Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o artigo intitulado "A crise que derruba mitos", publicado no jornal Correio Braziliense, de autoria do Diretor-Geral do Senado, Agaciel Maia. Registro da aprovação, na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado, de projeto que obriga o uso de proteção no motor, eixo e partes móveis das embarcações.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SAUDE. POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Considerações sobre o artigo intitulado "A crise que derruba mitos", publicado no jornal Correio Braziliense, de autoria do Diretor-Geral do Senado, Agaciel Maia. Registro da aprovação, na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado, de projeto que obriga o uso de proteção no motor, eixo e partes móveis das embarcações.
Aparteantes
Augusto Botelho, Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2008 - Página 44648
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SAUDE. POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), ASSUNTO, GRAVIDADE, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, DEBATE, FUNÇÃO, ESTADO, QUESTIONAMENTO, URGENCIA, AUXILIO FINANCEIRO, BANCOS, EMPRESA PRIVADA, CONTRADIÇÃO, DEMORA, LIBERAÇÃO, RECURSOS, PROBLEMA, FOME, DESEMPREGO, DOENÇA, MEIO AMBIENTE, IMPORTANCIA, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, CAPITALISMO, DEFESA, ORADOR, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, EMPRESA, OBJETIVO, PROTEÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.
  • ANUNCIO, CONGRESSO BRASILEIRO, CIRURGIA, REPARAÇÃO.
  • REITERAÇÃO, DENUNCIA, GRAVIDADE, MUTILAÇÃO, PASSAGEIRO, TRANSPORTE AQUATICO, REGIÃO AMAZONICA, MAIORIA, MULHER, ACIDENTES, MOTOR, PROTESTO, OMISSÃO, IMPRENSA, AUTORIDADE.
  • COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, MATERIA, EXIGENCIA, COBERTURA, MOTOR, EMBARCAÇÃO, CRIAÇÃO, DIA NACIONAL, COMBATE, PREVENÇÃO, ACIDENTES, TRANSPORTE FLUVIAL, REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, VITIMA, VITORIA, INCLUSÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), PROCEDIMENTO, REPARAÇÃO, CIRURGIA, ASSISTENCIA PSICOLOGICA, DETALHAMENTO, VIOLENCIA, SITUAÇÃO, APRESENTAÇÃO, DADOS, HOMENAGEM, TRABALHO, MEDICO, LUTA, MELHORIA, TRATAMENTO, ELOGIO, ATUAÇÃO, MARINHA, CAMPANHA, CONSCIENTIZAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, CONCLAMAÇÃO, APOIO, SENADOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema que preparei para discorrer desta tribuna é o escalpelamento.

Mas, antes de discorrer sobre esse tema, quero dizer que, lendo o Correio Braziliense de hoje, vi um artigo extremamente interessante, que se relaciona a esta crise por que estamos passando, crise mundial, que, em nosso País, quiseram minimizar politicamente. Mas, na realidade, precisamos ter muito cuidado e sempre falarmos às claras, para que as pessoas e as instituições possam proteger-se e colaborar, para que não tenhamos um caos econômico neste País.

O artigo tem o seguinte título:

A Crise que Derruba Mitos

Desde o último dia 7 de setembro, o mundo parece ter mudado de eixo. Foi em nossa data nacional que o governo norte-americano assumiu a “tutela” de duas das maiores companhias de refinanciamento hipotecário dos Estados Unidos, a Freddie Mac e a Fannie Mae. O Governo divulgou à época que estava disposto a investir 100 bilhões de dólares em cada uma delas.

Algo impensável há pouco tempo. A verdade é que diversas teorias econômicas começaram a fazer água. Emblemático que esse “auxílio” prestado pelo governo a duas companhias da esfera privada significou, na prática, um dos maiores aportes financeiros verificados na história dos Estados Unidos.

O governo norte-americano entrou no jogo com o firme objetivo de dar uma sobrevida às empresas e, desse modo, procurou superar a crescente onda de temores de que milhares de seus clientes estavam inadimplentes no pagamento de suas hipotecas. Pode ser que no futuro essa pesada intervenção governamental para evitar o colapso de duas empresas que, juntas, respondem por mais de 40% dos empréstimos imobiliários concedidos nos EUA, venha a ser vista como a abertura da maior crise financeira ocorrida no mundo moderno e de proporções continentais.

