Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Preocupação com a disseminação do crack.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Preocupação com a disseminação do crack.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2009 - Página 8298
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, CRIAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, DROGA, UTILIZAÇÃO, COCAINA, AUMENTO, EFEITO, VICIO, INDICE, CRIME, NUMERO, VICIADO EM DROGAS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GRAVIDADE, CRESCIMENTO, PROBLEMA, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, ATENDIMENTO, DEPENDENTE, INTERNAMENTO, SAUDE PUBLICA, MERCADORIA APREENDIDA, DIFUSÃO, REGIÃO METROPOLITANA, INTERIOR, ZONA RURAL, ESTUDANTE, MENOR, DIFICULDADE, RECUPERAÇÃO, CONCLAMAÇÃO, UNIÃO, GOVERNO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, SOCIEDADE CIVIL, COMBATE, TRAFICANTE, IDENTIFICAÇÃO, ROTA, TRAFICO, PUNIÇÃO, QUADRILHA, PREVENÇÃO, EPIDEMIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início dos anos 1980, traficantes de cocaína que abasteciam os Estados Unidos viram-se diante de um dilema: as remessas vindas dos centros produtores, que passavam pelas Bahamas e depois eram contrabandeadas para Miami, superavam em muito a capacidade de compra do mercado. Os preços caíram em até 80 por cento. Um dia, alguém teve a idéia de cozinhar a droga, junto com outros ingredientes, e transformá-la em pedras, que podiam ser fumadas depois de acesas. Nasceu uma das maiores pragas do final do século 20, o crack.

Barato, fácil de produzir, ele podia ser vendido em pequenas quantidades, com grande lucro, já que a pasta de cocaína era misturada com bicarbonato de sódio, cal e anestésicos como lidocaína. Mas a maior vantagem, para os traficantes, era que, embora tivesse o mesmo princípio ativo que a cocaína, viciava muito mais rapidamente que ela, devido à intensidade do efeito.

Enquanto a cocaína, depois de absorvida pela mucosa do nariz, precisa ser metabolizada pelo fígado e só então é enviada gradualmente para o cérebro, o crack, uma vez absorvido pelos pulmões, dirige-se diretamente ao cérebro. Como o efeito é de menor duração que o da cocaína, o viciado em crack precisa de muitas doses por dia. Se não as consegue, entra em depressão e passa a ter acessos de paranóia, tornando-se violento.

Depois de sua chegada aos Estados Unidos, o consumo do crack alastrou-se com rapidez por todas as grandes cidades norte-americanas. Durante 6 anos, de 1984 a 1990, o País enfrentou a chamada “epidemia do crack”. Os índices de criminalidade subiram à estratosfera em metrópoles como Nova York, Washington e Miami: o número de roubos, assaltos e homicídios experimentou uma progressão geométrica, assim como o de viciados que, arruinados pela droga, perambulavam pelas ruas, dispostos a tudo para conseguir uma nova dose de crack.

Mais de 20 anos depois da epidemia nos Estados Unidos, tudo indica que chegou a nossa vez. Estatísticas e histórias alarmantes proliferam no noticiário, indicando que a droga, introduzida em São Paulo por volta de 1989, migrou para os demais Estados e hoje está presente em todo o Brasil.

Em Brasília, o crack é responsável por 20 por cento dos atendimentos de dependentes de drogas na rede pública de saúde. A quantidade apreendida pela polícia no ano passado é 455 por cento maior que a registrada em 2007. No Estado de São Paulo, a apreensão de crack em 2008 chegou a 731 quilos. Em Dourados, no Mato Grosso do Sul, ele é consumido por comunidades indígenas que vivem perto da cidade. São José do Rio Preto, em São Paulo, tem 450 mil habitantes e pelo menos 1.200 viciados em crack.

Nem mesmo comunidades rurais do interior de São Paulo e do Paraná escapam da droga. Existem relatos de seu consumo por trabalhadores das plantações paulistas de cana-de-açúcar e também nas lavouras de mandioca do Paraná. Um fazendeiro paranaense chegou a afirmar para uma equipe da Rede Globo que entre 60 e 80 por cento dos homens que trabalhavam na colheita em suas terras consumiam crack.

A difusão da droga pelo Brasil afora é espantosa. Ouro Preto, em Minas Gerais, tem nada menos que 70 pontos de venda de crack e outras drogas, segundo um levantamento da Polícia Militar. Em Porto Alegre, só no ano passado nasceram 117 crianças filhas de mulheres viciadas. No Rio Grande do Sul, a Secretaria de Saúde calcula que existam pelo menos 50 mil viciados. No Espírito Santo, o número de internações por uso de drogas, entre as quais o crack, cresceu mais de 196 por cento em 7 anos. De 2001 a 2007, o Estado gastou R$10,320 milhões com internações de viciados.

Em Salvador, onde a apreensão da droga triplicou nos últimos 11 meses de 2008, viciados podem ser vistos em pontos turísticos como o centro histórico e o Farol da Barra. Em Fortaleza, Recife, Maceió, Teresina, João Pessoa e outras capitais nordestinas, o consumo de crack cresce a cada dia. No Recife, a Universidade Federal de Pernambuco calcula que, já em 2006, o crack respondia por 50 por cento do consumo de drogas na cidade.

