Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Referência ao pronunciamento feito anteriormente pelo Senador Pedro Simon. Percepção da sociedade quanto à atuação da classe política brasileira.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Referência ao pronunciamento feito anteriormente pelo Senador Pedro Simon. Percepção da sociedade quanto à atuação da classe política brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2009 - Página 19064
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, FALTA, EDUCAÇÃO, SOCIEDADE, IMPOSIÇÃO, SIMPLIFICAÇÃO, EXTENSÃO, CORRUPÇÃO, COMPORTAMENTO, CLASSE POLITICA, SIMULTANEIDADE, RECONHECIMENTO, INCOMPETENCIA, LIDERANÇA, BRASIL, BUSCA, SAIDA, PROBLEMAS BRASILEIROS, ESPECIFICAÇÃO, ECONOMIA, MANUTENÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, INDUSTRIA, MECANICA, DEPREDAÇÃO, MEIO AMBIENTE, FAVORECIMENTO, MINORIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente.

Sr. Presidente, Srs Senadores, Srªs Senadoras, estou, aqui, aproveitando esta oportunidade para dar continuidade a um aparte que fiz ao Senador Pedro Simon. Relembrando, aos que não assistiram naquele momento: no sábado passado, chegando ao aeroporto de Londrina, indo de Ourinhos, São Paulo, até lá, Londrina, vi um carro cujo adesivo dizia: “Eu tenho vergonha dos políticos brasileiros”.

Senador Garibaldi, esse adesivo é de uma gravidade que talvez poucos percebam. Um país se espelha nos seus líderes, os seus líderes são os políticos. Quando alguém coloca isso no carro, não pode ser único, ninguém faz só um adesivo, são milhares que se fazem; e, quando a gente vê adesivos de carros com esse lema, é algo assustador.

A minha primeira reação foi dizer: esse é um motorista que não tem nenhuma ideia do que significa generalização, que não tem nenhuma idéia de que as pessoas, em qualquer categoria, são diferentes entre elas. Aí, eu lembrei: poderíamos fazer um adesivo dizendo “tenho vergonha dos motoristas brasileiros” - porque eles são assassinos. Nenhum país tem tanta gente assassinada por veículos quanto o Brasil. Ou poderíamos dizer: “tenho vergonha dos profissionais liberais brasileiros”. Porque é comum, terminada uma consulta, o médico perguntar: “quer pagar com recibo ou quer pagar por fora?”. O caixa dois das campanhas eleitorais existe em consultórios médicos, de advogados, de dentistas, de engenheiros, de arquitetos... Ou podíamos dizer: “tenho vergonha dos pedófilos brasileiros”. Aí, você diria especificamente, você não diria dos brasileiros inteiros. E é aí que está a falha, hoje, da maneira como são vistas as categorias. Mas tem uma explicação, Senador Garibaldi. É que o grau de educação no Brasil é tão baixo que não se consegue passar as sutilezas, as nuances, as diferenças que existem. O Brasil, para entender as coisas, tem que radicalizar na simplificação da generalização. Então, nenhum político presta. Então, nenhum motorista presta. Então, nenhum profissional presta, porque a cultura é que faz as diferenças.

Eu, por exemplo, Senador Mão Santa, quando entro no meio da mata, para mim ali só tem mato. Mas se entra um botânico, se entra um seringueiro, cada planta tem um nome diferente. Eu, para mim, se for andar numa neve, é tudo neve. Não sei ver a diferença de uma neve para outra, porque não sou um homem de terra onde há neve. Mas os esquimós têm 16 tipos diferentes de neve: se ela é mais dura, mais branca, mais frágil. Elas têm nomes diferentes. O povo do deserto tem palavras diferentes para se referir à areia, nós dizemos: areia. Hoje, diz-se: políticos, sem ver diferenças. Hoje, a gente pode dizer: motoristas, como se todos fossem irresponsáveis, sem fazer a nuance da diferença. É o grau de educação que faz com que não vejamos as diferenças que há. É a falta de educação que faz com que a gente generalize, simplificando para entender, porque, se ficar complicado, a gente não consegue entender.

Por isso, nem sei quem é aquele motorista, mas eu queria dizer a ele que procurasse analisar com mais detalhes antes de usar adesivos desse tipo. Entretanto, quero dizer que, mais que as outras categorias, nós estamos fazendo por merecer um adesivo “tenho vergonha dos políticos”. E, aí, eu não falo, Senador Mão Santa, por causa do que sai no noticiário, não falo por conta das notícias de corrupção no comportamento dos políticos...

