Discurso durante a 141ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Relevância da lei que instituiu o piso salarial para professores.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL. POLITICA SALARIAL. EDUCAÇÃO. JUDICIARIO. DIREITOS HUMANOS.:
  • Relevância da lei que instituiu o piso salarial para professores.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2008 - Página 29840
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL. POLITICA SALARIAL. EDUCAÇÃO. JUDICIARIO. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DECISÃO, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, INSTRUMENTO, PRISÃO, FALTA, RESISTENCIA, PRESO, PROTESTO, CRITICA, DEMORA, DELIBERAÇÃO, ASSUNTO, QUESTIONAMENTO, MOTIVO, CAPTURA, CIDADÃO, RIQUEZAS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), APROVAÇÃO, SUPERIORIDADE, VALOR, PISO SALARIAL, PROFESSOR, COMPARAÇÃO, INFERIORIDADE, SALARIO BASE, REPUDIO, ORADOR, ACEITAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, ILICITUDE, DIFERENÇA SALARIAL.
  • CRITICA, SITUAÇÃO, OPOSIÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), PISO SALARIAL, PROFESSOR, EDUCAÇÃO BASICA, REDUÇÃO, TEMPO, AULA, ESCLARECIMENTOS, VIABILIDADE, CUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, COMPARAÇÃO, PERIODO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA.
  • ELOGIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), CUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, PISO SALARIAL, TEMPO, AULA, PROFESSOR, PAGAMENTO, SALARIO ADICIONAL, SERVIDOR, INCENTIVO, EMPENHO, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, DEFESA, NECESSIDADE, ESTADOS, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, RECEBIMENTO, AUXILIO, FUNDO NACIONAL, EDUCAÇÃO BASICA.
  • ANALISE, GESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APOIO, POPULAÇÃO CARENTE, FALTA, EMANCIPAÇÃO POLITICA, BRASIL, ESCLARECIMENTOS, NECESSIDADE, MELHORIA, EDUCAÇÃO, VALORIZAÇÃO, PROFESSOR, VIABILIDADE, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, DEFESA, IMPORTANCIA, INICIO, DEBATE, PLANEJAMENTO, PROXIMIDADE, GOVERNO.
  • DEFESA, ELABORAÇÃO, PLANO DE CARREIRA, PROFESSOR, AMBITO NACIONAL, SIMILARIDADE, SERVIDOR, COLEGIO PEDRO II, PROGRESSÃO, IMPLANTAÇÃO, MUNICIPIOS, REALIZAÇÃO, CONCURSO PUBLICO, CRIAÇÃO, PLANO, SETOR.
  • COMENTARIO, DEBATE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), DEFESA, PROPOSTA, LEI FEDERAL, RESPONSABILIDADE, EDUCAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, DIFICULDADE, FISCALIZAÇÃO, PUNIÇÃO, GOVERNANTE, FALTA, CUMPRIMENTO, SUGESTÃO, ORADOR, SANÇÃO, PERIODO, INELEGIBILIDADE.
  • SUGESTÃO, PRESIDENTE, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NOS ESTABELECIMENTOS DE EDUCAÇÃO E CULTURA (CNTEEC), REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, AMBITO NACIONAL, DEFESA, PISO SALARIAL, PROFESSOR, EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONSTITUCIONALIDADE, LEI FEDERAL.
  • OPOSIÇÃO, PROPOSTA, PUNIÇÃO, MILITAR, PARTICIPAÇÃO, TORTURA, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, ALEGAÇÕES, DESCUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, ANISTIA, DEFESA, ESCLARECIMENTOS, OCORRENCIA, CRIME.
  • CRITICA, JUDICIARIO, BRASIL, FAVORECIMENTO, CIDADÃO, RIQUEZAS, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, MELHORIA, DEFENSORIA PUBLICA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paim; Senador Mozarildo; Srªs Senadoras e Srs. Senadores, vim falar aqui de algemas, mas num sentido bem diferente do tradicional, embora também seja sobre isso. Ontem, o Supremo Tribunal Federal decidiu, Senador Mozarildo, que, a partir de agora, os presos não usarão algemas, salvo se forem ameaçadores. Quero parabenizar os membro daquele Tribunal, mas quero dizer que eles não têm como explicar terem demorado tanto tempo para decidir isso. Por que agora se descobriu que algemas afetam a honra de um suspeito? Será que esses juízes do Supremo não assistem à televisão, em que, todas as noites, vemos jovens pobres, negros sendo presos algemados?

