Discurso durante a 193ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise da atual crise mundial, da responsabilidade das instituições financeiras, da omissão dos governos e do futuro do capitalismo. Questão da educação do Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. EDUCAÇÃO.:
  • Análise da atual crise mundial, da responsabilidade das instituições financeiras, da omissão dos governos e do futuro do capitalismo. Questão da educação do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/2008 - Página 40741
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REITERAÇÃO, CRITICA, GOVERNO BRASILEIRO, INSUFICIENCIA, ATENÇÃO, GRAVIDADE, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, ANALISE, RISCOS, CONDUTA, BANCOS, EXCESSO, EMPRESTIMO, SUPERIORIDADE, INADIMPLENCIA, FALTA, INTERVENÇÃO, ECONOMIA, MUNDO.
  • COMENTARIO, CONDUTA, DIVERSIDADE, GOVERNO ESTRANGEIRO, GOVERNO BRASILEIRO, CONCESSÃO, VERBA, BANCOS, GARANTIA, LIQUIDEZ, ESCLARECIMENTOS, PROVIDENCIA, CURTO PRAZO, EXPECTATIVA, CRISE, PROVOCAÇÃO, REFORMULAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, DIRETRIZ, ADAPTAÇÃO, SITUAÇÃO, MUNDO, PREVISÃO, PREVALENCIA, SETOR PUBLICO, REDUÇÃO, SETOR PRIVADO, ESPECIFICAÇÃO, REFORÇO, TRANSPORTE COLETIVO, AQUISIÇÃO, AUTOMOVEL.
  • ADVERTENCIA, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, INVESTIMENTO, PESQUISA, CIENCIA E TECNOLOGIA, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO BASICA, FREQUENCIA ESCOLAR, DEFESA, ATENÇÃO, GOVERNO, BUSCA, PROBLEMA.
  • COMENTARIO, ACEITAÇÃO, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), PROPOSIÇÃO, ORADOR, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), CONDUTA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CONCESSÃO, VERBA, BANCOS, INSUFICIENCIA, CONTROLE, TAXAS, CAMBIO, ADVERTENCIA, ERRO, ALEGAÇÕES, GOVERNO, SUPERIORIDADE, RESERVAS CAMBIAIS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Wellington Salgado, quero, em primeiro lugar, agradecer a sua paciência e a sua colaboração ao ficar até esta hora aqui presidindo a sessão para que eu possa fazer meu pronunciamento. Se V. Exª saísse, eu não poderia fazê-lo.

O SR. PRESIDENTE (Wellington Salgado de Oliveira. PMDB - MG) - É uma honra muito grande, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Vim falar sobre aquilo que venho falando ultimamente, que não é diretamente educação, embora esteja vinculado: a crise que vivemos. Vim falar mais uma vez sobre essa crise que o mundo atravessa e o Brasil também. Mas vim falar dessa crise trazendo, outra vez, a repetição de que ela não está sendo encaminhada na profundidade que ela tem, assim como as saídas para ela também não têm essa profundidade.

Por isso, Sr. Presidente, simbolizando o que vou falar, vou colocar três objetos: vou falar sobre pá, que tapa buraco; sobre bússola, que define novos rumos, e vou falar também de relógio, como símbolo de um caminho novo de que vou falar.

Sr. Presidente, todos sabemos que essa crise vem da ganância dos bancos, que recebem R$1,00 de depósito e emprestam R$2,00, R$3,00, R$4,00, R$5,00, R$10,00, como é natural - a chamada alavancagem possível -, mas chegam a até 65 vezes mais empréstimos do que os depósitos que recebem, até que um dia se descobre isso, e as coisas arrebentam.

E como se descobre isso? Porque, quando se empresta muito, acontecem duas coisas: o banco não tem dinheiro para sustentar o processo e, pior, empresta a pessoas que não vão poder pagar. Aí começa a inadimplência. A inadimplência, não gerando dinheiro, quebra essa roda em que os bancos vivem, a roda de que ele empresta, e a pessoa deposita nele; ele empresta mais, e a pessoa deposita; ele empresta mais, a pessoa deposita. Quando essa roda quebra, o banco também quebra. É claro que a primeira causa é a ganância dos bancos, mas há mais três causas.

