Discurso durante a 126ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre os resultados da chamada "Lei Seca". Defesa da federalização da educação no Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. EDUCAÇÃO.:
  • Comentários sobre os resultados da chamada "Lei Seca". Defesa da federalização da educação no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2008 - Página 25876
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ELOGIO, LEGISLAÇÃO, TRANSITO, PROIBIÇÃO, MOTORISTA, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, IMPORTANCIA, MOBILIZAÇÃO, COMBATE, EXCESSO, REDUÇÃO, ACIDENTE DE TRANSITO.
  • CRITICA, TENTATIVA, ENTRADA, AÇÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INVALIDAÇÃO, LEGISLAÇÃO, TRANSITO, PROIBIÇÃO, MOTORISTA, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, ALEGAÇÕES, DESRESPEITO, LIBERDADE, CIDADÃO, CRIAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO.
  • ELOGIO, AUMENTO, ARTIGO DE IMPRENSA, ESPECIFICAÇÃO, JORNAL, DEFESA, IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • DEFESA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, MELHORIA, ENSINO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, MELHORAMENTO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, SALARIO, PROFESSOR, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO, GESTÃO.
  • ELOGIO, GOVERNO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, MANUTENÇÃO, LEGISLAÇÃO, TRANSITO, PROIBIÇÃO, MOTORISTA, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há duas coisas, a meu ver, Senador Alvaro Dias, extremamente positivas acontecendo no Brasil de hoje. Uma, no mundo concreto da realidade. Outra, no mundo apenas das idéias, que ainda não virou realidade. No mundo da realidade, creio que é isso que está todos os dias na televisão chamado de Lei Seca, que, na verdade, não deveria se chamar Lei Seca, deveria se chamar “Lei cheia de vida”.

            Estamos vendo como um país inteiro é capaz de se mobilizar, graças ao Governo, graças ao Estado, graças a uma lei, para fazer com que o País pare de ter pessoas dirigindo sob o efeito do álcool. Os efeitos disso já estão sendo mostrados nas primeiras semanas, e, em uma semana de lei, já se tem uma redução grave, concreta e grande dos acidentes na cidade, em cada cidade deste País. Já se tem, de imediato, a redução do número de vítimas no trânsito e se tem, sobretudo, o fim de vítimas por causa da perda da capacidade de direção que tem uma pessoa sob o efeito do álcool.

            Raramente um país se une, de uma maneira tão concreta, especialmente um país como o Brasil, como essa unidade que surgiu, de norte a sul, na luta pela direção responsável dos veículos. Mesmo assim, existem críticas e protestos, como agora a tentativa de entrar no Supremo Tribunal Federal para impedir que essa lei continue, com argumentos que, de fato - eu não vou dizer que faz pena - levam a uma reflexão sobre a que ponto chegamos. Por exemplo, a idéia de que é preciso dar liberdade às pessoas de poderem se embriagar. Claro que essa liberdade as pessoas têm de ter, mas não a liberdade de dirigir depois de fazer isso. Porque, ao dirigir um automóvel depois de beber, está ferindo a liberdade dos outros de poderem andar nas ruas, dirigirem seus carros sem o risco de acidentes.

            Então, dizer que essa lei fere a liberdade é, realmente, não saber o que quer dizer liberdade em toda a sua plenitude.

            O outro aspecto é dizer que tira emprego. Aí, o que tem de se fazer é exigir um programa de emprego para aqueles que vão ficar desempregados, mas não querer manter empregos que só existiriam se as pessoas pudessem beber, dirigir e matar no trânsito. É a mesma luta para que haja mais emprego na indústria de armas. É a mesma coisa que, aqui no Distrito Federal, eu vi - mas a enfrentamos de uma maneira muito melhor - quando uma campanha forte chamada “Paz no Trânsito” conseguiu-se reduzir de tal forma os acidentes que oficineiros que trabalhavam em lanternagem perderam o emprego. Mas eles não vieram a mim pedir, quando eu era Governador, que parasse a campanha “Paz no Trânsito”, que eliminasse os pardais, que deixasse continuar o caos no trânsito. Eles vieram a mim pedir uma linha de crédito no banco para que pudessem mudar de ramo, para que, em vez de trabalharem na lanternagem, consertando carros que se chocavam, eles pudessem trabalhar, por exemplo - eu me lembro bem -, na construção, montagem de carros de mão e de outras peças de metal.