Durante 400 anos, Senador Paim, ninguém via o pelourinho onde os escravos eram açoitados, porque era uma coisa normal. Desde que veio a República, com a Abolição, não há mais pelourinho, mas há algemas. E isso foi aceito ao longo de toda a história. De repente, descobre-se que as algemas existem e deixam de ser invisíveis, porque, nos braços de pobres sem camisas -, porque quase sempre os presos aparecem sem camisa e de bermudas -, elas eram invisíveis. Parece que os punhos rendados que são usados pela parcela rica da população fazem com que as algemas apareçam.

Acho que é uma decisão correta proibir algemas. Quero aqui é protestar pela demora em fazer isso e também pela discriminação, porque a provocação de acabar com o uso de algemas veio por conta de pessoas ricas usando algemas, quase todas brancas e bem vestidas.

Mas quero falar sobre isso, trazendo a idéia da discriminação e trazendo outra discriminação. Talvez, uma das maiores vitórias deste Congresso nos últimos muitos anos tenha sido a Lei do Piso Salarial. E agora está havendo uma reação contrária. Mas por que chamo isso de discriminação? Hoje, a primeira página do jornal Correio Braziliense mostra os salários que vão ser aprovados de R$17 mil, de R$18 mil, de R$19 mil por mês. Há um que é de R$19.419,00, ou seja, praticamente dez vezes o piso salarial do professor. E não vai haver reclamação, vai haver aplausos, provavelmente. Vai-se dizer, primeiro, que o Brasil precisa desses profissionais. E não precisa de professores? Esses profissionais que vão ganhar R$18 mil, R$19 mil ou R$20 mil só são profissionais porque algum professor, no passado, ensinou-os as letras e as quatro operações. Eles são produto da educação. E a gente considera um absurdo o aumento de salário para os professores.

Há, hoje, em marcha, uma campanha contra a Lei do Piso Salarial. Da mesma maneira, repito, houve, sim, grandes manifestações de pessoas, não de muita gente, mas de importantes fazendeiros, contra a Lei da Abolição. Há gente que acha que a Lei da Abolição foi tranqüila, mas não foi. Houve debates contrários nesta Casa, com os mesmos argumentos que hoje são utilizados contra o piso salarial: iria causar impacto nas contas, desarticularia a agricultura, não daria para fazê-la naquele momento, somente dali a dez, quinze, vinte anos. Fez-se a Lei da Abolição por uma força do Congresso, do Parlamento de então, e aí surgiram os movimentos contrários. Tentaram fazer com que a lei fosse desfeita, e outros, mais inteligentes, não tentaram desfazê-la, mas tentaram uma nova lei que obrigava o Governo a indenizar os donos de escravos. E essa lei quase passou.

Rui Barbosa, que ali está, é muito criticado por que, naquela época, como Ministro que era, mandou queimar os arquivos com os dados sobre a escravidão. Os historiadores não gostaram, mas ele o fez por que, como ele disse, se deixasse os arquivos lá, teriam de enfrentar os pedidos de indenização dos fazendeiros. Assim, ninguém sabia mais de quem tinham sido os escravos. O Brasil perdeu sob o ponto de vista histórico, mas, talvez, tenha sido uma tática correta para garantir a aprovação daquela lei.