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - V. Exª me permite, só um minuto?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (DEM - DF) - Com todo prazer, Senador.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Até porque somos representantes de todas essas categorias. Temos uma responsabilidade maior.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (DEM - DF) - É verdade. Tem razão. Nós somos políticos, mas somos professores, engenheiros, advogados, médicos.. Mas há uma coisa além disso: é que nós somos os responsáveis por este País, e aí tem uma coisa que aquele motorista não percebe, Senador. Ele é contra os políticos pelo noticiário que ele vê, da corrupção no comportamento de alguns, que ele generaliza, mas ele não é capaz de ver a corrupção nas prioridades das políticas brasileiras que o beneficiam. Eu não acredito que aquele motorista pusesse um adesivo: “tenho vergonha das políticas públicas”, que, no lugar de escolas, constroem viadutos, porque ele é um beneficiário dos viadutos. Eu duvido que ele dissesse: “eu tenho vergonha das políticas públicas que reduzem o IPI para automóvel”, mantendo o IPI para sapato; que reduzem IPI para automóvel, vendendo mais automóvel, talvez até aquele daquele motorista, tirando o dinheiro que poderia ir para colocar água e esgoto na casa das pessoas. Nós nos acostumamos, pela simplificação brasileira, pela falta de educação geral de todos nós, a generalizar a corrupção no comportamento dos políticos, esquecendo a pior, a mais grave das corrupções, que é a corrupção nas políticas públicas, que beneficia a minoria, deixando de lado a maioria.

Eu acho que caberia bem no Brasil um adesivo que dissesse: tenho vergonha de ser um incinerador, um incendiário, de dirigir um Brasil que é um crematório, porque, a cada minuto que estou falando aqui, sessenta campos de futebol foram queimados na Amazônia; e, a cada minuto em que estou falando aqui, sessenta crianças saíram das escolas no Brasil, abandonando-as, não indo para casa fazer o dever de casa. E, aí, sim, a culpa é nossa, dos políticos. Não porque alguns se apropriam de dinheiro de passagem, não porque alguns fazem negociatas.

Tudo isso tem que ser criticado, mas há algo mais grave. E, aí, nós todos somos responsáveis. E não dá para dizer que uns são mais do que outros; nós todos, por não termos conseguido neste País reorientar as prioridades públicas para construirmos um Brasil melhor e mais belo. Isso a gente não está conseguindo. Podemos ser honestos, como é a maioria aqui, do ponto de vista de botar dinheiro no bolso, mas não estamos sendo competentes para mudar o destino do Brasil.

Quando eu li a frase “tenho vergonha dos políticos brasileiros” e fiquei irritado, eu pensei pelo lado da corrupção. Eu disse: esse cara está generalizando o que não deveria. Mas, quando eu descobri que talvez não fosse pela corrupção, mas fosse pela competência de mudar o destino do Brasil, eu pensei: esse cara tem razão, dá para generalizar, sim.

Nós não estamos tendo competência, Senador Mão Santa. Este é um País sob ameaça de uma invasão, uma invasão de dentro, Senador Garibaldi. Não é uma invasão de exército de fora, é uma invasão da impossibilidade de ter um bom exército aqui dentro, porque, sem educação, não existe mais bom exército. Por um lado, porque só a educação é capaz de ter a ciência e a tecnologia que arma os exércitos e só com a educação somos capazes de ter os soldados que sabem usar as armas modernas.

Falei de guerra, mas isso serve para tudo. Esse é um País ameaçado, porque a nossa economia hoje é baseada quase nos mesmos produtos de 500 anos atrás, os produtos que saem da terra e não os produtos que saem do cérebro. Somos do tempo de exportar laranjas e não de exportar chips. Somos do tempo de exportar ferro e não de exportar engenharia.

Vejam: ontem, fui a um médico ver se eu estava com alguma fratura, por um pequeno acidente que sofri ontem. Terminei de fazer o exame e fui lá falar com ele. E ele me mostrou os equipamentos onde olhava os sistemas modernos de tomografia. Eu perguntei a ele de onde vinha aquilo. Tudo vem de fora. E descobri que, embora os nossos médicos cobrem um dinheirão, diga-se de passagem, esse dinheiro não fica para eles. Esse dinheiro vai para o exterior para pagar os equipamentos que eles compram. Esse médico aqui em Brasília me disse que, antes de terminar de pagar um equipamento, ele já está comprando outro mais moderno, fabricado lá fora.

