Discurso durante a 183ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a crise do sistema financeiro mundial e sua relação com o Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. EDUCAÇÃO.:
  • Reflexão sobre a crise do sistema financeiro mundial e sua relação com o Brasil.
Aparteantes
Aloizio Mercadante.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2008 - Página 38739
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, RESULTADO, FALTA, RESPONSABILIDADE, BANQUEIRO, LIDERANÇA, GOVERNANTE, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EXCESSO, CONCESSÃO, CREDITOS, AMPLIAÇÃO, CONSUMO, MUNDO.
  • REGISTRO, GRAVIDADE, EFEITO, AMPLIAÇÃO, CONSUMO, SISTEMA, PRODUÇÃO, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, CRISE, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, COMENTARIO, HISTORIA, PROBLEMA, ECONOMIA INTERNACIONAL, AUSENCIA, APROVEITAMENTO, OPORTUNIDADE, ALTERAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), NECESSIDADE, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, IMPORTANCIA, REUNIÃO, LIDERANÇA, PARTIDO POLITICO, ELABORAÇÃO, PROJETO, ALTERAÇÃO, SISTEMA, PRODUÇÃO.
  • RELEVANCIA, INVESTIMENTO, PRODUTO, INCENTIVO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, CRIAÇÃO, EMPREGO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, BEM ESTAR SOCIAL, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, CONTROLE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, APOIO, POLITICA, SOCIEDADE, NECESSIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, DESCOBERTA, JAZIDAS, PETROLEO, RESERVATORIO, SAL, INVESTIMENTO, CONHECIMENTO, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, ALTERAÇÃO, SISTEMA, PRODUÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dia depois de dia, estamos assistindo a uma espécie de derretimento do sistema financeiro no mundo inteiro. Hoje mesmo, de manhã, a crise chegou de uma maneira extremamente forte ao Brasil, como não tinha estado ainda.

A verdade é que essa crise tem como principal responsável os banqueiros que, de uma maneira leviana, manejaram os recursos dos seus depositantes e a credibilidade daqueles que receberam financiamento. A partir dessa leviandade, eles fizeram o que se chama alavancar o dinheiro que eles têm em banco e aumentaram os empréstimos numa proporção tal que um dia todos sabiam que isso ia rebentar.

Nesses meses, estamos todos procurando uma saída, Sr. Presidente. E o que eu vim falar aqui é que a procura da saída da crise financeira apenas dentro do sistema financeiro não levará a uma solução correta do problema, porque a crise financeira que a gente atravessa tem uma causa atrás dela, que é o próprio sistema produtivo. Esse sistema produtivo força os bancos - obviamente, naqueles casos em que os seus dirigentes são levianos - ao aumento do crédito de uma maneira desmesurada. E junte-se a isso a responsabilidade dos governantes, especialmente nos Estados Unidos, que deixaram que isso acontecesse sem criar regras capazes de obrigar o sistema financeiro a não ir além dos limites possíveis na concessão dos créditos. Então, de um lado a irresponsabilidade dos banqueiros. Do outro lado, a falta de liderança, de responsabilidade dos governantes.

Essas são as causas principais da crise que a gente vê: o derretimento do sistema financeiro. Mas há uma outra por trás, eu quero insistir, que é a força, como o setor produtivo quase que obriga a criação de créditos, para vender os carros, para fazer as construções, para vender bugigangas que o sistema econômico produz todos os dias, para aumentar, de uma maneira desmesurada, as viagens. Há uma pressão na economia real que força a economia financeira a aumentar os créditos além dos limites.

Sem aumentar o crédito além dos limites, o crescimento esbarraria. E essa ânsia do crescimento cada vez maior leva à criação cada vez maior de crédito, o que exige a chamada alavancagem do crédito. Um real depositado se transforma em 10, 15, 20, 30. E fala-se que no caso dos Estados Unidos chegou a haver 65 dólares emprestados quando só um havia no banco.

É importante dizer por que isso acontece. Quando você põe um real no banco, o banco empresta esse real inteiro por que ele volta para o banco, o dinheiro não fica em casa. Ele aí empresta para outro, que também traz para o banco, porque ninguém deixa em casa. Enquanto as pessoas confiam nos bancos, tudo funciona bem. Quando um desconfia e pensa que aquele banco vai quebrar, começa a correr. E o dinheiro não existe. E é o que está acontecendo, especificamente, hoje, na Alemanha, onde o Governo disse que vai garantir todos os empréstimos com dinheiro público.

