Discurso durante a 188ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Argumentação pelo relacionamento de três fatos ocorridos recentemente: o encontro organizado pelo comunicador João Dória Filho, reunindo empresários, políticos, artistas e intelectuais, a fim de debater, em Portugal, assuntos relevantes; a crise econômica mundial; e a morte do francês Pierre Weil, que criou a Universidade da Paz, em Brasília.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL. HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Argumentação pelo relacionamento de três fatos ocorridos recentemente: o encontro organizado pelo comunicador João Dória Filho, reunindo empresários, políticos, artistas e intelectuais, a fim de debater, em Portugal, assuntos relevantes; a crise econômica mundial; e a morte do francês Pierre Weil, que criou a Universidade da Paz, em Brasília.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/2008 - Página 39473
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL. HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, ANIVERSARIO, MÃO SANTA, SENADOR, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ESTADO DO PIAUI (PI), ELOGIO, CARATER PESSOAL.
  • REGISTRO, ENCONTRO, ORGANIZAÇÃO, JORNALISTA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, POLITICO, EMPRESARIO, ARTISTA, INTELECTUAL, DEBATE, RELEVANCIA, ASSUNTO, AMPLIAÇÃO, RESPEITO, INTEGRAÇÃO.
  • COMENTARIO, EXPERIENCIA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, COOPERAÇÃO, REDE TELEFONICA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, DEFESA, POSSIBILIDADE, OCORRENCIA, BRASIL.
  • HOMENAGEM POSTUMA, PSICOLOGO, ESCRITOR, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, FUNDADOR, UNIVERSIDADE, PAZ, DISTRITO FEDERAL (DF), EMPENHO, TRANSFORMAÇÃO, PENSAMENTO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, RETOMADA, CRESCIMENTO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.
  • COMENTARIO, CRISE, MERCADO FINANCEIRO, ORIGEM, SETOR, PRODUÇÃO, IMPOSIÇÃO, BANCOS, NECESSIDADE, EXCESSO, CREDITOS, PROVOCAÇÃO, FALENCIA, SIMULTANEIDADE, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, EXIGENCIA, TRANSFORMAÇÃO, NATUREZA, PRODUTO, BENS DE CONSUMO.
  • REGISTRO, ANTERIORIDADE, DISCURSO, MÃO SANTA, SENADOR, DEBATE, AMPLIAÇÃO, CREDITOS, DIVIDA, POPULAÇÃO, POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, ESTABILIDADE, BANCOS, MOTIVO, OCORRENCIA, DESEQUILIBRIO, ATUALIDADE.
  • QUESTIONAMENTO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, RECUPERAÇÃO, BANCOS, AUSENCIA, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, DEFESA, AUMENTO, DEBATE, ENSINO, AMBITO INTERNACIONAL, REGISTRO, SUGESTÃO, ORADOR, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISCUSSÃO, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • DEFESA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, CONSUMO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar meus agradecimentos ao Senador Paulo Paim que me cedeu a vez para que eu pudesse ser o primeiro a falar. Isso não apenas ajuda em minha agenda, como também me permite ser o primeiro a cumprimentar aqui o Senador Mão Santa pelo seu aniversário.

            Quero parabenizá-lo e dizer que o Piauí inteiro, pela sua relação tão forte com seu Estado, está de parabéns também. Parabéns, Senador Mão Santa. E é um privilégio para nós convivermos com o senhor nesta Casa. Aprendi, ao longo desse tempo, a respeitá-lo cada vez mais e, sobretudo, adquirir um débito forte com o senhor por suas palavras sempre carinhosas para comigo. Aprendi muito com as lições que o senhor nos dá aqui sobre história do Brasil e sobre a situação da saúde no Brasil.

            Parabéns e muito obrigado, Senador Mão Santa.

            Mas, Sr. Presidente, quero falar de três fatos que ocorreram nessa semana, que a meu ver, por incrível que pareça, estão relacionados.

