Discurso durante a 149ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à Maçonaria Brasileira, pelo transcurso do Dia do Maçom, e ao Grande Oriente do Brasil, pela celebração da data de sua criação, no dia 17 de junho de 1822.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Homenagem à Maçonaria Brasileira, pelo transcurso do Dia do Maçom, e ao Grande Oriente do Brasil, pela celebração da data de sua criação, no dia 17 de junho de 1822.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/2008 - Página 31171
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, MAÇONARIA, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, LOJA, BRASIL, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, CONCLAMAÇÃO, MEMBROS, PARTICIPAÇÃO, FUTURO, PAIS, ENGAJAMENTO, LUTA, COMPLEMENTAÇÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, PROCLAMAÇÃO, REPUBLICA, IMPLEMENTAÇÃO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, ACESSO, TOTAL, POPULAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Uma boa tarde para cada uma e para cada um. Meus cumprimentos ao amigo Senador Mozarildo Cavalcanti pela iniciativa desta sessão. Permita-me quebrar todo o protocolo e saudar, em primeiro lugar e até quase que só - porque todos já foram saudados -, meu amigo e conterrâneo Jafé, que sempre tem estado presente nas minhas lutas e sempre me convidando para estar junto nas Lojas para conversarmos.

Assisti ao discurso do Senador Valdir Raupp. S. Exª disse a verdade: que os maçons foram perseguidos, exilados e presos ao longo da história. Para esses maçons, que lutaram com risco de vida, com risco da liberdade, com risco da integridade física, quero abrir esta minha fala. A todos aqueles que, ao longo da história - e podemos falar em séculos até -, deram a vida pela liberdade, que deram a vida ou lutaram - e foram perseguidos - pela igualdade, que deram a vida ou lutaram - e foram perseguidos - pela Abolição, pela República, eu uso esta sessão para lhes dar os meus cumprimentos.

Dito isso, diferentemente dos que me antecederam, quero falar mais do futuro do que do passado. Recebi um texto com a bela história da Maçonaria no Brasil que me deu Mozarildo. Eu o li, guardei, mas quero falar do futuro.

Quero lembrar apenas - o que todos já falaram - a luta da Maçonaria sempre do lado certo no Brasil e dizer que, se vocês conseguiram a República e conseguiram a Abolição, está na hora de lutarem para completarmos a República e completarmos a Abolição, porque a nossa República não está completa, nossa Abolição está completa.

Comecemos pela Abolição. Que abolição é essa que disse aos escravos que não precisavam mais trabalhar forçadamente, que podiam ficar desempregados passando fome? Que abolição é essa que disse aos escravos que não precisavam ficar na senzala e foram mandados para as favelas e até locais piores do que as favelas? Que abolição é essa que não mais proibia os filhos dos escravos de estudarem, mas não deu as escolas que os filhos dos escravos precisavam? Que abolição é essa que não colocou mais os escravos para comerem restos da casa grande, mas não deu a comida de que os ex-escravos necessitavam?

A Abolição, 120 anos depois, está incompleta! (Palmas.)

As tentativas de completá-la ao longo desses 120 anos não bastaram. Este País desenvolveu-se como nenhum outro do ponto de vista econômico, mas não incorporou os ex-escravos, seja do ponto de vista da raça (os descendentes afro-brasileiros), ou mesmo do ponto de vista dos brancos que caíram na pobreza também. Nós precisamos completar a abolição.

E a República? Que República é essa em que conseguimos escolher o Presidente, mas o Presidente, até muito recentemente, foi escolhido apenas entre as famílias que pertenciam à aristocracia de antes e seus descendentes? O Presidente Lula, independente do julgamento do seu governo, é o primeiro Presidente, em toda a história do Brasil, que podemos dizer que não sai, de fato, das famílias aristocráticas, com exceção também daqueles Presidentes militares que, por meio dos quartéis, conseguiram ascender socialmente.

Que República é essa que continua dividindo este País em dois blocos de pessoas, não mais chamados de barões, de condes, até chamados de povo, mas chamando aos outros de povão para não se misturarem a eles? Que república é essa que mantém, sim, uma nobreza e uma plebe? Que república é essa em que nós, Senadores, nos tratamos por nobres e não por cidadãos? Que república é essa onde os Presidentes moram nos palácios, pelo menos no nome, e não em casas, como o Presidente americano? O Presidente americano mora em uma casa, a Casa Branca; o Presidente brasileiro mora em um palácio, o Palácio do Alvorada. O Alvorada nem é melhor do que a Casa Branca, mas é o simbolismo que tem o nome. Que república é essa em que apenas os filhos das classes médias e altas conseguem entrar nas universidades de qualidade, em que os doutores vêm das famílias ricas?

Nós não completamos a República!

E o futuro? O futuro é um desafio para cada um de nós, e creio que, de uma forma muito forte, a uma entidade como a Maçonaria, pela sua história, pelo seu compromisso, pela sua vibração. Acho - e aqui venho falar do futuro e cobrar o envolvimento de vocês - que não há outro caminho para completar a República, completar a Abolição a não ser uma escola de qualidade igual para todos.

