Discurso durante a 232ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Argumentação contrária à demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, ao ensejo de que, no próximo dia 10, o STF dará continuidade ao julgamento da ação, com esse propósito, impetrada por S.Exa. e pelo Senador Augusto Botelho.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Argumentação contrária à demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, ao ensejo de que, no próximo dia 10, o STF dará continuidade ao julgamento da ação, com esse propósito, impetrada por S.Exa. e pelo Senador Augusto Botelho.
Aparteantes
Augusto Botelho, Gilberto Goellner.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2008 - Página 50434
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AÇÃO JUDICIAL, QUESTIONAMENTO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), REGISTRO, INFERIORIDADE, INDIO, REGIÃO, EXCESSO, TERRAS, CRITICA, POSSIBILIDADE, RETIRADA, POPULAÇÃO, LOCAL.
  • CRITICA, ENTIDADE, INDIO, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUSENCIA, REPRESENTAÇÃO, TOTAL, POPULAÇÃO, SUBORDINAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REPUDIO, CONDUTA, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), OMISSÃO, ASSISTENCIA, GRUPO INDIGENA.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, POSSIBILIDADE, APERFEIÇOAMENTO, PROCESSO, HOMOLOGAÇÃO, CRIAÇÃO, JURISPRUDENCIA, CRITICA, DELIBERAÇÃO, CONTINUAÇÃO, TERRAS, CONFLITO, INDIO, ALEGAÇÕES, DIVERSIDADE, GRUPO INDIGENA, DEFESA, SEPARAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Mão Santa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu quero também cumprimentar os ouvintes da Rádio Senado e os telespectadores da TV Senado porque realmente esta tribuna tem alcançado as camadas mais diversas da população brasileira, graças aos meios de comunicação atuais do Senado Federal. Senão, tudo ficava aqui dentro e o que sairia lá fora eram só as notícias, digamos, resumidas e, muitas vezes, não in totum, porque não podem ser mesmo, do que se faz aqui.

Eu quero abordar hoje um assunto, Sr. Presidente, já que, depois de amanhã, dia 10, o Supremo Tribunal Federal vai dar continuidade ao julgamento de uma ação movida pelo Senador Augusto Botelho e por mim contra a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Primeiramente, é bom repetir aqui que nós, de Roraima, não somos contra demarcação de reservas indígenas, até porque essa é a 36ª reserva demarcada no meu Estado. No Estado de Roraima, já se destinou mais de 50% de sua área territorial para reservas indígenas. E aí há de se perguntar: 50% da população é indígena? Não. Menos de 30%. E, ainda por cima, essa população indígena, na sua maioria, mora na capital, Boa Vista, ou na sede dos Municípios ou nos vilarejos. Aldeados mesmo, Senador Mão Santa, talvez não cheguem sequer a 10 mil.

Mas, de qualquer forma, o que se tem que discutir e o que está sendo discutido no Supremo não é demarcar ou não demarcar. Pelo contrário, este Senado, por meio de várias comissões temporárias externas, duas das quais eu tive oportunidade de presidir, estudou não só a questão indígena de Roraima, mas também a de Rondônia, a de Mato Grosso, a de Santa Catarina.

         Com relação a Roraima, especificamente à Raposa Serra do Sol, oferecemos um relatório, que, aliás, é de autoria do Senador Delcídio Amaral, que propunha uma solução para demarcação contínua, porém não excludente, isto é, ninguém teria de ser expulso daquela reserva. Não é uma reserva onde só estavam índios. Não! É uma reserva que foi habitada por outras pessoas há mais de três gerações! Que pessoas? Pessoas simples, colonos que foram para lá para plantar, para criar gado, para garimpar, quando era permitido garimpar. Enfim, elas foram ocupar aquelas fronteiras desertas do Estado de Roraima. Tanto é que lá existem três Municípios que envolvem essa reserva.

         Até o nome é simbólico, porque a reserva é Raposa Serra do Sol, mas a Serra do Sol está ao norte e a Raposa, ao sul. Até o nome, então, é inverídico, porque é invertido.