            Primeiro, quero comentar um encontro organizado por esse grande comunicador, esse grande homem das comunicações, que é o João Dória. O João Dória Filho organiza, a cada ano, um encontro em que reúne empresários, políticos, artistas, intelectuais para ficarem, por dois, três dias, debatendo assuntos que ele escolhe. Dessa vez, ele fez a reunião em Portugal, reunindo empresários portugueses com empresários brasileiros, com alguns políticos. Tive o privilégio de fazer parte desse grupo, ao lado dos Senadores Romeu Tuma, Aloizio Mercadante, Heráclito Fortes, e pudemos debater assuntos que considero extremamente relevantes.

            O segundo fato que aconteceu essa semana foi a crise, talvez a semana mais difícil que o mundo enfrentou do ponto de vista da economia desde 1929.

            O terceiro foi a morte, aqui em Brasília, de um homem muito especial, chamado Pierre Weil, um francês que há décadas escolheu Brasília para viver e aqui criou uma universidade, que ele chamou de Universidade da Paz.

            Por que esses três fatos se relacionam?

            A reunião feita em Lisboa e a crise se relacionam porque foi possível perceber, durante aqueles dias, que hoje não apenas há uma sintonia muito forte entre Brasil e Portugal, como também esses dois países, que até pouco tempo eram periféricos, embora um europeu e outro latino-americano, têm uma solidez que lhes permite, a ambos os países, mesmo com dificuldades que vão continuar enfrentando, sobreviver e sair ainda maior.

            O que o encontro, organizado por João Dória, permitiu perceber é algo novo, a meu ver, nas relações Brasil-Portugal. Além da solidez desses dois países, da dinâmica que esses dois países têm, há o respeito mútuo. Foi dito e repetido por diversos, tanto brasileiros como portugueses, que até um tempo atrás os brasileiros olhavam para Portugal como uma coisa do passado, e os portugueses olhavam para o Brasil como uma coisa sem futuro.

            Mudou. Mudou dos dois lados, Senador Papaléo. Hoje, a gente sente nos portugueses que ocupam direção - e tivemos reunião com o Primeiro-Ministro Sócrates, com o Presidente Cavaco - e a gente viu que há neles um respeito profundo ao Brasil. E, ao mesmo tempo, de nossa parte - eu diria que é mais do que respeito - vemos, com surpresa, o grau de desenvolvimento que Portugal adquiriu nesses últimos anos. E, mais ainda, na minha percepção, o grau de salto educacional que Portugal está tendo nesse momento. Seus alunos começam a aprender inglês desde a primeira série do ensino fundamental; seus alunos recebem computadores para estudar; seus professores estão bem formados para o uso desse equipamento.

            E isso, o que é surpreendente, sem dúvida, para mim, em uma cooperação entre o Governo e a Companhia Telefônica de Portugal. Aqui nós temos o Fust, aprovado creio há 10 anos, e a gente não consegue utilizar esse dinheiro. Portugal, hoje, consegue fazer com que a empresa de telefonia que tem aplique recursos na educação de suas crianças, com efeito extremamente positivo.

            Isso é algo que aconteceu nessa semana. Mas aí dentro estava, todo o tempo, permanentemente, a dimensão da crise, analisada, conversada e com uma preocupação permanente. E o que isso tem a ver com a figura, que eu diria quase santa, de Pierre Weil, que faleceu nessa semana? É que ele trouxe, há décadas, e defendeu ao longo de toda sua vida, que a realidade do mundo exige muito mais do que esforço financeiro e econômico. Ele lutou sua vida inteira por uma nova mentalidade que permitisse que nós saíssemos dessas crises em que vivemos, não apenas acabando com a inflação, acabando com a crise financeira, retomando o crescimento, mas mudando a maneira como a gente pensa que deve ser o desenvolvimento.

            E, aqui, eu quero tomar este tempo para falar com clareza sobre o que mais me preocupa do ponto de vista do futuro. Não é a crise dos bancos, não é a crise que a gente vive hoje do risco de não ter crescimento e ter uma recessão. Isso a gente vai passar; isso é uma questão de semanas, de meses, talvez mesmo de um ou dois anos. Mas vamos superar. O que me preocupa é que alguns anos depois voltará a mesma crise.

            O que me preocupa é que, para sair da crise, não só pode voltar a inflação, mas mesmo que venha o crescimento ele virá de forma desigual, excludente, injusta, ineficiente e vulnerável a qualquer modificação que aconteça.

