Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aspectos do processo inflacionário e sugestão de pacto pela estabilidade monetária.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ELEIÇÕES.:
  • Aspectos do processo inflacionário e sugestão de pacto pela estabilidade monetária.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/2008 - Página 25512
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • DEFESA, ELABORAÇÃO, PACTO, SETOR, ECONOMIA, VIABILIDADE, ESTABILIDADE, SISTEMA MONETARIO NACIONAL, CONTROLE, INFLAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, PRODUTOR, PRODUTO IN NATURA, PETROLEO, PRODUTO AGRICOLA, NECESSIDADE, AUSENCIA, EQUIPARAÇÃO, REAJUSTE, PREÇO, MERCADO INTERNACIONAL, MERCADO INTERNO, ESCLARECIMENTOS, IMPOSIÇÃO, TABELA, VALOR, BENEFICIO, MELHORIA, QUALIDADE, PODER AQUISITIVO, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, DISTRIBUIDOR, PRODUTO ALIMENTICIO, PACTO, CONTROLE, INFLAÇÃO, SUGESTÃO, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO FISCAL, SETOR.
  • ANALISE, MOTIVO, EXCESSO, INFLAÇÃO, BRASIL, AUMENTO, DEMANDA, CONSUMIDOR, AMPLIAÇÃO, CUSTO, PRODUÇÃO, ADVERTENCIA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, ALTERAÇÃO, TAXAS, JUROS, POSSIBILIDADE, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, DEFESA, INDEPENDENCIA, ATUAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).
  • ADVERTENCIA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, TAXA DE CAMBIO, MOTIVO, EXCESSO, VALORIZAÇÃO, REAL, PROVOCAÇÃO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, POSTERIORIDADE, CRISE, ECONOMIA, AGRAVAÇÃO, INFLAÇÃO, DESVALORIZAÇÃO, AUMENTO, PREÇO, PRODUTO IMPORTADO.
  • COMENTARIO, PERIODO, ELEIÇÕES, AUMENTO, INFLAÇÃO, MOTIVO, CONTRATAÇÃO, SERVIDOR, AMPLIAÇÃO, DEMANDA, CONSUMIDOR.
  • ADVERTENCIA, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, AGRAVAÇÃO, INFLAÇÃO, DEFESA, NECESSIDADE, CONTROLE, SETOR, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, EXECUTIVO, VIABILIDADE, UTILIZAÇÃO, VERBA, BOLSA FAMILIA, GARANTIA, PAGAMENTO, PISO SALARIAL, PROFESSOR, EDUCAÇÃO BASICA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, AUMENTO, NUMERO, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, VALORIZAÇÃO, DEBATE, INTERESSE NACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, ontem, quase meia-noite, esta Casa viveu um momento de emoção ao aprovar o piso salarial do professor, o final da DRU e a contratação de professores. Mas não vim falar disso; vim falar de uma inimiga mortal do piso salarial. Conquistamos o piso salarial, que pode morrer rapidamente por causa da inflação. Se a inflação voltar, o piso de R$950,00 desaparecerá. A inflação é a inimiga. Inclusive, Senador Paim, V. Exª que é o grande defensor do salário mínimo, com a inflação, teremos problemas. Por isso, vim falar aqui de inflação. Vim falar de inflação motivado por aquilo que tento fazer aqui, que é um debate entre nós, Senadores, como se cada um fosse um pré-candidato à Presidência da República. Que cada um venha dizer aqui o que deveria fazer.

O Senador Suplicy - espero daqui a pouco contar com o tempo de S. Exª -, o Senador Paulo Paim e cada um dos Senadores aqui são exemplos. O Senador Suplicy já foi pré-candidato à Presidência. Não entendo por que não se lançou ainda pré-candidato a 2010. Não tenho a menor dúvida de que o nome dele, aparecendo na lista de candidatos...

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - É uma hipótese encorajadora. V. Exª, obviamente, coloca-se como candidato. É bom para a democracia. Felizmente, o PT tem um número muito significativo de bons candidatos, a começar pela própria Ministra Dilma Rousseff. Poderia citar, pelo menos, dez ou quinze.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu citaria dezesseis com o seu nome. Isso ajudaria o processo. O Senador Paim também seria um pré-candidato. Vamos falar com franqueza: nenhum de nós provavelmente será escolhido, nem eu, inclusive, no meu Partido.

Mas vamos provocar o debate. E eu quero debater hoje a inflação. Quero debater essa inimiga mortal do piso salarial que é a inflação. E aí o Senador Suplicy, inclusive como economista, talvez não hoje, mas em outro momento, e outros pré-candidatos, deveríamos discutir o que fazer com a inflação. E a minha proposta, Senador Suplicy, é um pacto pela estabilidade monetária neste País. Um pacto de consumidores, inclusive, de empresários e dos agentes públicos deste País, porque nós temos seis pressões inflacionárias no Brasil hoje: duas, importadas, as outras, não. As duas importadas são: o preço do petróleo e o preço dos alimentos. São duas forças tremendas que tentam aumentar os preços internos dos nossos produtos. A gente sabe que tanto os alimentos quanto o petróleo entram em todos os produtos. Entra em todos os produtos o alimento por causa dos salário do trabalhador. Entra em todos os produtos o petróleo pelo combustível do transporte e pela matéria-prima de grande parte do que a gente usa.

