Discurso durante a 79ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a preocupação e o desconforto gerados pela saída da Ministra do Meio Ambiente, Senadora Marina Silva. Apelo ao Presidente Lula, no sentido de que traga para suas mãos a proteção do meio ambiente.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Reflexão sobre a preocupação e o desconforto gerados pela saída da Ministra do Meio Ambiente, Senadora Marina Silva. Apelo ao Presidente Lula, no sentido de que traga para suas mãos a proteção do meio ambiente.
Aparteantes
Adelmir Santana, José Maranhão, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2008 - Página 14872
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, SUBSTITUIÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), EFEITO, ATENÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, RELEVANCIA, FLORESTA AMAZONICA, ECOLOGIA, MUNDO, COBRANÇA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESPONSABILIDADE, SETOR, MEIO AMBIENTE.
  • ANALISE, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, ECOLOGIA, DEFINIÇÃO, FUTURO, ESPECIFICAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, FORMAÇÃO, CIENTISTA, BUSCA, ALTERNATIVA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, DIRETRIZ, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), ESPECIFICAÇÃO, RESPONSABILIDADE, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO, DEFINIÇÃO, AREA, CULTIVO, MATERIA-PRIMA, ALCOOL, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, ATENDIMENTO, DEMANDA, ENERGIA, MUNDO, AUSENCIA, DESEQUILIBRIO, AGRICULTURA, ALIMENTOS, EXPORTAÇÃO, SOJA, COBRANÇA, INTERFERENCIA, ESTADO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, PREVENÇÃO, PROBLEMA, LONGO PRAZO, CONCLAMAÇÃO, APOIO, SENADO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho falar do tema do momento, na mídia e nas preocupações brasileiras, que é a substituição da Ministra Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente. Venho falar das preocupações e das esperanças que temos se esse assunto for administrado corretamente pelo Presidente da República, Senador Paim.

O Presidente substituiu quase a totalidade dos Ministros que nomeou no primeiro momento, mas apenas dois Ministros, além do Ministro José Dirceu, obviamente, tiveram uma saída que comprometeu o projeto do Presidente: o primeiro foi o Ministro Palocci; a segunda, a Ministra Marina.

No caso do Ministro Palocci, o Presidente conseguiu dar uma continuidade absoluta, deixando bem claro, na prática, como ontem disse - e, por enquanto na teoria -, que a política econômica é uma questão de Estado e que ele é o guardião da política em andamento pelo seu Ministro.

A substituição do Ministro Palocci, que, há algum tempo, poderia ter sido uma grande tragédia e dificuldade, foi feita sem nenhum problema. Nenhum dos indicadores econômicos brasileiros sofreu diante da substituição do Ministro Palocci.

Agora, a Ministra Marina é substituída, trazendo a segunda grande substituição, sob o ponto de vista do simbolismo e do imediato na política de Governo, não apenas porque ela é um símbolo que todos reconhecem. Nenhum outro Ministro significava tanto, como simbolismo, pela força pessoal, pela sua imagem, quanto Marina Silva, mas, mais que isso, porque, hoje, nenhum outro problema dos que acontecem no território brasileiro chama tanto a atenção da comunidade internacional quanto o que acontece com as nossas reservas florestais, especialmente aquela que ainda resta, que é a Amazônia.

A mudança do Ministro da Fazenda, em qualquer lugar do mundo, entre a comunidade econômica e financeira mundial, gera um certo desconforto e preocupação. Isso é restrito à comunidade econômica e financeira. A substituição da Ministra do Meio Ambiente, com o simbolismo da Marina, gera um desconforto, uma preocupação em toda a comunidade internacional, em todo aquele que, no mundo, se preocupa com o futuro da humanidade.