            Senador Papaléo, essa crise não vem de dentro do sistema financeiro; ela vem do setor produtivo, que exige, força os bancos ao crédito fácil. Há um derretimento dos bancos provocado por um processo produtivo que os obriga a emprestarem cada vez mais e, com isso, eles fazem essas chamadas alavancagens irresponsáveis de, por exemplo, com R$1,00 que têm os bancos chegarem a aplicar R$ 65,00, sem base sólida.

            O processo produtivo que temos leva ao derretimento dos bancos e também ao derretimento das calotas polares, porque o mesmo processo produtivo depredador da natureza é aquele que enfraquece o sistema financeiro. Temos uma voracidade tal de consumo, uma voracidade tal de crescimento da produção que não há como existirem bancos sustentáveis e uma natureza sustentável. O derretimento das calotas polares tem a mesma causa do derretimento dos bancos: um processo produtivo que não traz para a realidade da economia a produção de bens imateriais. Os bens são materiais e, portanto, exigem a transformação da natureza em bens e produtos que consumimos, de maneira voraz que naturalmente vai depredando o planeta, e a calota polar é apenas um exemplo mais visível, mas não único, se a gente prestar atenção.

            E também vai corroendo os bancos, porque para vender automóveis duas coisas acontecem necessariamente: aumento do aquecimento global, sem dúvida alguma, e aumento da vulnerabilidade dos bancos. Só há um jeito de vender muitos automóveis, sobretudo em países onde a renda não é muito alta como no Brasil: com crédito fácil. Quando a gente dá cem meses para se pagar um carro, a gente está enfraquecendo os bancos e enfraquecendo a calota polar.

            Aqui lembro o discurso que o Senador Mão Santa fez há mais de seis meses, quando falou do endividamento do povo brasileiro. Lembro que mais de seis meses atrás, Senador Mão Santa, V. Exª fez um discurso em que alertava para o risco que a gente vive do superconsumo, graças ao crédito fácil. Vivemos num processo no qual todos se endividam para que o processo econômico cresça. Isso enfraquece os bancos e enfraquece a natureza, cria o desequilíbrio ecológico e o desequilíbrio financeiro dos bancos, obviamente por causa da irresponsabilidade dos banqueiros.

            E a saída para isso? A saída para isso tem de ser imediata, no curto prazo, para manter os bancos funcionando. É claro que, para manter os bancos funcionando, será preciso usar recursos públicos para salvar os correntistas e não para salvar os banqueiros irresponsáveis, para não chamar de coisas piores. O que me preocupa é que vamos gastar trilhões no mundo inteiro para salvar os correntistas e, provavelmente, para salvar alguns banqueiros que não merecem ser salvos porque são pessoas irresponsáveis que deixaram as instituições chegarem a esse ponto.

            Quero chamar a atenção aqui para o fato de que quando se fala em gastar trilhões para salvar bancos ninguém pergunta de onde virá o dinheiro. Quando eu digo aqui que se precisa de sete bilhões para fazer uma revolução na educação, a primeira pergunta é: de onde virá o dinheiro para isso? Por que na hora de derreter os bancos o dinheiro aparece e na hora em que os cérebros estão sendo derretidos, incinerados, todos perguntam de onde virá o dinheiro? Para os bancos, trilhões; para a educação, os milhõezinhos. E todos perguntam de onde virá o dinheiro, todos dizem que o dinheiro não existe, mas para os bancos ele aparece.

            Eu não sou contra salvar os bancos, porque os correntistas não podem ser punidos pela incompetência e irresponsabilidade dos donos dos bancos. Agora, o que não se pode imaginar é que o mundo que, durante toda essa semana, fez dezenas de reuniões de cúpulas, reuniões de chefes de Estado, reuniões de chefes de Governo, reuniões de presidentes de banco centrais, reuniões de ministros da fazenda, para discutir como salvar o mundo da crise, para salvar os bancos - o mundo que vive em permanente reunião para salvar os bancos - não faz uma reunião para salvar os cérebros do planeta Terra! Não temos isso.