            Temos como gerar emprego para aqueles que vão ficar sem emprego, se é o caso, pela redução do número de alcoolizados dirigindo. Além disso, vai aumentar o número de empregos para os motoristas de táxi, para os motoristas das vans, como a gente tem visto; vai aumentar, sim, o número de empregos que surgirá da impossibilidade de o próprio proprietário do carro dirigir.

            Essa é primeira boa coisa concreta que está acontecendo no Brasil de hoje.

            A segunda ainda está apenas nas idéias. Falo dessa tomada de consciência da imprensa brasileira sobre a importância da educação. De repente, nos últimos anos, temos visto que um assunto completamente relegado neste País tomou corpo e ganhou as páginas dos jornais. Falo do assunto “educação”. Se olharmos, verificaremos que, nas últimas três, quatro semanas, raros dias em que a educação não esteve nas primeiras páginas dos jornais. Por causa de um ou outro assunto, por causa de uma ou outra razão, a gente tem visto que a educação virou uma mania nacional. Às vezes, tenho a impressão de que a imprensa está caindo em um discurso de uma nota só, de tanto que fala hoje em educação. E por que isso? Estamos percebendo que, da mesma maneira que a direção de automóveis sob o efeito do álcool gera mortes, a direção de um país sem mão-de-obra preparada gera o suicídio nacional.

            Começa-se a perceber que a falta de educação é o melhor caminho - ou o pior caminho, se quiser dizer - para que um país se desfaça na globalização do mundo de hoje, na modernidade do mundo de hoje, que não gera emprego a não ser para aqueles que têm qualificação. De repente, estamos descobrindo isso. E isso só pode trazer uma certa satisfação.

            Se pegamos um único jornal de hoje, o Correio Braziliense, aqui da minha cidade, podemos ver que já no editorial há uma matéria com um título imenso chamado “A Falta de Educação”, mostrando como a falta de educação que o Brasil tem hoje traz uma ameaça para a população brasileira e para a Nação brasileira. Não está escrito, mas a sensação que fica ao ler esse editorial é de que, se algum inimigo do Brasil quisesse invadir este País, a melhor maneira não era mandar tropas estrangeiras; era deixar de ter professores trabalhando como devem no País. Se o Brasil tivesse uma nação inimiga nossa, a melhor estratégia de guerra era fazer o que nós, brasileiros, fizemos nesses últimos 50 anos: deixar a educação de base de lado. Isso se começa a descobrir.

            No mesmo jornal, uma coluna extremamente lúcida do jornalista Raul Pilati, com o título de “Mais um Bonde”, mostra como o Brasil pode perder mais um bonde na história. O Brasil que perdeu, quatro ou cinco séculos atrás, o bonde do açúcar, que depois perdeu o do ouro, que depois perdeu do café, que perdeu o da borracha, pode vir a perder, mesmo que tenha o etanol, mesmo que tenha essas novas reservas de petróleo, o bonde do pré-sal. Por quê? Porque nada disso é duradouro, nada disso se mantém, nada disso traz a riqueza plena e nada disso distribui a riqueza. Só uma revolução na educação será capaz de provocar, produzir, trazer o salto de que o Brasil precisa.

            Duas coisas positivas: a “Lei cheia de vida”, que por aí chamam de Lei Seca e a notícia “Falta de Educação”, que é o despertar para termos educação no Brasil. Duas coisas positivas, que nós temos de administrar bem. A primeira, continuando firmemente na idéia da luta para que não seja tolerado motorista sob efeito de álcool. Zero álcool. Tolerância zero, como se diz, para quem quiser dirigir com álcool. Não para proibir quem quiser beber. Deixemos a liberdade. Mas vamos garantir a liberdade aos que quiserem dirigir sem medo dos alcoolizados. E aí só tem um jeito: proibindo os alcoolizados de dirigir. E proibi-los até em benefício deles e de suas famílias, mas também em benefício das famílias dos outros que não beberam.