A segunda causa é a voracidade do processo produtivo querendo vender os seus produtos. E, para vender, tem de ter financiamento. Não dá para vender carros a uma população grande sem financiar em cinco, dez, cem meses. Essa voracidade está na base da crise dos bancos, mas não é só essa voracidade que provoca crise. Há também uma irresponsabilidade do Governo de não controlar esse processo, a irresponsabilidade dos governos que querem mostrar taxas de crescimento cada vez mais altas como símbolo do sucesso.

O símbolo do sucesso deixa de ser o bem-estar da população e, sim, a venda maior. O símbolo do sucesso é vender mais carro, mesmo que fiquem todos engarrafados nas estradas. E, além destas três - a ganância dos bancos, a voracidade da produção e a irresponsabilidade dos governos -, há também a omissão nossa, do Poder Legislativo, que não somos Governo, mas deveríamos participar do processo, exigindo controles para que não aconteçam tragédias como essa. Por isso, hoje se analisa a crise apenas do ponto de vista dos bancos; no máximo, do ponto de vista do câmbio. Essa é uma análise insuficiente, é a análise que digo que usa como solução a pá para tapar o buraco.

A gente quer continuar na mesma estrada, mas tem um buraco no meio: os bancos quebrando - vamos salvar os bancos. Aí, a pá coloca R$23 bilhões nos bancos brasileiros; coloca US$2 trilhões no sistema financeiro internacional - a pá para tapar buraco. E é necessário isso - não vamos falsear a realidade. Banco quebrar significa correntista sem o seu depósito, e os banqueiros, em geral, já pegaram a sua parte e foram para alguma ilha distante onde ficam impunes. Temos de salvar os bancos.

O que quero dizer é que não basta a pá, é preciso uma bússola. É preciso uma bússola para saber do outro lado do buraco tapado para onde é que a gente vai, para que tudo isso não se repita.

E hoje dá para a gente perceber que essa bússola deve apontar não para o sistema do ponto de vista do fim do capitalismo. É falso isso, como alguns estão colocando, porque o capitalismo só vai, de fato, acabar quando houver outra coisa para colocar no lugar; e hoje nós não temos. É claro que há a possibilidade de se estatizar os bancos, mas isso não basta para acabar com o capitalismo. O sistema bancário estatal já existe há muito tempo. O que a gente precisa é saber para onde caminhar nos próximos anos e décadas enquanto não surge um novo sistema diferente do capitalismo. Porque eu não acredito que a inteligência humana, Senador Wellington, que é capaz de ir à lua e ao espaço, que é capaz de conhecer o corpo e de dar receitas para todos os problemas, não seja capaz de inventar um sistema social em que não haja desemprego, não haja exploração, não haja desigualdade e não haja taxa de juros. É claro que, um dia, a gente vai ter um sistema utópico, um sistema em que não haja desemprego, não haja exploração de alguns ganhando mais do que outros às custas do que ganha pouco e não haja taxa de juros. Nada nas leis naturais exige que haja taxa de juros. É possível, sim, um dia isso acontecer, mas não vai ser como conseqüência dessa grave crise atual. Essa grave crise vai permitir e exigir um reajuste do sistema, e é aí que entra a bússola no Brasil.

Nós precisamos entender que, nos momentos de crise, surgem alternativas que trazem melhoria para a realidade. O Brasil começou, de fato, em 1808, quando uma crise européia obrigou o Rei de Portugal a vir morar no Rio de Janeiro e criar o Banco do Brasil e abrir os portos e criar faculdades. Se não fosse aquela crise européia das guerras napoleônicas, o Brasil teria esperado muitos anos para poder ter a sua independência, que veio em 1821.