            Cheguei a sugerir ao Presidente Lula que na reunião das Nações Unidas ele propusesse, Senador Gilvam Borges, uma cúpula mundial para discutir a educação. Por que não há uma cúpula mundial para discutir como salvar os cérebros que estão sendo incinerados? A gente não deixa de fazer todas as reuniões necessárias para salvar a incineração que está sendo feita do capital financeiro do mundo.

            Essas coisas que eu disse que aconteceram essa semana nos permitem chamar a atenção do Governo brasileiro de que tem de continuar desse modo, sim, porque está indo bem tanto como líder do Bloco do G20, como na sua tentativa de influenciar as instituições internacionais. Mas isso não vai bastar para que, depois de terminarmos com a crise que aparece, que é financeira, resolver a crise que não aparece, que é a desigualdade social, que é um processo produtivo necessariamente depredador da natureza e do sistema financeiro; não vai servir para termos o crescimento da inteligência mundial capaz, inclusive, de formular processos civilizatórios que, nos últimos séculos, os seres humanos não foram capazes de inventar ou inventaram e não deram certo, como foi o caso do socialismo chamado real.

            Nós precisamos aproveitar essa crise, para descobrir que pessoas como Pierre Weil, pouco conhecido, mas que trouxe uma mensagem profética, não sobre economia, mas sobre a mentalidade dos seres humanos, sobre a maneira que devemos existir e viver para sermos felizes, e não apenas consumirmos muito. Enquanto a idéia for consumir muito, os bancos serão frágeis, e a natureza será depredada, mas quando a gente começar a inventar que o objetivo é ser feliz e eficiente, as coisas vão começar a mudar.

            Hoje, a aspiração é comprar um carro. Por que a aspiração não pode ser ir rápido de um lugar para o outro sem perder tempo?

            Por que nós, seres humanos, nas grandes cidades brasileiras, preferimos ficar uma hora em um engarrafamento, mas dentro do próprio carro, a ir rápido da casa ao trabalho em um sistema público de transporte? Onde está a deformação mental que fez com que os seres humanos, diferentemente dos outros animais que, quando comem, se satisfazem e ficam bem, não se contentem nunca, mas queiram consumir cada vez mais e mais? Consumir não pondo mais comida dentro do estômago, porque lá não cabe mais comida do que o necessário, mas consumir coisas, com casas maiores, com mais carros na garagem, com equipamento cada vez mais sofisticados que pouco agregam de bem-estar? É um falso bem-estar aquele que está só na produção. E foi esse falso bem-estar que manteve um falso equilíbrio do sistema financeiro e uma ilusão de equilíbrio na natureza.

            Nós podemos aproveitar a crise que vivemos do descongelamento e da diluição do sistema financeiro, do descongelamento dos bancos e do descongelamento das calotas para procurar mais do que a solução do problema dos bancos - isso também. Mais do que da solução para a crise bancária, precisamos de um novo rumo para o nosso projeto de desenvolvimento.

            Quando você segue por uma estrada e encontra um buraco há duas maneiras de resolver o problema: uma é tapar o buraco e continuar, mas logo à frente outro aparecerá; a outra é pegar a bússola e descobrir onde está o Norte. Não é tempo de buraco; é tempo de bússola. Não é tempo de apenas resolver um pedacinho da crise que aparece; é hora de, ao tempo em que se faz isso, reorientar o projeto de desenvolvimento. Esse projeto - desculpem-me a chatice - envolve uma revolução que garanta escola de qualidade para todos.

            E isso por duas razões. A primeira é que só isso vai diminuir a desigualdade, porque não há outro caminho para diminuir a desigualdade a não ser quando a escola do mais pobre for igual à escola do mais rico. Quando o filho do trabalhador estiver na escola do filho do patrão, aí será quebrada a desigualdade. A outra razão é que o mundo vai precisar cada vez mais de um potencial grande de inteligência, um potencial grande de conhecimento, de imaginação, de formulação científica, de formulação técnica, para encontrar maneiras de produzir bens materiais consumindo menos natureza; de ter sistemas de transporte mais eficientes e que os próprios automóveis possam andar sem depredar a natureza.

