Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de um novo modelo de soberania para o Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. EDUCAÇÃO.:
  • Defesa de um novo modelo de soberania para o Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2009 - Página 19538
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ANTECIPAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, DESCONHECIMENTO, PENSAMENTO, CANDIDATO, REFERENCIA, SOBERANIA NACIONAL, RESPONSABILIDADE, DEFESA, RECURSOS NATURAIS, ATENÇÃO, MEIO AMBIENTE, PLANETA TERRA, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, BUSCA, INTEGRAÇÃO, PAIS, MUNDO.
  • EXPECTATIVA, OPINIÃO, CANDIDATO, SUCESSÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, REFERENCIA, SOBERANIA, DOMINIO, PRODUÇÃO, CONHECIMENTO.
  • COMENTARIO, CONFERENCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, OFICIAIS, FORÇAS ARMADAS, DEBATE, SOBERANIA, AMBITO, GLOBALIZAÇÃO.
  • COBRANÇA, GOVERNO BRASILEIRO, INVESTIMENTO, FORÇAS ARMADAS, CIENCIA E TECNOLOGIA, EDUCAÇÃO, PRODUÇÃO, CONHECIMENTO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, CONCLAMAÇÃO, URGENCIA, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, TOTAL, NIVEL.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Eu queria apenas informar que V. Exª é cada vez mais necessário. O estadista Fernando Henrique Cardoso deu uma entrevista e nela disse que o Brasil tem desenvolvimento, mas faltam duas coisas: educação e segurança. V. Exª é educação.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

Srªs e Srs. Senadores, eu fico feliz de ter aqui o Senador Pedro Simon presente, não desmerecendo qualquer dos outros. Mas eu tenho impressão de que o tema de que vou falar diz muito mais respeito a ele do que a muitos de nós todos aqui, até porque tem uma certa inspiração nos últimos discursos que ele tem feito.

O Senador Pedro Simon tem repetido, insistido aqui que o Brasil já está em campanha presidencial, que o Presidente Lula lançou sua candidata já há meses, que o PSDB, praticamente, já tem um candidato, mas, se não tiver um, tem dois, e que, aparentemente, os outros partidos não têm nenhum outro candidato. Ou seja, já estamos em uma campanha eleitoral-presidencial e, ao mesmo tempo, já estamos no segundo turno.

E, apesar disso, o Senador Pedro Simon tem insistido muitas vezes, em que estamos já no segundo turno da campanha presidencial e não sabemos o que pensam os candidatos. Nós não estamos sabendo o que os candidatos estão propondo para o Brasil. No máximo, o que a gente tem visto é uma disputa sobre quem é capaz de fazer mais obras e quem é capaz de fazer menos obras.

Por isso, Senador Pedro Simon, fico satisfeito de tê-lo aqui, porque, repetindo, o senhor é um dos que têm falado aqui insistentemente que o Brasil já está numa campanha presidencial sem ter escutado ninguém para saber quem deveriam ser os candidatos.

E já estamos no segundo turno antes de passarmos pelo primeiro, porque os outros partidos não estão pensando em ter candidato. Trato disso para dizer que eu gostaria de ver não apenas disputa entre dois candidatos para saber qual é o que vai fazer o maior PAC, mas sim qual é aquele que vai trazer uma nova posição para o futuro do Brasil. Eu tenho a impressão de que o primeiro item de um candidato a Presidente deveria ser o assunto da soberania nacional. Afinal de contas, o Presidente da República, no presidencialismo, é Primeiro-Ministro e Chefe de Estado. Ele encarna, portanto, a nacionalidade. Eu não ouvi ainda o que é que pensa a Ministra Dilma, o que pensa o Governador Serra sobre a soberania nacional nestes tempos da globalização.

Se fosse há alguns anos, até não se precisaria ouvir muito sobre isso. A gente sabia. A soberania, por exemplo, era ter a Petrobrás; a soberania era trazer a capital do litoral para o centro do País; a soberania nacional era ter Forças Armadas com tanques de guerra, alguns aviões, uma tropa de infantaria. Hoje, eu creio que não merece ser Presidente da República quem não disser como vai definir soberania nos tempos da globalização e desta revolução científica e tecnológica que está avançando no mundo inteiro. Mudou o conceito. Hoje, nós precisamos de um conceito novo de soberania que eu venho chamando de soberania com responsabilidade planetária, com responsabilidade com toda a humanidade.

