Discurso durante a 115ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o Sistema Único de Saúde - SUS.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre o Sistema Único de Saúde - SUS.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2008 - Página 24263
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), ORGANIZAÇÃO, SAUDE PUBLICA, BRASIL, GRAVIDADE, PROBLEMA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, MELHORIA, ESPECIFICAÇÃO, PLANEJAMENTO, ESTADO, EFICACIA, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, AUSENCIA, CRITERIOS, POLITICA PARTIDARIA, COBRANÇA, COMPROMISSO, ATUAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, DETALHAMENTO, SITUAÇÃO, ESTADO DO AMAPA (AP), CONCENTRAÇÃO, SERVIÇO, CAPITAL DE ESTADO, EXCESSO, DEMANDA, MOTIVO, PRECARIEDADE, POSTO DE SAUDE, MUNICIPIOS, INFERIORIDADE, TABELA, REMUNERAÇÃO, CONVENIO, SERVIDOR.
  • COBRANÇA, PROVIDENCIA, PODER PUBLICO, GARANTIA, FINANCIAMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, RECRIAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF).

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, Srªs e Srs. Senadores, é quase unânime neste País o entendimento de que o Sistema Único de Saúde (SUS), tal como preconizado na Constituição Federal, é uma das concepções socialmente mais justas entre todas as estruturas idealizadas para a organização da sociedade brasileira. Por que, então, permanecemos convivendo com continuadas reclamações sobre o SUS? O que acontece, de fato, é que, das intenções às práticas, vai uma enorme distância! Do sonho à realidade, há um longo caminho, quando não um abismo. Essa é a razão fundamental por que o SUS, bela idealização de bem-estar social, pode representar para muitos brasileiros um verdadeiro pesadelo, o fim de todos os sonhos de assistência social. Temos, pois, de dar solução para este paradoxo de nosso sistema de proteção social: belo no papel, assustador nos postos de saúde e nos hospitais. Quando olhamos para países como a França, cujo modelo é próximo do brasileiro, vemos como pode ser o funcionamento adequado de um sistema de proteção à saúde de um país em que o Estado funciona corretamente em benefício da população.

            Sr. Presidente, a premissa de que o SUS deve ser universal e público, como estatuído nos arts. 194 e 200 da nossa Carta Magna, implica diversas conseqüências simultâneas, como financiamento adequado, permanente, seguro e bem definido no Orçamento da União, dos Estados e dos Municípios; organização das três esferas de Poder para atendimento universal e de qualidade a toda a população, sem qualquer discriminação ou exclusão; e capacidade operacional para se adaptar a novas demandas e à evolução da ciência médica, ambulatorial e de prevenção.

            Ora, apesar do que disse o Presidente Lula, estamos longe, muito longe mesmo, do estado de perfeição que nosso otimista Presidente imagina existir. Na verdade, ou tomamos a frase presidencial como descuido verbal ou somos obrigados a imaginar que nosso Primeiro Mandatário carece de mínimas informações sobre o que acontece realmente no SUS.

            Na realidade, Sr. Presidente, o SUS é uma intrincada, complexa e sensível rede de órgãos que perpassam as estruturas dos três níveis de Governo - federal, estadual e municipal - e que devem atender a quase 190 milhões de cidadãs e cidadãos. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) têm papel de destaque na formulação e implantação de políticas de saúde junto à população.

            Sr. Presidente, o que acontece, então, de fato, que faz com que o Sistema não funcione como idealizado pelos Constituintes de 1988? Falta, Senador Alvaro Dias, basicamente, planejamento do Estado, para que o orçamento necessário ao custeio das ações de atenção à saúde da população possa ser eficazmente realizado.

