Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o relatório "Educação Infantil - A primeira infância relegada à sua própria (má) sorte", encaminhado ao Senado Federal pelo Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Considerações sobre o relatório "Educação Infantil - A primeira infância relegada à sua própria (má) sorte", encaminhado ao Senado Federal pelo Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2008 - Página 24172
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • QUALIDADE, MEMBROS, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, APRESENTAÇÃO, DOCUMENTO, AUTORIA, MINISTERIO PUBLICO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), AVALIAÇÃO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, ANALISE, DADOS, PROPOSTA, ENCAMINHAMENTO, MATERIA, IMPORTANCIA, INICIO, ESCOLARIDADE, CRIANÇA, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, QUALIFICAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, COBRANÇA, RESPONSABILIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • REGISTRO, PRESENÇA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), PREFEITO, MUNICIPIOS, BRASIL, RECEBIMENTO, PREMIO, GESTÃO, APOIO, CRIANÇA, DEMONSTRAÇÃO, POSSIBILIDADE, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, DADOS.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente Wellington Salgado.

Acompanhei, agora pela manhã, alguns debates nesta Casa, que achei muito ricos, extremamente importantes, ligados à área da educação, da qual o Presidente é especialista, tem profundo conhecimento, assim como o Senador Cristovam Buarque - também falaram o Senador Adelmir Santana e o Senador Paulo Paim. Abordou-se especialmente a questão da educação de base, da educação infantil.

Assim, achei oportuno trazer a esta tribuna, a este Plenário o relato de um documento de que tive a oportunidade de ser o responsável na Comissão de Educação, Cultura e Esporte da Casa, há poucos dias. É um documento que considero da mais alta relevância e que deve merecer desta Casa e dos Poderes Públicos profunda reflexão.

Trata-se, Presidente Wellington Salgado, do relatório Educação Infantil - A primeira infância relegada à sua própria (má) sorte, encaminhado ao Senado Federal pelo Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.

O trabalho foi desenvolvido sob orientação do então Procurador-Geral daquele Ministério Público, Cezar Miola, hoje Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, foi elaborado pelas Assessoras Ana Lúcia Xavier Siqueira, Paulo Barrufi Silveira e Valtuir Pereira Nunes. E o que posso dizer é que ele aborda, de maneira exemplar e bastante didática, a delicada questão do desenvolvimento da educação na primeira infância, ali nos primeiros passos.

Digo que a abordagem é exemplar, Sr. Presidente, porque o trabalho não se limitou a fazer um amplo diagnóstico da situação existente, como tantas vezes ocorre em estudos dessa natureza. Os autores preocuparam-se, também, em tirar as devidas conclusões do material analisado e - o que julgo ainda mais importante - cuidaram de apresentar propostas de encaminhamento da matéria.

Sobre a atenção que deve ser dada à criança em seus primeiros anos de vida, penso que não restam dúvidas. Nesse período - e isso é o que dizem todos os estudiosos -, o desenvolvimento físico, emocional e intelectual do ser humano passa por seu estágio mais decisivo. Nesse período, são estabelecidas as bases para a formação de um adulto saudável, seguro e responsável; um adulto, enfim, apto a exercer completamente sua cidadania.

E, mais uma vez, reflito sobre as discussões desta manhã com o Senador Cristovam Buarque, que tem trabalhado intensamente a questão da educação de base e da educação infantil, e com o Senador Paulo Paim, que vem trabalhando a questão da educação técnica, que considero absolutamente fundamental para que nós tenhamos condições de oferecer trabalhadores qualificados para o mercado de trabalho. Isso realmente é fundamental.

Pois bem. O que aponta o estudo do Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul é que nosso País está muito longe de proporcionar à primeira infância os cuidados necessários. Tal desatenção se reflete em níveis crescentes de criminalidade, na manutenção dos indicadores sociais em padrões degradantes e na exclusão de uma parcela significativa da população de baixa renda do mercado de trabalho.

É claro, Presidente Wellington, que o diagnóstico não traz grande novidade, até porque o descaso do setor público com a educação de nossas crianças é fenômeno histórico: vem de décadas, de séculos.

