Discurso durante a 69ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Resposta a e-mail recebido de um uruguaio residente no Brasil, que perguntara se S.Exa. ofereceria a Barack Obama o mesmo livro que lhe fora oferecido por Hugo Chávez, intitulado "As Veias Abertas da América Latina".

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. EDUCAÇÃO.:
  • Resposta a e-mail recebido de um uruguaio residente no Brasil, que perguntara se S.Exa. ofereceria a Barack Obama o mesmo livro que lhe fora oferecido por Hugo Chávez, intitulado "As Veias Abertas da América Latina".
Aparteantes
José Agripino.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2009 - Página 16463
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • RESPOSTA, MENSAGEM (MSG), INTERNET, QUESTIONAMENTO, ESCOLHA, LIVRO, OBJETIVO, ESCLARECIMENTOS, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SITUAÇÃO, AMERICA LATINA.
  • COMENTARIO, LIVRO, DENUNCIA, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, AMERICA LATINA, PERIODO, COLONIZAÇÃO, ATUALIDADE, IMPERIALISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, ORIGEM, SUBDESENVOLVIMENTO, FALTA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, IMPORTANCIA, DEBATE, EQUILIBRIO ECOLOGICO, AMBITO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, ANALISE, DESEQUILIBRIO, MERCADO FINANCEIRO.
  • EXPECTATIVA, ESFORÇO, AMBITO INTERNACIONAL, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, ATENDIMENTO, TOTAL, POPULAÇÃO, MUNDO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - “Educação é progresso”.

Senador Mão Santa, obrigado por sua gentileza de sempre.

Mas, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, todos os dias, nós Senadores recebemos dezenas, em alguns momentos, centenas, há momentos, milhares de e-mails. Tenho costume, Senador, de responder um a um. Por isso, às vezes, atraso.

Ontem recebi um que me chamou muito a atenção. Foi de um uruguaio que se dizia uruguaio residente no Brasil, Sr. Raul Balestra. A pergunta dele é de uma simplicidade que às vezes dá vontade de rir, mas que me provocou.

Ele lembrava que o Presidente Chávez deu de presente ao Presidente Obama o Livro As Veias Abertas da América Latina - saiu muito nos jornais. E ele perguntava se eu daria esse mesmo livro para o Presidente Obama. É claro que eu não vou dar nenhum livro ao Presidente Obama, mas eu acho que é uma boa provocação pensar que livro sugeriria que o Presidente Lula desse de presente ao Presidente Obama.

Eu não daria As Veias Abertas da América Latina. Não porque não seja um livro importante; não porque não seja um belo livro; não porque não seja um livro que foi muito importante na formação de praticamente uma geração inteira de latino-americanos mais jovens que eu. Eu não daria esse livro - supondo que fosse dar um livro. Se fosse dar uma grande biblioteca, incluiria As Veias Abertas, sem dúvida alguma. Mas eu não colocaria esse livro como o livro, para formar o Presidente Obama em relação ao que fazer pela América Latina e os povos do mundo, porque eu creio que As Veias Abertas da América Latina parte de um viés antigo, um viés correto, mas um viés antigo, Senador Agripino Maia: é o viés da exploração dos países ricos sobre os países pobres, do ponto de vista da economia e dos recursos naturais.

É verdade que houve, sim, uma sangria de cinco séculos dos recursos naturais latino-americanos para os países europeus, e também, no último século, para os Estados Unidos.

         Mas eu creio que o grande problema que nos manteve atrasados não foi esse. Nesse sentido, creio que o autor do livro, o famoso Galeano, está equivocado. Para mim, no lugar das veias abertas, o que dificulta o nosso continente estar bem são os neurônios tapados. O que fez o atraso foi não termos tido, nesse período, por culpa nossa e por culpa também dos países metropolitanos, como eram chamados, investimentos que permitissem aos nossos países, hoje, ter um bom desenvolvimento científico e tecnológico. Esse foi o problema. Se tivessem levado todo o ouro da América Latina, mas tivessem deixado a população com um alto nível de educação; se hoje houvesse aqui os grandes centros de geração de ciência e tecnologia, nós não estaríamos em uma situação negativa.