Então, a economia no Brasil está caminhando para um fracasso, por mais que na aparência esteja bem. É o fracasso dos produtos que não têm o conteúdo de conhecimento, que não têm o conteúdo de inteligência, que não têm o conteúdo de ciência e tecnologia. São produtos com conteúdo de terra. Soja, conteúdo de terra. E olhem que a soja já tem conteúdo de inteligência, porque, se não fosse a Embrapa, a gente não estava produzindo soja onde hoje produz.

Somos um País ameaçado e estamos sem competência para mostrar ao povo que somos um País ameaçado. O Presidente Lula se nega a mostrar esses riscos, o Presidente Lula se nega a reconhecer que somos um País ameaçado. Ele se concentra só na lado positivo do Brasil. É bom que se fale no lado positivo, mas não enganemos o povo, não enganemos. Nós não teremos mais trinta ou cinquenta anos. E alguns dizem que isso é longe demais. É para pensar trinta, cinquenta anos que esta Casa existe. Líder não é aquele que pensa no amanhã; líder é aquele que pensa na próxima década.

Nós somos um País sob ameaça e não estamos conseguindo passar isso, nem estamos conseguindo definir um rumo claro que nos leve a um futuro sadio, compatível com as próximas décadas do século XXI.

Por isso, aquele adesivo que, à primeira vista, me pareceu um absurdo pela generalização irresponsável de considerar que todos os políticos são corruptos - e não estava escrito “corrupção” no adesivo, não estava; só dizia: “tenho vergonha dos políticos” -, aquele adesivo que me irritou no primeiro momento, depois até me alertou que talvez ele tivesse razão, Senador Garibaldi. Não pela imoralidade do nosso comportamento, mas pela incompetência de encontrarmos saídas. Saídas que nós encontramos aqui, vinte e poucos anos atrás, quando conseguimos desfazer um regime militar e construir um regime civil; que nós conseguimos quando aqui, apoiando o Governo do Presidente Itamar Franco, conseguimos - eu não estava aqui - resolver uma história de inflação e ingressarmos na estabilidade monetária; e, indo mais atrás, quando conseguimos acabar com a escravidão. Mas, nas últimas duas décadas, parece que alguma coisa está acontecendo que não nos permite fazer a inflexão, a mudança de rumo, a dobrada na história de que o Brasil está precisando para sair de uma economia concentradora da renda para uma economia distributiva; de uma economia depredadora do meio ambiente para uma economia equilibrada com o meio ambiente; de uma economia da indústria mecânica para uma economia da indústria do conhecimento; de uma democracia para poucos para uma democracia para todos.

Esse desafio não estamos conseguindo enfrentar corretamente. Por isso, Senador Mão Santa, agradeço ao motorista daquele carro que, colocando aquele adesivo, despertou-me, primeiramente, a raiva de ver a generalização em relação à corrupção, como se todos fossem iguais; segundo, um alerta. Talvez nem tenha percebido a incompetência de nós todos hoje em sermos líderes deste País em um momento tão complexo como é este, sem bandeiras claras, sem bandeiras nítidas, sem rumos certos para caminharmos.

Ao mesmo tempo, quero dizer que seria melhor ainda se aquele adesivo fosse transformado em outro que dissesse: tenho vergonha dos políticos brasileiros que não são capazes de definir, com clareza, as políticas públicas de que o Brasil precisa para ser decente. Não apenas decência sob o ponto de vista da honestidade no uso dos recursos em benefício próprio ou público, mas decente sob o ponto de vista de não ter uma criança fora da escola, decente por não ter ninguém sem emprego ou, se não tiver emprego, tenha uma boa renda para viver. Decente no sentido de proteger as nossas florestas, decente no sentido de sermos um País capaz de conviver internacionalmente sem submissão a nenhum grupo. Decente no sentido de que esses adesivos sejam transformados, no futuro, para “tenho orgulho da maneira como, todos nós juntos, políticos e não políticos, eleitos e eleitores, governamos o Brasil”. Um dia, Senador Garibaldi, eu creio que a gente vai ver um adesivo deste tipo: tenho orgulho da maneira como o Brasil é administrado, é gerenciado, é liderado. Tenho orgulho do futuro do meu País.

Eu espero que a gente tenha um dia esse adesivo espalhado por todo o canto. Até lá, ainda bem que tem um ou outro que nos alerta, como este adesivo que eu vi em Londrina: tenho vergonha dos políticos brasileiros.

Eu tenho vergonha de ter lido aquele adesivo.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2009 - Página 19064