A crise precisa de medidas específicas no sistema financeiro. Falei aqui, há uma semana, como eu achava que deveríamos cuidar do problema dos gastos públicos, do risco do endividamento elevado das pessoas e também do déficit nas transações correntes.

Hoje não quero falar, especificamente, da crise no setor financeiro. Quero falar da crise que é causada no setor financeiro pela voracidade do consumidor e pela voracidade do setor produtivo. Essa ânsia desmesurada de produzir cada vez mais, consumir cada vez mais, o que exige cada vez mais crédito, que faz com que os bancos terminem saindo do controle. A mesma lógica que prevalece em outro derretimento que está acontecendo: O derretimento das calotas polares; o sistema econômico, ao produzir cada vez mais para atender a voracidade do consumo, provoca o derretimento dos bancos e o derretimento das calotas polares.

O gelo está derretendo e os bancos também. A mesma causa. A causa de um setor produtivo, que mede a riqueza apenas na quantidade de bens materiais; que mede o progresso apenas na taxa de crescimento da produção. Por isso, ao mesmo tempo que é preciso que haja cada vez mais, e rapidamente, um cuidado especial para enfrentar a crise especificamente financeira que atravessamos, é preciso também que entendamos que a crise vai além, lá atrás do setor financeiro e que vai exigir modificações.

Por isso, creio que vale a pena lembrar que as grandes viradas da sociedade se dão em momentos de crise. O Brasil só se transformou em um País industrial graças à crise de 29, crise com as proporções da atual, embora de imediato, já no setor produtivo, gerando desemprego. Foi o fato de os Estados Unidos entrarem em uma crise como esta que provocou uma retração da compra de produtos brasileiros e que fez com que exportássemos café, e aí não tínhamos dólares para importar os automóveis, etc., etc. Foi isso que fez o Brasil dizer “Só temos uma saída: vamos reorientar nosso progresso; vamos começar a produzir aqui dentro aquilo que a gente agora importa e que não pode mais importar.” Está na hora de o Brasil descobrir a grande chance que pode haver, se soubermos trabalhar a atual crise, para procurarmos novos rumos para a nossa economia e, quem sabe, daqui conseguir fornecer alternativas para esta crise global de todo o setor produtivo mundial, não só brasileiro.

Nós podemos perfeitamente entender as crises que não soubemos aproveitar no passado, porque a de 29 aproveitamos muito bem, até 1945. Terminada a guerra, mudado o governo, vinda a democracia, em vez de continuar no rumo de produzir mais aqui dentro, para atender a uma demanda restrita e incentivar à pressa essa demanda pouco a pouco, preferimos, com o alívio do comércio internacional, gastar os dólares que tínhamos para importar bugigangas, para atender à voracidade do consumo da sociedade brasileira. O resultado é que perdemos uma grande chance: dar continuidade àquele processo industrial que tinha começado no período de Getúlio Vargas e que sofreu um abrandamento a partir de 1945.

Em 1973, outra crise. Quando o petróleo subiu a níveis inesperados, o Brasil aproveitou uma parte dessa crise, ao criar, incentivar e levar adiante a saída do álcool como combustível, mas não soube dar o passo adiante. Não soube perceber que o petróleo subiu de preço, mas que, mesmo com a alternativa do álcool, tínhamos de reorientar o carro-chefe da nossa economia, do automóvel e do sistema rodoviário para outros setores que não fossem consumidores de energia, como é o setor rodoviário. Não soubemos aproveitar isso. Criamos o setor alcooleiro, resolvemos o problema, quase, da energia, e, quando depois o petróleo caiu, afrouxamos ainda mais a necessidade de uma reorientação do tipo de produto e não apenas do tipo de combustível, como agora, do tipo de produto e não apenas da solidez do sistema financeiro.

Ainda em 1973, quando subiu o preço do petróleo, o mundo estava entrando na era da informática. O Brasil tinha uma oportunidade de entrar em condições quase iguais com os outros países. Mas, em vez de trabalhar, para desenvolvermos aqui uma indústria na área de software, da parte da logística, da parte da informática no seu sentido imaterial do conhecimento, inventamos de proteger a produção das máquinas de computador; em vez do software, protegemos o hardware, criamos a tal de reserva de mercado para produtos fabricados no Brasil e deixamos de desenvolver aquele que teria sido o grande setor, que seria na área da ciência, da matemática, da ciência da computação, da produção de software. Perdemos outra chance. Perdemos outra chance e continuamos crescendo, às vezes mais, às vezes menos, mas no mesmo tipo. Agora, com essa crise, quem sabe não será possível imaginarmos a alternativa diferente. E que trabalhemos em dois momentos: no longo prazo, mudando o próprio perfil da produção e, no curto prazo, as medidas necessárias para limitar a irresponsabilidade à que o setor bancário é tentado por força da pressão do setor produtivo, querendo crescer e precisando de crédito.

