Discurso durante a 241ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos sessenta anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.:
  • Comemoração dos sessenta anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2008 - Página 53295
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, CUMPRIMENTO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL.
  • ANALISE, CARACTERISTICA, CULTURA, DIVERSIDADE, PAIS, MUNDO, EFEITO, DIFERENÇA, APLICAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, COMENTARIO, HISTORIA, COLONIALISMO, PRIMEIRO MUNDO, VITIMA, CONTINENTE, ASIA, AFRICA, AMERICA, DESVALORIZAÇÃO, POVO, VIOLAÇÃO, DIREITOS, PROMOÇÃO, GUERRA, ALEGAÇÕES, CHEGADA, CIVILIZAÇÃO, GRAVIDADE, ATUALIDADE, DIVISÃO, FRONTEIRA, DESIGUALDADE SOCIAL, PERIFERIA URBANA, EXCLUSÃO, EMIGRANTE, REPUDIO, GENOCIDIO, ORIENTE MEDIO, FAVORECIMENTO, INTERESSE ECONOMICO.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, CONFERENCIA NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), LEVANTAMENTO, PROBLEMA, ACESSO, EDUCAÇÃO, SAUDE, HABITAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • ELOGIO, GESTÃO, MINISTRO DE ESTADO, SECRETARIA ESPECIAL, DIREITOS HUMANOS, ESPECIFICAÇÃO, PARCERIA, LEGISLATIVO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • APREENSÃO, CRISE, ECONOMIA, POSSIBILIDADE, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, TRABALHADOR, TRABALHO ESCRAVO.
  • JUSTIFICAÇÃO, MANIFESTO, ASSINATURA, CONGRESSISTA, SOLICITAÇÃO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FECHAMENTO, PENITENCIARIA, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, GRAVIDADE, OCORRENCIA, TORTURA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu concedo a palavra à Senadora Marina para um aparte.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, minhas senhoras e meus senhores, em primeiro lugar, quero agradecer ao Senador Inácio Arruda a generosidade. Ele sabia que eu estou indo pegar as malas para daqui a pouco viajar, e já tinha estourado todos os meus limites. Então, sou muito grata pela oportunidade de iniciar sua fala com o meu aparte. Muito rapidamente, eu queria dizer que estes 60 anos que celebramos a Declaração Universal dos Direitos Humanos nos reúnem no plenário deste Senado e, com certeza, nos congregam em todo o mundo, na defesa daquilo que é elementar, daquilo que nos constitui da forma mais radical, que é a preservação dos direitos da nossa própria existência. A nossa existência só é possível assegurando uma base de dignidade para que ela possa se desenvolver em todos os seus aspectos. E é isso que a declaração estabelece, institui para todos os homens, para todas as mulheres, para todos os povos e nações. Cada situação ou circunstância que avilta esse direito da constituição do ser humano, no exercício da plenitude daquilo que o constitui como tal, é o aviltamento desses direitos. E talvez uma das formas de constituir esse direito é exatamente o exercício da democracia, a democracia no que concerne à liberdade de expressão, no que concerne ao nosso direito à saúde, à educação, aos nossos direitos de ir e vir, de manifestar livremente o nosso pensamento e de sermos colocados no mundo como sujeitos capazes de transformar a história e de construir a nossa própria história. Cada vez que uma pessoa é subtraída desse direito, ela está sendo aviltada como sujeito. Na política, às vezes, a gente tem a sensação de que pode tudo e que ainda pode o resto. Isso não é verdade. A gente pode numa relação estabelecida, em que a sustentação do olhar do outro, do desejo do outro, da vontade do outro deve ser considerada. Os políticos não são detentores de um poder absoluto, e é a democracia que faz essa mediação entre aquele que exercita o poder de Estado e aquele que deveria ser beneficiado por esse mesmo poder. Não é à toa que alguém disse que os ditadores pensam e agem como se oferecessem ao povo um destino. E os democratas, o máximo que eles podem se comprometer é oferecer é uma vida melhor para as pessoas, porque a vida melhor é construção de todos. O destino só pode ser uma função de Deus, e muitas vezes os autoritários, as diferentes ditaduras se colocam no lugar de querer decidir sobre o próprio destino das pessoas. É assim que surgem as torturas, é assim que surgem os casuísmos, é assim que surgem os diferentes embates, inclusive entre raças, entre diferentes povos. Agradeço a V. Exª este aparte. Cumprimento todos os militantes da causa dos direitos humanos e, sobretudo, as instituições que são os verdadeiros porta-vozes e operadores desse direito, que seja ele de fato para todas as pessoas em todo o mundo, em todos os lugares. Muito obrigada. (Palmas)

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Obrigado a V. Exª. Eu nunca tinha tido uma oportunidade de abrir um pequeno discurso de forma tão ilustrada aqui no Senado da República, Senadora Marina Silva, V. Exª que tem levantado com muita força a defesa dos direitos humanos na nossa Pátria e no mundo.