Como vencer isso? Como impedir que esse aumento de preços importados chegue aqui? Só vejo uma maneira, Senador, é fazermos um pacto, por exemplo, no que se refere ao petróleo. Um pacto para que a Petrobrás não aumente os preços aqui dentro dos combustíveis na mesma proporção do petróleo aumentando lá fora. Alguns vão dizer: “Mas isso é querer controlar o mercado”. Não, isso é querer fazer um pacto respeitando o mercado. Mas com o pacto. 

Eu não proponho o tabelamento em nenhuma hipótese, porque tabelamento já mostrou que não funciona na luta contra a inflação; e está mostrando agora, na Venezuela; provavelmente vai mostrar na Argentina. Nada de tabelamento, mas um pacto que diga que nós não vamos aumentar o preço do petróleo aqui dentro apenas porque, com uma commodity internacional, que é o petróleo, a gente tenha que ter aqui para a Petrobras o mesmo lucro que lá fora. Trata-se de pacto que permita fazer com que a Petrobras reduza o seu lucro - não perder o lucro, porque precisa de dinheiro para fazer os seus reinvestimentos; sem lucro na Petrobras, a gente não teria descoberto as novas reservas nem teria como explorá-las. Mas com a inflação, a Petrobras também não vai para frente.

Então, um pacto de a gente não importar totalmente o aumento de preço do petróleo aqui para dentro. Felizmente, isso hoje é possível, porque o Brasil conseguiu atingir a autonomia do petróleo. Se fosse alguns anos atrás, era impossível: o preço do petróleo ao aumentar lá fora aumentaria imediatamente aqui dentro e se espalharia sobre tudo, aumentando todos os preços. Hoje, como temos autonomia de produção de petróleo suficiente praticamente, não inteiramente, por causa dos subprodutos, mas como temos uma autonomia razoável, é possível, sim, não importar totalmente o aumento dos preços do petróleo. Isso já daria um fôlego para reduzir a pressão inflacionária aqui dentro.

No caso dos alimentos, é o contrário: é um pacto para que os produtores de alimento de dentro do Brasil não aumentem os produtos que vão ser vendidos aqui dentro na mesma proporção que eles aumentarão para vender o produto lá fora.

Mais uma vez, não é controle de preço. É um pacto acordado, acertado entre os agentes econômicos. Se lá fora aumenta a soja, não precisa aqui aumentar na mesma proporção. Pode até aumentar, mas não mesma proporção. Que haja um pacto em que o aumento aqui dentro dos produtos não refletirá a totalidade do aumento dos nossos produtos como commodities internacionais.

Agora não basta fazer isso com os produtores. É preciso fazer com que os distribuidores participem desse pacto. É preciso fazer com que os distribuidores aceitem trabalhar numa margem de lucro ainda menor, embora se saiba que eles trabalham com uma taxa de lucro muito pequena. Mas aí pode entrar outro agente no pacto: o Governo dando alguns incentivos, de tal maneira que seja possível não repassar aqui dentro o aumento do preço dos alimentos que vêm de fora.

Esses são os dois primeiros pactos, os pactos para impedir a importação total - talvez tenha alguma parte que ser importada - do aumento dos preços no exterior. O segundo pacto é o tratamento a ser dado à taxa de juros. E aqui há um ponto chave. Eu sempre defendi - e o Senador Paulo Paim foi testemunha, em reuniões dentro do Partido dos Trabalhadores, em que me opus a muitos dos companheiros do Partido - que a taxa de juros tem que ser algo determinado pelo Banco Central, e eu defendo um Banco Central independente. Não podemos deixar que a taxa de juros seja manipulada politicamente.

Mas hoje temos uma inflação que vem de dois lados. Nós temos a inflação de demanda, porque houve um aumento substancial do poder de compra que está demandando produtos, e aí sobe o preço. Mas temos uma inflação que se chama de custos, porque o produtor está tendo aumento dos custos. Quando a inflação é de demanda, aí o aumento da taxa de juros é excelente para controlar a inflação. Aumentam-se os juros, a demanda cai, o comerciante tem que baixar seus preços.

Mas, quando a inflação vem dos custos, o aumento da taxa de juros agrava a inflação em vez de reduzi-la, porque os juros são também um custo de produção.

Então, no que se refere à taxa de juros, o que a gente pode é pedir, com toda independência do Banco Central, que reflitam com mais cuidado até que ponto a manipulação, a determinação, a fixação das taxas básicas de juros que o Banco Central determina terá um efeito positivo ou negativo na inflação.

No momento atual, o aumento da taxa de juros não significa necessariamente menor inflação, porque temos uma inflação de custos. Nós não temos apenas inflação de demanda.