Muito bem. A Reserva Serra do Sol foi demarcada para os índios Ingaricós e a Reserva da Raposa, 200 quilômetros abaixo, para os índios Macuxis ou Wapichanas. Ao longo de vários anos, numa ação orquestrada, foram se fragmentando aquelas comunidades que existiam em outras comunidades. Não é que foram surgindo novas, não. Eram comunidades A, tiraram um grupo de famílias dessas comunidades e levaram para outro lugar, para ir ocupando a extensão ao redor das vilas, dos lugarejos. E o que aconteceu? Uma demarcação, ao contrário do que propôs o Senado, excludente, na qual 456 famílias estão sendo expulsas daquela região, de forma indigna, daí por que a nossa reação; quatro cidades estão sendo riscadas do mapa, inclusive uma na fronteira, na linha de fronteira com a ex-Guiana Inglesa, a atual República da Guiana; mais outras três, inclusive a última resistência é justamente a vila chamada do Surumu, ou também conhecida como Vila Pereira.

Pois bem. Essa questão vem se arrastando. Nós tentamos resolver essa questão de maneira amigável, mas parece que há uma tendência desse movimento dito “indigenista” (entre aspas), de que só há uma verdade, aquela verdade que os “ongueiros” pensam. Não tem jeito de se pensar em uma outra verdade, até mesmo uma verdade dita por outros índios que não sejam os escolhidos para pertencer a certas ONGs não tem valor. E a prova disso, Senador Mão Santa, é que o Conselho Indigenista de Roraima foi criado e escolhido para ser o porta-voz dos índios, de quem ele não é porta-voz. Existem três outras entidades indígenas que não são ouvidas pela Funai, que não são ouvidas pelo Governo Federal, que não são ouvidas sequer pelo Ministério Público, que ignora a existência dessas entidades que representam a maioria dos índios. Vou citar aqui a mais importante delas: a Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima, a Sodiur, que vem insistindo, desde muito tempo, para também ser ouvida, para aparecer aqui quando tem as audiências, mas, quando pede passagem para a Funai, não tem, para a Sodiur não tem.

Eles me mandaram um documento recente, em que, Senador Augusto, pediam passagens para onze índios, já que, anteriormente, a Funai deu a passagem para os índios do CIR virem assistir ao julgamento. Eles queriam vir, mas a Funai simplesmente enrolou, enrolou e não deu as passagens. O Governo do Estado teve de dar essas passagens para estarem aqui hoje sete índios da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima, portanto, índios. Não estou falando aqui de não-índios; estou falando de índios que pensam de maneira diferente. Então, é preciso justamente que essa coisa...

Tenho certeza de que o Supremo vai decidir essa questão de maneira justa - não podia ser diferente - e de maneira que leve em conta os diversos ângulos dessa questão e não apenas um pequeno ângulo obtuso, para, de uma vez por todas, acabar com o sofrimento daquela população que está lá.

Sou um homem que me acostumei, desde cedo, a respeitar as leis e a acatar as decisões judiciais. Felizmente, a decisão vai ser judicial. Não é uma decisão política, porque, infelizmente, na área política, não foi possível construí-la. Mas tenho certeza de que o Supremo vai julgar.

Fico feliz por saber que, pelo menos, agora, já no último ato dessa questão, os índios que não são do CIR estão aqui presentes em Brasília e vão assistir ao julgamento, para desmistificar essa inverdade que se construiu, de que o CIR representa o pensamento homogêneo de todos os índios daquela região, haja vista que não representa.

Mas além da Sodiur, posso citar outras entidades, como a Arikon, a Alidicir, que também não pensam como o CIR. Espero, de maneira muito serena, que, no dia 10, depois de amanhã, esse julgamento seja concluído e que tenhamos uma decisão final agora irrecorrível. Aliás, só essa ação - que é do Senador Augusto Botelho e minha - tem mais de dois anos no Supremo. Mas existem outras tantas. São trinta e poucas ações movidas inclusive pelas sociedades indígenas que ainda não foram apreciadas. Espero que elas sejam apreciadas no contexto geral e que tenhamos uma decisão que contemple todos.