De lá para cá, muita água represada em tempos de aparente normalidade econômica foi-se reunindo para formar um tsunami financeiro de proporções inéditas. No dia 15 de setembro, Lehman Brothers, o 4º maior banco de investimentos dos Estados Unidos, pediu concordata, e a Bolsa de Valores de São Paulo teve sua primeira maior queda em um único dia: 7, 59%. Já no dia seguinte, a AIG, maior seguradora do mundo, recebeu outro extenso aporte de dinheiro do governo norte-americano para evitar sua falência - um negócio de cerca de 85 milhões de dólares.

 No dia 26 daquele mês, o Banco Mutual, outro dos maiores bancos daquele país, anunciou sua falência. O resto é história permeada pelo conhecido efeito dominó: bancos e seguradoras não superam a crise de liquidez e em sua queda vão derrubando empresas menores.

Como tudo está interligado e a economia é de longe a parte mais vistosa do movimento conhecido como Globalização, as bolsas de vários países e em todos os continentes foram imediatamente contaminadas pela onda de temor, apreensão e desespero. As projeções de crescimento econômico das nações despencaram, algumas para níveis negativos. Analisando a encrenca em que os mercados se envolveram não se pode dizer que tal onda tenha atingido o seu clímax. Mesmo com drásticos remédios oferecidos pelos governos, o ponto em comum é que todos, sem exceção, retiram o Estado de seu status quo para enveredar por um caminho intervencionista nunca antes pensado. Essa intervenção já ultrapassa a casa do trilhão de dólares e alguns especialistas já chegam a estimar um rombo a ser coberto da ordem de US$3trilhões.

Ainda no calor da crise podemos rever alguns conceitos alçados à condição de mitos, de cláusulas pétreas de qualquer tratado financeiro internacional. Um desses mitos que parecem verdade é o que pontifica ser o setor público ineficiente, perdulário e, no melhor das vezes, míope.

Tal arrazoado aponta para a sacralidade da iniciativa privada, detentora, por seus próprios méritos, dos louros da excelência, no gerenciamento financeiro e administrativo. Outro desses conceitos é o que enuncia ser de boa prática dar ao Estado o que é do Estado e ao mercado o que é do mercado. Agora, embaralha-se tudo e o que é público transfere-se em socorro do que é privado. Como já se disse, quando a empresa tem lucros, estes são delas e dos seus acionistas. Mas, quando tem prejuízo que seja transferido para o setor público, para que o contribuinte pague a conta das aventuras e erros privados. Digno de nota é o fato de o socorro oficial acontecer de forma rápida, quase que concomitante à crise, enquanto temas seculares que pautam as conversações multilaterais, como a fome e o desemprego no mundo, a devastação dos recursos naturais do planeta, o superaquecimento e o alastramento de epidemias arrastam-se, por assim dizer, nos escaninhos recheados de boas intenções.

Não podemos ainda discernir se a crise tende a se estabilizar ou se ganhará novos contornos. Mas, podemos afirmar que ela, como disse o Presidente francês Nicolas Sarkozy, exige um novo desenho do sistema capitalista. E quem sabe surja daí um capitalismo mais fiscalizado e compulsoriamente mais humano, menos predatório e mais comprometido com o social.

Concedo um aparte, com muita honra, ao Senador Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Papaléo Paes, gostaria de parabenizar V. Exª por seu pronunciamento e frisar bem a parte que V. Exª mencionou agora quase no final do discurso. Se houvesse pelo menos a metade da mobilização e da dedicação que os países ricos, principalmente, tiveram para socorrer os grandes bancos, em relação à fome e ao desemprego, o mundo seria muito melhor, Senador, com certeza. Haveria muito mais riqueza sendo gerada. Não sei por que não entendem isso. Se você dá mais oportunidade para as pessoas que estão com dificuldades de trabalhar, de melhorar de vida, de desenvolver o seu negócio, você melhora para todos. Os que têm muito dinheiro vão ganhar mais dinheiro. Quando é para isso ou para uma guerra, conseguem logo fundos, capitais, enfim, mobilizam-se logo. Para esse problema crônico da humanidade, como V. Exª disse, que é a fome e a falta de trabalho, gostaríamos que os países ricos se mobilizassem. Espero que um dia isso aconteça, Senador. Parabéns pelo seu pronunciamento.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Muito obrigado, Senador Augusto Botelho.

