Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Violência de trotes universitários.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Violência de trotes universitários.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2009 - Página 5964
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, VIOLENCIA, SOCIEDADE, CULTURA, IMPUNIDADE, DIFICULDADE, FAMILIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, FORMAÇÃO, INFANCIA, JUVENTUDE, INEFICACIA, LEGISLAÇÃO PENAL, BRASIL.
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, VITIMA, ESTUDANTE, APROVAÇÃO, EXAME VESTIBULAR, AUTORIA, ALUNO, ALEGAÇÕES, RECEPÇÃO, UNIVERSIDADE, DETALHAMENTO, CRIME, AGRESSÃO, MORTE, AUSENCIA, PUNIÇÃO, CONCLAMAÇÃO, PROVIDENCIA, REPRESSÃO, COMBATE, IMPUNIDADE.

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O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a constatação é deprimente, mas inevitável, tendo em vista o extenso rol de fatos que a sustentam. No Brasil, vivemos na cultura da impunidade. Freud dizia que a natureza do homem é má. Para freá-la, criamos um sistema de valores que deve ser transmitido desde a infância, estabelecemos regras de convívio social, procuramos criar uma consciência de que é preciso respeitar o próximo, de que a violência é condenável.

De onde devem partir os ensinamentos que garantirão um país formado por cidadãos respeitadores da lei, e não por um bando de selvagens? Em primeiro lugar, da família. É no núcleo familiar que os jovens aprendem que sofrerão as consequências de seus atos. É nele que devem saber que os transgressores das normas que regem a vida em sociedade são punidos. É nele que tomam conhecimento da existência de limites.

Mas, a julgar pelo noticiário dos jornais nos últimos dias, tanto as famílias como as escolas, a quem cabe também uma parcela de responsabilidade na formação da infância e da juventude, vêm falhando de forma miserável em suas obrigações. Junta-se a este fracasso o fato de vivermos num dos poucos países do mundo em que a maioridade penal só é atingida aos 18 anos; em que condenados a penas de prisão, não importa a gravidade do crime, têm o direito de aguardar em liberdade enquanto recorrem das sentenças durante décadas; e no qual a maioria dos criminosos é solta logo que cumpre apenas um sexto de suas penas. Esta é a cultura da impunidade.

Que outra conclusão podemos tirar de casos como os violentos trotes universitários ocorridos em várias cidades nos últimos dias? Em Leme, não muito longe da capital paulista, o calouro Bruno Ferreira, de 21 anos, aprovado no vestibular de Veterinária do Centro Universitário Anhanguera, teve que beber cachaça à força, foi amarrado a um poste e recebeu socos.

A série de crueldades não parou por aí. Ele e seus colegas foram obrigados a rolar numa mistura de excrementos de animais e de animais em decomposição, cheios de vermes. Forçado a sentar numa cadeira, chutada por um veterano, Bruno sofreu uma queda e bateu com a cabeça na calçada. Em coma alcoólico, foi admitido como indigente num hospital local.

Cenas revoltantes como essa se repetem todos os anos, num ritual que demonstra a completa ausência de valores morais dos universitários que concebem os trotes praticados com requintes de selvageria e humilhação. Em Catanduva, também em São Paulo, calouros de uma faculdade tiveram que abaixar as calças no meio da rua, num viaduto que passa por uma das avenidas mais movimentadas da cidade. As moças tiveram suas roupas cortadas.

Em Santa Fé do Sul, Priscilla Rezende Muniz, de 18 anos, caloura de Análise de Sistemas numa faculdade particular, foi atacada por uma veterana, que jogou nela um líquido que provocou queimaduras de segundo grau. O ataque aconteceu apesar de Priscilla ter avisado que estava grávida de 3 meses. Outra aluna, de 17 anos, também sofreu queimaduras causadas pelo mesmo líquido.

O pior é que nada disso é novidade. No Brasil, os trotes universitários são marcados por um histórico de agressões graves e até de mortes. Alguns casos merecem ser citados: em março de 1980, Carlos Alberto de Souza, calouro da Universidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo, foi morto com socos no crânio, por reagir aos veteranos que tentaram cortar seu cabelo à força.

Dez anos depois, no Interior de Goiás, o calouro de Direito George Mattos teve uma parada cardíaca e morreu quando fugia de um trote. Em 1992, um estudante de Economia da PUC de Campinas foi expulso depois de agredir o calouro José Ricardo Ribeiro, que sofreu fratura na mandíbula e amnésia.

O caso de maior repercussão aconteceu em fevereiro de 1999, envolvendo alunos da Faculdade de Medicina da USP, a Universidade de São Paulo. O calouro Edison Hsueh, junto com outros colegas, foi jogado na piscina de um clube. Sem saber nadar, tentou várias vezes voltar à borda e sair, mas, como outros calouros, teve as mãos pisadas pelos veteranos. Seu corpo só foi descoberto na manhã do dia seguinte. Quatro estudantes veteranos do curso de Medicina foram denunciados por homicídio qualificado, mas o processo acabou arquivado porque a Justiça considerou que não havia provas suficientes.

A rotina da violência prossegue, e não há notícia de punições para seus autores. Algumas instituições justificam sua omissão alegando que os trotes aconteceram fora de suas dependências. Outras prometem investigações que não chegam a conclusão alguma. Mas são raríssimos os casos em que a universidade castiga de alguma forma os responsáveis pelas atrocidades, ou pelo menos toma medidas capazes de desestimulá-las. Existem algumas faculdades que incentivam o chamado “trote solidário”, com trabalho voluntário, mas seu bom exemplo encontra um número reduzido de seguidores. Não há nem mesmo legislação que responsabilize as instituições de ensino. Num círculo vicioso, a impunidade estimula mais violência.

            O ingresso na universidade deveria ser marcado pela confraternização, por atividades que incentivassem o entrosamento entre os veteranos e seus novos colegas. O que vemos, entretanto, é um triste espetáculo, com alunos sendo forçados a ingerir bebida alcoólica e a praticar atos degradantes, além de correrem risco de vida, por causa de trotes que mais parecem ter sido concebidos por mentes de psicopatas sádicos. É algo que precisa acabar, e logo, pois a lista de vítimas será cada vez mais extensa, se práticas como essas não forem reprimidas e, quando ocorrerem, punidas com o máximo rigor.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2009 - Página 5964