Senador Mão Santa, não posso conceber que o próprio Governo esteja fazendo a expulsão de brasileiros daquela área de fronteira. Desterrar brasileiros mestiços, inclusive casados, índios e não-índios das suas áreas, na história, só tenho notícia de coisa parecida nos tempos de Hitler e de Stalin.

Eu gostaria de ouvir o Senador Augusto Botelho, com muito prazer.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Mozarildo, V. Exª traz um assunto que está vindo... Vou fazer uma pergunta que faço sempre: por que não fizeram um plebiscito entre os indígenas e os que moravam na Raposa Serra do Sol? Eram bem minoria os não-índios, não chegavam a 5%. Por que não fizeram um plebiscito para saber? Porque o pessoal que manobra o sítio tinha certeza de que perderia o plebiscito. Por isso, até hoje não permitiu que ele fosse feito, para saber o que e como os índios querem. Por que estão misturando todas as etnias numa área só, quando cada uma quer ter a sua área separadamente? Aliás, as próprias comunidades do Raposa e do Contão, que são todos macuxis, querem suas áreas separadas. Daqui a 10 ou 15 anos, se ficar do jeito que está, haverá problemas como há na África com aquelas brigas de etnias.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Prorrogação: cinco minutos.

V. Exª, Senador Augusto Botelho, está inscrito para falar em seguida.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Se for feito dessa forma, o que vai acontecer? Não vai ter solução para eles. Vão começar a se agredir. Não se define a área de cada um. Se nós não estivéssemos aqui gritando, tinham acabado até com o Município de Uiramutã. Hoje não haveria um Prefeito índio eleito lá. Temos um Prefeito indígena eleito em Uiramutã e um Vice-Prefeito eleito em Pacaraima. Quer dizer, retardariam mais o processo de integração dos que querem se integrar. O CIR alega que representa a maioria, mas isso não é uma verdade, tanto que nunca tiveram coragem de fazer um plebiscito. Eles têm o poder mesmo. Sempre. As ONGs que cuidam da saúde indígena, que pegam todo o dinheiro do Governo são manobradas, são dominadas pelo pessoal do CIR. Não é? Então são muitas coisas que prejudicam. E o pior de tudo é a injustiça com famílias que foram para lá há duzentos anos, há cento e cinqüenta anos, estimuladas pelo próprio Governo, na intenção de resguardar o Brasil, de manter a fronteira do Brasil. Os filhos, os descendentes dessas pessoas, são postos para fora, Senador Heráclito, sem receber uma indenização justa, sem ter uma orientação. Ficam desesperados. Com muitos aconteceu isso. E se ficar do jeito que estão querendo essas ONGs, se prepare porque a confusão vai chegar no Piauí, se houver aldeia indígena lá. Se tiver só uma, não dá muita confusão, porque eles só vão ampliar umas quinhentas vezes. Mas se tiver uma aqui e outra a cinqüenta quilômetros de distância, eles vão querer emendar e fazer uma área única. Tenha certeza disso, tenha certeza de que vão fazer no Mato Grosso também. Lá no Amazonas tem muita área, pode fazer que não tem problema, não vai faltar terra, tem terra desocupada demais lá. Mas é esse o problema que vai acontecer aqui no sul do Estado. Então, temos que pensar... Nós precisamos de uma mudança na política indígena. Envergonha-me e me entristece ver morrer Guarani-Caioá a menos de uma hora de vôo daqui da Capital Federal. Morrem de fome. Por quê? Porque a política indigenista de todos os governos, não só o de agora, nunca se preocupou com as pessoas realmente. Os que decidem são aqueles que vivem em gabinetes, que não convivem com os índios e que não têm o sentimento deles. A maioria dos índios do Brasil tem determinação e sabe o que quer; não precisam de nenhuma ONG para falar por eles nem de nenhum estrangeiro falar por eles. Digo isso pelos meus irmãos índios da Raposa Serra do Sol e também pelos de outros Estados que também já sabem o que querem. Temos que elaborar uma política para respeitar os direitos e as vontades dos indígenas e das pessoas que são deslocadas das suas terras e colocadas ao léu.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Augusto Botelho, V. Exª colocou um ponto sobre o qual eu insistia muito inclusive durante as discussões diversas e antes mesmo da comissão temporária externa. Por que não se faz um plebiscito (não falo entre os não-índios) só entre os índios de lá? Porque a maioria dos índios de lá não querem essa demarcação que está sendo imposta, empurrada goela abaixo. Nem estou falando aqui dos não-índios. Se fizesse só entre os índios, o plebiscito seria contrário a essa demarcação contínua, excludente, “expulsatória” das pessoas que estão lá.