Mas o mérito do estudo, repito, é explicitar esse descaso com uma quantidade muito grande de informações pesquisadas, com números e com análises muito bem fundamentadas.

São no mínimo preocupantes e até, talvez, vergonhosos para nós, brasileiros, os números apresentados pela Unesco em seu Relatório de Monitoramento Global 2003/2004, números aos quais o Ministério Público de Contas do Tribunal do Rio Grande do Sul dá grande ênfase. Foram analisados os dados relativos às matrículas na educação pré-primária de 152 países. E concluiu-se que em 22 países esse indicador ultrapassava a faixa dos 90%. Infelizmente, não estamos entre esses, não. Em 74 países, entre 30% e 90% - e ainda não estamos entre esses também -, em 56 países, ficava em torno ou abaixo dos 30%.

No Brasil, Presidente Wellington, utilizados os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo IBGE em 2004, constatou-se que apenas 19,66% das crianças entre zero e seis anos freqüentavam estabelecimentos de ensino. Um percentual que nos colocou na pior faixa de desempenho, um percentual que levou a Unesco a selecionar o Brasil para a realização de um estudo específico ao lado do Quênia, da Indonésia e do Cazaquistão.

Esse estudo do Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul também cita um levantamento realizado, em 2003, pelo Preal, Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e no Caribe. E os resultados também são extremamente preocupantes.

Em 2003, jovens de 15 anos de três países da América Latina - Brasil, México e Uruguai - que participaram da prova do Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, tiveram notas muito próximas da mínima em leitura, matemática e ciências. Foram, simplesmente, os resultados mais baixos entre os 41 países avaliados!

Outro dado preocupante: no Brasil, em 2003, um aluno da quarta série - o atual quinto ano - não conseguia somar, subtrair, multiplicar e dividir, nem ler e compreender um texto, por mais simples e curto que fosse.

Ao lado dessas constatações, outras já bastante conhecidas: o declínio disseminado e persistente da educação pública, a ampliar cada vez mais o abismo entre ricos e pobres; a desigualdade racial, a fazer com que os alunos de origem negra ou indígena tenham acesso ainda mais precário à educação; a má gestão, a refletir-se na ineficiência dos gastos públicos.

Esses e muitos outros problemas são apontados no documento que tive a oportunidade de relatar na Comissão de Educação. Um documento que, apesar de tudo, e felizmente, ainda nos mostra alguns avanços já obtidos. E aqui está o aspecto positivo do estudo: não vamos ficar apenas com o lado ruim, não vamos ficar apenas com o lado negativo.

Ontem tivemos um exemplo que temos um lado bom, um lado positivo: 130 Prefeitos receberam aqui, no auditório Petrônio Portella do Senado Federal, o prêmio Prefeito Amigo da Criança; foram 130 Prefeitos, se não me engano. Foram oito ou nove Prefeitos do Rio Grande do Sul. Contudo, temos 5.600 Prefeituras no Brasil. O índice é muito baixo; é muito pouco. O Rio Grande do Sul possui 496 Prefeituras. Apenas oito foram escolhidas para aqui estar, entre elas Porto Alegre.

Quero, daqui, registrar o meu apreço e minha admiração pela atuação do Prefeito José Fogaça, já registrada ontem pelo Senador Pedro Simon, na atenção à criança, aos meninos e meninas de rua, na atenção à inclusão social, pela educação em Porto Alegre.

As capitais de Estado sempre refletem um problema mais agudo, especialmente porque, não sendo diferente de Brasília, de São Paulo, nem da sua Belo Horizonte, Senador Wellington, Porto Alegre também sofre um processo de migrações, que, infelizmente, por falta muitas vezes de melhor investimento nas cidades de origem, provocam o surgimento de bolsões de miséria, de violência e de degradação humana. Mas, apesar de tudo isso, Porto Alegre mereceu esse destaque.