O que dificultou o desenvolvimento latino-americano - todos nós praticamente erramos, não apenas o Galeano, ao observamos todo o processo de desenvolvimento na ótica da economia -, o que atrapalhou entender a crise do desenvolvimento foi não percebermos (e era impossível perceber na verdade) que o final do século XX começaria a construir um novo tipo de economia, não mais a economia da matéria-prima, não mais mesmo a economia do produto industrial, mecânico, mas a economia do produto conhecimento, do produto científico e tecnológico. Hoje, o que dá valor a qualquer dessas coisas que a gente compra, como este microfone ou este relógio, não é mais a quantidade de matéria-prima, não é mais a quantidade de trabalho; o que dá valor é a quantidade de conhecimento, de inteligência que está aqui dentro, sob a forma de chips, sob a forma de desenhos industriais. Isso nós perdemos.

Eu não daria ao Presidente Obama As Veias Abertas da América Latina, não porque não seja um bom livro, não porque não seja um belo livro, até porque o autor é um poeta também, mas porque não permitiria ao Presidente Obama entender os verdadeiros empecilhos ao desenvolvimento no mundo de hoje. É um livro que estudaria, que descreveria o passado com razoável perfeição, mas não serve para orientar o futuro. Se eu fosse escolher - e depois lhe darei o aparte com o maior prazer - um ou dois ou três livros, eu daria em primeiro lugar Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, não porque Galeano é uruguaio e o Paulo Freire é pernambucano e brasileiro. Não tanto porque a Pedagogia do Oprimido diz como fazer a revolução do ponto de vista global deste País na educação, mas porque traz a dimensão da educação para o centro do problema do atraso, do subdesenvolvimento. Eu daria, sim, um livro como Ecodesenvolvimento, de um polonês brasileiro - francês hoje - chamado Ignacy Sachs, que põe que daqui para frente o desenvolvimento não é uma questão apenas de produção material, mas de produção material com equilíbrio ecológico.

Esses dois livros, a meu ver, dariam as duas pernas que nos permitem caminhar para o desenvolvimento futuro: a perna do conhecimento, que traz a nova indústria; e a perna do meio ambiente, que traz a conservação e a garantia para o futuro. A perna da educação que assegura a mesma chance entre classes; a perna do meio ambiente que assegura a mesma chance entre gerações.

Porém, eu daria mais um livro. Um livro para que vejam que eu não estou com nenhuma deformação ideológica pelo chamado lado da Esquerda. Eu daria um livro do George Soros, esse grande investidor, esse grande financista americano, que escreveu um livro recentemente propondo o novo paradigma para o mercado financeiro.

Eu acho que esses três livros formariam um tripé importante: o tripé da mesma chance entre classes e da construção de uma sociedade do conhecimento; da mesma chance entre gerações e da convivência entre os seres humanos, a civilização, a economia e a natureza; e o terceiro, que permitiria entender o descompasso que temos entre o mercado financeiro, a economia e a sociedade. Obviamente, poderíamos fazer uma longa lista de livros, mas presidente não tem tempo de ler. Esses três livros permitiriam uma visão nova para um presidente sair do apego, da prisão da ótica apenas econômica do progresso, que impede que se veja a realidade.

O livro As Veias Abertas - volto a insistir - é marcante e bonito, mas é um livro que perdeu a sintonia com a realidade do futuro.

Eu também não daria nenhum livro de Marx para Obama, não porque ele seja americano, não porque ele tenha uma visão capitalista, mas porque também são livros que ficaram no passado. São livros perfeitos para o seu momento, mas que não são mais perfeitos para o presente e o futuro.

