Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as condições do sistema público de saúde brasileiro. O aumento nas verbas destinadas à propaganda do Governo Federal.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre as condições do sistema público de saúde brasileiro. O aumento nas verbas destinadas à propaganda do Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 04/03/2009 - Página 3523
Assunto
Outros > SAUDE. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • GRAVIDADE, PERMANENCIA, PROBLEMA, SAUDE PUBLICA, BRASIL, REGISTRO, DADOS, APLICAÇÃO DE RECURSOS, SUPERIORIDADE, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, CUSTEIO, PLANO, SAUDE, AMPLIAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEMONSTRAÇÃO, PERDA, CONFIANÇA, ATENDIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • DENUNCIA, FALTA, PRIORIDADE, GOVERNO, SAUDE PUBLICA, DEMORA, REGULAMENTAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEFINIÇÃO, GASTOS PUBLICOS, REDUÇÃO, PARTICIPAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, DESCENTRALIZAÇÃO, SERVIÇO, OMISSÃO, FINANCIAMENTO.
  • DEFESA, REAJUSTE, TABELA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), PRIORIDADE, APLICAÇÃO DE RECURSOS, SANEAMENTO BASICO, CONTINUAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO, INCENTIVO, PROGRAMA, SAUDE, FAMILIA, COMBATE, CORRUPÇÃO, FALTA, EFICIENCIA, SETOR, CONCLAMAÇÃO, COLABORAÇÃO, LEGISLATIVO.
  • COMENTARIO, PROCESSO, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, OCORRENCIA, CORTE, MOTIVO, CRISE, ECONOMIA, QUESTIONAMENTO, AMPLIAÇÃO, VERBA, DESTINAÇÃO, PUBLICIDADE, PROPAGANDA, GOVERNO, FALTA, RESPONSABILIDADE, ETICA, SUSPEIÇÃO, ANTECIPAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, SUCESSÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • CRITICA, SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, EMISSORA, TELEVISÃO, SETOR PUBLICO, EXECUTIVO, RESTRIÇÃO, COBERTURA, DEPENDENCIA, PROGRAMAÇÃO, TELEVISÃO EDUCATIVA, INFERIORIDADE, AUDIENCIA, DENUNCIA, UTILIZAÇÃO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.

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O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o ano de 2009 se inicia e algumas preocupações continuam a nos inquietar. Entra ano, sai ano, e a população brasileira segue enfrentando, mais ou menos, as mesmas dificuldades no que diz respeito às questões de saúde pública. Os menos favorecidos sofrem nas filas e nos serviços precários do Sistema Único de Saúde, o SUS. Os que têm mais condições pagam caro e, infelizmente, em um bom número de casos, são mal atendidos pelos chamados planos de saúde.

Em grandes números, a situação é a seguinte: em 2006, foram aplicados R$166 bilhões em saúde, no Brasil, segundo levantamento feito pelo pediatra Gilson Carvalho, doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, citado pela revista Época, em reportagem do ano passado.

Desse total, 46%, ou seja, mais de R$76 bilhões, saíram dos cofres da União, dos Estados e dos Municípios. Os restantes R$90 bilhões referem-se a gastos privados, dos quais a metade vai para o custeio dos planos de saúde pagos por empresas e pela população.

Isso significa dizer que as empresas e as famílias brasileiras gastaram, em 2006, segundo o levantamento mencionado, uma verba maior que os R$41 bilhões que o Governo Federal aplicou em saúde. Esse é, sem dúvida, um péssimo sinal. A ascensão da participação do setor privado indica a falta de confiança da população no atendimento de ambulatórios e hospitais públicos, ressalvadas as conhecidas e honrosas exceções de sempre.

Além disso, estamos na contramão de uma tendência mundial. Levantamento de 2005, da Organização Mundial de Saúde, também citado pela revista Época, mostrou que dos 192 países analisados, 108 têm gastos públicos em saúde superiores a 50%. Em 44 dos 48 países com menor mortalidade infantil predomina o financiamento público em saúde.

Porém há mais problemas, embora o Brasil gaste cerca de 8% do PIB em saúde, um dispêndio semelhante ao de países de nível de desenvolvimento próximo ao nosso, como Turquia, Marrocos, México, Chile e Argentina.

O principal é a grande diferença entre o que é investido na população que só tem o serviço público como alternativa - 145 milhões de pessoas - e a parcela que toca aos 45 milhões de associados a planos de saúde, situados no topo da pirâmide social. Aos que só contam com o SUS, cabem R$529,00, em média, por ano, contra os R$1.950,00 gastos para cada pessoa das faixas sociais mais bem aquinhoadas.

Trata-se de uma situação cruel!

Como é natural, quem tem mais recursos tem meios próprios para cuidar da saúde. Já quem não tem alternativa, recebe um serviço de qualidade muito inferior, dada a escassez de investimentos públicos e a má administração dos serviços, seja por ineficiência, seja por corrupção pura e simples.