Quero cumprimentar o Senador José Nery, o Senador Cristovam, que tomaram a iniciativa de propor esta sessão solene. Congratulo-me com a Srª Kim Bolduc, representante do Pnud no Brasil, e com todos os que têm participado da nossa conferência de hoje; com Augusto Cançado, que continua firme na sua trindade de ouvir a todos nós. Na augusta Casa, Augusto não cansa, Augusto está firme. Então, quero cumprimentá-lo e dizer da alegria para o povo brasileiro. V. Exª é um pouco abaixo do Águia de Haia, mas no mais alto posto da representação constitucional do direito da pessoa humana, que é exatamente poder estar num tribunal, apoiado por quase duas centenas de países que elegeram ou renovaram parte da direção da Corte para um período de nove anos. Então, o nosso desejo é que V. Exª possa ter todo o apoio do nosso País, o Brasil, e sobretudo desta Casa de Senadores, ligados à Comissão de Direitos Humanos ou não, mas preocupados com a causa dos direitos humanos no nosso País e no mundo.

Falo, Sr. Presidente, neste momento, apenas para registros breves, nessa homenagem tão importante, Senador Garibaldi, na luta dos direitos humanos. São sessenta anos. Eu falava, há pouco, com o Cançado a respeito das questões em várias nações. Já há uma expressão, dentro da Corte, que são os particularismos de cada povo, de cada nação. Como defender ao mesmo tempo os direitos humanos e a cultura dos povos? Como, sem atropelá-los, defendermos a dignidade humana? Então, são questões melindrosas.

Relatei a ele uma passagem de um livro de um médico americano, que fazia mestrado lá na Inglaterra, ele tratou, então, da ocupação britânica, no final do séc. XIX e início do séc. XX; de como os ingleses não conseguiam compreender. Imaginem o que seja ocupar a Índia ou um pedaço da China, toda a região do Sião, todo aquele mundo imenso, com civilizações milenares, e comunicar àquele povo que ele está sendo invadido porque está levando para lá a civilização! É uma estupidez humana, de um Estado. Às vezes, pode-se dizer que houve um caso de uma pessoa, mas é um Estado nacional invadindo vários outros Estados, anunciando que para lá está levando a civilização.

Foi lembrado o episódio chamado “descobrimento”. O equívoco do “descobrimento” foi tão grande que se chegou ao ponto de nominarem os nativos de índios, porque imaginavam até que estavam chegando à Índia e que aqueles seriam os índios. E vejam que os indianos já eram conhecidos dos europeus, já comercializavam, já tinham caminhos de comércio enormes. Mesmo assim, cometeram esse equívoco bárbaro do desconhecimento, do “descobrimento”. E, por desconhecer, utilizaram inclusive a presença da religião nos Estados da época para obterem uma espécie de permissão para um brutal genocídio, que praticaram em toda a América.

Darcy Ribeiro, ex-Senador, grande mestre de muitos que ocupam a tribuna da Câmara e do Senado, chegou a dizer, na última revisão que ele fez no livro A América e as Civilizações, que, segundo os últimos levantamentos, a população dessa região do mundo, do Alasca à Patagônia, poderia ter alcançado 87 milhões de habitantes, e que, em menos de um século e meio, quase que dizimaram toda a população. Então, foi uma brutalidade sem igual. No Velho Oeste, houve uma expressão cunhada pelos americanos de que índio bom era índio morto. Isso era civilização. Isso era o que se imaginava ser civilização.

De sessenta anos para cá, nós tivemos a Guerra do Vietnã, com bombas em napalm incendiando crianças, agricultores, tudo em nome da civilização.

Depois tivemos ali, quase próxima uma da outra, a Guerra da Coréia, que dividiu aquela península, aquele povo ficou dividido. Existe lá uma divisão. Não é o Muro de Berlim, não! É outro muro. Aqui os povos estão cercados, entre os Estados Unidos e o México, com um muro. Existe lá um muro enorme, militarizado praticamente.

Nós temos hoje levantes nas periferias das Nações que se auto-intitularam como civilizadas. Suas periferias estão em levante. São os negros, são os asiáticos que migraram para essas regiões do mundo, que estão vivendo praticamente em guetos e sendo perseguidos dentro dessas nações. Ocorrem também nos Estados Unidos muitas perseguições; um país que foi formado por várias outras civilizações simultaneamente.

Então, são esses episódios que nós precisamos registrar além do nosso cotidiano. Aqui, nesta XI Conferência Nacional de Direitos Humanos, a população brasileira, através de inúmeras organizações não-governamentais e do próprio Estado, está levantando ainda problemas, digamos assim, elementares da civilização humana. Há regiões inteiras cuja população ainda não consegue ter qualidade na educação; regiões inteiras cuja população não tem ainda uma assistência adequada de saúde. Problemas de moradia, a casa que ainda falta para morar. Problemas de segurança pública, de entendimento do que é segurança pública; a quem deve servir a polícia, se ao povo ou a uma parte muito pequena do povo. Esquadrões de morte, milícias que se organizam acima do Estado em cada região; drogas, tráfico de armas. Costumo dizer que, normalmente, se dirigem as populações mais pobres como se fossem as responsáveis por esses crimes. Elas, abandonadas, são presas fáceis do chamado “crime organizado”. Mas o crime organizado não é coisa de quem não conseguiu sequer ser bem alfabetizado; é coisa de PhD, porque são negócios, são imensos negócios que se desenvolvem em torno do chamado crime organizado.