E quais são os argumentos que usam hoje? Alguns manipulam os números, dizendo que vai custar um dinheiro impossível de ser pago. Manipulam, por exemplo, dizendo que, em vez de dar 40 horas de aula por semana, o professor só dará seis horas de aula por dia. Mas a lei que diz que o professor tem 33% da sua carga horária de trabalho fora da sala de aula - das oito horas de aula, ele tem direito a quase quatro, não chega a quatro, sem dar aula - não vai aumentar a quantidade de professores para substituir esse 1/3 que se estará preparando, porque hoje já está em 25% a obrigação de não dar aula do professor. Ele tem oito horas de trabalho por dia e é obrigado hoje a dar um mínimo, mas ele já tem 25% liberados. Agora é que vai aumentar de 25% para 33% o tempo livre para que ele prepare a aula. Então, manipulam, dando a impressão de que vão precisar contratar mais professores.

Mas vamos supor que as contas estejam certas, vamos supor que seja preciso esse dinheiro adicional. Gente, é preciso, primeiro, parar a mentira. Professor que dá oito horas de aula por dia não está dando aula, Senador Mozarildo, está fazendo maratona. Não educa um professor que dá oito horas de aula por dia. Se, no primeiro dia, na segunda-feira, ele ainda consegue, de alguma maneira, resistir, no final da semana ele está absolutamente esgotado. E quem perde não é ele apenas, nem sua família; é o aluno que perde. A maior parte dos nossos alunos, a partir da quarta-feira, na quinta-feira certamente, é apenas assistente de uma maratona física do professor tentando resistir ao seu cansaço. O aluno não está assistindo à aula, ele está ali, diante de um professor, coitado, desfazendo-se no excesso de trabalho. Alguém acredita que um professor que dá oito horas de aula num dia vai dar trabalho para o aluno fazer em casa? E acredita que, se ele der o trabalho, quando o menino o trouxer, ele vai levá-lo para casa, depois de oito horas de aula, para corrigir os deveres de casa? Não vai. E o tempo de preparar a aula? E o tempo de reciclar seu conhecimento? Porque, hoje, o professor que não estuda todo dia não é um bom professor, porque as coisas mudam tão depressa, que o que ele está ensinando, provavelmente, já está superado.

Por que essa campanha contra o piso salarial? Aí se diz: porque financeiramente é impossível. É claro que não é impossível para a Nação brasileira, pode ser para alguns Estados. Muito bem, que esses Estados reivindiquem ao Governo Federal as condições para que isso seja possível, mas o valor total é insignificante diante da renda nacional, é insignificante diante de um País que arrecada 40% da renda nacional para o Tesouro.

Dizem que, nas contas maiores que estão sendo feitas, isso vai custar R$10 bilhões. Vamos supor que estejam certos os R$10 bilhões. O que são R$10 bilhões em uma receita de R$800 bilhões, que é a receita do setor público? Ou, ainda melhor, o que são R$10 bilhões em um País cuja renda nacional é de R$2,5 trilhões? Não é nada, mas se insiste em dizer que isso vai quebrar as contas. E mais: argumenta-se que aumentar salários para R$19 mil não é problema, porque são poucos que ganham isso, mas que aumentar o salário do professor é difícil, porque são 2,6 milhões no Brasil. Primeiro, o aumento não vai chegar aos 2,6 milhões de professores, porque uma parte já recebe acima do piso; segundo, se, de fato, do ponto de vista da aritmética, é fácil pagar muito alto a poucos, moralmente isso é inadmissível. Uma cidade só tem um prefeito; então, é possível, perfeitamente, dobrar, triplicar, multiplicar por quatro o salário do prefeito, pois isso não pesa nas contas. Mas é imoral aumentar salário de prefeito, de vereador, de senador, de deputado sem aumentar salário de professor. E a gente está tão acostumado com a imoralidade que olha apenas a aritmética e faz as contas: um só dá para pagar, e, então, a gente joga lá para cima o salário; muitos não dá para pagar, e aí se joga lá para baixo o salário.

Quero dizer que, hoje, a luta mais importante neste País é manter a Lei do Piso Salarial. Não vejo outra luta hoje tão importante quanto essa, como foi, em 1888, lutar para que, de fato, a Lei da Abolição, a Lei Áurea, se mantivesse.