Em resumo, sofre mais quem depende apenas do serviço público. O resultado são as mortes por epidemias, a mortalidade infantil e materna, a falta de prevenção contra doenças crônicas e de alta letalidade. As estatísticas nacionais são muito piores do que deveriam ser.

Para ficar num único exemplo, na mortalidade materna, um dos melhores parâmetros para avaliar a qualidade da saúde de um país, em 2005 o Brasil tinha 110 mortes para cada 100 mil nascidos vivos, segundo o Unicef.

Embora o Governo brasileiro divirja e diga que o número correto é 74, ele é ainda muito pior que o da China - 45 por mil -, que o da Rússia - 28 por mil -, ou mesmo que os de nossos vizinhos. Na Argentina são 77 por mil; no Uruguai, 20; e no Chile, 16. Como disse a revista Época, trata-se de uma das chagas do sistema de saúde brasileiro.

Não há dúvidas de que os recursos estão mal direcionados. Em que pese a boa vontade do Ministro José Gomes Temporão, a saúde não está entre as prioridades do Governo Federal. Falta, inclusive, regulamentar a Emenda Constitucional nº 29, para estabelecer o montante de recursos para a saúde que deve ser investido permanentemente pela União, pelos Estados e Municípios.

Sem que a lei fixe os recursos federais a serem investidos na saúde, eles vão minguando. Em 2007, segundo o já citado Dr. Gilson Carvalho, apenas 47% do total dos gastos públicos vieram da União, tocando 26% aos Estados e 27% aos Municípios. Em 1980, a União ficava com 75% desses gastos, os Estados entravam com 18% e os Municípios com 7%. Muita coisa mudou de lá para cá. Os serviços foram descentralizados, mas não o seu financiamento.

A proposta de regulamentação da Emenda nº 29 em discussão, se aprovada, aumentaria a verba para a saúde em estimados R$23 bilhões, um acréscimo de quase 48% sobre os R$48 bilhões investidos atualmente pela União. Com isso, estariam garantidos, de forma permanente, mais recursos para a saúde pública no Brasil.

Mas não se trata apenas de colocar mais recursos à disposição do sistema público, em que pese a necessidade premente de se reajustar a tabela do SUS, para atrair mais e melhores médicos para o sistema de saúde pública. Trata-se principalmente de aplicá-los bem, até porque a ampliação dos gastos não implica melhora automática do serviços. Nesse ponto, há uma já conhecida lista de prioridades de grande efeito.

A primeira delas é o saneamento básico. Todos conhecem as enormes deficiências brasileiras nesse setor. Do mesmo modo, é senso comum a importância do saneamento na saúde da população, notadamente daquela mais pobre, que vive em regiões mais insalubres.

Outro ponto para o qual convergem as opiniões dos especialistas é a necessidade de continuidade e descentralização das ações. É o que faz com sucesso, desde 1994, o Programa Saúde da Família. Equipes compactas, com sete a dez profissionais de saúde, quando funcionam bem, são capazes de resolver até 85% dos problemas de saúde da comunidade em que atuam.

No ano passado, o Programa deu cobertura a quase 88 milhões de pessoas, ou seja, a mais de 46% da população. Para isso, foram mobilizadas vinte e sete mil e trezentas equipes, em cinco mil, cento e vinte Municípios brasileiros, a um custo de R$4 bilhões de reais.

Esse, aliás, não é o único programa de sucesso na história recente do sistema público de saúde brasileiro, a demonstrar que sabemos e podemos fazer melhor. Eu gostaria de relembrar, aqui, o programa de prevenção e tratamento da Aids; os medicamentos genéricos; a cobertura vacinal, em especial nas crianças com menos de cinco anos; e o nosso sistema de transplantes de órgãos, hoje reconhecido internacionalmente.

Também é extremamente importante eliminarmos corrupção e ineficiência. Basta de esquemas com o dinheiro destinado à saúde no Brasil! Também é preciso por fim à ineficiência e aumentar o comprometimento ético e moral dos agentes públicos com a saúde da população.

Nós, aqui no Congresso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos um papel importante a cumprir na imensa tarefa de melhorar as condições do sistema público de saúde brasileiro. Precisamos nos dedicar aos temas da saúde pública com afinco para que não faltem ao setor recursos financeiros e instrumentos necessários.

Ademais, dentro da ação fiscalizadora que cabe ao Poder Legislativo, devemos estar sempre atentos ao aprimoramento das políticas públicas e à boa aplicação dos recursos do contribuinte. Só assim estaremos agindo dignamente em defesa dos interesses da parcela menos favorecida da sociedade. Só assim estaremos trabalhando para minorar o sofrimento dos brasileiros mais pobres, já tão sofridos por sua própria condição econômica.

O segundo assunto que trago à tribuna, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é referente ao fato de que, no final da sessão legislativa passada, em dezembro de 2008, votamos o orçamento anual da União. Pela primeira vez desde 1997, o Presidente da República teve a oportunidade de sancionar a Lei Orçamentária Anual antes de iniciar o exercício.