            Nós precisamos do capital conhecimento, e esse capital não depreda a natureza, esse capital não desequilibra o sistema financeiro, porque são bens públicos, não são bens individuais para o consumo depredador.

            Nós precisamos entender que essa crise vai além das finanças, que essa crise tem causas atrás dos próprios bancos irresponsáveis e que obviamente foram coniventes. Essa crise tem causa atrás, inclusive, de governantes que, preocupados apenas em aumentar a taxa de crescimento para convencer os eleitores a apoiá-los nas próximas eleições, são capazes de gestos irresponsáveis, liberandos os banqueiros gananciosos para terem o maior lucro possível, desde que ofereçam empréstimos, empréstimos fáceis, créditos fáceis, que terminam por mostrar a instabilidade bancária.

            Nós precisamos trazer de volta a responsabilidade. Nós precisamos trazer de volta o equilíbrio monetário e o equilíbrio financeiro das nossas instituições. Mas nós precisamos também trazer de volta o sonho de que é possível um desenvolvimento sustentável com a natureza e sem ameaçar a estabilidade do sistema financeiro.

            Isso, Sr. Presidente, dentro do prazo que me foi dado de vinte minutos, era o que eu gostaria de deixar claro aqui.

            Antes, porém, vou conceder um aparte ao Senador Mão Santa. 

            Eu quis relacionar, nessa minha fala, três fatos desta semana: uma reunião organizada pelo João Dória, a crise bancária que permeia todas as nossas reflexões e a morte de um homem, aqui em Brasília, que foi um profeta, mas que tentou mostrar que é possível uma visão diferente da humanidade, do nosso projeto civilizatório. Uma visão que ele chamava de holística, na qual a gente não analisa o banco separado do processo produtivo e separado da mentalidade dos seres humanos; ele procurava ver tudo junto, querendo construir uma sociedade que não fosse apenas rica, mas que fosse harmônica.

            Essa talvez seja a palavra que está faltando, não apenas como símbolo de onde a gente quer chegar, para onde a bússola deve apontar e não o buraco que a gente deve tapar. E talvez seja a palavra que mais simbolize a vida desse grande homem que aos 84 anos nos deixou, na sexta-feira, chamado Pierre Weil.