Quero fazer uma saudação, na sua ausência, ao Ministro Vannuchi. A minha impressão é a de que ele é uma conquista. Ele é uma conquista para o Brasil. Ele tem se saído com muita disposição, vontade de resolver esses problemas, paciência para ouvir, inclusive a nós aqui no Senado - quantas vezes! E não só em reuniões oficiais da Comissão de Direitos Humanos ou da Comissão de Assuntos Sociais, mas em reuniões particulares, no gabinete de um Senador, de outro. Uma vez no gabinete de Paim, outra no gabinete de Nery ou no meu gabinete. Chamamos o Vannuchi, ele está sempre à disposição para ouvir os dilemas da sociedade brasileira. Cada caso desse, cada episódio, levamos para o Vannuchi, que pacientemente escuta, quer dar uma condução, quer dar uma saída, quer dar uma alternativa. Eu compreendo que ele foi uma boa conquista do Governo; tem se saído muito bem.

Quero registrar essa barbárie atual. Nós estamos com duas guerras: uma guerra no Afeganistão e uma guerra no Iraque, que também foram para levar a civilização. São massacres brutais, milhares de pessoas. Isso é que é genocídio. É o conceito da chamada guerra defensiva, guerra preventiva. Não é um conceito de defesa; é de prevenção. Então, eu anuncio: “Nery, vou invadir o seu país!”. “Mas por quê? “ “Eu quero me prevenir. O senhor está desenvolvendo um pensamento que não é o pensamento único. Então, não sendo o pensamento único, o senhor está sujeito a uma invasão preventivamente.”

Então, esse conceito de guerra preventiva - vi V. Sª tratando disso, Cançado -, essa idéia, essa questão de guerra preventiva é um perigo total para a humanidade. Pode ser contra qualquer um, a qualquer hora, absurdamente.

Nós temos que destacar esses episódios da atualidade que causam um tumulto no mundo inteiro. Um interesse comercial, econômico, às vezes, de se apropriar da riqueza de uma nação inteira, leva a uma guerra, leva a uma invasão. Usa-se um conceito novo de guerra preventiva, destrutiva contra o Iraque, contra o Afeganistão.

E listam-se países: tais e tais países estão na lista daqueles que podem estar sujeitos à guerra preventiva - até a tríplice fronteira brasileira entrou na questão: Paraguai, Argentina e Brasil entraram na lista daqueles que estão sujeitos a serem invadidos preventivamente para manter a ordem mundial, segundo os interesses de uma nação ou de outra, no caso, os Estados Unidos da América.

É muito significativo, neste dia comemorativo e de continuidade da luta dos povos, que chamemos a atenção para o que ocorre no mundo, inclusive quando se instala uma crise econômica com a força daquela que se está instalando, porque os últimos a serem beneficiados na bonança, na crise, são os primeiros a serem atingidos: são os trabalhadores, são os mais pobres, esses são os primeiros a serem atingidos.

E temos de estar prontos para não deixar se alastrar uma das causas da existência da Comissão de Direitos Humanos do Senado, uma luta tenaz pelo fim do trabalho escravo. Não estamos falando de outras nações, estamos falando do Brasil.

         Estamos fazendo aqui uma relação fora e dentro: como os direitos humanos se dão lá fora e como eles nos atingem. A crise é lá fora, mas ela nos atinge e vai mexer com os direitos da pessoa humana.

Por último, Sr. Presidente José Nery, foi entregue aquele abaixo-assinado na Embaixada dos Estados Unidos, solicitando que o próximo governo americano, com as luzes da civilização mais antiga da humanidade, que vem da África - é de lá que vem o homem; até agora todas as teorias anunciam esse ponto -, possa fechar, de uma vez por todas, essa famigerada Base de Guantánamo, vergonha para os americanos e vergonha para a humanidade.

O povo cubano não merece isso. É um povo que lutou muito para ter dignidade e uma vida com conhecimento e capacidade, tendo enfrentado com muita altivez a pressão brutal. Ali, a poucos quilômetros de distância dos Estados Unidos, tem de conviver com uma base americana em seu território, onde abertamente torturam-se pessoas contras as quais muitas vezes não há provas. Chegou-se ao ponto de os presos pedirem a condenação, todos eles. Quando se abriu a oportunidade de julgamento na Corte militar americana, todos eles pediram que fossem condenados. Eles queriam ser condenados à morte. Naquele momento, todos eles confessaram que era culpados para serem condenados: “Não existe prova, mas eu confesso, porque quero ser morto para acabar com a tortura nesta base famigerada”.

         Então, pedimos que V. Exª referende uma vez mais - já foi subscrito por V. Exª - o manifesto que os Parlamentares, Deputados e Senadores, quase unanimemente, dirigiram ao Presidente Barack Obama para liquidarmos, de uma vez por todas, essa famigerada Base de Guantánamo.

         Muito obrigado a todos vocês. (Palmas)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2008 - Página 53295