mim, ô Adelmir Santana, que era uma fila de emprego para eu escolher. Eu conheci esse negócio de desemprego depois que entrei nessa confusão da política. Mas, na hora de despedir - ele parecia com você, viu, Crivella, louro assim, esse tipo de judeu -, olha, eu não tive coragem, porque ia chorar.

Eu tirei um retrato com ele operando, e há muito tempo ainda tenho em meu consultório. Evitei, fugi. Porque chegar lá do Piauí, ele pegar na mão, que não são santas, são de um cirurgião comum... Agora, eu sou filho de mãe santa, isso eu sou. Então, eu digo francamente, eu me despedi de todo mundo, mas não me despedi do Fischmann, porque eu ia, vamos dizer, chorar pela gratidão, emoção. E, assim, meio piauiense, procurei desencontrar.

Cada um tem uma história de respeito a esse povo que foi ungido por Deus. E aqui no Brasil, aí está, esse Arnaldo Niskier, Padre Antonio Vieira e os judeus.

Eu quero dar esta contribuição. Não foram só os alemães não. Os alemães foram mais perversos no holocausto, mas da Espanha e de Portugal eles foram chutados. E começou aqui. Um menino português, que veio com seis anos, foi o Padre Antônio Vieira. Padre Antônio Vieira disse que palavra sem exemplo é como tiro sem bala. Que um bem nunca vem só, é acompanhado de outro bem.

Adelmir Santana, ele saía a pé de Fortaleza e ia para São Luís. Levava 60 dias, por um rio seco. O Ceará é cheio de rios secos. Então, aquela história de que a colonização do Piauí foi do interior para o litoral é balela. Em seu trajeto, perto da cidade de Cocal, em Flecheira, há uma igrejinha, construída em 1619 ou 1617. Era onde, nesse trajeto, ele descansava. Então, não tem nada a ver. É ignorância dizer que foi... Está certo que o sul do Piauí tinha fazendas dos ricos de Pernambuco e da Bahia, mas teve uma colonização própria, diferente do litoral, onde eu nasci, onde nasceu o maior jurista deste País, que se iguala a Rui Barbosa, Evandro Lins e Silva, onde nasceu o melhor Ministro do Planejamento deste País, João Paulo dos Reis Velloso, que fez o primeiro e o segundo PND. Foram 20 anos à luz do período revolucionário.

E para aqueles que são como São Tomé eu digo o seguinte: vinte anos sendo a luz, o farol, nenhuma indignidade, nenhuma imoralidade e nenhuma corrupção. Essa é a grandeza da gente do Piauí.

Mas Padre Antônio Vieira, que viveu por lá, fez muito. Padre Antônio Vieira e o judeu. Só vou ler a passagem aqui, no nosso Brasil, porque ele defendeu, foi um apóstolo internacional, teve muitas missões. É talvez o maior orador sacro. Ele imaginava, na sua tolerância, juntar os mulçumanos, os judeus e os cristãos em uma igreja só. Que beleza, hein, Crivella? Ele, na tolerância, nas suas andanças pelo Brasil, pelo Nordeste, Salvador, onde passou a maior parte, Ceará, Piauí, passagem para São Luís. Ele diz o seguinte, atentai bem, a grandeza plantada aqui para que o povo do mundo minimizasse os sofrimentos dos judeus:

Nem o longínquo Brasil escapou à fúria da Inquisição [o Santo Ofício era para lascar mesmo os judeus, onde tinha, na Espanha, em Portugal e aqui], que nos últimos anos do século XVI e na primeira metade do seguinte empreendeu as chamadas “Visitações do Santo Ofício” na Bahia e em Pernambuco. O padre Antônio Vieira - que desde cedo demonstrou simpatia com os judeus, aos quais chamava respeitosamente de “nação hebraica” - morava em Salvador quando ocorreu a segunda Visitação, encabeçada por D. Marcos Teixeira, e testemunhou as mais absurdas acusações feitas a pacatos colonos que se julgavam a salvo, pela distância, das garras do famigerado Tribunal.

