Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a redução do número de jovens que procuram a carreira do magistério.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Preocupação com a redução do número de jovens que procuram a carreira do magistério.
Aparteantes
Gerson Camata.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2009 - Página 1088
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, REDUÇÃO, INTERESSE, PROFISSÃO, PROFESSOR, RISCOS, LONGO PRAZO, GRAVIDADE, FALENCIA, SISTEMA, EDUCAÇÃO, BRASIL, PROTESTO, FALTA, DEBATE, ASSUNTO.
  • REGISTRO, INSUFICIENCIA, NUMERO, PROFESSOR, ESCOLA PUBLICA, INICIO, ANO LETIVO, DISTRITO FEDERAL (DF), MOTIVO, INFERIORIDADE, SALARIO, AUMENTO, VIOLENCIA, COMENTARIO, OCORRENCIA, HOMICIDIO, CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, JULGAMENTO, TRAFICANTE, AUTOR, CRIME.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, há meses nós todos lemos nos jornais notícias extremamente preocupantes. São notícias da queda do Produto Interno Bruto, de déficit na Balança Comercial, de redução da arrecadação. Ouvimos notícias do desemprego crescente. São tantas as notícias preocupantes, Senador Augusto Botelho, que uma delas passou meio desapercebida. E, para mim, no longo prazo, é mais grave do que todas as outras informações relacionadas com a economia. É um dado do censo escolar, que mostra que, no Brasil, o número de pessoas jovens procurando o magistério está diminuindo.

O que significa a redução no número de pessoas, jovens especialmente, que procuram a carreira do magistério? Significa a diminuição no número de professores, significa a redução na qualificação dos professores, porque quanto mais gente procura uma carreira, o processo de seleção já eleva a qualidade, Senador Paim. Quanto menos gente procura uma profissão, já começa por baixo a qualificação. Significa, portanto, o caminho para a falência do processo educacional.

Vejo aqui quatro Senadores - ou três, pelo menos - médicos. Eu vou usar uma expressão que não sei se fica bem usar diante de médicos. O que está ocorrendo é um processo de hemorragia, o Brasil vive um processo de hemorragia. Não é a redução do Produto Interno Bruto que provoca hemorragia. Isso provoca uma crise, um talho, que voltará depois, com o tempo; não há dúvida de que voltará. Agora, a falta de professores qualificados, reduzindo a qualificação dos nossos alunos, aumentando o número de alunos por sala de aula, fechando disciplinas para as quais não teremos professores, daqui para frente, é uma hemorragia da capacidade intelectual do País.

Pena que um indicador tão forte como esse, da hemorragia que o País vive, esteja desapercebido. Nós não nos preocupamos com ele diante dos indicadores econômicos que, do ponto de vista imediato, choca mais a cada um que lê.

Nós temos que estancar essa hemorragia e vou fazer uma proposta, Senador Augusto Botelho: temos que estancar essa hemorragia de professores que vão, cada vez em menor número, para as salas de aula, fazendo com que aqui, no Distrito Federal, onde sempre tivemos uma educação exemplar para o País, nesse início de aulas, faltassem professores.

As causas, a gente já sabe quais são, Senador Gerson Camata. Claro que, com baixos salários, não vamos atrair número nem qualidade de professores. Como também com a violência nas salas de aula. Amanhã, aqui no Distrito Federal, será o julgamento dos assassinos de um professor, professor cujo único gesto que provocou o seu assassinato foi ter impedido que traficantes entrassem na sua escola, Senador Mão Santa. Amanhã é o julgamento, no qual o Brasil inteiro deve ficar de olho, porque, se esses bandidos forem soltos, se eles forem inocentados, será dado o recado para aumentar a violência nas escolas. E a violência nas escolas reduz a qualidade, reduz o atrativo, reduz os professores e agrava a hemorragia que este País sofre.

Primeiro ponto, portanto, para retomar o número de professores é pagarmos bem a eles. Segundo, é exigirmos muito dos que quiserem ser professores. Pagar bem aos que não dão aula não melhora a educação. Pagar bem aos que não estão preparados não melhora a educação. Terceiro, é melhorar a qualidade da sala de aula, não só do ponto de vista físico das suas instalações de construção civil, mas do ponto de vista dos equipamentos, sem os quais os jovens acham a escola uma coisa chata, inadaptada, que não serve para eles. Hoje querer ensinar um jovem sem uma televisão, sem um computador é querer fazer o impossível. A escola ficou chata, desagradável, sem sintonia com a cabeça e o coração das crianças. Tudo isso é necessário.

Mas eu quero me concentrar um pouco na idéia que tentei implantar quando Ministro da Educação, de uma instituição para retomar a formação dos professores. E aí, desculpe se vou incomodar a muitos, especialmente corporações de professores do ensino superior, mas eu não vejo como aumentar e melhorar o número de professores apenas criando mais universidades estatais. Primeiro, porque criar uma universidade leva anos. Segundo, porque ela fica amarrada. Terceiro, porque ela não vai atender as necessidades que temos de certos tipos de médicos, de certos professores. Não vai!

Minha proposta era, naquela época, de o Governo criar uma instituição a qual chamaríamos de universidade, mas que seria um simples escritório dirigido por um reitor que diria de quantos médicos, de quantos professores necessitaríamos. Aí faríamos concurso para escolher quantos alunos ter para, depois, distribuirmos esses alunos pelas universidades que já existem. Para as estatais, os alunos iriam sem que elas precisassem receber. As particulares, o Governo pagaria. Um ProUni relacionado às necessidades do País, e não um ProUni relacionado aos interesses dos alunos.

