Discurso durante a 37ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamento sobre a concessão de asilo político ao terrorista italiano Cesare Battisti, cuja extradição é reivindicada por seu país natal, o que mostra o Brasil como o paraíso com que sonham todos os criminosos do mundo.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS.:
  • Questionamento sobre a concessão de asilo político ao terrorista italiano Cesare Battisti, cuja extradição é reivindicada por seu país natal, o que mostra o Brasil como o paraíso com que sonham todos os criminosos do mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2009 - Página 7178
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, EXCESSO, ENTRADA, CRIMINOSO, BRASIL, BUSCA, ASILO, ESPECIFICAÇÃO, CRITICA, ASILO POLITICO, TERRORISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, RECUSA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ATENDIMENTO, PEDIDO, EXTRADIÇÃO, ALEGAÇÕES, PERSEGUIÇÃO, NATUREZA POLITICA, CONTRADIÇÃO, REGIME, DEMOCRACIA.
  • DETALHAMENTO, BIOGRAFIA, CRIMINOSO, PROTESTO, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, OFENSA, DESCENDENTE, IMIGRANTE, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, DESRESPEITO, ORDEM JURIDICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, AUSENCIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • CONTRADIÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DEPORTAÇÃO, ATLETAS, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, ACOLHIMENTO, CRIMINOSO.

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O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é imenso o número de filmes, europeus e norte-americanos, sem contar os livros, em que o bandido, seja um assaltante de bancos, seja o autor de um roubo de grandes proporções, seja um assassino, uma vez cometido o grande crime de sua vida, manifesta o desejo de fugir para o Brasil, quase sempre o Rio de Janeiro, onde passará o resto de seus dias em praias paradisíacas, rodeado de belas mulheres, sem ser importunado pela polícia.

Seria o caso de o governo emitir um protesto formal, argumentando que não somos o paraíso de criminosos propagado pela literatura e pela indústria cinematográfica. Seria, se não fosse por um pequeno problema: os filmes e livros não estão muito distantes da realidade. Na verdade, tenho a firme desconfiança de que são apenas o reflexo dela.

Isso acaba de ser comprovado com a concessão de asilo político ao terrorista italiano Cesare Battisti, cuja extradição é reivindicada por seu país natal. Alega o ministro Tarso Genro que Battisti “possui fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas”. Seria um argumento válido caso ele tivesse nascido em Cuba, uma ditadura destituída de instituições elementares como um sistema jurídico que garanta amplo direito de defesa, submetida ao regime de partido único, que não realiza eleições livres nem possui uma imprensa digna do nome, apenas jornais estatais.

Seria um argumento válido caso Battisti não tivesse sido condenado por decisões judiciais de um país democrático, referendadas depois pela França e pela Corte Europeia de Direitos Humanos.

Tratamos Battisti no Brasil como um combatente que lutou com valentia contra um regime ditatorial, foi julgado injustamente e buscou, com razão, refúgio contra a arbitrariedade. Logo, merece ser acolhido entre nós.

Nada mais distante da verdade. Em primeiro lugar, Cesare Battisti começou sua carreira como um criminoso comum. A extensa ficha policial, revelada pelo jornalista Mino Carta, mostra que ele foi preso pela primeira vez aos 18 anos, em 1972, por furto agravado. Seguiu-se uma série de prisões, por crimes diversos, que incluíram lesões pessoais, seqüestro, prática de atos libidinosos com incapaz (deficiente mental ou menor de idade). Libertado em 1977, aderiu a um minúsculo grupo de bandidos que mascarava seus atos criminosos sob a bandeira da militância política armada, utilizando o nome de “Proletários Armados pelo Comunismo”.

Suas “ações revolucionárias” nada mais foram que crimes bárbaros, cometidos a sangue-frio. Em 1978, em companhia da namorada, Battisti assassinou com tiros desferidos pelas costas um carcereiro da prisão de Udine, onde estivera cumprindo pena, na porta da casa dele. Em 1979, em Milão, matou o joalheiro Pierluigi Torregiani e esvaziou sua loja, em nome de uma “expropriação proletária”. Torregiani foi morto na frente do seu filho, que tinha então 13 anos e ficou paraplégico. No mesmo ano, um açougueiro teve destino idêntico, acusado de ser “simpatizante do fascismo”. A série de homicídios encerrou-se com a morte do agente policial Andrea Campagna, que participara das investigações do caso Torregiani.