Em 1930, com um debacle parecido com o atual, com uma crise dessa profundidade ou até mais foi que o Brasil encontrou o seu caminho de se transformar em uma nação industrial. Até aí, éramos um País que exportava café e comprava tudo lá fora. Quando os americanos, por causa da crise, deixaram de comprar o nosso café, tivemos de produzir aqui dentro o que antes comprávamos. Para isso, o Governo Vargas foi capaz da genialidade, que parece uma estupidez, de comprar o café dos produtores, queimá-lo e, com o dinheiro recebido pelos cafeicultores, investir em indústria, porque não podíamos importar. E o Brasil começou a industrializar-se.

Chegou agora outra crise, que vai exigir que o Brasil procure um novo rumo, como o mundo inteiro, e esse novo rumo, a meu ver, virá de um processo produtivo redesenhado em que o público terá primazia sobre o privado. Em vez de a indústria automobilística comemorar os milhões de carros que vende por ano, deve-se comemorar um sistema de transporte público de qualidade para todos.

Sei, Senador Wellington, que este discurso não traz voto, que a mentira dá mais votos - prometendo que todos vão ter automóvel - do que a verdade de dizer que não há mais condições de colocar tantos carros nas ruas. Não apenas porque o dióxido de carbono destrói a atmosfera, esquentando-a, mas porque não existe mais nem lugar para colocar esses carros. Transporte público não gera essa crise que estamos passando, porque não há necessidade desse crédito individual para cada pessoa, que termina levando à inadimplência, porque não leva à escassez de recursos, já que não é necessário queimar tanto combustível .

Mas o automóvel, o transporte público é apenas um exemplo. Há uma enorme quantidade de alternativas de investimentos neste País, inclusive para dar lucro ao setor privado, produzindo bens para o público, porque também temos de acabar com a idéia de que só é público o que é estatal. Há atividades privadas que são de interesse público. Essas são aquelas que vão merecer as nossas prioridades. E aí eu coloco o investimento na ciência e na tecnologia, o investimento na criação de produtos novos no mundo, feitos aqui dentro, em vez de continuarmos importando todas as ciências e tecnologias quase e apenas produzindo aqui os bens materiais.

O Brasil é um País sem conteúdo de inteligência naquilo que a gente produz. Em cada produto que a gente compra por aí, a gente está pagando ciência e tecnologia que foi fabricada em outro país. A gente está importando inteligência. O Brasil não exporta inteligência porque não tem. Até os nossos aviões da Embraer, que são talvez o símbolo melhor do produto de qualidade tecnológica do Brasil, ali naquele avião, a maior parte do conteúdo inteligência, dos sistemas, dos chips, é importada. A gente fabrica a parte de lataria quase que só.

Pois bem. Essa crise pode trazer alternativas se o Brasil descobrir que o nosso caminho é, agora, atrasadamente, nos transformarmos não só no País industrial que somos a partir de 30, mas no País do conhecimento que a gente vai ter de ser daqui para frente.

É aí que entra o relógio, Senador Wellington. Falei da pá que tapa o buraco, falei da bússola que define rumos, mas vamos falar do relógio que mede a quantidade de conhecimento que um país gera. O relógio que define quantos temos de analfabetos, quantos temos concluindo o segundo grau, quantos temos concluindo o segundo grau com qualidade, quantos temos nas universidades, quantos temos nos serviços de ciência e tecnologia.

Mas eu uso o relógio para simbolizar que há duas formas completamente diferentes de enfrentar o problema da educação no Brasil.

Tomemos a questão da alfabetização.

Em 2003, no primeiro ano do Governo Lula, nós tínhamos um programa para erradicação do analfabetismo. Morreu em 2004 e foi substituído por um programa de alfabetização. Qual é a diferença entre o programa de alfabetização e o de erradicação? É o relógio, Senador Wellington. No caso da alfabetização, o relógio marca quantos vamos alfabetizando. No caso da erradicação, o relógio marca quantos faltam para serem alfabetizados. Isso faz uma diferença total naqueles que estão envolvidos no programa de resolver a situação de analfabetismo. Uma coisa é você comemorar o número dos alfabetizados, a outra é você pedir desculpas pelo número dos que não foram alfabetizados ainda.