         Nós temos que saber como defender os nossos recursos, que são propriedades brasileiras, mas com a responsabilidade de um País que está no planeta Terra e que tem, sim, que manter o cuidado com os recursos de que dispõe.

A soberania com a Amazônia, por exemplo: não escutamos discursos sobre isso e, quando escutamos, são discursos, muitas vezes, no sentido de que temos a propriedade da Amazônia; portanto, podemos destruí-la ao nosso gosto. Eu não tenho escutado, por exemplo, discursos sobre a soberania brasileira abrangendo recurso cada vez mais escasso na humanidade nas próximas décadas: a água. O Brasil tem uma parte importante da água mundial, da água doce, mas a gente não ouve falar isso. Nem as florestas. O Brasil tem a última grande reserva das florestas. Eu não vi proposta dos candidatos a Presidente sobre isso.

O Senador Pedro Simon e o senhor também, Senador Mão Santa, têm insistido na necessidade de prévias - prévias para escolher os candidatos a presidente. Seria o momento de escutar o que é que o candidato a presidente tem a dizer sobre como manter a nossa soberania sobre a Amazônia, as florestas, a água, sobre esta diversidade imensa, natural que caracteriza o Brasil e que vai desaparecendo no mundo inteiro; sobre os nossos minerais incluindo o petróleo, que vai se esgotar um dia e que vai ficar cada vez mais raro. Portanto, o Brasil vai ficar cada vez mais debaixo da voracidade internacional.

Eu não vejo, por exemplo, a discussão de como manter a soberania do Brasil na produção de alimento, que vai ficar cada vez mais raro com essa explosão demográfica que continua.

O Brasil talvez seja hoje o país que tenha mais terra arável em todo o planeta. É claro que vai haver ganância, voracidade sobre essas terras e sobre a própria alimentação.

Eu não vejo, por exemplo, a discussão sobre soberania e cultura em um tempo de globalização, quando a cultura passa a ser subvertida permanentemente, a cada instante, pela globalização dos meios de comunicação, que nós não vamos parar. Aí é que vem a importância de ter alguém que, candidato a Presidente do Brasil, diga por onde devemos ir, em um momento em que a soberania é fundamental, mas a globalização é inevitável.

Como combinar o necessário com o inevitável? Só tem uma maneira: a soberania responsável, a soberania capaz de dizer ao mundo inteiro que a Amazônia é nossa, mas que vamos cuidar dela como também um patrimônio de toda a humanidade, com a exigência aos outros países de que façam o mesmo com seus recursos. Se os Estados Unidos querem internacionalizar a Amazônia, que internacionalizem também as suas ogivas nucleares, porque elas ameaçam mais o futuro do planeta que as queimadas da Amazônia. Que os países ricos internacionalizem os seus museus, porque as artes não pertencem a nenhum País, mas, sim, à humanidade inteira. Se querem internacionalizar a Amazônia, que se internacionalizem todos os recursos que cada país tem e que se internacionalizem, sobretudo, as crianças, porque não se justifica falar em internacionalizar a Amazônia se as crianças ficarem divididas entre aquelas que podem sobreviver, porque são ricas, e aquelas que vão morrer crianças, porque são pobres. Precisamos definir a soberania no mundo global, a soberania com responsabilidade.

A ideia que eu gostaria de ouvir de um candidato a Presidente, um dos dois que já existem, é de tratar cada país, soberanamente, como parte do grande condomínio chamado Terra, onde cada um deles é dono do seu pedaço, mas não pode fazer o que quiser sem ameaçar o vizinho. Da mesma maneira que, nos apartamentos em que moramos, somos donos dos móveis, mas não podemos queimar esses móveis dentro do apartamento. Pagamos a conta da água, mas não temos o direito de deixar aberta a torneira a noite inteira. Pagamos o bujão de gás, mas não temos o direito de deixar aberta a válvula do bujão de gás porque isso ameaça os vizinhos.