Quero fazer justiça e dizer que realmente eu trouxe esse artigo para ser lido porque o achei muito inteligente e interessante. É da autoria de um técnico da Casa muito experiente, cujo trabalho eu acompanho. O Dr. Agaciel da Silva Maia, com muita lucidez, nos traz esse artigo, essa opinião, que se encaixa plenamente naquilo que eu penso.

         Sr. Presidente o motivo técnico da minha presença é um tema sobre o qual já discorri em outro momento: o escalpelamento. Aproxima-se o Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica. Inclusive, na quarta-feira, haverá aqui uma sessão especial.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - E V. Exª acaba de ser indicado para falar em nome do PSDB, na sessão de quarta-feira.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Agradeço, porque tive a informação de que só as lideranças partidárias iriam fazer uso da palavra, na sessão de quarta-feira, aqui no Senado.

Quero agradecer o PSDB, em nome do Presidente da sessão, Senador Alvaro Dias, pela indicação do meu nome para discorrer sobre o assunto na próxima quarta-feira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há dois meses, ocupei esta tribuna para denunciar o triste, trágico e vergonhoso cotidiano dos escalpelamentos de que são vítimas os passageiros de barcos - notadamente as mulheres - na região amazônica. Volto a esta tribuna para insistir nesse tema, que configura uma vergonha, uma verdadeira chaga para o nosso País e que não tem a devida visibilidade, talvez porque as suas vítimas são, Senador Mozarildo, em sua grande maioria, pessoas humildes e moradoras de rincões distantes das grandes metrópoles e dos centros decisórios do poder.

Felizmente, a Bancada da Amazônia, tanto nesta Casa legislativa quanto na Câmara dos Deputados, têm-se mostrado unida na defesa dos povos ribeirinhos, ao mesmo tempo em que as vítimas desses acidentes têm se mobilizado para exigir providências do poder público e para conscientizar a população no sentido de prevenir esse tipo de acidente. E é com grande satisfação, Sr. Presidente, que registro aprovação pela Comissão do Serviço de Infra-Estrutura desta Casa, no último dia 30, do projeto de lei, de autoria da Deputada Federal Janete Capiberibe - que é do meu Estado -, relatado pelo ilustre colega Senador Leomar Quintanilha, que objetiva reduzir os acidentes com escalpelamentos e mutilações em embarcações de pequeno e médio portes. Entre outras providências o projeto determina que sejam cobertos os motores, eixos e outras partes móveis dos mais de 80 mil barcos que navegam pelo rios amazônicos. Vejam só: mais de 80 mil barcos navegam pelos rios amazônicos.

Trata-se de mais uma ação parlamentar que vem somar-se à aprovação, em caráter conclusivo, do Projeto de Lei nº 1.883, de 2007, ao qual me referi em pronunciamento anterior. De autoria do ex-Deputado Sebastião Rocha - também da Bancada amazônica e também médico, como alguns de nós - esse projeto, que será agora apreciado pela Casa, institui o Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento, como forma de conscientizar e de mobilizar a sociedade brasileira para evitar ocorrências dessa natureza.

Por mais trágicas que sejam as ocorrências de escalpelamento, não se podem ignorar também os avanços obtidos na luta das vítimas desses acidentes. Em agosto do ano passado, as mulheres vitimadas fizeram a sua primeira mobilização, ocorrida aqui na capital da República. Como resultado desse movimento e de outras expressões da comunidade, a tabela do Serviço Único de Saúde, o SUS, já contempla, Senador Mão Santa, hoje, nove procedimentos voltados para a reparação dos danos decorrentes do escalpelamento - e não contemplava nenhum - como cirurgia reparadora, fornecimento de expansores de pele e assistência psicológica.

Ainda é muito pouco, Sr. Presidente!

O atendimento às vítimas ainda é demorado e, em muitos hospitais da região, não há profissionais especializados, nem materiais básicos, como próteses e expansores. Falta, sobretudo, uma maciça campanha de conscientização junto aos proprietários de embarcações e aos usuários desse meio de transporte para evitar ocorrências desses acidentes. A imensa maioria da população brasileira não sabe sequer o que é o escalpelamento, acidente com registro em 24 Unidades da Federação e recorrente na Amazônia.