            Eu passo, entretanto, Sr. Presidente, se me for permitido, a palavra ao Senador Mão Santa, nesses dois minutos que ainda me restam.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam, atentai bem, eu tenho minhas crenças e posso confessá-las: eu creio eu Deus, eu creio no amor, que é o cimento que constrói a família. Rui Barbosa disse: “A pátria é a família amplificada.” Eu creio no estudo que leva à sabedoria. E está no Livro de Deus que a sabedoria vale mais do que ouro e prata. E eu creio no trabalho. Assim com Rui disse que a primazia tem que ser dada ao trabalho e ao trabalhador. O homem vai antes e faz a riqueza. E eu não creio no Governo de Luiz Inácio. Eu não creio! É questão de crença. A minha descrença aumentou muito quando ele, numa infelicidade, ou então inspirado por algum aloprado, pegou o telefone e demitiu V. Exª. Ele devia ter sido humilde e aproveitá-lo como um Richelieu. Luiz XIII também não tinha muito, mas teve o Richelieu para orientá-lo e depois o Cardeal Mazarin. Quis Deus eu estar com um livro muito importante JK: Exemplo e Desafio, de Affonso Heliodoro. Foi um coronel de Polícia que mais viveu com Juscelino. Juscelino é o maior símbolo da história de grandeza deste País. Mas, atentai bem, porque eu não acredito neste Governo. É uma lástima para mim! É uma vergonha! V. Exª introduziu bem seu discurso, entrou na economia. E eu já havia advertido. Falta ao Presidente da República humildade. Não tem ninguém aqui do PT. Esta Casa só tem um sentido: se nós, pais da Pátria, estivermos preparados como V. Exª, como eu, que estamos aqui. V. Exª teve a coragem de dizer o que eu já advertira há mais de ano: o descalabro econômico. A escravatura negra, o Abraham Lincoln resolveu, a Princesa Isabel resolveu e Rui Barbosa ajudou. A escravatura da vida moderna é a dívida. Este País levou todos à dívida. Shakespeare diz: “Palavras, palavras, palavras”. Eu sou mais violento, eu digo: é mentira, é mentira, é mentira! Ele diz que não tem dívida. Ele pode ter pago os banqueiros, por interesses que não sei quais, mas a dívida interna aumentou. Eu vou dar um quadro, que vale por dez mil palavras - e nós estamos aqui é para ensinar, Professor Cristovam. Olha, você pode não dever a nenhum banco e a nenhuma mercearia, mas a sua casa pode não ter água, pode não ter luz, pode ter goteira. É a dívida interna sua. E o Brasil está com uma dívida louca com seu maior patrimônio, que são os velhinhos aposentados. Nós assaltamos, nós roubamos o salário dos velhinhos. Aqui fizemos o contrário. Temos uma dívida com a educação e com a saúde. Papaléo, tem UTI neste Brasil - ó Luiz Inácio - em que a diária é de R$3.500,00, fora o médico, nas UTIs sofisticadas de São Paulo. Isso agride a população nacional. A saúde está boa para quem tem muito dinheiro, para quem tem os mirabolantes planos de saúde, para nós Senadores, que o Senado pagaria. Essa é a verdade. É a dívida com a saúde. Mas eu ia buscar aqui. Eu não acredito. Eu nunca vi tanto desastre. Eu quero lhe dizer que poucos, pouquíssimos estudaram tanta história como eu estudei no Brasil. Nós tivemos o Período Colonial, o Império, um rei que veio de Portugal, dois reis, uma princesa, 28 Presidentes e ditadores, mas nunca a irresponsabilidade foi tamanha. Nós tivemos grandes Presidentes estadistas: Getúlio Vargas e Juscelino. Mas, atentai bem, eu sou do lá Nordeste, fui o primeiro aqui a conhecer a Venezuela. O Presidente Sarney, em sua clarividência, mandou representá-lo no início de nosso mandato, Papaléo Paes, com dois federais. E eu cheguei aqui dizendo do perigo do Chávez. Eu quero lhe dizer que o Nordeste está muito pior do que a Venezuela. O Chávez é pinto hoje. Mas, em contrapartida, há essa bolsa que desvirtuaram, estupraram, desmoralizaram os sonhos de V. Exª. V. Exª poderia processar o Presidente da República por danos ao ideal, ao sonho, por malversação do sonho de Cristovam Buarque. V. Exª sonhou com uma bolsa família. Não dá. No Piauí, mais da metade da população, que aumenta no período eleitoral. Eu não acredito. Eu acredito em Deus, eu acredito no amor, eu acredito no estudo e no trabalho. Papaléo Paes, atentai bem, o povo mineiro sempre foi soberano na nossa história - Liberta quae sera tamen - a grandeza. Atentai bem para o que diz o grande autor Affonso Heliodoro, numa das biografias de Juscelino, talvez a melhor, pela convivência, a mais real e pura. Afastando aqueles três volumes que o próprio Presidente escreveu, Por que construí Brasília, a infância e a vida política. Lá em Diamantina ninguém vivia à toa. Ninguém vive á toa. Eles perderam o ouro, eles perderam o diamante, mas tinha o ser humano. Sófocles disse: “Muitas são as maravilhas da natureza, mas a mais maravilhosa é o seu homem.” O homem mineiro, o homem de Diamantina. Eles perderam o ouro, Papaléo, eles perderam o diamante, mas olhe o que diz: lá ninguém vive à toa. Em Diamantina, quem não se dedicava aos estudos trabalhava; aos meninos mais pobres era usual a aprendizagem em algum ofício. Aqui não é. Eu lamento. Nunca dantes o meu Nordeste e o Norte foram tão sacrificados. Não se cultiva o estudo! Não se cultiva o trabalho! Cristovam Buarque, atentai bem, estou dizendo, porque é meu dever. Sei que vou perder milhares de votos agora, mas não perco a dignidade, a consciência e a minha função, que é ser pai da pátria. Papaléo, a maior imoralidade, a maior indignidade é esse governo que dá, ao parir uma mulher do Norte e do Nordeste, quadro salários mínimos. Papaléo, vou contar um quadro que vale por 10 mil palavras. Isso fica nos Anais. Cristovam Buarque, encontrei uma gestante, olhei, cheia de filho, conheci na fazenda de um amigo, rural, viu Papaléo, e disse a ela: “Minha filha, vou-lhe encaminhar para um médico, o Dr. Chico Pires, da Santa Casa, para ligar as suas trompas.” Tinha dezenas de filhos. E ela disse: “Não, Senador Dr. Mão Santa! Olha, o senhor está vendo aquela televisão? Foi este menino aqui que consegui! O senhor está vendo este da minha barriga? Vou comprar uma moto, vou parir e comprar um moto para o meu marido.” É isso. Aí compra de segunda mão, sem placa, mas esses meninos, daqui a dez anos, Cristovam, daqui a dez anos... Isso está na contramão de todas as sociedades organizadas, V. Exª sabe mais do que eu. A paternidade responsável, o planejamento familiar! Então, se pega para fazer uma indústria de votos. Padre Antonio Vieira, que viveu em nosso Nordeste, saia de Fortaleza a pé para ir a São Luís e passava na minha cidade, Parnaíba, construiu em Flexeiras um local onde ele dizia: “o exemplo arrasta”. Imagine, eu não estou preocupado com os pais que estão aí agora nessa situação, à toa, como se diz aqui. “Lá ninguém vivia à toa. Em Diamantina, quem não se dedicava aos estudos trabalhava. Aos meninos mais pobres era usual o aprendizado de algum ofício.” Atentai bem. Os nossos estão à toa no Norte e no Nordeste. As escolas, um descalabro. Tem aparecido, há escolas médicas, ô Papaléo, mas escolas médicas que aparecem no Nordeste custam quatro mil a mensalidade. Cada vez mais vai ficar elitista. As públicas estão... Então, eu só acreditaria no Governo Luiz Inácio se ele lhe chamasse urgentemente, pedisse desculpas e V. Exª fosse... Eu tenho muitas crenças, como V. Exª, no saber e na educação. V. Exª está de parabéns, mas eu ficaria com o Juscelino. O Juscelino disse o seguinte, Papaléo, atentai bem: “É melhor ser otimista. O otimista pode errar, mas o pessimista já nasce errado e continua errado.” Eu acredito na democracia que construímos juntos. Nós a fizemos renascer e essa democracia possibilita uma alternância do poder. Eu vim ontem de São Paulo. São Paulo vai reagir contra essa enganação que está no Brasil. Transformaram o Nordeste muito pior do que a Venezuela.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Presidente, para encerrar, quero dizer, Senador Mão Santa, que seu discurso, sua fala, seu aparte só tem um defeito: termina tirando a força do meu discurso, porque foi muito enfático. E aí quero destacar uma frase só, que merece, sim, o meu respeito.