Agora, quem é que fala por esse lado, digamos assim, falso da coisa? O CIR, que é uma entidade comprovadamente corrupta. Está aí o Tribunal de Contas dizendo, a CGU; e agora a própria Funasa suspendeu os convênios do CIR, essa entidade corrupta que fala e desfaz em nome dos índios.

Senador Goellner, com muito prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Gilberto Goellner (DEM - MT) - Quero cumprimentar V. Exª, Senador Mozarildo, e também cumprimentar o nobre Senador Augusto Botelho, além de informar à Nação que este assunto Raposa Serra do Sol possui aqui no Congresso dois representantes que tratam deste assunto periodicamente: os dois Senadores do Estado de Roraima. Toda semana se fala nisso. O Senador Augusto Botelho é descendente de índio, portanto, tem todas as qualificações e o entendimento necessário, como representante daquele Estado, por bem conhecer aquela situação. V. Exª tem dito, assim como o Senador Mozarildo, que toda a faixa comum que querem fazer, ininterrupta, sem ilhas, traria problemas para o Estado, para as etnias, que vão se misturar. A pergunta que se faz: por que o Supremo Tribunal não os ouve? Por que uma decisão que poderá não vir à altura das pretensões dos próprios índios do Estado de V. Exªs?

(Interrupção do som.)

O Sr. Gilberto Goellner (DEM - MT) - Por que não fazem plebiscito? Por que não os ouvem? A vocês, que tão bem conhecem essa situação? Será que o Supremo vai julgar de forma isenta agindo desta forma: de, dentro do gabinete, tomar a decisão? Nossa preocupação é muito grande, porque, como V. Exªs falaram, tanto o Senador Mozarildo, quanto o Senador Botelho, isso poderá interferir sobremaneira em nosso Estado, o Mato Grosso. Eu me revolto quando decisões são tomadas aqui em Brasília em descompasso com a realidade absoluta da situação dos Estados. Isso ocorre na área do meio ambiente, na área indígena...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Gilberto Goellner, V. Exª está inscrito logo após. Vamos concluir.

O Sr. Gilberto Goellner (DEM - MT) - Agradeço, então, o aparte. Nós torcemos, a Nação torce, por uma decisão eqüânime, soberana, realmente de bom senso do Supremo Tribunal Federal.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Gilberto Goellner, agradeço o aparte de V. Exª. Tenho plena confiança nos ministros do Supremo Tribunal Federal. São homens do maior conhecimento jurídico, homens da maior envergadura, homens que têm consciência da importância daquela região não só para o Estado de Roraima mas para o País, que sabem profundamente quantas questões de direito estão envolvidas. Não tenho dúvida de que sairá uma solução que servirá inclusive de balizamento para futuras demarcações. Aliás, coisa que tentamos fazer aqui, que é disciplinar essa questão, e não conseguimos.

Mas, de qualquer forma, concluo dizendo: a par da minha confiança no Supremo Tribunal Federal, está a minha preocupação com o amanhã pós-decisão. Não só com o que vai acontecer lá na reserva Raposa Serra do Sol. Senador Mão Santa, qualquer que seja a decisão, a Polícia Federal deverá estar lá permanentemente, porque, senão, vai haver uma guerra intra-étnica, porque o CIR não representa, como ele quer, os índios daquela região.

Por mais que tirem todos os não-índios e todos os mestiços, vai haver uma luta fratricida, intra-étnica, porque realmente não há sequer similitude entre eles, nem religiosa, nem de pensamento, nem de geografia, enfim, de nada. No entanto, espero que tudo termine bem e, por isso, confio no Supremo.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2008 - Página 50434