Creio que o principal, neste momento, seria convencer o Presidente dos Estados Unidos de que a chave para abrir as portas a um desenvolvimento diferente, justo entre as pessoas, equilibrado com a natureza, se chama educação e ecologia. Uma chave para dois problemas que são o centro do problema.

O que o Presidente Obama já provou é que é o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos, mas ele ainda não provou que é o primeiro Presidente verde do ponto de vista do meio ambiente; ele ainda não provou que é o primeiro Presidente vermelho do ponto de vista social; ele ainda não provou que é o primeiro Presidente branco do ponto de vista da paz; ele ainda não provou que é o primeiro Presidente colorido do ponto de vista do respeito à diversidade que deve constituir a sociedade humana. E a chave de tudo isso, a chave do verde, que é o meio ambiente; a chave do vermelho, que é o social; a chave da adversidade, a chave da paz está em uma revolução educacional.

O que eu gostaria de ver de um presidente americano de hoje era ele fazer como fez o Presidente Roosevelt, mas não na economia, com o Plano Marshall, que permitiu a reconstrução da Europa do ponto de vista material. O que eu gostaria de ver era um Plano Marshall social pela educação. Um plano que, com algum investimento global neste mundo, permitisse erradicar o analfabetismo na África, inclusive no Brasil; que permitisse garantir escola para todas as crianças deste País e do Planeta; que permitisse que ninguém ficasse fora do Segundo Grau completo com qualidade.

E aqui faço um parêntese, Senador José Agripino. Diga-se o que se disser do anterior de Obama, o Presidente Bush, mas uma coisa ele tentou: investir em educação com um slogan de fazer inveja: nenhuma criança deixada para trás na América. Esse é um slogan que, independentemente da antipatia ou do que se tenha do Presidente Bush, eu recomendaria ao Presidente Obama recuperar - não mais na ótica de nenhuma criança deixada para trás na América, mas, sim, nenhuma criança deixada para trás no Planeta, nenhuma criança deixada para trás no mundo inteiro, nenhuma criança deixada para trás na civilização, graças a um grande esforço mundial que eu imaginava que o Presidente Lula poderia liderar. Afinal de contas, o Presidente Obama é de um país que não tem esse problema tão seriamente.

O Presidente Lula é de um país que tem o mesmo problema que a humanidade tem. Ele poderia ter liderado. Lamentavelmente, não tomou essa iniciativa. Até tem tido posturas interessantes o Presidente Lula no que se refere à defesa da economia e do livre mercado nas reuniões do G-20. Mas a gente não o viu levar para esses países a ideia central de que o problema não está nas veias abertas, mas nos neurônios tapados; não está no saqueio das riquezas materiais que a América Latina teve - e todos os recursos foram praticamente saqueados ao longo dos anos -, não está apenas na violência étnica que Galeano denuncia tão bem.

O problema está que, nestes cinco séculos, enquanto se formava Harvard nos Estados Unidos, ainda no começo do século XVIII, esperamos aqui tanto tempo para criar universidades. E mesmo países como Guatemala, República Dominicana, Peru, que criaram suas universidades cedo, fizeram universidades para uma pequena minoria da população, deixando a educação das massas abandonada. Esse foi o grande saqueio invisível que o continente sofreu em grande parte por culpa nossa, e não dos imperialistas. Este foi o grande saqueio: tapar os cérebros, incinerar os cérebros. Cinco séculos de incineração de cérebros caracterizam a história da América Latina; cinco séculos de incinerar cérebros, muito mais do que cinco séculos de abrir as veias para sair o ouro, a prata, o estanho, o ferro.

Tudo isso saiu, mas tudo isso teria sido corrigido se nós tivéssemos investido, nestes cinco séculos, na formação de uma massa cinzenta global do continente capaz de dar o salto que o século XXI precisa.