O que é o escalpelamento? É um grave acidente que consiste no arrancamento do couro cabeludo, quando os cabelos da vítima se enroscam em eixos de motores ou hélices. Isso acontece com uma freqüência que nós nem imaginamos.

Como os barcos são a principal e, muitas vezes, a única opção de transporte para a população ribeirinha, a sua ocorrência é mais freqüente na região Norte. Nós, que vivemos na região Norte, já vimos que realmente é algo que consegue abalar qualquer um de nós. A forte rotação do motor acaba por arrancar o couro cabeludo. Estão entendendo? O motor está rodando e o cabelo da criança, principalmente o da mulher, engata no motor, que sai enrolando o cabelo, e, claro, não arrebenta o cabelo, mas sai arrancando tudo com que o cabelo está tendo contato.

A violência do escalpelamento, muitas vezes, leva o couro cabeludo e outras partes do rosto, como as pálpebras, as sobrancelhas e até as orelhas. A violência do escalpelamento pode provocar graves deformidades e até a morte das vítimas, quase sempre mulheres, que têm os cabelos mais compridos. Inclusive, há citação de que esse escalpelamento, a retirada da pele, é como se a pessoa estivesse retirando a sua roupa. Ela pode atingir até os órgãos genitais. Já há registro de órgãos genitais terem saído com pele e tudo. É realmente algo tenebroso.

As meninas entre cinco e dez anos de idade perfazem 65% das vítimas de escalpelamento e carregam esse intenso sofrimento físico e psicológico por muitos anos; muitas vezes, por toda a vida.

Quero que aqueles que estão nos ouvindo entendam que não é como arrancar o cabelo, mas o couro cabeludo, expondo a parte óssea, o crânio. Não é como tirar uma peruca, que retirar apenas o cabelo. No caso, retira-se o couro cabeludo!

Então, 65% das vítimas de escalpelamento são meninas que têm entre 5 a 10 anos de idade, que carregam esse sofrimento físico e psicológico por muito tempo. Muitas vezes, por toda a vida. Homens ou mulheres, adultos ou crianças, as vítimas do escalpelamento, muitas das quais perdem a visão ou a audição, além de terem o rosto desfigurado, sofrem com o preconceito social e com a ineficiência das políticas públicas.

É escusado dizer, Srªs e Srs Senadores, que muitas dessas vítimas, em razão do preconceito, têm enormes dificuldades para se inserirem no mercado de trabalho.

Com muita honra, concedo um aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti, ao Senador Augusto Botelho e ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Papaléo Paes, V. Exª faz um pronunciamento muito didático, explicando como convém para a grande maioria dos brasileiros, que não conhecem o tema. Se isso acontecesse no Rio, São Paulo ou Minas, já teria merecido muitas e muitas ações preventivas e curativas, principalmente. Mas acontece em Estados pobres, principalmente na Amazônia, onde se usa o transporte fluvial com muita intensidade. É realmente alarmante! Eu estava comentando com o Senador Augusto Botelho, que também é médico, que, quando eu era plantonista em Belém, vi vários casos. À época, como V. Exª disse, era difícil ter o que fazer, porque não havia especialistas, não havia cirurgiões plásticos, não havia sequer os equipamentos e as próteses necessárias. Então, é realmente muito importante que esse congresso de cirurgia plástica que vai ser realizado - vai haver uma sessão em sua homenagem - chame atenção para um tema como este, que atinge um percentual grande. Como V. Exª disse, 65% das vítimas estão na faixa etária de 3 a 5 anos de idade, mulheres. Realmente, é um drama que precisa ter a atenção do Brasil todo. Talvez, com isso, o nosso Ministro Temporão, que, como temporão, está sempre fora do tempo, atente para o problema.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Obrigado, Senador Mozarildo, pela sua intervenção. Realmente, foi uma intervenção de quem conhece, desde os tempos de estudante, esse problema sério. Quero incorporar sua participação ao meu pronunciamento.