Dois níveis de soluções, que vão exigir dois tipos diferentes de composição política. A solução financeira levaria o Brasil a conseguir pôr ordem nas finanças brasileiras, protegendo-as da crise internacional - e o Brasil até está razoavelmente protegido, quando comparado aos outros países. Isso depende apenas das decisões do Governo brasileiro e do Banco Central.

Se o Banco Central continuar com a sua política de garantir as reservas, que impedem as explosões cambiais em momentos de especulação; se continuar com a sua política responsável, aumentando os juros quando preciso e reduzindo-o quando possível; se o Banco Central continuar nessa linha, cabe apenas ao Governo ter a responsabilidade de manter o controle sobre os gastos públicos - não deixar que os gastos públicos saiam do controle, porque assim é impossível continuar aumentando a receita. Com o déficit, teremos necessidade de uma taxa de juros ainda maior, para atrair capital; precisaremos, inclusive, de cuidar do risco que vamos apresentar como mais alto ainda.Teremos aí o pior dos mundos: uma inflação no meio de uma crise que pode vir de depressão.

O Governo brasileiro, pelo que temos visto, e o Banco Central do Brasil parecem estar trabalhando com o sentido de responsabilidade, com o cuidado técnico. Apenas, a mim me preocupa o nível dos gastos públicos. Tirando isso, o resto acho que não está sendo de uma maneira equivocada. O que me preocupa é o longo prazo. E o longo prazo não depende apenas de nenhum governo sozinho.

A reorientação de um projeto alternativo para o País exigirá, sem dúvida alguma, uma espécie de acordo geral com outros partidos, com outras lideranças, como foi feito nos momentos em que a gente reorientou o futuro do Brasil, nas vezes anteriores, sob regimes autoritários que impunham a saída. No caso de um processo democrático, essa saída vai exigir conversas com todos os partidos, com todas as lideranças, no sentido de entender as necessidades de reorientar o projeto do desenvolvimento brasileiro, que consiste, em primeiro lugar, em entender as causas dessa crise, como estando no setor produtivo também, sobretudo lá, e não apenas na irresponsabilidade do setor financeiro, liberado pela irresponsabilidade de governantes nos Estados Unidos e no resto do mundo também.

Segundo, percebi que há produtos que podem dinamizar a economia, talvez não a taxas tão elevadas, talvez não atendendo à voracidade do consumo dos bens materiais, mas que podem, sim, atender à necessidade de gerar emprego, que é o fundamental do processo de crescimento. O crescimento não é apenas para aumentar o consumo desnecessário, voraz, que temos a tendência de ter. O crescimento é sobretudo para garantir que ninguém fique sem emprego. É aí que está a essência do crescimento: a garantia do emprego, e não o aumento necessário de consumos supérfluos, suntuários e muitas vezes desnecessários. É entender, portanto, que é preciso incentivar a produção daqueles itens - eu nem disse “bens”, porque parte deles são serviços - que não são nem poluentes, para derreter os pólos, nem são depredadores do ponto de vista do excesso de crédito.

Se fizermos isso, vamos ver que o Brasil tem uma margem de crescimento e de reorientação, sobretudo naqueles setores que são capazes de trazer bem-estar para as camadas mais baixas da população, aquilo que, há muitos anos, trabalho e chamo de um keynesianismo social responsável: social, porque usaria os recursos públicos, para atender às necessidades da população mais carente; responsável, porque teria de fazer isso, sem perder o controle dos gastos públicos, mantendo o equilíbrio fiscal com toda a responsabilidade, sem cair no velho keynesianismo inflacionário do passado.

Se a gente fizer isso, vai conseguir enfrentar, ao mesmo tempo, os dois problemas mais visíveis: o derretimento polar, que é uma maneira simbólica de falar na crise ambiental, e o derretimento financeiro, que é o que está acontecendo no presente.

E mais uma coisa: nós vamos ser capazes de enfrentar o que talvez seja o mais grave de todos os derretimentos que é o derretimento ético de uma sociedade que concentra renda, que concentra os benefícios do progresso, que impede que o progresso seja capaz de atender as próximas gerações por não afetar o meio ambiente e seja capaz de ter saúde sem quebrar o sistema financeiro e, sobretudo, de ser ético, atendendo ao bem-estar das populações hoje excluídas.