            Com muita honra, concedo um aparte ao Senador Alvaro Dias.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Papaléo Paes, esse é o grande debate da década. O modelo de saúde está comprometido pela ineficácia, e os resultados disso são sofríveis no Brasil, especialmente, mas também em outros países do mundo. O Banco Mundial, há pouco, apresentou estudo de profundidade, que demonstra que não há falta de recursos, que não há falta de dinheiro, mas, sim, falta de competência e organização. No início do seu pronunciamento, V. Exª estava, exatamente, começando uma dissertação sobre como deve proceder o Estado em relação ao serviço de saúde pública. Num dos pontos desse estudo, o Banco Mundial revela que há um desperdício de R$10 bilhões por ano, no Brasil, em razão de internamentos desnecessários, ou seja, há falta de leitos para atender aos doentes, e, em contrapartida, há pacientes que não necessitam de internação e que acabam sendo internados. Isso tudo revela desorganização, incompetência, insensibilidade. V. Exª, como médico, humano que é, com a necessária sensibilidade humana, também por ter sido executivo, reúne condições básicas indispensáveis para o exercício da atividade no setor de saúde pública. V. Exª tem, portanto, autoridade política e moral para, dessa tribuna, dissertar sobre os problemas que afetam a saúde pública brasileira e para sinalizar, como orientação necessária, os procedimentos que devem ser adotados pelo Governo. Daí nossos cumprimentos a V. Exª. Creio que um Governo responsável, competente, que realmente entende ser a saúde a suprema lei, um Governo assim deveria administrar o setor de saúde pública com estes requisitos fundamentais: sensibilidade humana e capacidade de gerenciamento. É o que está faltando.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Agradeço a V. Exª, Senador Alvaro Dias. Concordo plenamente com suas palavras, porque realmente esses dois fatores são os que mais fazem decair o atendimento à população brasileira. Incorporo seu aparte ao meu pronunciamento.

            Sr. Presidente, isso se deve à histórica desatenção de que é vítima o povo por parte do Poder Público. O Estado brasileiro sempre foi voltado para o usufruto dos poderosos de plantão e para a prestação de serviços que garantissem a calma social mantenedora do status quo, sem prejuízo para as classes dominantes. O regime democrático que ora vivemos, inclusive com alternância de poder, não mudou fundamentalmente esse estado de coisas. Muito ainda deve ser feito para que a consciência de solidariedade social, expressa na Constituição, possa se tornar realidade em todo o Brasil.

            A atenção à saúde é uma política permanente do Estado brasileiro, por determinação da Constituição, e não depende, nem pode depender, do Partido eventualmente no poder. Não há espaço para discussão partidária do SUS. Ele é uma escolha da sociedade brasileira, que deve se impor a todos os que exercem o poder, seja na Presidência da República, seja na Governadoria estadual, seja na Prefeitura Municipal.

            O segundo corolário do SUS é que ele constitui um sistema de utilidade pública, um serviço público. Isso obriga todos os que nele trabalham a ter postura de serviço público perante a comunidade a que devem atender. O que complica a concretização desse corolário é a histórica falta de consciência de prestação de serviço público, própria de uma brasileiríssima e nefasta tradição cultural de apropriação do público como coisa privada. Corrigida que fosse essa postura, e ela tem sido progressivamente erradicada das hostes do funcionalismo público, restaria ainda a atávica falta de organização, de infra-estrutura e de recursos para o bom atendimento da população.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são hospitais desaparelhados ou, o que é pior, com equipamentos inoperantes por falta de instalação ou por falta de pessoal qualificado para operá-los. São postos de saúde sem equipes, onde faltam os mais básicos materiais para atendimento aos demandantes.