Por isso, é preciso que o Presidente, na prática, faça com o meio ambiente o que fez com a economia: avocar para ele a responsabilidade de ser o guardião da política que a Senadora Marina vinha fazendo. Eu diria até mais: ser ainda mais estrito do que a Ministra Marina foi em alguns momentos em que, pelas forças das circunstâncias ou das circunstâncias das forças, ela teve que ceder e se acomodar.

O Presidente Lula precisa ser o guardião das florestas e não o Ministro do Meio Ambiente, e não o coordenador do PAS, esse programa de ação para a Amazônia. É ele que tem de ser o guardião. É ele que tem de trazer para si. É ele que tem de dar esse recado à comunidade internacional e ao Brasil. E é ele que, na prática, tem de mostrar que o Brasil será responsável por esse patrimônio, que é nosso, mas é também de toda a humanidade. É ele que tem de dizer que, neste espaço brasileiro, nós temos consciência de que somos parte do condomínio Terra. Como todo morador de um condomínio, ele é responsável pelo que acontece aqui dentro e repercute fora, no planeta Terra inteiro.

Hoje, não há mais dúvida, para quem procura se situar na crise que vive a humanidade - e o Brasil é parte dela, e o Brasil é, também, provocador dessa crise que existe no Planeta -, de que o futuro vai caminhar em duas pernas: a educação e a ecologia.

A educação é capaz de construir uma sociedade em que se dê a mesma chance para todas as classes, para as crianças de todas as classes; e a ecologia garante a mesma chance para as gerações futuras.

Cuidar do meio ambiente e cuidar da educação das crianças são as duas tarefas de um Presidente da República. Tudo o mais é meio: meio importante, como a saúde, pois a saúde é para cuidar de cada indivíduo no presente; a educação é que cuida do futuro, inclusive da saúde de todos. A ecologia e a educação são os dois pontos de partida, são os dois pontos fundamentais do futuro para o Brasil e para a humanidade.

Houve um tempo em que o progresso se escrevia com “e” de economia; hoje, o progresso se escreve com “e” de educação ou com as inicias “MA” de meio ambiente, ou com “e” de ecologia. Progresso igual a dois “es”: o “e” de educação e o “e” de ecologia. O progresso sustentável graças ao bom cuidado com o meio ambiente, e o progresso para todos graças ao cuidado com a educação.

E, ainda mais grave, o próprio meio ambiente só será cuidado se formos capazes de fazer uma revolução na educação, porque é pela educação que a gente constrói uma ecologia equilibrada. A educação muda a cabeça das pessoas para que cuidem bem da natureza e, também, a educação é capaz de gerar os cientistas que vão encontrar soluções alternativas para que o desenvolvimento possa acontecer em equilíbrio com a natureza, diferentemente do que houve nessas últimas décadas, nesses últimos dois séculos de um progresso antinatureza, depredador dos recursos naturais, desprezando a natureza. Tem de mudar a cabeça das pessoas e tem de criar uma cabeça de cientista capaz de encontrar alternativas.

O Presidente Lula tem a chance, neste momento, de encontrar esse equilíbrio. Ele pode, perfeitamente, ser a pessoa que vai encontrar o caminho de casar desenvolvimento e meio ambiente, ou ele pode ser aquele que vai construir um desenvolvimento provisório - porque não durará muito -, destruindo a natureza. E isto, Sr. Presidente, não é possível se ele não trouxer para si o problema do meio ambiente como ele levou para si o problema da economia. Lamentavelmente, os sinais que nós vemos, até hoje, neste momento, são conflitantes. Não são sinais de querer trazer para si o problema e assumir, como ele disse, que meio ambiente é uma questão de Estado e não de Ministro de plantão, seja ele com o simbolismo de uma Marina Silva, ou seja outro sem essa força do simbolismo.

O que venho fazer aqui é um apelo ao Presidente para que ele traga para a sua administração, para as suas mãos, para os seus cuidados, e com a responsabilidade que o mundo inteiro espera, o problema do meio ambiente, a proteção das reservas ambientais.