Por isso, respondendo a essa provocação do Raul Balestra, Raul Ernesto, eu quero dizer que o meu livro para o Presidente Obama não seria As Veias Abertas, com todo carinho e respeito ao livro As Veias Abertas. Seriam livros atuais, que pusessem a educação, que pusessem o meio ambiente e que não esquecessem do imediato financeiro.

Do imediato financeiro tem nos Estados Unidos um cidadão que soube ganhar seus bilhões e bilhões de dólares, e que entende do mercado financeiro, mas com uma profunda preocupação social, que já investiu mais de um bilhão em projetos de assistência social e que tem uma proposta muito clara que ele radicaliza ao ponto de dizer que é um novo paradigma para o mercado financeiro.

Do ponto de vista do meio ambiente, para não citar centenas de autores que hoje poluem até as bibliotecas onde vamos, eu colocaria o Ecodesenvolvimento desse francês-polonês-brasileiro que é Ignacy Sachs; e, do ponto de vista da educação, eu colocaria Pedagogia do Oprimido, que é um livro ainda mais de denúncia do que de proposta, mas que é um livro capaz, Senador José Agripino, de trazer a ideia que concluo com isso.

Hoje, a utopia, a justiça não está mais em tomar o capital do capitalista e dar ao trabalhador nas mãos do Estado. Isso fracassou. Essa utopia socialista não deu certo. Hoje a utopia está em pegar o filho do trabalhador e colocar na escola do filho do capitalista. Trabalhadores e patrões com seus filhos nas mesmas escolas e, aí, vai-se ver qual é o mais talentoso, qual é o mais persistente como no futebol. O filho do patrão joga com bola tão redonda quanto o filho do trabalhador e é a persistência, é o talento que leva a saber se chega lá em cima, na seleção, o filho do patrão ou se chega lá em cima o filho do trabalhador.

Eles disputam igualmente quem é que vai chegar na seleção, mas quem é que vai chegar nos grandes centros de ciência e tecnologia, quem serão os grandes intelectuais? O filho do trabalhador não disputa nas mesmas condições que o filho do patrão. A igualdade na condição educacional, essa é a chave do futuro. O fim do bloqueio ao desenvolvimento intelectual do nosso povo, esse sim, deve ser a nossa luta. Na hora em que conseguirmos libertar os neurônios, as veias serão tapadas. Agora, ficar reclamando das veias abertas sem demonstrar que a verdadeira revolução hoje não está mais na economia, não está mais na derrubada do capitalismo - isso eu acho que um dia vai acontecer daqui a algumas décadas. Mas dizer que o verdadeiro centro do processo de libertação está na educação de qualidade igual para todos, na construção de grandes universidades e de grandes centros de ciência e tecnologia, e transformar o nosso continente em uma região capaz de disputar, em pé de igualdade, com todos os países do mundo, a criação do conhecimento que vai definir o futuro da humanidade.

Eu não vou dar livro nenhum ao Presidente Obama, porque eu não tenho a menor forma de chegar a ele. Mas, quem sabe, o Presidente Lula não se anima e um dia dê de presente alguns livros... Se o Presidente Lula quiser dar, eu sugiro estes: um deles, de Paulo Freire, que não apenas foi pernambucano como ele, mas foi até mesmo fundador do PT; o outro, é um dos maiores empresários financistas, chamado por muitos de especulador, um homem do sistema, mas que tem dado uma contribuição intelectual e uma contribuição assistencial; e, finalmente, uma pessoa que tem dado uma contribuição para entender a possibilidade do desenvolvimento combinado, casado, equilibrado entre natureza e seres humanos. Estes seriam, meu caro Raul, que me fez a pergunta, os livros que eu daria de presente. Mas, como eu não vou dar de presente, é o que eu sugiro ao Presidente Lula que um dia entregue ao Presidente Obama.