Hoje, a gente dá curso para todas as profissões, independente de haver ou não necessidade no País, e não damos nenhum incentivo especial àquelas profissões de que o País precisa. Essa universidade seria apenas o centro que definiria de quantos profissionais precisaríamos naquele ano, no ano seguinte. Dez anos depois, já serão outros provavelmente. Selecionaria os alunos e levaria para as universidades que já existem, inclusive as particulares, desde que escolhidas entre aquelas com qualidade, porque há muitas universidades particulares com qualidade. Quando eu era jovem, pagavam a gente para ser geólogo, para ser engenheiro mecânico, davam bolsas, porque o País precisava para o desenvolvimento econômico. Hoje, o que a gente precisa é de escola para as crianças, e a gente não está dando os incentivos necessários para que os nossos alunos tenham bons professores.

Eu não acredito que o Governo, Senador Mão Santa, se interesse por isso, porque, prisioneiro das corporações que defende a universidade como ela é, não vão querer aceitar. Lembro até aqui, Senador Camata, que, quando o Presidente Lula decidiu corretamente criar uma universidade para trazer jovens da África, da Ásia, de países que falam português, eu fiz o projeto, e o projeto era um simples escritório que promoveria a universidade, que traria os jovens e colocaria esses jovens nas universidades que já existem. Lamentavelmente, a universidade saiu completamente diferente: estão construindo um campus inteiro em uma cidade no interior do Ceará onde vão jogar esses jovens que vão viver em gueto. Será um gueto de jovens africanos, de jovens que falam português noutros países, quando a gente já tem as universidades, e não vai ter a qualidade de que a gente precisa, porque leva décadas para fazer uma universidade ter qualidade.

Temos que inventar instituições novas, projetos novos, e essa idéia, a meu ver, traria uma solução rápida, eficiente e a um baixo custo. Se não fizermos isso, se contarmos, Senador Couto, com as universidades como elas estão para formar os nossos professores, eles não serão formados porque elas não vão conseguir atrair, não por culpa delas apenas, mas por culpa de não termos dado os incentivos aos alunos. Devemos fazer concurso, vestibular dizendo: “Este concurso é para professores; os jovens que passarem vão ter não apenas seus cursos pagos, mas terão também uma bolsa de estudos para a sua manutenção durante o tempo em que estiverem estudando e, se tiverem boas notas ao longo do curso, terão emprego garantido imediatamente depois da formatura”. Se não fizermos coisa desse tipo, o País vai ficar anêmico, ainda mais do que já está, do ponto de vista intelectual.

Este é um País anêmico, anêmico porque jogamos fora os cérebros deste País. Nesses dez minutos que falei aqui, seiscentos jovens abandonaram a escola no Brasil. Desculpe-me, a conta é difícil de fazer: são sessenta por minuto; não é por hora, como eu estava calculando. É um País anêmico intelectualmente, porque estamos incinerando cérebros ao abandoná-los e porque aqueles que vão para a escola hoje não têm professores, e os professores que existem não estão preparados ou são em números insuficientes, ou estão sujeitos à violência, como é o caso de um professor, aqui no Distrito Federal, cujo julgamento de seus assassinos, nós vamos ter amanhã.

Presidente Mão Santa, tenho um aparte a dar ainda ao Senador Camata. Mas, antes disso, queria dizer que não podemos esperar que venha do Governo a solução. Por que não tomamos a iniciativa, mesmo que demore? Agora mesmo, o Governo decidiu colocar como obrigatório o ensino médio. Esse projeto já está aqui desde 2005, Senador Camata. Não mais no Senado; já passou para a Câmara. Por que o Governo simplesmente não manda que se vote logo esse projeto já apresentado - de minha autoria - em vez de colocar um novo projeto aqui dentro? Nós temos de barrar essa hemorragia que ameaça o futuro do Brasil.

Antes disso, porém, passo a palavra ao Senador Camata.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Pensei em renunciar ao aparte, porque isso não é um discurso, Excelência; é uma aula magna que V. Exª está dando ao Senado e ao Brasil. E não quero privar o Brasil nem o Senado de ouvi-lo. Mas eu o cumprimento pela importância, pela lucidez e pelo conhecimento que V. Exª manifesta, e prova que as soluções são muito simples, basta querer executá-las.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Camata.

Concluo, Presidente, dizendo que, se há um único problema neste Brasil, se queremos deixar de lado aqueles que sejam menos importantes e formos escolher um, eu diria que hoje, a principal tarefa do Brasil é estancar a hemorragia intelectual que este País está vivendo; parar a anemia, porque, se ela continuar, este País não tem futuro em tempo de tanta concorrência, especialmente na área de ciência e tecnologia. E o caminho, o primeiro ponto é um programa radical, urgente, criativo de formação de professores. A ideia que eu vejo não é continuar tendo como base as estruturas formais e tradicionais, sozinhas, mas criar uma estrutura especial para captar aqueles que vão querer ser professor, pagar para que eles estudem e não como hoje, que eles têm de pagar para estudar. Pagar a ele, ao jovem, instituições que lhes darão curso gratuitamente. Obviamente, instituições de qualidade.

Fica aqui, Senador Mão Santa, essa preocupação e essa proposta para que o Governo - ou algum Governador deste País - tome a iniciativa de levar adiante.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2009 - Página 1088