Além disso, está na hora de a gente discutir o pós-Lula. Mais ainda, está na hora de discutir o pós-transição, porque o Presidente Lula é parte da transição. Muitos de nós, que esperávamos que Lula fosse o primeiro Presidente do tempo seguinte à transição da ditadura para a democracia, frustramo-nos, porque o Presidente Lula continuou como Presidente dentro da transição. Não tenho a menor dúvida de que foi um bom Presidente, mas dentro da transição. Não foi o Mandela que a gente esperava. Está na hora de pensar o pós.

Houve a ditadura, e seguiu-se um acordo para que ela fosse eliminada. Por isso, inclusive, aproveito para dizer que sou contra essa idéia de querer punir agora os militares. Sou contra essa idéia. Sou a favor de dizer a verdade. Sou contra esconder a verdade e dizer que um torturador não foi torturador. Mas houve uma anistia que tocou a eles, os torturadores, e aos torturados. Essa anistia tem de ser mantida, até porque não houve uma revolução, no Brasil, em que os torturados tenham tido tanto poder, que acabaram com a força dos militares. Não, a democracia, no Brasil, foi fruto de um acordo em que os militares aceitaram sair. Eles tinham condições de ficar aqui por mais uns cinco a dez anos. Não se deve romper esse acordo, mas se deve saber a verdade. Por isso, defendo apurar a verdade inteira, mas não punir mais ninguém por aquilo que aconteceu.

Mas o pós-Lula será o momento seguinte a essa transição da ditadura para a democracia, que começou com os Presidentes Collor e Itamar. Aliás, começou com o Presidente Sarney, que vinha do momento anterior. A transição foi tão bem feita, que o primeiro Presidente fazia parte do que antes estava no poder. Depois, veio o Presidente Collor, que não era nada à esquerda; depois, veio o Itamar; depois, veio o Fernando Henrique; depois, veio o Lula. É um processo de ida a posições mais progressistas. Mas todos os governos deles foram conservadores. No caso do Presidente Lula, acho que é um governo conservador, mas generoso com os pobres, o que não deixa de ser um avanço, mas não é emancipação. A emancipação tem de começar a partir do Governo Lula. O pós-Lula tem de ser um salto além da transição. E o caminho é a educação. Isso não se dará com uma mudança radical da política econômica, porque, hoje, há regras que não podem ser mudadas pelo governo que quiser fazer isso. Essas regras estão aí para ficar, são internacionais. Não são regras nem escritas mais. É uma realidade chamada globalização, que impede que o espírito revolucionário chegue à economia.

Desculpem-me! Sei que muitos vão ficar contra, mas a economia hoje é conservadora, como a lei da gravidade é conservadora. Não há uma margem grande de manobra para mudar a política econômica pelos próximos muitos anos. Onde está a chance de mudar, de emancipar, de dar um salto? Na educação. Essa é a grande chance. E onde começa isso? Começa no salário do professor, salário vinculado à dedicação, salário vinculado à formação, salário vinculado a resultados. Mas começa no salário do professor.

A Lei do Piso Salarial, assinada pelo Presidente Lula, mais que isso, embora tenha tido origem no Congresso, não teria sido aprovada se não houvesse sinais de aprovação da parte do Ministro Fernando Haddad e do Presidente Lula. Acho que é a lei pós-Lula que o Lula ainda assinou.

Ainda é muito baixo esse salário, e a lei é restrita, porque o que a gente tem de fazer, Presidente Paim, é uma carreira nacional do professor, não apenas um piso nacional de salário. A carreira tem de ser federal. Tomemos a carreira, hoje, dos professores, por exemplo, do Colégio Pedro II e a levemos para o Brasil inteiro. Mas não sou ingênuo nem tenho nada de demagogo: para que isso chegue ao Brasil inteiro, a gente vai precisar de uns 15 anos a 20 anos. Mas isso pode começar já em algumas cidades, pode começar já em 100, 200, 300 cidades. A cada ano, 250, 300 cidades a mais podem ser incorporadas em um sistema em que o piso, o teto e toda a carreira do professor sejam definidos nacionalmente; em que a seleção do professor seja feita por concurso federal, não municipal; em que o professor vá trabalhar onde for preciso, como os funcionários do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, da Receita Federal, da Infraero, dos organismos federais. E quem chegar lá, com um salário muito bom, mas muito bom mesmo, receberá os recursos, os equipamentos, as edificações compatíveis com a educação do século XXI. Podemos fazer isso em cidades e cidades, até que, dentro de 15 anos, de 20 anos, no Brasil inteiro, haja essa realidade de uma educação federal, não da educação municipal.

