Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Questionamento sobre a constitucionalidade do Projeto de Lei Complementar 132, de 2007.

Autor
Antonio Carlos Júnior (DEM - Democratas/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Questionamento sobre a constitucionalidade do Projeto de Lei Complementar 132, de 2007.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2008 - Página 21789
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, LEI COMPLEMENTAR, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, INICIATIVA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, DISCIPLINAMENTO, GASTOS PUBLICOS, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • QUESTIONAMENTO, INCONSTITUCIONALIDADE, PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR (PLP), APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, POSSIBILIDADE, FLEXIBILIDADE, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, RESTRIÇÃO, PUNIÇÃO, EXCLUSIVIDADE, ORGÃOS, PODER, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, LIMITAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, PESSOAL, FACILITAÇÃO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, CREDITO EXTERNO, CRITICA, EXPERIENCIA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • COMENTARIO, OBJETIVO, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, MANUTENÇÃO, CONTROLE, GASTOS PUBLICOS, REDUÇÃO, DIVIDA, ESTADOS, MUNICIPIOS, IMPEDIMENTO, MANIPULAÇÃO, RECURSOS, ATENDIMENTO, INTERESSE, NATUREZA POLITICA.
  • DEFESA, UNIÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, ESTABILIDADE, SITUAÇÃO FISCAL, REFORÇO, PRESERVAÇÃO, RESPONSABILIDADE SOLIDARIA, ORGÃOS, GOVERNO, CUMPRIMENTO, LIMITAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RESTRIÇÃO, CRESCIMENTO, GASTOS PUBLICOS, PESSOAL, DIVIDA PUBLICA.

O SR. ANTONIO CARLOS JÚNIOR (DEM - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este Governo tem, desde o primeiro dia de seu mandato, execrado o que chama de a “herança maldita” do Governo anterior. Todavia, não mudou para melhor uma vírgula do que herdou.

Agora, sob a névoa de um ano eleitoral, visa mudar para pior um dos marcos da melhoria da gestão pública no Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, em boa hora, o Governo do Presidente Fernando Henrique deixou como herança bendita para o povo brasileiro.

Parece que o Governo atual deseja desmontar a armadura de proteção da sociedade contra a cultura perdulária de nossos dirigentes, armadura montada com grande dificuldade e esforço e que tem evitado que a estrutura do Estado brasileiro se afunde sob o peso de despesas descontroladas e descabidas.

A União, no governo passado, depois de renegociar penosamente as dívidas de Estados e Municípios, conseguiu impor alguma disciplina aos gastos de todas as esferas de Poder, quando, no ano 2000, o Congresso Nacional, em momento de patriótica sabedoria, aprovou a Lei Complementar nº 101.

A recente conjuntura favorável, que alia crescimento econômico e equilíbrio fiscal, deve ser aproveitada para preservar e para reforçar, jamais para enfraquecer, a responsabilidade fiscal, ainda mais quando o fantasma da inflação volta a rondar o Brasil.

Se o quadro da economia brasileira é hoje o que temos, muito se deve à responsabilidade fiscal com que se houve o Governo Fernando Henrique Cardoso e que, sensatamente, o Governo Lula deu seguimento. Não será porque o caixa nacional melhorou que devemos afrouxar os rigores do controle sobre as finanças públicas.

Como gosta de repetir o Presidente Lula, “nunca antes neste País, se teve tanto cuidado ao gastar o dinheiro público”. Assim deve continuar e melhorar no futuro.

A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe inúmeros benefícios para a gestão pública e para o processo político brasileiro. Entre os benefícios se destacam o impedimento do uso político de verbas públicas, como faziam inúmeros Prefeitos, que endividavam os seus Municípios com o objetivo de proselitismo e de viabilização eleitoral para cargos no Parlamento ao final do seu mandato local.