Houve um tempo em que ainda acreditávamos que a maneira de completar a Abolição e a República era construir o socialismo, tomando capital dos capitalistas e colocando-o nas mãos dos trabalhadores. Não deu certo. Até porque não foi para as mãos dos trabalhadores; foi para mão do Estado, e o Estado, muitas vezes, oprimiu mais ainda os trabalhadores, apesar de o capital pertencer a eles.

Hoje, a maneira de emancipar, de libertar, de construir a igualdade não é mais tomar o capital do capitalista e dar para o trabalhador, mas colocar o filho do trabalhador na mesma escola do filho do capitalista; é colocar o filho do Senador eleito na mesma escola dos filhos dos seus eleitores. E os nossos filhos não estudam nas escolas dos nossos eleitores. É fazer com que o filho do mais pobre brasileiro tenha acesso a uma escola com a mesma qualidade do mais rico dos brasileiros. Essa é a abolição; essa é a república em que poderemos caminhar.

Na hora que fizermos isso, o processo de quebra da desigualdade ocorrerá naturalmente. Não acabará a desigualdade, mas ficará reduzida. E não mais pela origem ela acontecerá; ela acontecerá pelo talento, pela persistência, pela vocação daqueles que se dispuserem a lutar para subir na vida. Outros não farão isso; ficarão mais abaixo. Essa é uma desigualdade democrática, fruto não do patrimônio dos que vieram antes, fruto não da proteção nem do patronato. Não! Fruto do esforço, fruto do talento, fruto da vocação.

A escola é o caminho para completarmos a Abolição e a República. E a Maçonaria, que ajudou a dar os passos fundamentais rumo à Abolição e à República, seja com aquele ato heróico da Princesa Isabel, que praticamente lhe custou a própria Coroa - ato histórico, mas não completo -, seja pelo ato de Deodoro da Fonseca, que teve a coragem de dizer que este País não podia continuar monarquista, que tinha que ser republicano, mas manteve o espírito nacional de uma república.

Para dar um exemplo: para desenhar a nova Bandeira brasileira, os republicanos fizeram um longo debate para definir onde colocariam as estrelas, que deveriam refletir o céu do Brasil no dia 15 de novembro - e havia muita discussão, pois não havia GPS na época, não havia telescópios de qualidade -, e, depois de horas e horas, acertaram onde elas deveriam ficar. Mas, durante esse debate, nenhum deles se perguntou se era digno, justo colocar um texto escrito para representar um povo que não sabia ler. Naquela época, dos 10 milhões de brasileiros, 6,5 milhões não sabiam ler “Ordem e Progresso”; ou seja, não havia uma bandeira para eles. Isso porque, se misturassem as letras, a Bandeira continuaria sendo a mesma.

Foi uma República incompleta. Está na hora de os senhores trabalharem para completar a República, para completar a Abolição. Eu sei que há outros interessados que podem fazer isso, mas, com toda a franqueza de quem é um político hoje, eu não vejo muita esperança nos partidos brasileiros em lutar para completar a República e a Abolição. Os partidos estão perdidos. Dentro de cada um deles, há pessoas das mais diversas ideologias e compromissos, nenhum deles tem qualquer pureza de princípios ou de valores ideológicos.

Se não são os partidos, quem será? Não acredito que o caminho sejam as Forças Armadas outra vez, porque, apesar das boas coisas que fazem, eles emperram o livre desenvolvimento do processo democrático, como característica natural, não por maldade. Quem seria? Não seria a Igreja, obviamente, que, inclusive, com todo o respeito, em muitos momentos esteve do lado contrário da Maçonaria, convivendo com a escravidão, convivendo com a monarquia.

Com que instituições podemos contar? Não acredito que sejam os universitários, que hoje mais defendem seus interesses do que pensam no povo. Com qual instituição a gente pode contar? Vamos ter que construir algumas.

Mas enquanto não construímos, tenho a esperança de que vocês, os maçons brasileiros, com a experiência, com a firmeza, com a tradição que têm de lutar pela República e pela Abolição, podem se transformar de abolicionistas e republicanos em educacionistas para fazer a revolução de que o Brasil precisa. Não mais a revolução de tomar nada de alguém para passar para outro. A revolução de dar a todos aquilo que é a única coisa que a gente pode dar sem perder, o conhecimento. Ao contrário, quando a gente dá o conhecimento para o outro, a gente recebe de volta, porque o outro emula e nos enriquece também.

Eu deixo aqui este meu apelo, este meu pedido para que cada Loja se transforme num núcleo educacionista, como, no passado, foram núcleos abolicionistas e republicanos.

Deixo aqui o meu apelo, mas também a minha convicção de que não é um apelo infundado, a minha esperança de que isso é possível, para que, daqui a alguns anos ou algumas décadas, meu querido amigo Mozarildo, numa reunião como esta, não precisemos mais ficar só falando em Abolição e República incompletas. Poderemos falar que a Maçonaria foi um instrumento vital, fundamental para completar essas duas conquistas que vocês tiveram, porque vocês terão participado da revolução educacionista brasileira, a revolução da escola do filho do mais pobre ser tão boa quanto a escola do filho do mais rico. O Brasil espera isso de vocês. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/2008 - Página 31171