O Brasil continua insistindo no relógio que vai mostrando quantos foram alfabetizados e comemorando isso, negando-se a ter o relógio que mostre quantos faltam ser alfabetizados. Essa é a revolução de mentalidade que a gente precisa para enfrentar a crise. A mudança de mentalidade vai possibilitar olhar a bússola para dizer aonde queremos ir e ter a pá apenas como instrumento provisório. A pá que joga dinheiro nos bancos, essa pá pode diminuir a crise atual, mas precisamos de uma bússola, definindo o novo rumo para onde o País vai, de uma economia baseada na produção de serviços e produtos públicos, orientando-se na direção de termos, neste País, a produção de conhecimento e não apenas esse vício brasileiro de importar conhecimentos, ciência e tecnologia, e ficarmos apenas na produção material de bens primários, do uso das mãos no lugar do uso dos cérebros. Para que essa bússola funcione, é preciso mudar a mentalidade de como nós governamos.

Eu fiz um desafio, Senador Wellington, a dois Governadores do País: ao Governador do Distrito Federal, que eu represento, e ao Governador de Santa Catarina, porque são dois Estados pequenos e já com alto nível de educação, se comparados com o resto do Brasil, embora muito atrasados quando comparados com aquilo de que nós precisamos. O desafio é que eles marquem uma data para declarar seus Estados territórios livres do analfabetismo. Os dois Governadores me disseram que aceitavam esse desafio, o desafio do relógio que vai mostrando quantos ainda faltam e não do relógio de quanto fizemos, como prevalece hoje no Ministério da Educação do Brasil, e sempre prevaleceu, salvo durante um ano: 2003. Essa mentalidade nova de que eu falo para o analfabetismo vale para o resto.

Nós comemoramos dizendo que todos, neste País, quase, já estão no ensino fundamental. É uma mentira. Nós temos 97% matriculados, mas matriculado não significa freqüência; freqüência não significa assistência; assistência não significa permanência até o final do segundo grau; permanência não significa aprendizado. Portanto, é uma mentira dizer que, no Brasil, o ensino fundamental é, está universalizado. Estão universalizadas quase - porque 3% são muito, faltando ainda - as matrículas. Longe, longe estamos de universalizar o ensino.

Pois bem. É preciso ter um relógio que diga quantas crianças não estão na escola hoje e não apenas comemorar quantas estão. É preciso um relógio que mostre quantas estão saindo da escola - calcula-se 60 por minuto, no Brasil. É muito. Esse relógio não aparece na maneira como nós administramos os destinos do País.

Precisamos mudar a mentalidade: do relógio que diz o que estamos fazendo para o relógio que diga o que falta fazer. Enquanto não tivermos essa mentalidade nova, essas crises voltarão. E mesmo sem elas, a tragédia permanece, porque, no Brasil, há dois meses ninguém falava em crise, mas a fome continuava, mas a deseducação continuava, mas as filas nos hospitais continuavam. E não foi o povo excluído que provocou essa crise, porque a crise do sistema bancário não vem por culpa de quem passa fome, não vem por culpa de quem mora embaixo de ponte. Quem mora embaixo de ponte não consegue dinheiro de banco para construir sua casa. Quem consegue dinheiro de banco para construir sua casa, em geral, é quem já tem uma casa e coloca-a como hipoteca para comprar uma melhor, ou para ampliá-la. Quem anda a pé por falta de dinheiro para pagar a passagem de ônibus não tem crédito para comprar um automóvel. Quem tem crédito para comprar um automóvel é quem já tem um que está ficando velho, é quem tem uma casa para dar de garantia.

Portanto, a crise financeira não veio daqueles excluídos. Esses nunca tiveram nem conta bancária e, se tiveram conta, não tiveram financiamento. A crise veio daqueles que já têm e que querem mais, numa voracidade de consumo que termina provocando os bancos para emprestar mais, na voracidade que eles têm de lucro, para atender à voracidade que tem o setor produtivo de vender, para atender o desejo de cada um de nós de consumir mais e mais - e diante da irresponsabilidade dos governos e dos nossos olhos fechados, nós que nem somos governo, mas que temos a obrigação de zelar pelo bom funcionamento das coisas públicas.