Com muito honra, ouço outro colega, médico também, que é o grande Senador Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Obrigado, Senador Papaléo. Realmente, V. Exª traz um tema que é estranho para os que são do sul do Brasil, para os que não são da região Norte. Os nossos barcos, que são o principal meio de transporte da Bacia Amazônica, geralmente têm o motor no centro. O eixo que leva até a hélice, em alguns barcos, fica exposto e tem alguns parafusos. É ali que ocorre a maioria dos acidentes, principalmente com crianças. A criança vai dormir, o cabelo escorrega, cai ali, enrola e acontece o acidente. Na minha experiência de médico - tenho 37 anos de formado -, eu só vi três casos, porque não há tantos casos de escalpelamento em Roraima. Um deles ocorreu no final da década de 1960, quando eu estava na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Levei uma criança para lá. Ela ficou quase quatro anos na Santa Casa de Misericórdia. Eu saí, e ela continuou lá, fazendo cirurgias plásticas de recuperação. Hoje ela é uma cidadã em Roraima, tem família, tem tudo. Mas é bom que esteja havendo essa mobilização e que V. Exª traga esse tema para cá, para que o País todo tome consciência, porque algumas medidas têm que ser tomadas. Aproveito para fazer um apelo aos donos de barcos a motor na Amazônia, para que cubram aquele eixo que fica exposto - o que é muito fácil. Faço um apelo também às esposas de donos de barco para que peçam a seus maridos para cobrirem o eixo. Só tomando precaução é que vamos evitar esses acidentes, porque o principal meio de transporte da Bacia Amazônica é o barco. Parabéns a V. Exª, Senador Papaléo, por ter escolhido esse tema. Tenho certeza de que, após esse congresso de cirurgia plástica, nós vamos sair com alguma coisa para atenuar ou, se Deus quiser, extinguir esses acidentes nos barcos e nas áreas industriais. Muito obrigado.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Senador Augusto Botelho, quero também parabenizá-lo pela participação, que faz com que lembremos, outra vez, que a dificuldade de locomoção terrestre e aérea na nossa região é muito grande. Temos cerca de 80 mil barcos funcionando. São barcos de diversos tamanhos, barquinhos feitos no estaleiro por curiosos, por práticos, barcos com capacidade para 200 pessoas, 300 pessoas, seja lá o que for, mas barcos que têm seu motor exposto.

Realmente, por não serem tomadas medidas drásticas, duras, contra essas pessoas... Coitados! Muitas vezes, aqueles que trabalham manobrando esses barcos são pessoas ignorantes mesmo, que nem pensam que pode acontecer tal acidente. Mas acredito que vamos tomar algumas providências.

Esse congresso vai ser fundamental para chamar a atenção da população brasileira sobre esse acidente, que chamo de terrível, de tenebroso.

Ouço, com muita honra, o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Papaléo, V. Exª tem trazido vários temas ao Congresso. V. Exª criou, na Comissão de Assuntos Sociais, uma Subcomissão de Saúde, da qual, por mérito, vem sendo o Presidente, e eu já tive o privilégio de trabalhar, como Relator, com V. Exª. Agora, V. Exª traz o tema do trauma cirúrgico - eu, médico de Santa Casa, já tive casos desses que chamamos de escalpo. Escalpo é um acidente - nós não temos essas embarcações - que descola o couro cabeludo do plano da calota óssea, dos ossos que formam o crânio: os temporais, os parietais, os frontais e os occipitais. Eu, que fiz cirurgias por muito tempo, para se ter uma noção de como é grave o procedimento, naquele tempo se pagava bem. O Sistema Único de Saúde tinha uma tabela variável. A Unidade de Serviço variava de acordo com o procedimento. Lembro-me de que isso era 150 US. Era o equivalente ao valor de uma cirurgia de tireóide, de uma colectomia. Então, V. Exª chama atenção para o assunto. No restante do País, há, não por esse mecanismo... No Estado em que vivo, o rio teve navegabilidade. No entanto, construíram lá uma hidrelétrica e nunca se lembraram de fazer as eclusas. Pensei que esse Governo fosse terminar a hidrelétrica que tínhamos. O governante de lá, não por falta de visão, mas por uma cegueira total, fala em cinco hidrelétricas, mas não termina a eclusa para fazer o rio voltar a ser navegável. Mas esse acidente acontece, no Nordeste, pelo comportamento, pois é muito comum a violência com armas brancas lá. Então, basta ter briga com machado e facão... Quando se dá uma facada com um facão no couro cabeludo, ocorre esse fato que V. Exª chama de escalpo do couro cabeludo. Então, sem dúvida nenhuma, V. Exª mostra que quase 70% dos acidentes ocorrem nas embarcações, que abundam no Amazonas. V. Exª adverte em boa hora. É preciso fazer a profilaxia desses acidentes. Foi um avanço para a Medicina quando ela entrou em acidentes de trabalho. O mundo se industrializou e parava diante do número excessivo de acidentes de trabalho. Hoje, a Medicina, organizada, já faz uma prevenção, da mesma maneira que V. Exª busca uma prevenção para os acidentes na navegação, que são a causa fundamental do escalpo, que é um grave acidente.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Senador Mão Santa, realmente, V. Exª, como cirurgião, sabe muito bem da gravidade do caso, e, apesar de não ter tido contato direto com esse tipo de causa que temos na Região Norte, sabe como é dramático, como é duro, como é sério e precisa de providências, principalmente essas, para se evitar o escalpelamento.