O resultado sistemático sempre foi Município quebrado e o sucessor sem condições de realizar qualquer projeto. E isso também vale para os Estados federados. Ou seja, a irresponsabilidade com os cofres públicos era geral, como se o povo fosse uma fonte inesgotável de recursos com que os administradores pudessem se divertir ou se locupletar.

Sr. Presidente, a sociedade brasileira já sofreu muito com crises causadas pela perda de controle sobre os gastos e o endividamento públicos. O longo período de aprendizado do controle das finanças públicas serviu para ampliar a consciência coletiva sobre a importância da disciplina e da boa gestão fiscal. A Lei de Responsabilidade Fiscal constitui um símbolo dessas expressivas mudanças. O povo brasileiro é grato pelo processo moralizador empreendido pela aplicação da lei. Mais do que isso, o povo confia que esse processo é o caminho para que investimentos mais eficientes nos serviços públicos possam ser feitos sem evasão de recursos.

Em oito anos de vigência, tentativas de alterar limites e normas de controle fiscal foram barradas com a firme determinação de evitar que se iniciasse um processo de alterações casuísticas, capaz de descaracterizar a Lei de Responsabilidade Fiscal e minar o fortalecimento da cultura de responsabilidade fiscal.

Infelizmente, forças contrárias à moralização do Estado brasileiro começaram a se organizar, na tentativa de deturpar a lei e afrouxar limites do controle fiscal. O Projeto de Lei Complementar nº 132, de 2007, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados e que nos chega para apreciação, é, claramente, uma tentativa de “facilitar” a vida de certos dirigentes e complicar a vida do povo brasileiro. Tal tentativa, Srªs e Srs. Senadores, deve ser rechaçada pelo Senado Federal, pelo que ela representa de imoral e de agressão à Nação brasileira.

Não podemos arriscar a menor ameaça de retorno aos tempos de gastança descontrolada e irresponsável. Isso seria comprometer todo o enorme esforço empreendido pelo povo brasileiro, destruindo nossas chances de avançar com firmeza para um novo patamar de desenvolvimento.

O fato de o quadro econômico do País ter melhorado deve servir para aumentar o rigor no controle dos gastos públicos e melhorar sua qualidade, nunca para permitir frouxidão no trato dos recursos da população brasileira.

A Presidência da República enviou Projeto de Lei Complementar, ora em discussão, e que altera a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ele foi, todavia, alterado na Câmara dos Deputados, onde foram introduzidos elementos de afrouxamento ainda maiores do que aqueles inicialmente propostos pelo Executivo Federal.

A situação que ensejou o envio do projeto foi, provavelmente, a do Estado do Rio Grande do Sul, onde o Judiciário, o Ministério Público do Estado e o Tribunal de Contas do Estado teriam ultrapassado seus limites de gastos com pessoal, o que, na redação da Lei Complementar nº 101, impediria o Executivo gaúcho de contrair empréstimos junto ao Banco Mundial.

Problema similar ocorreu aqui, no Distrito Federal, no início do ano passado, pois o Tribunal de Contas local e a Câmara Legislativa extrapolaram o mesmo limite fixado na Lei de Responsabilidade Fiscal e, assim, impediram o Governo do Distrito Federal de contratar operação de crédito externo. Aliás, foi uma situação que pegou de surpresa o então recém-empossado Governador José Roberto Arruda, do Democratas, que exigiu duras medidas para sanear as finanças, a fim de se enquadrar nos limites fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Sr. Presidente, a responsabilização solidária dos órgãos de governo é uma das vigas mestras da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois não isenta qualquer segmento do Estado da obrigação de bem administrar os recursos públicos, sob pena de prejudicar diretamente o povo, com o impedimento do Executivo de financiar suas ações.