Daqui para frente, o verdadeiro capital para construir um projeto de desenvolvimento se divide entre o meio ambiente sustentável e uma educação forte, consolidada e de qualidade. São a duas pernas do progresso, as duas pernas que o Presidente precisa trazer, o mais rápido possível, com clareza, para as suas mãos, e para que o Brasil inteiro fique tranqüilo, pois não vamos parar aquilo que a Ministra Marina Silva iniciou. E eu diria que deve dar até um passo adiante, sendo ainda mais estrito do que ela, de vez que ela sofria, enfrentava dificuldades que impediam um certo radicalismo, Senador Paim, que agora preside a sessão.

O etanol é um exemplo do desafio que temos adiante. O Brasil pode se transformar em uma grande fonte de energia alternativa verde, mas pode se tornar também na vítima da crise energética se deixarmos que apenas o mercado regule a produção de etanol. Se formos encher os tanques de gasolina de um bilhão de automóveis que há no mundo, vamos ter de transformar em canaviais toda a área arável do Brasil, em torno de 3,6 milhões de quilômetros quadrados. É o que precisa se multiplicarmos as necessidades dos tanques de gasolina. Se deixarmos isso a critério do mercado, não há dúvida que essa área, senão toda, mas uma boa parte será ocupada para produzir biocombustível.

Se não entrarmos nessa demanda que existe, estaremos perdendo uma grande chance, milhões de dólares, bilhões de dólares. Mas, se entrarmos de uma maneira irresponsável para atender a toda a demanda, estaremos perdendo as nossas florestas. Vamos ter de encontrar um meio termo, que é simples de definir tecnicamente: é reservar áreas onde não vamos produzir biocombustível. É fazer o zoneamento dizendo onde é e onde não é possível, sem exageros, com medo do etanol; mas também sem exageros em deixar livre para o mercado internacional a transformação da terra brasileira em um imenso canavial.

Esse é o equilíbrio que o Presidente precisa encontrar. E estamos vendo, pela disputa que levou a Ministra Marina a sair, que, se essa disputa ficar entre os Ministros, não vai haver solução. O ministro, obviamente, que quer aumentar a produção agrícola, tem como objetivo promover o máximo de produção de etanol. O objetivo dos produtores de cana, de soja do agronegócio é produzir o máximo, porque eles trabalham no curto prazo - isso não é crítica, é apenas uma constatação -, e, se eles trabalharem preocupados com o meio ambiente, os negócios deles quebram, porque o do lado não vai se preocupar com o meio ambiente.

O meio ambiente não pode ser preocupação de um indivíduo, de um empresário, nem de um consumidor, tem de ser a preocupação do Estado brasileiro. Por isso me animei quando vi o Presidente dizer que a proteção do meio ambiente será uma política de Estado, e não da Ministra que saiu nem do Ministro que vai entrar, nem das disputas internas dos Ministros, nem dos Ministros com os produtores de soja, como já vimos nos jornais de hoje.

É o Presidente que tem de trazer isso para si. O Presidente Lula tem demonstrado, entre suas grandes capacidades, a capacidade de aglutinar. Ele conseguiu aglutinar os brasileiros. Ele conseguiu, com seu jeito, aglutinar todos os setores da sociedade, mas com um detalhe melhor - e Juscelino também aglutinou, mas aglutinou criando inflação: o Presidente Lula aglutina, mantendo a estabilidade monetária, apesar de alguns sinais preocupantes existirem hoje em relação à inflação.