Desse problema todo que está surgindo com o piso, Senador Mozarildo, a coisa boa que vejo é que os Estados estão reconhecendo que é preciso federalizar, porque eles não têm dinheiro. É bom lembrar que dois Estados estão liderando a resistência: um é São Paulo; o outro, o Rio Grande do Sul. Não são Estados pobres, são Estados ricos. Pernambuco não apenas já está pagando o piso, como dá um 14º salário ao professor que conseguir fazer com que sua escola eleve a qualidade da educação. De acordo com o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o professor recebe mais um salário no final do ano. Por que Pernambuco consegue fazer isso e os outros não conseguem? Diz-se que é por que Pernambuco recebe dinheiro do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Vamos dar o Fundeb, então, para todos os Estados! Que São Paulo diga que o compromisso de seu dinheiro é com outras coisas e não com educação e que por isso não têm R$1,4 bilhão que eles dizem que necessitam para cumprir a lei! Respondo que, primeiro, não deve ser tanto e que, segundo, se for R$1,4 bilhão, é 1,4% da receita do Estado de São Paulo. Não dá para pegar 1,4% ali, em alguns lugares? Isso vai para o salário do professor, e vamos exigir que o professor dê aula mesmo. Quando digo que se reduza a carga de trabalho em sala de aula, aí a gente tem direito de exigir que sejam aulas de verdade, que não sejam falsas aulas, que não sejam aulas apenas de impressão.

Esquecem-se também esses que falam em custos de que, hoje, dois são os grandes custos da educação: a repetência e a licença por doença dos professores. É um número altíssimo, Senador Paim. Na hora em que for reduzida a carga de sala de aula, diminuirá o número de professores que precisam de licença, bem como diminuirá a repetência.

Não estão analisando de forma certa, por causa dessa discriminação e por causa da falta de vontade de começarmos o pós-Lula antes que termine o Governo dele. O piso salarial é um primeiro momento em direção ao pós-Lula, ainda no Governo Lula.

Sr. Presidente, o Senador Mozarildo pediu-me, já há algum tempo, um aparte, que tenho o prazer de conceder-lhe.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam, todos nós e os que assistem à TV Senado e ouvem a Rádio Senado tivemos, hoje, algumas aulas importantes, e a de V. Exª, com certeza, é uma das mais importantes. V. Exª, no intróito do pronunciamento, falou sobre algemas e falou sobre a questão da discriminação. Temos de responsabilizar quem faz essa discriminação: é o Estado brasileiro.