Nós precisamos deixar claro ao mundo inteiro que temos soberania sobre a nossa água, mesmo que sejamos o País onde essa reserva ainda é importante, mas que não vamos poluí-la. Que temos soberania sobre as nossas florestas, mas não vamos destruí-las. Que temos soberania sobre a nossa terra, mas não vamos deixar de produzir comida para produzir combustível para automóvel. Nós temos de deixar claro que defendemos uma soberania responsável. Esse é o primeiro ponto. Mas tem outro, Senador Mão Santa. É a percepção que eu gostaria de ouvir de um desses dois candidatos a Presidente de que, daqui para frente, a soberania só será possível de ser conquistada se nós dominarmos a produção de conhecimento. Isso é fundamental. O que garante hoje a soberania de um país não é a quantidade de soldados nas tropas, mas a quantidade de conhecimento à disposição das Forças Armadas.

Nesse último final de semana não consegui ouvir nenhum dos dois candidatos a presidente. Mas eu tive o privilégio de ouvir dois oficiais das nossas Forças Armadas na cidade de Imperatriz, no Maranhão. Ouvi o Coronel da reserva Geraldo Cavagnari Filho, velho conhecido, um dos maiores estrategistas que há neste País e ouvi também o General da reserva Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, um homem que conhece a Amazônia mais do que a maior parte de todos os brasileiros e que conhece, provavelmente, mais do ponto de vista militar. Para mim, foram simbólicas essas duas palestras sobre a importância de defender a soberania brasileira em tempos de globalização.

E, para completar, por pura coincidência, hoje de manhã, ao ler os jornais, vi no jornal O Estado de S. Paulo um excelente artigo do Almirante Mario Cesar Flores, também um velho conhecido, que escreve um artigo mostrando que não podemos abrir mão da soberania nem podemos impedir a globalização.

O que acrescento a essas falas que ouvi ou li é a ideia de que a soberania depende da quantidade de conhecimento que nós temos.

Muitos discutem o risco de uma invasão na Amazônia para tomar os nossos recursos. Essa invasão não vai ser por terra. Essa invasão não vai ser nem mesmo por ar, com aviões. Essa invasão, hoje, se for necessária, se fará pelos satélites, lá em cima, com ondas que podem enviar, por exemplo, para inviabilizar o movimento de aviões na região, para inviabilizar até mesmo o movimento de automóveis, caminhões e trens, se eles quiserem. Isso tudo já é possível hoje. Não há mais necessidade de grandes tropas para ganhar guerras; há necessidade de muitos cérebros para ganhar guerras.

Lamentavelmente, o Brasil hoje peca, além de certo desprezo grande às Forças Armadas por parte dos governos, além de um desprezo aos problemas de garantia da soberania nacional nos territórios brasileiros, nas reservas brasileiras de petróleo, de água, de floresta, de terra, de minerais em geral, sobretudo, o Brasil peca hoje ao deixar que nossa soberania seja ameaçada pela falta de conhecimento para proteger nosso País.

Que soberania temos se os remédios são importados na quase totalidade e os centros capazes de gerar remédios, como a Fundação Oswaldo Cruz, recebem recursos nem sempre suficientes para estarmos na ponta na produção dos novos medicamentos? Que soberania se vamos ao médico e tudo que ele pode fazer para nos atender depende de equipamentos importados de cujo conhecimento não dispomos e, se for cortada a vinda desses equipamentos para cá, teremos um prejuízo sério na nossa saúde? Que soberania temos se o que produzimos aqui só existe graças à inteligência importada que existe dentro dos equipamentos? Que soberania se a Embraer, quando quer exportar certos aviões, precisa da autorização dos Estados Unidos da América, porque eles não aceitam fornecer certos equipamentos, perdendo o controle de dizer para qual país vamos exportar? Que soberania vamos ter se não temos conhecimento necessário para proteger nossos recursos?

Nossa soberania caminha para perto de zero. Um mundo global e altamente tecnificado exige, para garantir a soberania, muita técnica e a idéia da responsabilidade; soberania responsável em um Brasil com conhecimento.

Por isso, mais importante, até hoje, do que formar soldados - e isso é importante -, é dar um atendimento na pré-escola, às nossas crianças, é dar um ensino fundamental de qualidade às nossas crianças, é dar um ensino médio de qualidade aos nossos adolescentes, é dar uma universidade de qualidade aos nossos jovens, para termos centros de ciência e tecnologia onde se constrói a defesa da soberania nacional. Estamos pecando em tudo isso.

