Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário de nascimento de Dom Helder Câmara.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário de nascimento de Dom Helder Câmara.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2009 - Página 13460
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, DETALHAMENTO, MENSAGEM (MSG), EXPERIENCIA, AUTORIDADE RELIGIOSA, JUVENTUDE, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, LUTA, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, IGUALDADE, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, EDUCAÇÃO, SAUDE, HABITAÇÃO, GARANTIA, DIREITOS HUMANOS, CONFIANÇA, MELHORIA, BRASIL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, VIDA PUBLICA, HISTORIA, AMBITO NACIONAL, AMBITO INTERNACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa tarde a cada uma e a cada um. Eu quero, para não ficar repetindo todos os nomes, cumprimentar a Dom Freire Falcão, obviamente, pela amizade que construímos, pelo respeito que tenho, pelo carinho com que me recebe em sua casa; ao padre Ernane, que é o mais perto que eu teria de um conselheiro religioso, e ao meu amigo, colega, e que foi professor, apesar de parecer mais moço que eu, que é Antônio Carlos, e a todos da mesa e todos que aqui estão.

Quando eu tive que vir falar aqui sobre Dom Helder Câmara, eu imaginei sobre que aspecto eu falaria. Sobre a sua biografia? Todos já falaram sobre sua biografia, e eu creio que resumi sua biografia quando fiz, no dia seguinte a sua morte, um necrológio e coloquei como título “O Santo Rebelde”, que me deixou muito feliz por ter sido usado como título do filme. Precisa mais alguma coisa na biografia de Dom Helder do que dizer que ele foi um santo rebelde?

Pensei em falar sobre a história, mas a história dele e tudo que ele fez é conhecido. A participação dele na História do Brasil, sua revolução na igreja em nível mundial é conhecida. Pensei em falar na necessidade que ele nos faz hoje, num momento de um mundo em crise moral profunda, em todos os aspectos: na moral na política, para começar, mas também na moral nas relações sociais, na moral na própria família. Seria importante falar sobre como ele faz falta.

Poderia falar das lembranças que tenho dele, do dia em que ele tomou posse em Recife - e eu lembro demais, ele no palanque, tomando posse em praça pública, e não apenas na catedral -; de um dia em que ele veio me visitar, eu com 20 anos de idade, na minha casa, e a multidão que se juntou por causa dele; do dia em que eu o acompanhei no enterro do Padre Antônio Henrique, assassinado barbaramente em Recife. E ele percorreu, sei lá, cinco, seis quilômetros até Camaragibe, desde a Igreja dos Pinheiros. Mas não é disso que vou falar.

Pensei em falar das lições que ele deu: lição de austeridade, uma coisa tão rara, hoje, neste País; lição de coragem para enfrentar tudo o que era difícil; lições de solidariedade e disciplina dentro da Igreja, porque, mesmo nos momentos mais difíceis das relações dele com a Cúria, dele nunca ninguém ouviu reclamação. Nunca ninguém ouviu dele uma crítica ao Vaticano; nunca ouviu dele uma crítica ao Papa, mesmo a gente sabendo que o tratamento que ele recebeu - e aí posso falar - não foi daqueles de que gostaríamos mais. Mas, dele, jamais!

Eu poderia até mesmo falar das suas realizações, que muitos já falaram: das realizações da criação da CNBB, da realização do Banco da Providência. Mas preferi falar outra coisa. Preferi analisar aqui o que eu gostaria de dizer aos jovens sobre Dom Helder Câmara. Quero falar para os jovens, não para aqueles que chegaram a conhecê-lo, como tive o privilégio.

Dom Helder significa, para vocês, hoje, jovens, o verbo “acreditar”, coisa tão rara hoje em dia! Ele significa “crença”, não apenas a crença dele em Deus, na Igreja Católica, mas a crença dele na possibilidade de libertação das pessoas; a crença dele pela soberania da nossa Pátria; a crença que ele tinha, profunda, nas formas mais diferentes da militância, como o caminho da construção de um Brasil novo.

Eu gostaria que os jovens ouvissem dele esta expressão: acreditem! Acreditem!