            Continuar essa luta é fundamental para resolver um problema imediato que envergonha o Brasil, que é a quantidade de mortos - 40 a 50 mil por ano - devido a acidentes de trânsito. Sem contar os milhares e milhares que são vítimas do trânsito: não morrem, mas ficam paraplégicos, ficam vítimas de dificuldades ao longo da vida.

            A outra boa notícia, em nível teórico, de tomada de consciência, é que a gente precisa agora é dar um salto adiante e saber com clareza o que fazer e criar as bases necessárias para fazer. A gente sabe o que fazer. A gente sabe o que é preciso fazer neste País para que o filho do mais pobre tenha uma escola tão boa quanto o filho do mais rico, dos 4 aos 18 anos de idade; para que, no final, aos 18 anos de idade, saia com um grau de conhecimento capaz de disputar em condições de igualdade uma entrada na universidade, inclusive sem necessidade de cotas. A gente sabe o que fazer. Sabe-se que precisamos de professores bem remunerados, ganhando muito bem, mas bem dedicados e bem preparados. Sabe-se que precisamos de escolas bonitas e bem equipadas. Sabe-se que precisamos de horário integral. Agora vem a pergunta: como vamos fazer isso? Sabemos. Só tem uma maneira de fazer isso. É a chamada federalização da educação de base.

            A gente não pode deixar que algo tão importante quanto a educação seja de responsabilidade dos pobres Municípios, ou até de ricos Municípios, quando o prefeito quiser. Tem de ser um programa nacional. Imaginem se a tal da Lei Seca ou “Lei cheia de vida” fosse municipal apenas? Imaginem se cada Município dissesse: “Aqui teremos os bafômetros e ninguém vai dirigir, mas, se chegar na auto-estrada, pode dirigir bêbado”. Ninguém aceitaria isso! Uma lei federal, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, como todas as grandes leis deste País, são federais. Imaginem se os aeroportos fossem de responsabilidade apenas das Prefeituras? 

            Imaginem se cada Estado tivesse o seu banco central, com sua moeda própria! Todos sabem que foi a federalização que fez do Brasil um País que cresce. Por isso, só com a federalização é que se pode fazer um país onde se educa.

            Agora, eu não tenho ilusão: essa federalização, em primeiro lugar, não pode ser feita centralizando a gerência, porque gerência centralizada é gerência ineficiente e burocratizada. Deixemos a liberdade gerencial para os prefeitos, deixemos até que os próprios pais gerenciem suas escolas junto com os professores. A gerência é descentralizada.

            Federalizar não é impor um padrão pedagógico a todas as escolas do Brasil. Demos total liberdade ao método pedagógico. Contudo, definamos com clareza que o professor deste País, como acabamos de definir - e o Presidente Lula deverá sancioná-lo na próxima semana, como prometeu -, terá um piso salarial. Mas que ele tenha não apenas um piso, mas uma carreira federal, um plano de cargos e salários federal que eleve os salários e não mantenha esse piso apenas nos R$950,00.

            E não é só isso. Que as escolas sejam definidas, na sua qualidade de obra civil, na sua qualidade de equipamentos, conforme o melhor que existir no mundo. Isso é possível! Mas isso não se faz de um dia para o outro; isso não se faz aos pouquinhos na totalidade do imenso território do Brasil.

            A idéia que precisamos começar a defender - e nesse ponto apelo à mídia - é de não ficarmos apenas nas denúncias sobre o quadro negativo da educação, o que já foi um grande passo, pois precisamos começar a trazer propostas concretas sobre como resolver isso.

            A proposta que faço - e deve haver outras - é que a gente federalize por cidades, que a Nação brasileira adote cidades inteiras e que, ao adotar cidades inteiras, nessas cidades, transforme-se radicalmente o estado da educação de base. Que possamos, nessas cidades adotadas pelo Governo Federal, ter salários elevados, com professores responsáveis e bem dedicados, em prédios bonitos e bem equipados, criando uma população que vai ler, porque ali se colocariam bibliotecas, teatros, cinemas. Far-se-ia a educação completa nessas cidades.