Cumprimos, portanto, rigorosamente nosso dever!

No entanto, Sr. Presidente, estávamos às vésperas do início do recesso parlamentar, com as festas de fim de ano se aproximando. Era já o apagar das luzes, uma ou outra coisa acabou ficando na obscuridade e adormeceu na sombra do recesso.

Justamente por isso quero hoje, no início desta nova sessão legislativa, fazer uma pequena reflexão sobre um aspecto do orçamento que me chamou particularmente a atenção.

Sabem todos que votamos o orçamento já sob o impacto da crise financeira mundial. Essa crise, certamente, está lá, refletida no Orçamento que aprovamos, que teve ajustes de última hora em função do “aperto” tornado necessário para fazer frente aos desafios que a economia brasileira terá de enfrentar neste ano de 2009. Sabem ainda todos que esses ajustes consistiram, fundamentalmente, em cortes, como não poderia deixar de ser. O próprio Governo, ainda no final do ano passado, tomou a iniciativa de discutir novos cortes que realizaria no Orçamento recém-aprovado e já, como eu disse, parcialmente ajustado pelo Congresso à crise financeira.

Contudo, Srªs e Srs. Senadores, o que é surpreendente não é tanto o que está sendo cortado, mas justamente o que não está sendo objeto de cortes. Uma semana depois da aprovação do Orçamento, o Governo, como chegou a ser noticiado, reafirmava sua intenção de gastar mais de R$500 milhões em publicidade este ano.

Isso representa, Sr. Presidente, um aumento substantivo nas verbas destinadas à propaganda do Governo, em comparação com o ano anterior. Esse aumento nos gastos com publicidade - 35% a mais do que previa o Orçamento de 2008 -, em um momento em que investimentos importantes e políticas públicas essenciais encontram-se ameaçadas pelo contingenciamento, é, no mínimo, suspeito. No máximo, é uma imoralidade e uma irresponsabilidade - e deixa claro que este Governo, obcecado em produzir seus candidatos à disputa presidencial do ano que vem, está mais preocupado com as aparências do que com a essência. No calendário peculiar do Planalto, é como se 2009 não existisse: não é mais do que um prelúdio de 2010 - mas esse passe de mágica, essa supressão mágica de um ano, aliás, não deve ser especialmente difícil para quem tem a ilusão de transformar tsunamis em marolinhas...

Não há razão alguma, Sr. Presidente, que justifique esse aumento de 35% na verba destinada à publicidade - a não ser a intenção eleitoral, que, a julgar pelos indícios dados, devemos esperar ser a prioridade número um do Governo este ano.

Administração da crise?

Retomada do crescimento econômico?

Recuperação do emprego?

Tudo isso vem em segundo lugar: o Governo está preocupado primariamente em como vai aparecer na foto!

Não faz tanto tempo assim que tivemos problemas gravíssimos envolvendo esquemas de corrupção e publicidade oficial. Ao nos aproximarmos de um momento decisivo para o País - eu me refiro às eleições de 2010 -, que, além do mais, devem ocorrer quando todo o mundo ainda estiver se recuperando desta crise financeira, não há como deixar de ver o aumento dos gastos com publicidade como suspeito.

Ainda em dezembro do ano passado, completou um ano de existência a TV Brasil, mais um produto da obsessão do atual Governo com a própria imagem - e mais um ralo por onde escorre o dinheiro público. O orçamento de R$350 milhões, espantoso para uma TV pública, não foi suficiente para fazer com que a emissora se concretizasse. Sua cobertura é restrita - cerca de 50 dos mais de 5 mil municípios brasileiros - e sua programação é totalmente dependente da antiga TVE. Ao longo do primeiro ano, não conseguiu atingir 1% da audiência - ou seja, é como se não existisse. Não fosse a realidade do dinheiro que consome, não seria mais do que uma entidade fictícia.

Mas não tenho dúvida, Sr. Presidente, de que este ano veremos os gastos com essa entidade fantasmagórica florescer - na mesma medida em que crescer a preocupação do Governo com a própria imagem. Ter uma TV a seu dispor - mesmo uma TV “nanica” - não é coisa de que um Governo narcisista e ambicioso, sonhando com a sua própria perpetuação no poder, despreze. Assim, gastos com publicidade, somados a gastos com a TV pública, podemos esperar, estarão entre as prioridades do Governo este ano.

Afinal, é disso que se trata: prioridades. Ao inflar os gastos com publicidade em um momento em que outros gastos mais importantes são reduzidos, o Governo deixa claro quais são suas prioridades. A luta é desigual, Srªs e Srs. Senadores, mas assumo como meu dever lembrar aos cidadãos deste País, ao longo de todo este ano, que nem tudo que reluz é ouro e que as falácias publicitárias, por mais engenhosas que sejam, nos tornam cúmplices da mentira quando nos deixamos ser levados por elas.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/03/2009 - Página 3523