Porque uma das grandes conquistas da nossa Constituição de 88 foi a criação da Defensoria Pública, e o Estado brasileiro, até hoje, não implantou as Defensorias Públicas, nem as estaduais, nem as federais - as federais menos ainda do que as estaduais.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É verdade.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Quem defende o pobre? Quem, por exemplo, deveria argumentar junto ao Judiciário em favor dos pobres senão o advogado dos pobres, que é o defensor público? Mas o Governo Federal não tem interesse nisso, como, de resto, não tem interesse na educação, que V. Exª tão bem defende neste Senado. Olhe, os Estados estão argumentando sobre a inconstitucionalidade da questão dos recursos. Em parte, há alguma legitimidade. Veja a questão, por exemplo, do FPE e do FPM: do dinheiro que a União, quer dizer, o Governo Federal arrecada nos Estados, devolve-se um percentual pequeno para os Estados para formar o FPE e o FPM. Eu propus, aqui, uma emenda constitucional, que foi aprovada no Senado e está na Câmara dormindo, para incluir nesse artigo da Constituição que fala do FPE e do FPM 0,5, quer dizer, 0,5% para se destinar às instituições federais de ensino superior na Amazônia. Já que se reclama tanto que se tem de cuidar da Amazônia, cuidar da Amazônia tem de começar pela educação, pelo conhecimento, por saber o que existe na Amazônia. Não se aprova por quê? Porque o Governo não quer. Por que é que o Governo não bota, por exemplo, 0,5% para garantir o piso salarial? Não precisa federalizar a educação, não, mas dar aos Estados o dinheiro que o Governo Federal arrecada nos Estados e nos Municípios, de volta, para garantir a educação. Então, eu concordo plenamente com V. Exª quando fala que o professor é o profissional primeiro. Eu não seria médico se não tivesse tido um professor. Ninguém seria engenheiro se não tivesse tido um professor lá no curso fundamental. Então, é verdade que temos de ter esse piso salarial, que é insignificante, diga-se de passagem. V. Exª falou mais ainda, e com muito mais profundidade, que se está pensando no piso e que se deveria pensar justamente no plano de carreira do professor. Esse, sim, seria um grande passo que daríamos, de qualidade, até para o pós-Lula, porque não adianta tanto garantirmos o Bolsa-Família, a melhoria da renda. Alardeou-se muito que uma grande parcela da população passou para a classe média, mas sem educação isso não tem duração, não tem garantia nenhuma de que persista. Aprendi com o meu pai, que era um nordestino que só tinha o segundo grau, que só há uma coisa que o ser humano realmente conquista e é uma riqueza permanente, que ninguém toma: o saber, a educação. Então, entendo que V. Exª está, hoje, abordando com muita propriedade esses temas todos. É óbvio que educação é a locomotiva de tudo. Direitos para os mais pobres quem tem de garantir é o Estado, e o Estado é omisso nessa questão. Repito que essa questão das algemas, se ainda persiste hoje e prevalece, só foi resolvida porque foi provocada pelos ricos. O Estado deveria tê-la provocado lá atrás, se tivesse instalado, desde 88 para cá, as Defensorias Públicas.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador. Eu acho que o senhor trouxe um ponto importante. É uma vergonha que a Defensoria Pública no Brasil não funcione como deveria, por falta de apoio. Agora, é preciso lembrar que o sistema judicial brasileiro funciona na base da competência do advogado, que tem a ver com o salário do advogado, e também nas ligações que se formam, nos entrelaçamentos entre advogados, juízes e réus no Brasil. E, nessas interligações, há uma diferença entre os réus e os advogados pobres e os réus e os advogados ricos. Então, é importante o senhor trazer a necessidade da Defensoria.

Sobre a federalização, eu insisto a tempo: para mim, federalizar é definir metas, dar dinheiro federal e deixar que a gerência seja descentralizada.

Agora, o editorial de um jornal de hoje diz que criar um piso nacional, que definir quantas horas são dentro da sala de aula é imiscuir-se nos direitos dos Estados e Municípios. Aí, pergunto: e esse jornal fez algum editorial contra a Lei de Responsabilidade Fiscal? A Lei de Responsabilidade Fiscal foi imposta a todos os Municípios, e eu a defendi e defendo. Uma das boas leis do Governo Fernando Henrique Cardoso foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas ela é federal. Ninguém disse: “O Estado que quiser gasta o quanto quiser com pessoal”. O bom da lei de responsabilidade fiscal é que ela é federal.

A gente precisa de uma lei de responsabilidade educacional. Nesta semana, em um debate com o Ministro, ele disse que a lei de responsabilidade educacional, que ele começou a defender, tem um problema: o que fazer com quem não cumprir. É simples: o prefeito ou governador que não cumprir aquilo determinado na lei de responsabilidade educacional fica inelegível para os anos seguintes. Ele não tem competência para administrar se não consegue botar todas as crianças na escola e cumprir as metas. Para mim, é simples isso. O difícil é definir as metas, mas tem duas maneiras, Senador Paim. Tem uma maneira democrática: você deixa que cada candidato a prefeito diga qual será a meta que ele vai cumprir na educação ao longo dos quatro anos. O eleitor escolhe qual é o candidato que ele quer: o que propôs metas muito ambiciosas ou o que propôs metas modestas para a educação. Agora, os dois vão ter de cumprir, qualquer um que vencer. Se o que prometeu metas ambiciosas não as cumprir, ficará inelegível nos anos seguintes; se o que tiver metas modestas for eleito, não vai ter grandes problemas.