Essa capacidade de aglutinação se faz de duas maneiras: uma, pondo todos juntos; a outra, escolhendo um lado e atraindo os outros para esse lado. Acho que chegamos ao momento, no que se refere ao choque entre meio ambiente e desenvolvimento, em que o Presidente vai ter de escolher um lado e usar a sua capacidade de aglutinação, não para equilibrar ou lubrificar as tensões, mas para convencer o outro lado a aceitar. E, neste momento, a meu ver, não se trata de levar os ecologistas a aceitarem aquilo que o agronegócio quer; trata-se de fazer com que o agronegócio entenda que é do interesse dele, em longo prazo, que não pode fazer tudo que o mercado manda. Que neste País haverá reservas onde não vamos deixar que as florestas sejam destruídas; que há outras áreas onde a gente não pode deixar que a comida seja substituída pelo etanol; que há lugares onde não vamos trocar o estômago pelo tanque - o estômago das pessoas pelos tanques de gasolina -, porque, nessa disputa, os tanques vencem, se o jogo for regido apenas pelas regras do mercado, até porque tem mais dinheiro quem quer comprar etanol para colocar no tanque de gasolina do que quem comprar comida para colocar no seu estômago e nos dos seus filhos.

Senador Adelmir Santana, é preciso que a gente encontre um ponto de equilíbrio, mas esse ponto de equilíbrio não se encontra apenas fazendo concessões mútuas, neste caso, mas escolhas corretas. Nem a escolha de abandonar os dólares que virão para cá, se pudermos produzir etanol; nem, muito menos, a opção de ficar protegendo todo o meio ambiente sem levar em conta a necessidade que o País e as pessoas têm de dinheiro, de recursos, de renda.

Mas há o consumidor de hoje e o consumidor das próximas gerações. E nossa responsabilidade de homens de Estado, como somos, é defender não só os eleitores de hoje em busca de renda, mas os filhos, netos, bisnetos dos eleitores de hoje em busca de espaço onde possam viver, e esse espaço exige a manutenção das nossas reservas florestais.

Nós já ameaçamos a sobrevivência dos nossos rios para poder produzir energia elétrica para dinamizar as indústrias. Nós ameaçamos a sobrevivência das nossas cidades, asfixiadas hoje pela quantidade de automóveis, para dinamizar a indústria de automóveis. Nós já cometemos muitos erros no passado ao querer o desenvolvimento rápido, inclusive fazendo 50 anos em cinco, como dizia o próprio Juscelino; e nós sacrificamos os 50 anos para fazer com que eles acontecessem em cinco anos.

Não temos o direito de continuar errando na tentativa de combinar o longo com o curto prazo. E, nessa combinação, haverá uma disputa por recursos entre educação e infra-estrutura, como a gente vê hoje, em que não falta dinheiro para infra-estrutura, pelo PAC por exemplo, mas falta dinheiro para educação.

O outro debate é entre o meio ambiente e o produto interno bruto. Esse debate não vai poder ser resolvido conforme disputa entre Ministros, mas só com um Presidente que assuma o uniforme de estadista e diga: “Vamos sacrificar hoje o curto prazo ou não vamos crescer tanto no curto prazo nessa área, para manter a sustentabilidade no longo prazo”.

A saída da Ministra, por mais que seja uma alegria para os que vão recebê-la aqui no Senado - e vai engrandecer o Senado, sem dúvida -, não será apenas uma preocupação para todos nós que estamos ansiosos para saber como será a política de meio ambiente daqui para frente; a saída da Ministra, da maneira como ocorreu, com a ousadia e a força que teve para sair, pode ser um momento muito positivo se ela, como se diz por aí, colocar o dedo na ferida, trouxer o assunto para a mesa e disser que está na hora de o Presidente optar, está na hora de o Presidente dizer que, no caso de disputa entre meio ambiente e desenvolvimento, não adianta ficar dos dois lados, ele vai ter que escolher um lado, que pode ser até um terceiro lado dele próprio, mostrando como combinar um assunto de incompatibilidade que existe e escolher esse lado, mantendo a aglutinação nacional, como ele vem colocando. Não criando uma guerra entre dois grupos, mas usando sua liderança, sua capacidade de convencimento para atrair o outro lado para o lado de cá, que ele escolher.

Senador Paulo Paim, não vou falar muito mais, mas passo para os apartes.