Tenho certeza de que esses livros dariam uma contribuição melhor - ainda que, talvez, não sejam tão agradáveis de ler - do que esta maravilhosa obra-prima, As Veias Abertas da América Latina, uma primorosa obra, mas que não traz um mapa para o futuro.

Presidente, peço licença para ceder um tempo para o aparte do Senador José Agripino, que muito me honra.

O Sr. José Agripino (DEM - RN) - Senador Cristovam, V. Exª sempre usa a tribuna às segundas-feiras e nos brinda com pronunciamentos maduros e de muito boa qualidade, que provocam a nossa reflexão, reflexão política, democrática, do melhor nível. Eu gostaria de participar da sua reflexão dizendo o seguinte: em primeiro lugar, depois da queda do Muro de Berlim, depois que a União Soviética acabou, que a Rússia aderiu ao capitalismo, essa história de Esquerda e Direita ficou completamente descaracterizada. Ninguém tem o privilégio de ser mais social do que o outro porque um é capitalista e outro é socialista. Se você tem políticas voltadas para o cidadão num regime capitalista, você está agindo do ponto de vista político corretamente. E aí V. Exª entra no viés correto da simbologia de uma atitude do Presidente Hugo Chávez. Outro dia, o Ministro Celso Amorim conversava comigo, por telefone, sobre a possibilidade do ingresso da Venezuela no Mercosul. Ele dava seus pontos de vista e eu oferecia os meus pontos de vista, nem sempre coincidentes. E eu dizia a ele que, ultimamente, eu tinha visto uma coisa que me tinha impressionado favoravelmente na postura do Presidente Chávez, que tinha sido o cumprimento cordial que ele tinha dispensado ao Presidente Obama, dizendo que queria ser amigo dele: I want to be your friend. Aquilo significava desarmamento de espírito. Era positivo, era elegante, civilizado, moderno, era um fim à truculência, era aquilo que é recomendável às relações pela via da civilidade e da esperteza, da sabedoria. Isso veio acompanhado do gesto simbólico da entrega do livro Veias Abertas da América Latina, sobre o qual V. Exª se manifesta. Logo em seguida, veio a minha decepção com a atitude que ele tomou, recentemente, da desapropriação de empresas que prestam serviços à PDVSA, que significa a economia da Venezuela. Empresas prestadoras de serviços da PDVSA foram quase que desapropriadas, passaram a ser propriedades da PDVSA. Empresas que tinham crédito de milhões de dólares com a PDVSA passaram a ser propriedade da PDVSA, num gesto de truculência criticado no plano internacional. Esse é um comentário que faço a latere, porque eu queria era me manifestar em absoluta consonância com o que V. Exª coloca no que diz respeito ao futuro da humanidade. Quem é que deu certo no mundo nos últimos vinte ou trinta anos? A Coréia do Sul, por exemplo. Por conta de quê? Da educação, da absoluta prioridade à educação. Quem é que, na América Latina, mais deu certo ultimamente? Não é preciso fazer grande exercício de raciocínio. Foi o Chile, que investiu maciçamente em educação. O PIB do Chile equivale ao PIB da indústria de automóveis do Brasil, mas no Chile a população vive bem. Por quê? Porque se educa, o governo dá prioridade absoluta à educação. Quem mais está indo bem? A Colômbia, porque lá a educação passou a ser prioridade. No Brasil, onde é que a economia vai bem? Nos centros de excelência, em São Paulo. Quem foi que inventou a universidade do Brasil? Foi Levi-Strauss, que, de Minas Gerais, levou, criou a Universidade de São Paulo, a USP. Mas nós não democratizamos a educação e nem priorizamos a educação. Nós criamos um belo Programa chamado Bolsa Família, que teria como pressuposto o filho da família pobre estar sendo educada, mas esse não é o corolário fundamental do programa. Muito melhor, Senador Cristovam, seria investirmos maciçamente num programa de educação integral, colocar as nossas crianças em escolas de tempo integral, onde o chamariz fosse a educação...