Eles deixaram Portugal, suas riquezas, para vir. Mas, mesmo aqui, o mandado. E Padre Antônio Vieira começou a defendê-los. Este é o Brasil: o Brasil das liberdades, o Brasil da tolerância.

Não faltaram nesta ocasião denúncias da prática de judaísmo das quais foram vítimas aqueles que desfrutavam de melhor situação financeira. Entre estes indícios usados para a acusação, citados no Monitório do Inquisidor Geral, Dom Diogo da Silva, figuram o não comer certos tipos [olhem as acusações que faziam à nação hebraica] de carne ou de peixe (coelho, lebre, porco e peixe de pele, sem escamas), o modo de matar o gado e as aves, o provar o fio dos cutelos na unha do dedo polegar, a altura das mesas onde se serviam as refeições, a limpeza dos candeeiros, dar banho nos mortos, usar roupa lavada ou roupa nova aos sábados, e uma infinidade de outros detalhes aos quais os verdadeiros cristãos deviam estar atentos e denunciar ao Santo Ofício [Quer dizer, por essas banalidades, esse povo foi humilhado e injustiçado] .Foi justamente esse Monitório de 1576 que serviu de guia para o deputado do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, na sua viagem a Cabo Verde, São Tomé e Brasil, durante a primeira Visitação, de 1593 a 1595.

Ao Padre Vieira não devem ter escapado alguns episódios sugestivos desta intervenção brutal do Santo Ofício numa terra onde sabidamente haviam se abrigado milhares de cristãos-novos para escapar do terror que imperava em Portugal. [Eles já tinham vindo para cá, porque o terror da inquisição lá era feroz]. Assim, não era de todo estranha ao jesuíta a saga do povo judeu quando ele deixou o Brasil para regressar a Portugal, em 1641. A própria Companhia de Jesus era fortemente influenciada pela “gente de nação”, o que levou Vieira a uma grande identificação com o Antigo Testamento. Daí à defesa candente da nação hebraica seria um passo - ou uma quantidade de passos que levariam o jesuíta transformado em conselheiro do rei e em seu emissário diplomático a batalhar pela causa maior da sua vida, em Portugal e nas cortes da Europa.

Então, ele se tornou conselheiro do rei e amenizou o suplício que o povo hebraico vivia. Na Península Ibérica, em Portugal, ele influenciou.

Vieira e os Homens da Nação.

À medida que tomava pé no Reino e sentia crescer sua influência junto ao monarca, o padre Antônio Vieira atacava com mais veemência o problema dos cristãos-novos. Em 3 de julho de 1643 foi divulgada a Proposta feita a el-rei D. João IV (1604-1656), em que se lhe representava o miserável estado do Reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus mercadores que andavam por diversas partes da Europa. [Ele fez uma proposta ao rei Dom João IV].

O documento, segundo esclarece o biógrafo de Vieira, João Lúcio de Azevedo, “é transcrito de mão estranha e não traz o seu nome, mas a autoria do notável jesuíta é inegável”.

Pode-se entender o alcance da sugestão pelo comentário de Mendes dos Remédios em seu clássico Os Judeus em Portugal: “Defesa pronta, desassombrada, eloqüente, vigorosa, linguagem forte, lógica incisiva e fulminante. Esse escrito estalou como um trovão... O que não devia causar menos espanto, apreensão e temores era o saber-se que o paladino dos cristãos-novos e autor daquela Proposta era um jesuíta, homem então na pujança da vida e do talento, bem aceito na corte, adorado nos meios aristocráticos e devotos da capital, intimorato, eloqüente, generoso, e cujo saber e habilidade não conheciam limites - o padre Antônio Vieira.”

Essa é a identidade da nossa tradição, que foi simbolizada pelo Padre Antônio Vieira, português que viveu mais aqui e que conviveu com a tolerância e o espírito de liberdade do povo do Brasil.

Era o que tinha a dizer. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2008 - Página 14011