Ouço o Senador Adelmir Santana.

O Sr. Adelmir Santana (DEM - DF) - Senador Cristovam Buarque, eu me associo às suas palavras. Chamou-me a atenção quando V. Exª fez um paralelo entre as funções de Estado e o setor privado. É aí, efetivamente, que entram os marcos regulatórios do Estado brasileiro. V. Exª tem toda razão quando faz esse paralelo e exige do Estado brasileiro um posicionamento, adequando as relações. É preciso que todos nós caminhemos na mesma direção, buscando esses marcos regulatórios não apenas na questão ambiental, no uso do solo e do território brasileiro, mas em todas essas funções onde haja esses dois pontos, a posição da população em geral e dos empreendedores, dos empresários, do poder econômico. Eu me associo às palavras de V. Exª, pois compreendo perfeitamente aonde quer chegar: há que haver alguém maior regulando as relações entre Ministérios, para que sejam preservados os interesses nacionais. Esses marcos regulatórios têm de ser claros, não apenas nessa matéria, mas em todas em que haja necessidade da presença do Estado brasileiro. Louvo, portanto, as palavras de preocupação de V. Exª com o meio ambiente, preocupação que é de todos nós, e também pela troca ministerial, que não pode significar mudanças radicais de procedimentos, mas a continuidade de uma política de Estado, e não de uma política de Ministros, como bem diz V. Exª. Parabéns pelas palavras!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

Ouço o Senador José Maranhão, que muito me honra com seu aparte.

O Sr. José Maranhão (PMDB - PB) - Eu me associo às preocupações de V. Exª, especialmente quando, com outras palavras e com a sutileza e o brilhantismo que lhe são característicos, deixa bem claro que, por mais importante que seja um Ministro de Estado ou até mesmo o Presidente da República, nenhum deles pode se colocar acima do País, acima da Nação. E uso aqui um provérbio popular: não existe ninguém insubstituível. Veja as repercussões na imprensa. A Ministra Marina Silva pediu demissão, já que não detinha mandato para tanto, de um cargo do qual poderia ser demitida ad nutum. É da Constituição, é da lei. Exerceu um grande papel durante o tempo em que ocupou o Ministério, tornou-se uma referência nacional e internacional na luta pela preservação do meio ambiente brasileiro, em defesa da Amazônia. Todavia, com certeza, o País, com seu grande acervo de homens e mulheres capazes, encontrará outra pessoa para desempenhar aquela função com toda competência, como ela o fez. Por outro lado, considero como ponto alto do discurso de V. Exª exatamente aquele em que V. Exª desfoca as análises feitas até hoje, pelo menos na grande imprensa e também no meio político, de que o Presidente tem que optar entre um lado e outro. O Presidente não tem que fazer esse tipo de opção, como V. Exª diz. O Presidente tem que ter a sua posição, uma posição que seja capaz de conciliar esses interesses em conflito. Ambos são importantes. Eu nem me preocuparia, neste momento, em dizer qual a posição mais importante, se a do compromisso com o desenvolvimento ou se a do compromisso com o meio ambiente, porque não há, hoje, pelo que conhecemos, qualquer incompatibilidade entre crescimento econômico, desenvolvimento e preservação do meio ambiente. As duas coisas podem conviver em harmonia, inteligentemente. O desenvolvimento pode ser feito com a preservação do meio ambiente. E acredito que essa posição será a escolhida pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem duas coisas que pesam muito no caráter de um administrador: tem sensibilidade para os problemas públicos - a prova está no governo que vem realizando - e, ao mesmo tempo, tem uma coisa chamada sorte, que não é apenas um dado aleatório. Napoleão já dizia que, na escolha de um general, ele gostava de saber se o general tinha sorte. O Presidente tem muita sorte. Ao mesmo tempo, tem muita intuição, sensibilidade e, com certeza, boa assessoria. Tenho certeza de que Sua Excelência não alimentará um conflito que não deveria existir nem escolherá a posição de apoiar um lado em detrimento de outro. Sua Excelência vai escolher a posição melhor para o Brasil, para o futuro desta grande Nação. Felicito V. Exª, porque, com a inteligência, a cultura e, sobretudo, o discernimento que teve e tem, analisou a questão com muita propriedade, mostrando que é hora de prevalecer o espírito do estadista, escolhendo não uma entre duas opções, mas uma opção que não chegou ainda e, por isso mesmo, por não ter chegado, o conflito hoje existe. Obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu que agradeço, Senador.