            Aqui, Sr. Presidente, faço uma ligeira retrospectiva sobre meu Estado, o Amapá, mais propriamente sobre o Município de Macapá, que concentra cerca de 60% da população do Estado. O Município de Macapá, na municipalização da saúde, é o grande responsável pela manutenção dos centros de saúde, Senador Eurípedes. Hoje, nosso Município está numa situação muito complexa, porque o Governo entregou os centros de saúde aos Municípios, boas instalações físicas, boa assistência ao Município, para que aqueles atendimentos ambulatoriais não especializados fossem feitos pelo Município nos centros de saúde. Cada bairro tem seu centro de saúde, mas o não-funcionamento desse centro de saúde no Município de Macapá está causando sobrecarga de trabalho. Há uma demanda muito grande, uma demanda reprimida nos hospitais do Governo, que seriam os hospitais que atenderiam as grandes emergências e urgências e atenderiam as clínicas especializadas. Então, essa falta, como eu disse, é responsabilidade dos Governos Federal, Estaduais e Municipais. No Município de Macapá, há deficiência nesse atendimento, o que prejudica muito o atendimento que o Governo faz por meio dos seus hospitais.

            O funcionamento precário dos postos de saúde conduz as pessoas a procurarem os hospitais - acabei de falar isso -, que, já deficientes para o atendimento aos casos realmente hospitalares, se vêem sobrecarregados pelos atendimentos ambulatoriais.

            Não bastasse a precariedade de meios, há também a baixa remuneração dos funcionários e a quase irrisória tabela de pagamento do SUS para procedimentos praticados pelos conveniados. Sr. Presidente, não há como o Sistema se sustentar sem a adequada remuneração de seus trabalhadores diretos e dos que a ele prestam serviços. Nenhum sistema semelhante no mundo funciona direito sem remuneração compatível com a importância do serviço prestado.

            É um verdadeiro círculo vicioso, que conduz a um quase circo de horrores, quando tomamos conhecimento das mortes ocorridas em filas de postos de saúde ou em saguões de emergência de hospitais. Isso pode e deve ser modificado em curto prazo. Para tanto, é preciso que o Poder Público destaque verbas em quantidade suficiente e assegure o financiamento de longo prazo do Sistema - verbas para infra-estrutura, para materiais de consumo e para remuneração de pessoal e de serviços.

            Sem haver uma tomada de consciência da importância das ações a serem executadas, não haverá solução possível para o estado crítico em que se encontra o SUS no Brasil.

            Uma escolha importante que o Estado brasileiro deve fazer, ou melhor, que a sociedade deve fazer e impor ao Estado é definir se devemos investir na melhoria e na ampliação do sistema público de atendimento à saúde ou se continuamos com esse hibridismo de hospitais públicos precários, gastando uma fortuna para remunerar ou recuperar os hospitais privados que atendem à demanda da população.

            Srªs e Srs. Senadores, no meio de toda essa caótica situação, fruto da incapacidade do Estado de encaminhar soluções realistas para o problema do SUS, vemo-nos confrontados com a tentativa deste Governo de ressuscitar a famigerada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) sob o pseudônimo meloso de Contribuição Social para a Saúde (CSS). Melhor faria o Governo, Sr. Presidente, para a nossa saúde se nos poupasse o gasto de energia de ter de rejeitar tal aberração. O pretexto de que não há recursos para a saúde não tem cabimento, pois, mesmo no tempo em que havia CPMF, esta não era usada para custear o SUS, como prometido. O Sistema ficava apenas com um pedaço, isso quando ficava!

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se o Governo souber gastar melhor e cumprir o que determina a Emenda Constitucional nº 29, que aprovamos nesta Casa, sem tentar assacar ainda mais o bolso dos cidadãos, haveremos de equacionar o funcionamento do SUS. Enquanto o Governo quiser bancar o esperto e arrecadar mais impostos para financiar suas pretensões eleitorais futuras, não haverá qualquer solução, e ainda teremos de conviver, por muito tempo, com mortes em filas e com crises no sistema público de saúde.

            O que a população brasileira precisa é, pura e simplesmente, que os governantes ajam de acordo com a Constituição Federal e coloquem no SUS os recursos de que ele necessita para atender à finalidade prevista pela Constituição de 1988. Sr. Presidente, é simples e cristalino, como água limpa. Basta querer ser sério e responsável. É isso que o povo exige, é a isso que o povo tem direito, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2008 - Página 24263