Esta foi a carreira de “revolucionário” de Cesare Battisti. Preso em Milão, ele permaneceu dois anos na cadeia e fugiu em 1981, em companhia de um mafioso, quando um comando terrorista atacou a penitenciária de Frosinone. Escapou para a França, viveu algum tempo no México e retornou a Paris em 1990. Favorecido pela chamada “Doutrina Mitterrand”, que garantia abrigo a foragidos espertos o suficiente para se auto-intitularem perseguidos políticos, permaneceu em tranqüilidade até 2003, quando a doutrina caducou e a Itália pediu sua extradição. Ao saber que a Justiça francesa concordara em mandá-lo de volta, tratou de fazer as malas e imitar os bandidos das telas: embarcou para o Rio de Janeiro.

Battisti escolheu o destino certo. Não é só no cinema que temos uma tradição de acolher transgressores da lei de outros países. Basta lembrar o caso mais notório, do inglês Ronald Biggs, um dos autores, em 1963, de um célebre assalto a um trem do correio inglês, em que foram levados o equivalente hoje a quase 220 milhões de reais em libras esterlinas.

Tratado como patrimônio nacional, reverenciado por sua ousadia, desde que desembarcou nas praias cariocas, Biggs levou uma boa vida depois de ter sua extradição recusada, apesar dos esforços do governo britânico. Só foi parar na prisão por ter aceitado um acordo com a polícia inglesa, e hoje cumpre 55 anos de pena numa penitenciária londrina. Se dependesse de nós, morreria por aqui, com direito a fotos nas colunas sociais.

É preciso dizer, em favor de Ronald Biggs, que ele, pelo menos, nunca tentou justificar o assalto escondendo-se atrás de posições políticas. Não roubou o dinheiro do trem em nome da “causa proletária”. Queria, isto sim, ficar rico. Que se saiba, ninguém foi morto no assalto.

Cesare Battisti, que ganhou a acolhida de intelectuais ingênuos e do governo brasileiro, tem um currículo sangrento. A concessão de asilo é um insulto aos milhões de imigrantes italianos que ajudaram a construir nosso país, que deram seu suor e sangue para desbravar terras inóspitas e, com o esforço de seus braços, construir um futuro melhor para si e para seus descendentes. Os ítalo-brasileiros não mereciam o insulto de presenciarem a concessão de asilo como “perseguido político” a um italiano condenado pela justiça de seu país por roubar a vida de 4 de seus concidadãos com requintes de crueldade.

Os integrantes do Conare, o Comitê Nacional para os Refugiados, órgão interministerial, apresentaram bem fundadas razões para negar o status de refugiado a Cesare Battisti, como mostra o documento obtido pelo jornal Folha de São Paulo.

Nele, os conselheiros afirmam: “Não há como considerar que na Itália não vige um sistema jurídico capaz de resguardar a vida daqueles que cumprem pena em seus cárceres”. O documento enfatiza que o país é democrático, com suas instituições funcionando normalmente, e que não há notícia de violações aos direitos humanos. Battisti, escrevem, teve direito de defesa e estava informado sobre a acusação contra ele. A análise das 5 decisões proferidas pelas Justiças da Itália e da França e pela Corte Europeia de Direitos Humanos mostra que sua condenação à prisão perpétua pelos 4 homicídios teve como base o depoimento de pelo menos 10 testemunhas e também que a ele foi garantido amplo direito de defesa.

A verdade é que não há um só fato capaz de atenuar os assassinatos cometidos por Battisti. Ele não combatia uma ditadura, e sim um Estado democrático. Julgado, foi considerado terrorista. Mesmo levando-se em conta apenas a Constituição brasileira, terrorismo, como a tortura, é, de acordo com o artigo quinto, incisos 43 e 44, crime hediondo, “inafiançável e imprescritível”.

A Itália tem tratado de extradição com o Brasil - logo, não está exercendo nenhuma pressão ilegítima ao reivindicar a volta de Battisti para que pague por seus crimes. O próprio parecer do Conare diz que a atitude das autoridades italianas é “um direito legítimo de qualquer estado que pretende ver cumpridas suas decisões, como o faz da mesma maneira o governo brasileiro, sem que se caracterize constrangimento à soberania de outro país”.

Em 2007, dois pugilistas cubanos desertaram da delegação de seu país durante os Jogos Pan-Americanos, realizados no Rio de Janeiro. Foram deportados sumariamente. Um deles conseguiu, mais tarde, fugir para a Alemanha e hoje vive em Miami, nos Estados Unidos. O outro é um pária em seu próprio país, impedido de seguir sua carreira.

Mandamos de volta para uma ditadura cruel dois homens cujo único delito era o desejo de viver num país democrático. Concedemos asilo a um homicida dono de extenso currículo criminal, que destruiu famílias e deixou atrás de si uma trilha de sangue. Não temos o menor direito de reclamar se continuarmos a ser, no cinema e na literatura, o paraíso com que sonham todos os criminosos do mundo.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2009 - Página 7178