Ouço o Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam, como sempre, V. Exª aborda, de maneira brilhante, temas de interesse nacional. Antes de iniciar o assunto que pretendo abordar em relação ao seu discurso, registro a presença de três Deputados Estaduais do meu Estado: Marília Pinto, Ionilson e Aurelina Medeiros, que estão nessa batalha comigo e com a Comissão do Senado para encontrar uma forma de resolver a questão de Raposa Serra do Sol. Aliás, depois, querem falar com V. Exª. Mas, Senador Cristovam Buarque, como homem da Amazônia, que nasceu e se criou na Amazônia, que trabalhou e trabalha na Amazônia, falo da minha preocupação, em primeiro lugar, com a saída da Ministra Marina. Eu tinha e tenho sérias divergências com a forma de S. Exª ver a Amazônia, porque a Amazônia não é um ecossistema apenas. Meu Estado é um exemplo: quase não tem nada a ver com floresta. No entanto, a Ministra elegeu o termo “florestania” como sinônimo da Amazônia. E não é verdade. O Ministro que vai assumir, Senador Cristovam, disse na França que não assumiria porque não conhecia a Amazônia.

Está no jornal O Globo de hoje: ele não conhece a Amazônia. Ele conhece, porque fez uma tese de mestrado sobre a Amazônia, que defendeu na França. Então, esses amazonófilos já chegam querendo dar piteco: vão dizendo que não vão fazer isso, que não vão fazer aquilo... Eu aconselharia esse Ministro, primeiro, a fazer um passeio na Amazônia - um passeio, não, uma visita à Amazônia, a todos os Estados da Amazônia -, a discutir com as universidades da Amazônia, com os governos da Amazônia, com as assembléias da Amazônia, para começar a dar piteco. Desse tipo de gente que ouviu falar ou que produziu tese sobre a Amazônia, estamos cheios. Chegamos ao ponto, Senador Cristovam, de colocar nas nossas notas, no nosso dinheiro, só bicho. E é assim que eles pensam, que na Amazônia só há bicho: bicho, índio e mata. E não é verdade. Estou, por acaso, com uma nota de dez reais, e o que é? Uma arara. Não há um vulto histórico. Uma nota de dois reais, e o que é? Uma tartaruga. Uma nota de cinqüenta, e o que é? Uma onça pintada. Cadê um vulto histórico nas nossas notas de real? V. Exª conhece algum outro país no mundo que tenha, nas suas notas, no seu dinheiro, só bicho? Não tenha um vulto histórico, não tenha um monumento histórico? Foi a isso que fomos reduzidos por esse movimento, que é um ecoterrorismo. Espero, como disse o Senador Maranhão, que o Presidente Lula tenha o bom senso de saber equilibrar a questão do meio ambiente com a do desenvolvimento. Para isso, basta ser inteligente. Basta ser inteligente, não precisa ser gênio, não. Assessorar-se bem e, principalmente... Isto aprendi como médico: não posso fazer diagnóstico sem tocar no paciente; não posso fazer diagnóstico baseado só em exame de laboratório. Então, se o Ministro quer conhecer a Amazônia, vá para a Amazônia. Também não se zanguem com o Ministro Mangabeira Unger, que é meio estrangeiro, que nunca ouviu falar de Amazônia e que deu um passeio agora lá. Quem sabe, se os dois se juntarem e conversarem com as pessoas da Amazônia, os governadores, as universidades, as assembléias, os prefeitos, aí, sim, vamos ter um outro momento em favor da Amazônia. Ninguém quer destruir a Amazônia, não. Os 25 milhões de habitantes que lá vivem querem, sim, ver a Amazônia continuar brasileira. Que se possa produzir melhor condição de vida para quem lá vive e para todo o Brasil.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço os três apartes e quero dizer o seguinte: fiz questão de chamar Floresta Amazônica, porque há um conceito geopolítico da Amazônia e um conceito ecológico da Amazônia. Seu Estado quase não faz parte da parte ecológica, da parte natural. É a Amazônia geopolítica. Temos de diferenciar essas duas coisas. Não podemos ter uma política única de preservação para todos os Estados, porque uma parte dos Estados não tem esse lado florestal tão forte. E, mesmo na parte onde há florestas, existem subsistemas ecológicos que merecem ser considerados, levados em conta. Além disso, a floresta existe para servir a humanidade, especialmente os que ali moram. Mas, aí, Senador, é preciso lembrar que, na política, basta a gente pôr em acordo os que estão disputando, mas, no Estado, a gente tem de colocar um terceiro ator: os que nem nasceram ainda, as gerações futuras. Temos que colocar, inclusive, no mundo global de hoje, um ator que não vota no Brasil, que é a humanidade inteira.