Srªs e Srs. Senadores, a aprovação unânime na Câmara dos Deputados não deve ser vista como fiança da qualidade da proposta aprovada. Ao contrário, ela deve ser rejeitada em prol do interesse nacional; primeiro, porque modifica o §3º do art. 23 da lei para eliminar a aplicação das restrições institucionais ao Poder Executivo, quando algum órgão dos demais Poderes se encontrar acima do limite para despesa com pessoal. Segundo, porque acrescenta o art. 32-A para facilitar a contratação de operações de crédito ditas “de reestruturação e recomposição de principal de dívidas”, dispensando exigências da lei quanto às condições e limites para endividamento e à vedação para financiamento e rolagem de um governo em favor de outro.

Os problemas das dívidas do Estado do Rio Grande do Sul ou do Distrito Federal não deveriam servir de pretexto para a flexibilização da lei. A irresponsabilidade na gestão dos recursos públicos é um problema que data dos primórdios da criação do Estado brasileiro. A Lei Complementar nº 101 tem contribuído para diminuir esse problema, mesmo que seu alcance seja limitado, já que carece de mecanismos eficientes de punição a políticos e gestores infratores.

Sr. Presidente, o que o Brasil precisa é de mais rigor na aplicação da lei. O afrouxamento da lei é potencialmente desastroso e poderá permitir, inclusive, que as operações de reestruturação de dívidas sejam feitas de forma a transferir o custo para futuros governos.

Como sabemos, a Lei de Responsabilidade Fiscal entrou em vigor no dia 4 de maio de 2000, com o objetivo de reduzir o endividamento dos Estados e Municípios. Antes, alguns prefeitos e governadores iniciavam obras de grande porte, procurando se reeleger, que apenas se transformavam em dívidas para a gestão seguinte.

Não se deve criar precedente, muito menos para atender a interesses políticos conjunturais, ainda mais quando a inflação e as turbulências internacionais reclamam maior cautela no cenário macroeconômico. É preciso preservar e reforçar a aplicação dos limites da LRF e as restrições ao crescimento dos gastos com pessoal e do endividamento público, porque constituem preceitos cruciais de um regime fiscal responsável.

A lei concebeu instrumentos de controle exatamente para conformar a necessária solidariedade no esforço fiscal que cada Ente federado e seus Poderes devem empreender para manter suas finanças sob controle. Ao invés de extinguir punições, no caso de algum órgão público não atender ao limite de gasto com pessoal, caberia prever restrições efetivas e diretas àquele órgão; e, antes de tudo, reforçar a prevenção para evitar o desenquadramento.

Inversamente ao que ao propõe o PLC nº 132, aprovado na Câmara, ingentes esforços deveriam ser feitos para a retomada de uma agenda que complete e aprofunde a responsabilidade fiscal. A maioria das mudanças necessárias já é objeto de projetos apresentados ao Congresso Nacional, mas ainda não foram votados. É o caso da regulamentação do Conselho de Gestão Fiscal, da fixação de limites para as dívidas consolidada e mobiliária da União, da limitação à expansão do gasto federal com pessoal, da fixação de limites para as despesas correntes da União e de aperfeiçoamento pontuais da LRF, além da nova lei geral dos orçamentos e finanças, que nada mais é do que uma revisão da Lei nº 4.320/64, e da própria reforma tributária.

Há, pois, importante trabalho a ser feito em favor do povo brasileiro e não em favor do nefando laxismo na Administração Pública.

Antes de concluir, desejaria alertar meus nobres colegas para o fato de que a constitucionalidade do Projeto de Lei Complementar nº 132 é questionável. A Constituição Federal é a lei maior do Brasil e ela veda, em seu art. 169, §2º, o repasse a Estados e Municípios que excedam os limites estabelecidos em lei complementar.

Portanto, no momento em que esse projeto chega a esta Casa, reflitamos sobre o que é melhor para o País. Essa é a responsabilidade do Senado, a Câmara Legislativa onde devem predominar a serenidade, o equilíbrio e, sobretudo, a responsabilidade com o futuro da Nação.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2008 - Página 21789