Sr. Presidente, peço que V. Exª me conceda um tempo para terminar meu discurso, que é técnico. Eu quero fazer um registro aqui, Sr. Presidente, de justiça. Fiz um discurso sobre isso em outra oportunidade. Zeneide Alves de Souza é pioneira em cirurgia plástica. Ainda há pouco, eu conversava com V. Exª sobre a força de vontade dessa médica. Ela era professora, depois formou-se médica e fez especialização em cirurgia plástica. Hoje é alguém que está dedicadíssima aos casos de escalpelamento. Temos outros colegas também, como o Alexandre Lourinho, que é um jovem cirurgião.

A Drª Zeneide, nós todos a homenageamos pela sua dedicação. E ela me falava sobre os números reais do Estado do Amapá, porque dei um número generalizado, e ela me chamou a atenção. No Amapá, Sr. Presidente, foram registradas 248 ocorrências de escalpelamento desde o ano 2000. Em toda a Região Norte, entre 2000 e 2006, houve 9.547 atendimentos dessa natureza no Sistema Único de Saúde, de acordo com a Defensora Pública Luciene Strada. O Centro de Voluntariado da Amazônia, que há 12 anos se dedica a prevenir esse tipo de acidente e a dar auxílio às vítimas, aponta as deficiências no atendimento pelo sistema de saúde, como falta de equipamentos e medicamentos para cirurgias e ausência de acompanhamento psicológico.

A cirurgia é de alta complexidade, e o tratamento, que dura em média dez anos - veja bem, Senador Mão Santa, o tratamento dura em média dez anos -, tem um custo muito elevado. E, no entanto, tudo isso poderia ser evitado com procedimentos simples, como a conscientização de usuários e proprietários de embarcações, bem como a utilização de uma proteção nos motores e hélices.

Nesse aspecto, é mister registrar o louvável trabalho preventivo que vem sendo realizado pela Marinha do Brasil, responsável pela fiscalização e pela segurança do transporte fluvial. Numa ampla campanha de prevenção desse tipo de acidente, a Marinha vem alertando os usuários das embarcações para que prendam os cabelos durante as viagens; para que verifiquem se o eixo do motor da embarcação está protegido com madeira ou outro material adequado; para evitar o transporte em barcos que não ofereçam segurança; e para que denunciem à Capitania dos Portos quaisquer irregularidades observadas a bordo das embarcações. Em que pesem essas advertências e os esforços da Marinha, os acidentes continuam ocorrendo, pois as embarcações fluviais respondem por quase a totalidade dos transporte das populações ribeirinhas, tornando difícil sua fiscalização.

Dada a precariedade dos recursos, diante da extensão da área e do grande número de barcos de pequeno e médio porte, muitos dele, de uso familiar, eu, juntamente com o Senador Mozarildo, o Senador Augusto Botelho, o Senador Mão Santa, decidi apresentar emenda ao Orçamento-Geral da União, destinando à Marinha brasileira recursos financeiros que possam contribuir para a expansão desse trabalho preventivo.

É inadmissível, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, que, por mero descuido e por falta de equipamentos tão simples, como os protetores para motores de embarcações, milhares de brasileiros sejam vitimados pelo escalpelamento. Espero, sinceramente, que a destinação de maiores recursos venha a dar mais efetividade ao trabalho preventivo que a Marinha brasileira já vem realizando. Espero, também, que os Parlamentares de todas as bancadas se aliem conosco nessa luta e que toda a sociedade brasileira se mobilize para pôr fim à vergonhosa tragédia dos escalpelamentos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2008 - Página 44648