A aglutinação que o Presidente tem que fazer não é apenas entre os atores atuais, sem olhar o longo prazo dos que não estão presentes ao debate, dos que não sentam à mesa, porque não nasceram ainda. Ele tem que encarnar as futuras gerações, sem esquecer os interesses das atuais, mas sem ignorar nem um pouco as gerações futuras. E, aí, a saída é combinar, obviamente - não chamo nem desenvolvimento -, crescimento com meio ambiente. Mas combinar isso com a sustentabilidade, o que vai exigir um espírito de estadista muito forte. Não apenas o espírito político.

Essa é a primeira perda de Ministro fruto de choques de interesses internos. Os outros, ou o Presidente precisou do cargo, ou saíram por razões de escândalos, ou porque estavam cansados, queriam sair, como alguns. Essa é a primeira saída por razões de choques de interesses, internamente. Essa é a primeira vez que o Presidente Lula não é capaz de aglutinar, com a conversa dele, os choques de interesse que existem dentro do Governo.

Se, por um lado, é triste, por outro é alvissareiro, porque põe o dedo na ferida, porque chama atenção para o fato de que pelo menos há um setor hoje da vida nacional em conflito definitivo. É a idéia de como crescer, sem prejudicar o ecossistema ou os ecossistemas brasileiros.

Essa disputa não vai ser feita por um ou outro Ministro. Vai ser feita pelo Presidente da República, encarnando uma política de Estado, porque, como disse o Senador Maranhão, não há ninguém insubstituível, mas há políticas mal substituídas. Há políticas que não são bem substituídas.

É preciso que a política que aí está seja substituída, corrigindo-se os seus erros, e não se piorando os seus erros; ou até identificando-se claramente quais são os erros, mas levando-se em conta o futuro da Nação; e levando-se em conta a nossa responsabilidade neste condomínio Terra, no qual somos proprietários da maior reserva florestal de hoje.

Essa é a dificuldade que o Presidente vai ter.

Queria sugerir ao Presidente Garibaldi que ponha o Senado à disposição do Presidente Lula para fazer esse debate com clareza. Em vez de ficar debatendo apenas com dois Ministros, use-nos, determine que aqui se faça um debate aberto, transmitido pela televisão, para que a população veja, inclusive, se vale a pena fazer sacrifícios hoje em nome das gerações futuras, ou se não, e esqueçamos as gerações futuras, como alguns têm direito de dizer, em benefício apenas do aumento da renda e da produção neste momento.