É hora de uma grande preocupação com o quadro da situação fiscal, com o quadro da situação financeira e com o risco de perda do controle monetário. Mas é hora, também, de irmos além disso e entendermos que a crise é muito mais profunda do que aparece, porque o que aparece são as bolsas, o que aparece são os bancos, o que aparece é o câmbio. Além do câmbio, além dos bancos e além das bolsas há uma realidade social que baseia o seu progresso na voracidade do consumo, nessa produção desenfreada que todos buscam e comemoram quando se fala em taxa de crescimento. É óbvio que parte da crise internacional vem da necessidade de vender mais produtos - nós vemos prazo de 100 meses para pagar. Não tem como continuar mantendo esse crédito por muito tempo, e, aí, aqueles produtos vão deixar de ser vendidos. Nós temos que encontrar outros que possam ser produzidos, usados, que satisfaçam o consumidor, mesmo que não sejam do mesmo tipo a que nós estamos acostumados.

O Brasil pode, sim, aproveitar essa chance, com a preocupação, sem ilusão, mas sabendo que, bem aproveitada, essa chance pode transformar o Brasil, pode transformar a nossa economia, não apenas garantindo um sistema bancário sólido, não apenas garantindo uma estabilidade monetária, não apenas tendo um sistema que funcione sem esses receios a cada tanto tempo de crise, que, inclusive, seja capaz de manter o equilíbrio ecológico de que todos precisamos, mas, sobretudo, capaz de construir uma sociedade onde todos estejam incluídos, incorporados, com água, esgoto, moradias, mesmo que simples, para não pressionar exigindo grandes pressões sobre a criação de mercado, em que sejam capazes, sobretudo, de serem educados e, graças a essa educação, produzirem ciência e tecnologia na proporção em que o futuro precisa.

O Brasil pode aproveitar a crise em que vive hoje, importada do exterior, até com uma certa tranqüilidade, graças ao sistema financeiro que hoje ainda funciona no Brasil, para mudar mais profundamente a nossa realidade produtiva para, mais profundamente, fazer aquilo que a gente precisa: uma reorientação no modelo de desenvolvimento.

Era isso, Sr. Presidente, o que eu tinha a falar, mas eu passo a palavra, com muito prazer, ao Senador Aloizio Mercadante, que pediu um aparte.

O Sr. Aloizio Mercadante (Bloco/PT - SP) - Eu queria saudar a intervenção do Senador Cristovam Buarque, primeiro porque o País precisa, de fato, aprofundar o diagnóstico sobre essa grave crise financeira que atingiu o coração do sistema financeiro internacional, a economia americana: quatro dos seis maiores bancos centenários daquele país já sucumbiram a esta crise e ela reflete, de um lado, o fracasso dessa ausência de regulação, de fiscalização, de limites para o sistema financeiro. Instituições que estavam alavancadas mais de sessenta vezes, engenharias financeiras que mascaravam os riscos das operações, ausência de transparência, e mostra que essa visão neoliberal, que marcou também o estado mínimo financeiro, que essa visão deve ser rapidamente superada. Veja que o Banco Central americano já interveio, com esse pacote agora de mais US$700 bilhões, mais de US$1 trilhão de socorro às instituições financeiras, num constrangimento político muito grande, inclusive do Congresso americano, porque você está usando o dinheiro do contribuinte para salvar as instituições financeiras do colapso, da falência, ao mesmo tempo em que esses bancos continuam tomando a casa das famílias que não podem pagar as suas contas, os seus impostos, o que mostra a dificuldade que o Congresso americano teve de aprovar esse pacote. O custo de aprovar é muito alto, mas o custo de não aprovar seria maior ainda, porque as conseqüências sobre a economia real, que vão ser profundas, seriam dramáticas. Hoje mesmo estamos no pior dia de desempenho da bolsa européia dos últimos quatro anos. A crise continua se aprofundando, se alastrando. Aqui, no Brasil, tivemos duas interrupções no Bovespa, com quedas que chegaram a 15%. Agora diminuiu um pouco. Mostra a volatilidade, a instabilidade. Mas, diferentemente de outras crises - acho que o Senador colocou muito apropriadamente - o Brasil hoje tem US$207 bilhões de reservas, não depende do monitoramento do FMI, não houve contaminação direta do nosso sistema financeiro até este momento, em mais de um ano de crise, e a economia cresce predominantemente pelo mercado interno.