Sr. Presidente, mesmo sabendo que isso também tira voto - mas eu não estou, aqui, falando para poder entrar, daqui a dois anos, por aquela porta, eu estou falando para tentar entrar numa porta mais difícil, que é a porta da história deste País, mesmo que para entrar na história deste País nós terminemos perdendo a chance de entrar por essa porta do Senado -, não posso deixar de dizer que se eu digo que nós, como eleitos, temos uma responsabilidade, nós, como eleitores, temos também.

E nós, como eleitores, também, muitas vezes, somos tão omissos e irresponsáveis quanto nós, os eleitos, porque votamos sem pensar no médio prazo, sem pensar no longo prazo, sem pensar nas crianças e nos filhos da gente, pensando apenas na ilusão, na falsidade de um crescimento que é inviável por muito tempo. Eu estou dizendo isso sem falar que essa crise vai gerar um sistema alternativo. Não, é mentira, também, dizer que acabou o capitalismo. É verdade dizer que aquele capitalismo entrou em crise e que tem gente querendo resolver a crise apenas com uma pá, jogando dinheiro nos bancos. Estão jogando dinheiro numa fornalha e dinheiro em fornalha queima, incinera, e você precisa cada vez mais. Como diz a manchete de hoje do Correio Braziliense, o Banco Central está tentando enxugar gelo, porque quanto mais dólares compra, mais sobe a taxa de câmbio, não porque comprou, porque cresceria ainda mais, mas porque, hoje, há um movimento imenso de recursos internacionais que se mede em trilhões, levando dólares que os Estados Unidos estão precisando.

O Brasil conseguiu um recorde na sua história de reserva: 200 bilhões. Mas eu não entendo como é que, num mundo que fala em trilhões, nós achemos, ou digamos que podemos ficar tranqüilos porque temos alguns bilhões. Por mais que sejam as reservas, comparadas com as que tínhamos no passado, ainda são muito pequenas, comparadas com o movimento imenso do capital internacional, que se mede em trilhões. Por isso, não vamos vender ilusões: nem a ilusão de que o capitalismo acabou - vai demorar muito ainda, embora um dia isso vá acontecer -, nem a ilusão de que tudo continua igual, bastando apenas tapar os buracos dos bancos e comprar alguns dólares no mercado.

Deixemos de lado a idéia de que a crise se resolve com uma pá. Entendamos que a crise vai precisar de uma bússola e saibamos que essa bússola, na hora de ser praticado o caminho que ela define, de uma economia diferente, produzindo, para todos, mais bens coletivos do que bens privados, mais bens de equilíbrio sustentável do que bens depredadores, esse caminho que a bússola vai indicar vai exigir uma mudança de mentalidade que faça com que o relógio que temos dentro da nossa cabeça não comemore apenas o que a gente faz, mas lamente aquilo que não estamos fazendo. Se não entendermos que não estamos fazendo o que é preciso, se apenas comemorarmos o pouco que estamos fazendo, a crise pode resolver-se por um tempo, mas o País continuará do mesmo jeito: inviável a médio e a longo prazo.

Era isso, Sr. Presidente, que eu queria falar hoje, quase que como uma maneira de pensar sozinho, talvez, mas exercendo a minha obrigação de cidadão brasileiro e, vou dizer, sim, a minha obrigação de professor, talvez mais, até, que a de Senador e político, mesmo sabendo que essa postura termina indo contra a posição do político, termina tirando mais votos do que dando, mas, pelo menos, deixa a consciência tranqüila com aquilo em que venho insistindo.

Eu gostaria que a maneira como eu ficarei conhecido seja a de dizer: eu tentei. Eu creio que tentar, hoje, é o verbo mais importante que a gente tem para ser usado, mais importante do que vencer, mais importante, até, do que dizer: fiz.

Este discurso quero deixar dentro dessa idéia de que nós precisamos tentar. Nós precisamos tentar a pá, a bússola e o relógio.

Era isso, Sr. Presidente, que eu queria dizer, agradecendo o seu tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/2008 - Página 40741