Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Consequencias da decisão do Supremo Tribunal Federal que dá liberdade aos réus até que se esgotem os recursos aos tribunais superiores.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Consequencias da decisão do Supremo Tribunal Federal que dá liberdade aos réus até que se esgotem os recursos aos tribunais superiores.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2009 - Página 9104
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • REPUDIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), GARANTIA, LIBERDADE, REU, DURAÇÃO, JULGAMENTO, RECURSO JUDICIAL, TRIBUNAIS SUPERIORES, INCENTIVO, IMPUNIDADE, CRIME DO COLARINHO BRANCO, DESVALORIZAÇÃO, TRABALHO, VARA CRIMINAL, PRIMEIRA INSTANCIA, CAMARA CRIMINAL, SEGUNDA INSTANCIA.
  • COMENTARIO, DIVULGAÇÃO, LEVANTAMENTO, PROCURADORIA REGIONAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ANALISE, FORMA, EXECUÇÃO, PENA, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, ESPANHA, FRANÇA, INGLATERRA, ALEMANHA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEMONSTRAÇÃO, NECESSIDADE, BRASIL, REVISÃO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, O Supremo Tribunal Federal tomou dias atrás uma decisão que, além de incentivar a impunidade, coloca em risco a segurança pública, já tão precária em todo o País, favorece os mais privilegiados e, como se não bastasse, desmoraliza as varas criminais de primeira instância e as câmaras criminais de segunda instância. Criou-se uma jurisprudência que, nos próximos meses, abrirá as portas das penitenciárias para detentos perigosos, muitos deles com vínculos comprovados com organizações criminosas.

A mais alta corte jurídica do País fez jus ao seu papel de guardiã-mor da Constituição. O inciso 57 do artigo quinto da Carta Magna assegura que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, por 7 votos a 4, os ministros entenderam que, mesmo depois de uma sentença ser ratificada em segunda instância, os réus devem ficar em liberdade até que se esgotem os recursos aos tribunais superiores.

Prevalece o princípio da presunção da inocência até que a Justiça dê sua palavra final. O problema é que, em nosso sistema judicial lento, anacrônico, repleto de deficiências, como a escassez de juízes e de equipamentos, preso a ditames que remontam ao século 19, essa palavra final pode levar décadas para ser pronunciada.

Entre as vozes discordantes no Supremo, o ministro Joaquim Barbosa criticou a decisão da maioria, afirmando que estamos criando “um sistema penal de faz-de-conta”. Ele citou um caso julgado pelo STF que recebeu nada menos que 63 recursos judiciais. O ministro Carlos Alberto Direito lembrou que nem mesmo a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos garante direito irrestrito à interposição de recursos em liberdade. “Temos criminosos confessos que são condenados em primeiro e segundo graus e nunca vão para a cadeia porque o volume de recursos não se esgota nunca”, enfatizou.

A ministra Ellen Gracie, por sua vez, considerou “inconcebível” a tese de que a prisão só pode acontecer uma vez esgotados todos os meios de recurso. Ela própria, ao julgar um habeas corpus em 2006, já tinha assinalado que “em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”.

A ministra tem razão. Um levantamento divulgado pela Procuradoria Regional da República da Terceira Região, que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul, enumera os mecanismos de execução da pena em 6 países: Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha.

Em Portugal, a sentença condenatória tem execução imediata. Embora leve em conta a presunção da inocência, o Tribunal Constitucional considera que não é necessária uma sentença definitiva para o cumprimento da pena. Na Espanha, acontece o mesmo. Para o Tribunal Constitucional daquele país, se o ônus da prova está com a acusação e se é observado o contraditório e cumprido o direito à ampla defesa, a presunção de inocência está satisfeita.

Na França, a lei estabelece a possibilidade de expedição de mandado de execução, ainda que exista possibilidade de recurso. Na Inglaterra, onde nasceram os direitos civis e a presunção de inocência está presente na Carta Magna desde 1215, o cumprimento da pena começa já depois da primeira sentença condenatória. São muitos os requisitos para que se possa recorrer em liberdade.

Nos Estados Unidos, o direito à fiança tem uma série de restrições, prevalecendo o respeito às decisões de primeira instância. E, na Alemanha, são limitados os recursos que permitem a permanência em liberdade. A pena pode ser cumprida quando eles ainda estão tramitando.

Como se pode ver, estamos contrariando uma tendência mundial, ao contemplar com a libertação uma considerável parcela dos 440 mil presos existentes no Brasil. Todos os países citados vivem sob regimes democráticos e respeitam os direitos fundamentais, mas nem por isso transferem para um futuro distante e imponderável a resposta do Estado a ações criminosas.

Numa análise mais aprofundada da decisão do Supremo, outro aspecto a ser destacado é a profunda desigualdade que ela promove. Ao permitir o retardamento praticamente infinito da decisão definitiva, privilegia uma parcela de transgressores da lei que tem dinheiro para contratar bons advogados, capazes de esgotar todas as possibilidades de recursos permitidas pela Justiça brasileira - e estes não são poucos.

Quem depende de assistência gratuita ou dispõe de pouco dinheiro, estes jamais passarão da segunda instância. Não é à toa que a Associação dos Juízes Federais do Brasil considera que a decisão cria “um sistema insano, em que nunca se chega a uma condenação definitiva”. Somos provavelmente o país do mundo que maior número de meios de recurso oferece aos réus. Passamos a ser também o país em que ninguém irá para a cadeia, a não ser os pobres acusados de furtar um pote de margarina.

Falta também explicar a contradição que a jurisprudência do Supremo cria no ordenamento jurídico. Continuamos permitindo que uma pessoa investigada tenha sua prisão preventiva decretada, entre outros motivos, por indício de autoria. Ou seja, passamos a tratar com rigor muito maior quem é preso preventivamente do que o réu contra o qual foi proferida sentença condenatória.

A defesa dos direitos individuais do cidadão não estava comprometida pelo entendimento que vigorava até a decisão do STF. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a condenação por um tribunal de segunda instância já era suficiente para o início do cumprimento da pena, evitando que uma decisão de primeira instância justificasse a prisão. Agora, não basta nem mesmo uma sentença do STJ.

Eis mais um efeito colateral da nova jurisprudência: o número de recursos ao Supremo Tribunal Federal deverá aumentar consideravelmente, sobrecarregando ainda mais seus integrantes. Trata-se de uma Corte que recebeu, só no ano passado, 99 mil 218 novos processos. A média anual tem girado em torno de 100 mil processos.

Para se ter uma idéia do volume desproporcional, quando comparado ao dos tribunais supremos de outros países, a Corte Constitucional da Alemanha recebeu 147 mil processos entre 1951 e 2002 - em meio século, pouco mais que a do Brasil em um ano e meio. Ainda assim, nem todos foram julgados, já que existe uma seleção prévia dos casos que chegarão aos ministros. Nos Estados Unidos, a Corte Suprema julga anualmente uma média de 80 casos.

Temos leis processuais ultrapassadas, e precisamos revê-las sem perda de tempo. Enfim, chegamos a um ponto em que se torna inevitável a pergunta: Valerá a pena prender algum criminoso em nosso país, se a perspectiva de punição é tão remota que se torna quase inexistente? A garantia de impunidade para assaltantes, assassinos e criminosos de colarinho branco é assustadora, e não deveria sequer ser cogitada num país civilizado. Mas esta, infelizmente, é a nossa realidade. É hora de mudá-la, e com urgência.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2009 - Página 9104