(Interrupção do som.)

O Sr. José Agripino (DEM - RN) - ...e o chamariz da comida, da merenda escolar, de educação com livro didático, com merenda escolar. Aí estaríamos preparando uma geração. Senador Cristovam, eu estou convencidíssimo... Nesses tempos de crise, está-se mostrando claramente que a riqueza muda de mão, sai daqui vai para acolá, mas os talentos continuam a valer. O melhor, dentro do contexto internacional, o que vale é o que as pessoas têm na cabeça, que carregam para onde forem - hoje mora nos Estados Unidos, amanhã mora no Brasil, depois de amanhã mora na Argentina. Se tem talento, se carrega talento, se se estruturou do ponto de vista dos neurônios, vai valer muito em qualquer circunstância, em qualquer lugar. De modo que eu quero me congratular com V. Exª pelo pronunciamento e dizer que eu não daria livro nenhum, pois isso é uma simbologia para quem tem coerência, e o Presidente Chávez, na minha opinião, lamentavelmente, não tem coerência: ele dá uma no cravo e outra na ferradura. O que é preciso é ter civilidade nas relações e eleger prioridades. Do ponto de vista social, a grande prioridade do mundo está na educação, na ciência e na tecnologia e - por que não concordar com V. Exª? - no meio ambiente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço-lhe muito, Senador Agripino.

Sem querer entrar na semântica, só quero dizer que continuo achando que é possível, sim, ter Esquerda e Direita. O que não podemos mais é dizer que a Esquerda está certa e que a Direita está errada, ou que a Direita está certa e que a Esquerda está errada e nem que há pessoas de Esquerda e pessoas de Direita. São as posições que a gente defende. A gente pode, mas não é necessariamente correto dizer que, estando defendendo aquilo que for a favor do progresso, a gente considera, vamos dizer, de Esquerda. Aquilo que for a favor da educação, como V. Exª falou em meio ambiente, se a gente esquecer o discurso, foi de Esquerda. Mas isso aí é uma convenção. Como toda linguagem, é uma convenção. O PAC do Presidente Lula, a meu ver, é correto, mas não é de Esquerda. O PAC é um programa conservador...

(Interrupção de som)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Pensei que o Senador Mão Santa estivesse censurando a minha crítica. O PAC eu acho correto - estamos precisando desse investimento -, mas é conservador. Não implica uma inflexão de rumo para o País. Agora, um PAC para fazer uma revolução na educação, para colocar toda criança, em alguns anos - porque não é de repente -, na escola em horário integral, para fazer com que a escola dos filhos dos ricos seja igual à escola dos filhos dos pobres seria revolucionário, transformador. Aí posso chamar de Esquerda ou não. Então, o conceito das palavras morreu. As palavras a gente pode usar, como sempre, a gente pode convencionar entre nós. O fato é que, a meu ver, hoje, a favor do progresso, temos de ter a firmeza da busca de uma ecologia equilibrada e a firmeza da busca de uma escola igualitária.

         Se a gente fizer isso, o resto se resolve. Se a gente não fizer isso, não adianta querer intervir na economia, como se defendia antigamente. Não adianta querer controlar o mercado. Isso não vai adiantar nada. Não adianta pensar que está na economia o centro das grandes transformações: está na escola e está na natureza.

         Então, o Senador José Agripino disse bem: isso de dar livro é apenas um simbolismo, que usei respondendo a pergunta de um internauta, que achei extremamente positiva do ponto de vista de provocação, para refletir, primeiro, que não é mais o passado que está interessando, o saqueio que houve de fato, e, segundo, que não foi isto, o saqueio das nossas riquezas materiais, que nos deixou atrasados, mas o impedimento no desenvolvimento das nossas riquezas intelectuais. Mas ainda há tempo de consertar e não precisamos de nenhum presidente de fora, basta um Governo brasileiro desejar.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2009 - Página 16463