            Poucos homens públicos são capazes de dizer: “Sei que perco voto dizendo isso, mas vou dizer.”

            (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - E o senhor falou isso. O senhor sabe o que hoje se enfrenta quando se fala a verdade na ótica que cada um tem. Não estou emitindo juízo de valor; estou dizendo que admiro a coragem do homem público que é capaz de ir contra a corrente e dizer o que pensa, independentemente das conseqüências disso em uma eleição.

            Sr. Presidente, vim aqui para falar dos fatos dessa semana e dizer que, mais uma vez, estou convencido de que a saída está na educação. Fosse alguns anos atrás, diríamos: não, a saída está no socialismo, na economia. Não está. Não vai ser a estatização do sistema econômico que vai trazer o equilíbrio da economia. Não está na economia. A saída está fora da economia. A saída, hoje, está em que esses países que se reúnem todos os dias, com seus chefes de estado, para decidirem onde e como colocar trilhões de dólares para salvar os bancos, que eles se reúnam para saberem como gastar alguns milhõezinhos de dólares para que, na África, não haja uma criança fora da escola, para que no Brasil não haja uma criança sem escola da maior qualidade.

            Não vou dizer que é um apelo, porque seria muita pretensão, mas essa é a angústia que tenho. Querem salvar os bancos - que precisam ser salvos -, mas não se preocupam em salvar, criar os cérebros, que estão derretendo no mundo inteiro por falta de educação.


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