O próprio Presidente atual, já não falo dos dois candidatos, considera que o pré-sal nos daria soberania. O pré-sal não dá soberania; soberania quem dá é pré-escola. A pré-escola dá soberania, o pré-sal não dá soberania. O pré-sal não dá soberania, em primeiro lugar, porque, para explorá-lo vamos precisar de recursos externos. E eu não falo de recursos em dinheiro, porque isso pedimos emprestado; falo de recursos tecnológicos, que nós não temos, apesar de a Petrobras ser um dos centros mais importantes no desenvolvimento de ciência e tecnologia no Brasil. Nós não temos.

Mas não temos também a soberania graças ao pré-sal porque, nas condições atuais de fragilidade nas nossas defesas, por falta de apoio às Forças Armadas e falta de conhecimento no País, na hora que eles quiserem eles tomam aquilo sem nem chegar perto do Brasil. Eles furam o poço mais distante, fora do próprio mar territorial brasileiro, e chupam todo o petróleo que eles quiserem. Ou então, mais simples ainda, eles, usando o conhecimento de que dispõem, substituem o petróleo. 

Ou, então, mais simples ainda, eles, usando o conhecimento de que dispõem, substituem o petróleo, transformam o petróleo em uma lama sem valor no fundo do mar e aí para que vai servir o pré-sal, para que vai servir um pré-sal em um mundo que não precisa de petróleo? Para nada. Será um investimento perdido.

O substituto do petróleo sairá dos cérebros que vão inventar as novas técnicas. O próprio etanol, que é um produto da inventividade brasileira, da criatividade brasileira, da ciência brasileira. Uma ciência simples, porque álcool já se faz a todo tempo. O que precisou mesmo foi mudar o motor do automóvel, uma atividade simples, e o sistema de logística para distribuição do álcool em todo o território nacional, coisa simples também.

Conhecimento, mas um conhecimento simples, nada a ver com a revolução que nós estamos tendo no mundo do conhecimento de alto nível. Hoje, o Brasil é um país sem a menor condição de defender a sua soberania. Primeiro, porque os candidatos a Presidente não falam de soberania, alguns até negam o próprio conceito de soberania dizendo que no mundo global as nações vão se dissolver. Elas não podem se dissolver, elas não devem se dissolver; elas devem se complementar, mas com soberania cada uma delas. O Brasil hoje peca na soberania e peca porque aparentemente os candidatos a Presidente não perceberam ainda que a soberania está na capacidade de um país produzir o conhecimento de que ele precisa.

Por isso, os candidatos a Presidente, que estão no segundo turno - quase dois anos antes estão no segundo turno - precisam descobrir que sem a pré-escola não adianta o pré-sal para defender a soberania nacional.

Essa palestra a que assisti lá no interior do Maranhão, lá na cidade de Imperatriz, nesse sábado, e o artigo que li hoje de manhã, no O Estado de S. Paulo, de três oficiais das Forças Armadas, dois do Exército e um da Marinha, trouxeram-me, mais do que eu já tinha, a percepção de que nós hoje estamos perdendo o terreno não só físico, mas também o terreno metafórico onde nós pisamos. É como se nós estivéssemos perdendo o terreno por não sabermos como caminhar em direção ao futuro para defender a soberania, com responsabilidade, graças ao conhecimento.

O lugar da defesa da soberania é a escola. O instrumento da conquista da soberania é a educação, porque, por intermédio dela, vamos poder gerar o conhecimento necessário.

Felizmente, ainda temos oficiais como esses com que tive a sorte de compartir a leitura e o diálogo nesse fim de semana e perceber que eles ainda estão preocupados.

Oxalá nossos candidatos a Presidente também se preocupem e também descubram o problema da soberania no mundo de hoje e percebam que o mundo de hoje se caracteriza um por ser global, outro por ser tecnificado, ser produto da ciência, e portanto...

(Interrupção do som.)

         O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF ) -... que eles - nossos candidatos a Presidente - percebam que não podem ignorar que nos ombros deles estará a responsabilidade maior de deixar para as nossas futuras gerações um país soberano, mas um país soberano e também responsável no cuidado ao patrimônio que temos dentro do nosso território, mas que tem que servir a toda a humanidade.

Finalmente, que eles descubram, se preocupem, pensem que um país não vive só de PACs, um país não vive só de investimentos na infraestrutura física, um país não só e nem garante a sua soberania apenas pelo crescimento econômico, mas sim pela evolução sistemática do patrimônio mais fundamental que nós precisamos: patrimônio intelectual de um povo.

Oxalá, o debate presidencial traga esses temas.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2009 - Página 19538