Em Fortaleza, foram apreendidos, em 2008, 60 quilos de crack, contra 8 no ano anterior. Em João Pessoa, os centros de atendimento a dependentes têm entre seus pacientes crianças com idades entre 5 e 6 anos, que se tornaram viciadas e, como não dispunham de dinheiro para comprar crack, passaram a trabalhar como entregadores para traficantes, em troca de pedras da droga.

Ainda em Fortaleza, a Fundação da Criança e da Família Cidadã fez uma pesquisa com 328 crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual, e constatou que mais de 73 por cento delas já tinham experimentado alguma droga. O crack estava em segundo lugar, usado por quase 20 por cento dos entrevistados, logo depois do cigarro, com 21,9 por cento.

Até algum tempo, o consumo do crack se restringia à periferia das grandes cidades, às chamadas “cracolândias”, redutos de viciados que se congregavam em áreas decadentes. Mas nos últimos anos, além de chegar ao interior dos Estados, ele também passou a ser vendido também em bairros de classe média. Esta ascensão na escala social é confirmada por especialistas. O diretor de uma clínica de recuperação de viciados em São Paulo diz que estudantes de faculdades particulares, advogados, publicitários e até mesmo médicos são as novas vítimas da droga.

Na maioria das clínicas, o crack é o responsável por quase todas as internações. No Centro Recanto Paz, em Pernambuco, 80 por cento dos pacientes são viciados em crack. No Centro Terapêutico Viva, em São Paulo, eles chegam a 95 por cento do total.

Essa disseminação da substância deve-se a uma estratégia dos traficantes, que substituíram as chamadas “drogas leves” pelo crack, em busca de lucros maiores. Um consumidor de maconha, por exemplo, é incentivado pelo fornecedor a experimentar o crack, apresentado como uma “droga nova”, capaz de proporcionar sensações bem mais intensas. Apreensões feitas em Minas Gerais revelaram que os traficantes adicionam aromas e cores diferentes às pedras, para atrair consumidores. Os policiais já encontraram crack com cor e cheiro de chocolate e também com pigmento rosa e aroma de frutas.

O preço acessível e o efeito forte e instantâneo, capaz de viciar na primeira vez que é experimentado, fazem do crack uma droga catastrófica. Para consumi-la, os viciados são capazes de tudo. Roubam bens da família, forçam os pais a pagar as dívidas que contraem com traficantes, tornam-se entregadores ou arranjam novos consumidores para garantir suas doses.

Mulheres dependentes se prostituem por qualquer quantia e contraem doenças sexuais. Estima-se que o percentual de infectados com o vírus da Aids, entre usuários de crack, seja 10 vezes maior que o da população em geral. Não são raros os casos dos que assaltam ou matam para conseguir dinheiro que financie o vício. Também há muitos viciados que se tornam indigentes, já que a degradação causada pelo crack é rápida e devastadora. Qualquer tipo de vida social se torna impossível, e também é inviável exercer alguma atividade produtiva, já que a curta duração do efeito faz com que o viciado em crack necessite de doses constantes.

Livrar-se da droga não é fácil. Os métodos convencionais de tratamento geralmente não funcionam com quem consome crack. Médicos paulistas calculam que apenas 30 por cento dos dependentes conseguem ficar mais de um ano em abstinência.

São esses os fatos. Como os Estados Unidos de mais de duas décadas atrás, temos diante de nós um problema gigantesco, uma epidemia de dimensões nacionais, que cresce todos os dias e não poupa nem mesmo crianças. Para resolvê-lo, será necessário um trabalho conjunto, que envolva o governo federal, Estados, municípios, empresas privadas, entidades da sociedade civil, uma verdadeira força-tarefa.

Esse trabalho inclui o combate eficaz aos traficantes, com o mapeamento das rotas de entrada no País e a identificação das fontes de abastecimento, ou seja, das quadrilhas responsáveis pela venda da droga, e seu desmantelamento. Também é necessário encontrar meios de prevenir o uso do crack e ampliar a rede de unidades especializadas em tratamento de viciados.

Trata-se, é bom repetir, de uma epidemia, que não pode ser subestimada ou enfrentada com idéias infelizes, como a distribuição de cartilhas ditas “educativas”, que acabam funcionando como incentivo ao consumo de drogas. Está mais do que provado que a “política de redução de danos”, segundo a qual não se deve combater o tráfico, e sim ajudar os viciados a consumir drogas em “condições seguras”, não tem a menor eficácia. A Holanda está fechando os cafés em que a venda controlada de maconha era permitida. Em Zurique, na Suíça, um parque transformado em “zona franca” para o consumo de drogas teve o mesmo destino, depois que se transformou em reduto de marginais.

Se não tomarmos providências agora, dentro em breve será tarde demais. Nossas cidades se tornarão um cenário de pesadelo, tudo porque subestimamos o enorme poder destruidor do crack. Ele é a pior das drogas, não só por aniquilar seus usuários, como também pela violência que é capaz de gerar, afetando toda a sociedade.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2009 - Página 8298