Para mim, a chave de tudo isso, Senador Maranhão, está na combinação do mercado, instrumento fundamental - não consigo imaginar uma sociedade administrada hoje sem as leis do mercado -, mas definindo-se limites para as leis de mercado. Quais limites? Não é tentando impor ao mercado regras. É definindo onde é que a gente reserva, seja qual for o preço que ali chegue. Se a gente fosse seguir o mercado livremente, estava-se vendendo cocaína nas esquinas. O que se decidiu no mundo? Há certos produtos que a gente não deixa o mercado vender livremente. É clandestino, é bandidagem vender cocaína. Tem que haver certas áreas em que se diga: “Ocupar essas áreas com atividades produtivas depredadoras é bandidagem também. É crime também”. Fora dali, o mercado regula.

Além disso, se ocuparmos toda a área para produzir etanol, sabe o que vai acontecer, Senador Paim? O preço do etanol cai.

A Opep entendeu isso. A Opep define quantas gotas de petróleo sai a cada ano. Ela não deixa o mercado puxar o petróleo todo. Eles dizem: “Não, só vamos produzir tanto”. Definem, acima do mercado, o quanto vão produzir; uma decisão política, e aí sobem o preço. É o mercado que se submete à Opep, não é a Opep que se submete ao mercado. Temos que fazer o mesmo com o etanol. Qual é o limite da nossa produção de etanol? Até quantos bilhões de litros vamos produzir? Até quantos milhões de hectares vamos ocupar? A única diferença para a Opep é que ela puxa o petróleo; a gente ocupa área. Temos que definir quanto de área vamos ocupar, quanto de área não vamos ocupar para o etanol, como fazem os países petroleiros, definindo quantos barris de petróleo eles deixam ser arrancados do subsolo a cada ano. O preço estourou, e eles não deixaram aumentar a produção, até porque sabem que, se aumentá-la, o preço cai. Essa inteligência - o senhor usou essa palavra - na maneira de administrar tem que haver. É inteligente limitar onde se vai produzir etanol. É inteligente e, ao mesmo tempo, responsável com as gerações futuras.

Espero que o Presidente Lula, com a competência e a sorte - como o senhor disse - que tem, mas sobretudo competência - sem competência, a sorte dele já teria levado o Brasil para situações difíceis; é, sobretudo, competência -, entenda que a saída da Ministra é um sinal muito forte de que, às vezes, não se aglutina apenas pela média; aglutina-se optando por um lado e convencendo o outro lado a aceitar isso. E, nesse lado, espero que ele coloque as gerações futuras, os que não votam, os que não entram aqui para fazer lobby, aqueles que vão sofrer ou usufruir do que a gente fizer agora. E fazer agora significa aproveitar a onda da crise energética para produzir etanol, a onda da crise ecológica que despertou a necessidade de um biocombustível, mas saber que essa onda não é permanente, se não definirmos regras, limites, de quantos hectares vamos permitir serem usados para encher os tanques de gasolina do mundo sem sacrificar os estômagos brasileiros. Mais ou menos como a Opep faz com seu petróleo, definindo quantas gotas tiram por ano, a gente tem que definir quantos centímetros quadrados vamos ocupar para a produção do etanol.

Que o Presidente Lula saiba continuar com a lucidez que tem tido, mas que coloque uma pitada de longo prazo e, ao mesmo tempo, duas pitadas de opção por um dos lados, e use a sua capacidade para convencer o lado que por acaso seja sacrificado hoje para beneficiar o futuro, o pedacinho do Brasil que precisa ser sacrificado hoje, nossa geração, para beneficiar a humanidade inteira, que precisa também do Brasil.

Vivemos no condomínio Terra e não podemos, de maneira alguma, ignorar os outros apartamentos, os outros países desse nosso condomínio, e o Presidente Lula tem uma responsabilidade. É por essa razão que vim falar.

Sr. Presidente, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2008 - Página 14872