Isso também ameniza, inclusive, o fato de que os Estados Unidos eram 25% do nosso comércio exterior há cinco anos, hoje são apenas 14% das nossas exportações. Mas eu acho que há uma reflexão associada a esse tema. O Governo brasileiro tem que estar muito atento à evolução da crise, o Banco Central tem tomado providências para prover a liquidez quando necessária, seguramente novas medidas serão indispensáveis, mas nós nunca tivemos tão bem posicionados para enfrentar uma crise, que seguramente é a mais grave de todos os últimos anos. Eu queria concluir dizendo que me parece muito apropriada a reflexão de que o Brasil pode ter uma saída criativa dessa crise e que o mundo precisa olhar de uma outra forma para o futuro. Talvez o melhor exemplo seja 1929, onde nós tivemos uma crise de superprodução; nós éramos uma economia primária exportadora, o café chegou a ser 60% das nossas exportações, e o Brasil teve uma saída criativa, porque, em 1934, nós já éramos um País predominantemente industrial. Quer dizer, a nossa saída foi substituição de importações, foi industrialização, foi produzir aqui aquilo que nós não podíamos mais importar. Então, a crise é como o chinês arcaico dizia com dois caracteres: perigo e oportunidade. Os riscos são muito grandes nessa crise internacional, mas há janelas de oportunidade, e o Brasil precisa se repensar, como economia, a sua inserção internacional e disputar as oportunidades que vão se abrir, porque China, Índia, Brasil e Rússia estão melhor posicionados para enfrentar essa situação. Queria parabenizar essa reflexão sobre o consumismo, sobre a dimensão ecológica, sobre novos valores que deviam inspirar a reflexão de novos instrumentos de regulação e de um novo caminho para o desenvolvimento da economia. Quero parabenizá-lo, Senador Cristovam Buarque.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço ao Senador Aloizio e quero dizer que, com isso, o senhor agrega um comentário a uma reflexão que eu não tinha feito. Primeiro, que a saída está, em primeiro lugar, claro, no controle da situação, através de regulação do sistema financeiro, mesmo que isso, ao não permitir essas alavancagens estúpidas de sessenta vezes, termine freando um pouco o crescimento econômico, porque impedirá a venda de alguns produtos que necessitam de crédito. Temos firmeza de dizer que a saúde do sistema bancário é tão necessária ao funcionamento da economia que a gente pode até restringir o crescimento para manter a saúde do sistema financeiro. E isso todos sabem como fazer e quais as medidas necessárias. É preciso vontade e o apoio político da sociedade brasileiro para que seja feito.

Segundo, nessa janela de oportunidade, como o senhor chamou, creio que podemos perfeitamente aproveitar os recursos que estão chegando ao Brasil - não imediatamente, sob a forma de moeda - em forma de alternativa, que é o Brasil ser um grande produtor de energia, tanto pelas reservas petrolíferas que a gente descobriu recentemente como também pela possibilidade do etanol. Essa é uma oportunidade, mas o risco é aproveitarmos isso para fazermos, como em 45, e começarmos a usar esses dólares apenas para importar bugigangas, produtos de consumo que não vão trazer uma dinâmica permanente ao Brasil.

A outra, e o senhor tem sido um dos defensores, é a gente usar esse dinheiro da maneira correta para transformar o Brasil em um produtor de conhecimento, em um país capaz de gerar capital-conhecimento. E o capital-conhecimento vem do investimento dos recursos que tivermos na ciência e na tecnologia, que não é possível sem uma boa universidade; que não é possível se não tivermos um Segundo Grau de qualidade para todos; que não é possível se não tivermos um Ensino Fundamental para todos.

No fim, mesmo que continuem dizendo que falo numa nota só, mesmo que digam, Senador Adelmir, que eu venho falar aqui de outra coisa completamente diferente, aparentemente, que é a crise mundial, a gente termina caindo no mesmo. A janela de oportunidade que o Brasil tem diante de si é aproveitar os recursos que vão entrar, transformando o Brasil num setor de exportação de energia, para investir na transformação do Brasil em uma fábrica de conhecimento, em um país capaz de gerar o verdadeiro capital do futuro, que é o crescimento.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que há, sim, uma grande crise no ar, mas há uma grande chance que não podemos perder como perdemos tantas outras no passado.

Sr. Presidente, agradeço o tempo que me dedicou.

Era o que eu tinha para dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2008 - Página 38739