            Alguns podem perguntar por que em algumas e não em outras. Porque não é possível fazer em todas ao mesmo tempo. Nem professores nós temos em quantidade suficiente para fazer essa revolução. Nem computadores nós temos em quantidade suficiente. Nada se faz de uma maneira só no País inteiro.

            Itaipu foi feita no seu Estado, Senador Alvaro Dias. Não se podia fazer uma Itaipu em cada lugar, não só porque não havia as características hídricas, as características do potencial energético, mas também porque não haveria recursos para fazer em todos os lugares.

            Não dá para fazer em todo o Brasil de uma vez. Nem dá para fazer em todo o Brasil aos pouquinhos, como se a gente melhorasse um pouquinho em cada cidade, em cada uma das 180 mil escolas. Mas a gente pode escolher um conjunto de cidades, espalhadas, não em um só Estado, de qualificações diferentes, não cidades com as mesmas características. E aí, em quatro anos, mil cidades teriam todas as suas escolas com a mesma qualidade que a gente deseja para todas as escolas do Brasil daqui a vinte anos. Em mais 4 anos, mais 1,5 mil cidades; em mais 4 anos, já poderíamos fazer em 2 mil cidades e, por fim, em mais 4 anos, a gente teria concluído todo o Brasil com toda a educação no nível que a gente quer para daqui a 20 anos.

            Essa é a proposta que venho debatendo, em que venho insistindo e em que vou continuar insistindo. Essa é a proposta que o chamado Movimento Educacionista brasileiro está tentando levar. Esta é a proposta que nós chamamos de educacionismo, no lugar de qualquer outro “ismo” que exista por aí: a idéia de que a escola do mais pobre pode ser tão boa quanto a escola do mais rico; que a escola dos eleitos, como nós aqui dentro, seja a mesma dos nossos eleitores. E a única maneira de fazer isso é pela federalização. E a única maneira prática, técnica de fazer a federalização é por conjuntos de cidades ao longo dos anos. Isso pode ainda não estar perto de ser feito, pode haver ainda uma descrença profunda, mas, pelo menos, há uma diferença fundamental em relação a três ou quatro anos atrás: o desafio chegou à mídia, o assunto chegou à imprensa. Hoje, a educação está nas primeiras páginas dos jornais como uma preocupação. E quando as coisas chegam como uma preocupação, as soluções vêm. Foi assim com a “lei seca”, com a lei cheia de vida. Primeiro a preocupação, a preocupação com o quadro de mortalidade que a gente tinha no trânsito brasileiro, a preocupação e a vergonha que a gente tinha de ser um país onde o trânsito fazia, todos os anos, quase tantas vítimas quanto fez a Guerra do Vietnã em todo o seu período. A vergonha e a preocupação juntas levaram para os jornais, estamparam nos jornais a necessidade de o Brasil fazer alguma coisa.

            E o Brasil fez, graças ao Governo Federal, graças ao movimento dos Estados e Municípios. Hoje, a gente pode ter certeza de que, mantida essa lei por mais alguns anos, o Brasil será outro no trânsito.

            Se decidirmos fazer isso na educação, o Brasil será outro não só no trânsito, mas na sua totalidade. Se resolvermos, de fato, ter escolas iguais para pobres e ricos, em horário integral, em prédios bonitos, bem equipados, com professores bem remunerados, bem treinados e bem dedicados, se levarmos isso com responsabilidade, através da federalização da educação de base, não vai demorar para o Brasil ser outro e que até mesmo o trânsito passe a ser bem comportado, sem necessidade de “leis secas”. Tão educado será o País que é até capaz de a gente conseguir que uma pessoa que bebe, deliberadamente, sem necessidade de bafômetro ou de polícia, saiba, no seu íntimo, pela sua educação, pela sua responsabilidade, que não deve sair dirigindo automóveis por aí.

            Fico feliz de ver no Brasil, Sr. Presidente, esses dois belos movimentos positivos: um, concreto, real, é essa “lei seca”, essa lei cheia de vida; o outro, imaginário, na consciência, é esse movimento que a gente sente na imprensa brasileira, descobrindo a educação como o problema que o País tem para se construir como nós desejamos que ele seja no futuro.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2008 - Página 25876