Eu queria também lembrar dele, para os jovens, a ideia de amor ao País, à Pátria, que muitos hoje não gostam de dizer desta maneira. Dom Helder foi um profundo amante do Brasil; do Brasil como Nação, do Brasil como Pátria, não apenas como lugar onde ele nasceu. Eu gostaria também de dizer, com a mesma força, do amor dele a uma coisa que não é o mesmo que País: o amor dele ao povo, ao povo brasileiro, sem preconceito de classe; mas com outra coisa importante que eu gostaria de passar aos jovens: a opção pelos pobres. O amor dele ao povo brasileiro não escolhia entre ricos e pobres, mas a opção dele, na doação da sua vida, foi pelos pobres. Eu queria que os jovens entendessem isso. Eu queria que os jovens das camadas pobres entendessem que eles precisam fazer sua opção para libertar seu povo: pobre. E que os jovens de classe média e alta - não há mais Dom Helder falando aqui - escutassem minha lembrança do que ele diria: que vocês façam a opção pela maioria da população brasileira, que é a parte excluída da nossa sociedade. Não imaginem que o futuro está em simplesmente fazer com que todos os pobres sejam ricos. Isso não é uma opção pelos pobres; isso é uma promessa aos pobres. A opção pelos pobres é estar ao lado deles, lutando por tudo aquilo que eles precisam para comer, porque tem gente que ainda não come hoje, no Brasil, todos os dias. Que eles tenham o direito de não ficar numa fila de hospital; o direito de não ficar horas esperando ônibus; o direito de não precisar dormir na porta da escola para matricular o filho; o direito de não precisar fazer com que jovens neste País caiam na droga por falta de mensagem pela qual lutar.

Dom Helder nos passou essas possibilidades da luta na opção pelos pobres. E eu colocaria também, talvez em último lugar, como lição para os jovens, ficando apenas em cinco, o verbo “lutar”. Mas o lutar para os jovens de hoje não tem o mesmo objetivo que tinha o verbo lutar no tempo de Dom Helder. No tempo de Dom Helder, a luta foi pela democracia. Hoje, a gente precisa apenas consolidar a democracia, purificar a democracia. Isso precisa. Mas ela foi conquistada. Com Dom Helder, a luta era, por exemplo, para que todos tivessem um pedaço de terra. A gente sabe que hoje apenas uma parte da população precisa de um pedaço de terra. A maior parte da população hoje é urbana e precisa de um pedaço de terreno, e não de um pedaço de terra, como agricultores.

A luta de Dom Helder hoje, a meu ver - e isso eu tenho que passar para os jovens -, é a luta para que, neste País, a escola seja igual para todos. Creio que, se Dom Helder estivesse aqui hoje conosco, ele lutaria para que a desigualdade desaparecesse na sociedade com o desaparecimento da desigualdade no acesso a uma escola de qualidade. Creio que é essa a mensagem de luta, para que o berço da desigualdade, que é a escola desigual de hoje, transforme-se no berço da igualdade, em uma escola igual para todos.

Eu gostaria que os jovens, mais do que todos os outros, soubessem que hoje a gente comemora os 100 anos de nascimento de um dos maiores personagens do século XX no nosso País; e do nosso País no mundo inteiro, porque não houve muitos outros brasileiros, nascidos no século XX, que transcenderam às fronteiras e ocuparam a dimensão internacional de Dom Helder. Que os jovens saibam que, aqui, houve um homem que passou por essa terra, que nasceu neste País, lá no seu Ceará, que viveu boa parte no nosso Pernambuco e que deixou um exemplo para vocês, que deixou uma mensagem para vocês, uma mensagem que está viva. Não esqueçam dele, não esqueçam da mensagem e continuem lutando, para que este Brasil realize aquilo que, apesar de ele não ter falecido jovem, no horizonte de vida dele, não deu para ele fazer. Ele deixou para nós.

Que nossa homenagem ao Santo Rebelde seja a nossa rebeldia, mesmo que não sejamos santos.

Era isto, Sr. Presidente, que eu gostaria de deixar como mensagem com muita emoção: as lembranças, as esperanças e as lições que recebi desse grande ser humano, que foi nosso Gandhi, chamado Dom Helder Câmara. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2009 - Página 13460