Como eu disse, foram apenas 130 Prefeitos os considerados “amigos da criança”, entre mais de 5,6 mil Prefeituras. Vamos torcer para que, no ano que vem, esse Prêmio Abrinq possa trazer aqui, quem sabe, no mínimo quinhentos ou mil Prefeitos, porque, quanto mais Prefeitos “amigos da criança” houver no Brasil, melhor será a infância dos brasileiros e das brasileiras, e, portanto, melhor será o futuro deste País.

É absolutamente evidente que, pela pesquisa oferecida pelo grupo comandado pelo Conselheiro Cezar Miola no Tribunal de Contas do Estado, uma infância bem cuidada, protegida, atendida com as necessidades mínimas e básicas, oferece um futuro melhor, mais organizado, com melhores perspectivas e com menor desigualdade entre as classes sociais.

Então, é isso que quero também celebrar. Ocorreram avanços, talvez ainda tímidos, como eu disse. Cento e trinta Prefeitos “amigos da criança” é pouco para 5,6 mil Municípios no Brasil. Precisamos mais, muito mais! Sei que não podemos sonhar com todos os Prefeitos do Brasil recebendo um título dessa grandeza, mas precisamos de mais administrações municipais reconhecidas como “amigas da criança”, porque essas são amigas do futuro desta Nação.

O Censo Escolar do MEC/INEP/2005 mostra que o número de matrículas em estabelecimentos de educação infantil melhorou consideravelmente. Esse Censo apresenta uma elevação, comparado ao crescimento demográfico da mesma faixa etária entre 2001 e 2005.

Em 2001, Sr. Presidente, o número de crianças entre 0 e 3 anos matriculadas em creches no Brasil representava 8,26% da população daquela faixa etária. Em 2005, esse número passou para 9,97%, um pequeno crescimento, mas já significativo.

Já as matrículas em pré-escola das crianças entre 4 e 6 anos, em relação à população da mesma faixa etária, passaram de 46,87% em 2001 para 52,60% em 2005, o que representou um aumento de quase seis pontos percentuais.

De qualquer maneira, Sr. Presidente Wellington, ainda que esse pequeno crescimento mereça ser louvado, não temos como fugir a uma conclusão realmente preocupante, uma conclusão, por sinal, destacada no estudo do Ministério Público de Contas: em 2005, mais de 90% das crianças brasileiras entre 0 e 3 anos não se encontravam matriculadas em estabelecimentos de educação infantil, e quase metade das crianças brasileiras entre 4 e 6 anos não freqüentava a pré-escola.

A partir de conclusões como as que apresentamos aqui, que apontam um longo caminho ainda a percorrer, o Ministério Público de Contas do Estado apresenta também algumas propostas. Entre elas, a de que os órgãos de controle externo ampliem seu foco de análise e não se limitem à mera verificação de questões legais, como o cumprimento dos percentuais mínimos de aplicação de recursos na área da educação. Muito mais do que isso, o que devem fazer, na verdade, é verificar se os recursos vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino estão sendo, de fato, aplicados de maneira eficiente e eficaz.

Há de se enaltecer a referida proposta, que propugna ao Tribunal de Contas do Estado que adote, “como item obrigatório de verificação nas unidades jurisdicionadas, tópico específico relacionado à educação infantil nos exames levados a efeito pelas equipes de controle externo e quando da apreciação das contas dos administradores responsáveis”. E que se inclua, “nessa verificação, a observância das normas constitucionais e legais de regência e a análise de natureza operacional, especialmente quanto à eficiência, à eficácia e à economicidade na respectiva gestão”.

Sr. Presidente Wellington, cópias desse estudo foram remetidas a uma extensa lista de destinatários: o Congresso Nacional, o Ministério da Educação, o Escritório de Representação da Unesco no Brasil, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e diversas outras entidades da mais alta relevância. Espero que todas essas entidades saibam tirar do documento elaborado pelo Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul os devidos ensinamentos e orientações, o que certamente resultará em benefícios para as crianças de nosso País.

Era o que eu tinha a dizer.

Obrigado, Sr. Presidente.

Parabéns a esses estudiosos pesquisadores que se debruçaram sobre um tema tão importante e que nos abrem os olhos para a necessidade de uma maior proteção para a primeira infância no Brasil!

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2008 - Página 24172