Apenas acho que essa forma democrática não vai funcionar bem, porque, hoje, na hora de defender metas para a educação ou para o calçamento de ruas, ganha quem propuser calçar mais ruas do que quem propuser construir mais escolas. Por isso, defendo que as metas sejam definidas em nível federal, mas não as mesmas para todos os Municípios. Em uma conversa com as autoridades locais, a cada quatro anos, o Governo Federal define que tal cidade tenha tal meta para alfabetização de adultos. Vai cair de 40, como é em alguns Estados, para 30 ou para 20 ou para 35. Metas razoáveis, não metas demagógicas. Cada Estado teria suas metas; cada Município teria suas metas.

Mas, quero concluir, Sr. Presidente, fazendo o que eu não gostaria que fosse preciso acontecer. Se essa guerra para manter a lei do piso salarial continuar a receber todas essas críticas e reações, vou propor à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação que, no mínimo, paralise por um dia as escolas do Brasil inteiro para debatê-la. Aí, verão que o piso salarial não é só um valor. Será o primeiro gesto de unidade dos professores brasileiros entre eles, independente da cidade em que moram e trabalham. Serão dois mil e seiscentos trabalhadores parados, por um dia, para nos dizer: “Nós queremos que vocês, alunos, discutam o piso salarial, as vantagens e desvantagens”. Eu não estou propondo greve. Eu não estou propondo que professor não vá trabalhar nesse dia, porque, se for isso, eu já não fico tão a favor, mas que haja um dia de luta nas escolas pela defesa do piso salarial, e que nesse dia todos os professores se dediquem a discutir com os seus alunos o porquê da lei do piso salarial e por que é importante ter 33% das horas de trabalho para atividades diferentes da aula em si.

Hoje, tentei falar com o Presidente da CNTE, mas ainda não consegui, mas vou sair daqui tentando defender que ele faça um movimento nacional pela defesa da lei do piso salarial. Essa lei não pode ser desmoralizada, essa lei não pode ser rasgada, porque, se fizermos isso, estaremos fazendo duas coisas: uma, matando o futuro do Brasil, a outra - fecho com a palavra que comecei -, estaremos mantendo as algemas nos pobres brasileiros. Porque algema não é só aquela que a gente vê e que os Ministros do Supremo não viam até ontem ou há 15 dias, ou há um mês, quando foram presas algumas personalidades. Há uma algema mais grave do que essa que amarra os punhos: aquela que amarra a consciência, o espírito, a inteligência. E essa algema que a gente nasce com ela aí dentro, ela só é destruída na escola. Quem elimina as algemas no cérebro, as algemas nos neurônios é o professor, é a escola. Se ontem votaram pelo fim das algemas físicas, que prendem os braços dos suspeitos, eu espero que o Supremo não cometa o erro histórico de atender propostas de fazer uma declaração de inconstitucionalidade da lei do piso. Se o Supremo declarar essa lei inconstitucional, estará colocando algemas nos cérebros de 48 milhões de crianças brasileiras, que hoje estão assistindo às aulas.

Por isso, vim falar de algemas. Vim propor um dia nacional de luta nas escolas na defesa do piso, contra a algema intelectual que amarra os cérebros de nossas crianças, por falta de boas escolas, com professores competentes, bem formados, dedicados e bem remunerados.

Era isso que eu tinha a dizer.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam, apenas para dizer que, se o Supremo decidir dessa forma, sugiro que façamos uma emenda constitucional para colocarmos na Constituição essa questão fundamental à educação no País.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito boa idéia! De repente, esse dia será para colocar isso na Constituição e não apenas em uma lei que pode ser revogada facilmente.

Sr. Presidente, muito obrigado pelo tempo.

Ficam aqui a minha fala, o meu protesto e a minha proposta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2008 - Página 29840