Aí é preciso haver, dentro desse pacto, o escutar de outros agentes produtivos. Só o Banco Central, com toda autonomia que ele deve ter, se não consulta outros agentes, corre o risco de servir para insuflar a inflação em vez de diminuí-la.

Outro ponto onde a gente vai precisar ter um processo de reflexão, que é uma maneira diferente de chamar de pacto, é na taxa de câmbio. Como está, a taxa de câmbio hoje serve de âncora da inflação, porque ela puxa para baixo os preços dos produtos importados.

Peço mais alguns minutos, Sr. Presidente. 

Hoje, a taxa de câmbio serve como uma âncora, como serviu no começo do Plano Real: puxa para baixo os preços dos bens importados e força o produtor nacional a abaixar o seu preço. Mas isso gera o que estamos vendo: um déficit na balança comercial. Esse déficit na balança comercial, mais dia, menos dia, vai provocar uma crise de divisas neste País e, quando essa crise vier, vai haver a necessidade de uma desvalorização cambial espontânea, pelo mercado. E aí a gente vai ver fenômeno como o que vimos em janeiro de 1999. Por isso, é preciso que a taxa de câmbio seja administrada com mais cuidado. Ela não pode subir muito, porque gerará inflação, mas também não pode continuar tão baixa, porque gerará uma profunda crise nas reservas, o que terminará provocando desequilíbrio profundo.

É preciso, portanto, que a taxa de câmbio seja objeto de um processo de pacto para que se chegue a uma taxa de câmbio que não insufle a inflação nem adie o estouro da inflação, que é o que acontece. Se você provoca uma desvalorização, você insufla a inflação, mas se você deixa a taxa de câmbio como ela está, cria as condições para que, em alguns anos, ela sofra explosão pela crise cambial que a gente vai viver.

Outro ponto que a gente precisa colocar no pacto é a eleição. A eleição é um vetor que agrava a inflação, porque, num momento de inflação, faz com que aumentem muito os gastos, faz com que aumentem muito as contratações de pessoas - e essas contratações aumentam a demanda, e essa demanda gera uma pressão sobre os preços - e, além disso, assusta os governantes quando se trata de tomar medidas impopulares.

Não há como controlar a inflação com medidas populares: temos que ter um pacto, de tal maneira que é preciso que nós, que disputamos eleição, assumamos que, se as medidas a serem tomadas serão fruto de um pacto de todas as forças, ninguém vai poder usá-las politicamente.

Finalmente, Sr. Presidente, o último ponto, o que eu considero o mais grave: os gastos públicos. Nós temos, sim, como parte do processo inflacionário, o aumento dos gastos no País.

Ontem eu votei aqui algo que aumenta os gastos: o piso salarial aumenta os gastos, assim como a contratação de 31 mil professores e funcionários aumenta os gastos. Eu votei a favor dessas medidas. Por isso, a gente tem que descobrir de onde tirar esse dinheiro. A gente tem que descobrir como fazer esses gastos acontecerem sem que o conjunto dos gastos brasileiros aumente. Isso, porque o aumento de gastos públicos é a principal causa do processo inflacionário. E aí entra mais uma vez a idéia do pacto: onde é que vamos cortar os gastos públicos?

Precisamos cortar os gastos públicos para, entre outras coisas, aumentá-los em determinados casos, como para aumentar a Bolsa-Família, que é uma necessidade - claro, porque essas pessoas precisam comer -, como o aumento do salário mínimo, que a gente vai precisar fazer, porque ele contempla uma população que precisa comer. Onde é que a gente pode cortar?

E aí temos que trabalhar nos três níveis: no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e no Poder Executivo. Como é que esses três níveis de governo vão poder colaborar na redução dos gastos?

Sr. Presidente, vim aqui para comemorar o piso salarial dos professores e, ao mesmo tempo, para falar sobre como evitar essa inimiga ferrenha do piso salarial que é a inflação, que comerá, em poucos meses, tudo aquilo que for dado de aumento.

Trouxe uma proposta, uma proposta ampla e genérica, para ser debatida, discutida em seus detalhes: a idéia de um pacto nacional pela estabilidade monetária que faça com que ninguém aja como se fosse de um partido ou como se fosse candidato, mas como se fossem patriotas em busca de manter o poder de compra da nossa moeda.

Deixo isso aqui, Sr. Presidente, na tentativa de provocar esta Casa, para que alguns subam aqui e digam que tudo isso está errado, que o caminho é outro, que basta aumentar a taxa de juros ou, como já ouvi dizerem alguns, que basta baixar a taxa de juros. Mas eu insisto: não há nenhuma saída simples do ponto de vista da economia; a saída virá de uma reflexão profunda e do ponto de encontro dos agentes políticos, desde que tenham o objetivo claro de manter a estabilidade monetária como compromisso da nação brasileira. Esse é o debate que gostaria de propor. E para fazer isso, é preciso que aqui apareçam pré-candidatos à Presidência para dizerem o que fariam e o que farão se, um dia, estiverem no Poder Executivo da República brasileira.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Agradeço o tempo que me foi concedido.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/2008 - Página 25512