Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para estudo do Ministério da Educação, que aponta formação de professores abaixo do grau exigido. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Alerta para estudo do Ministério da Educação, que aponta formação de professores abaixo do grau exigido. (como Líder)
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/2009 - Página 20718
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ELOGIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), AUSENCIA, OCULTAÇÃO, MANIPULAÇÃO, DADOS, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ILEGALIDADE, DESPREPARO, FALTA, DIPLOMA, PERCENTAGEM, PROFESSOR, ATUAÇÃO, PAIS, RISCOS, EDUCAÇÃO, FUTURO, BRASIL.
  • ANALISE, FALTA, ATRAÇÃO, JUVENTUDE, EXERCICIO PROFISSIONAL, MAGISTERIO, MOTIVO, INFERIORIDADE, SALARIO, COMENTARIO, DADOS, ESTUDO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), DESVIO, DISCIPLINA ESCOLAR, ENSINO, PROFESSOR, ESPECIFICAÇÃO, AREA, MATEMATICA, FISICA, PREVISÃO, PROBLEMA, MÃO DE OBRA, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA.
  • ANUNCIO, CLANDESTINIDADE, REALIZAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), RISCOS, EDUCAÇÃO, ANALISE, PROBLEMA, AMBITO, SEGURANÇA NACIONAL, DEFESA NACIONAL, SOBERANIA, CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, BRASILEIROS, CLASSE POLITICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pela Liderança do PDT. Sem revisão do orador.) - Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente José Sarney, eu, cada dia que me preparo para vir aqui, venho tentando falar de outro assunto que não seja educação. Tenho consciência de como essa minha insistência já começa a aborrecer muita gente, Senador Arthur Virgílio. Mas fica difícil fugir.

Eu tinha preparado um discurso, inclusive sobre Brasília - as pessoas estão reclamando que eu não falo da cidade. Aí, hoje, quando abro os jornais, eu vejo uma matéria em O Globo, feita pelo jornalista Demétrio Weber. É a segunda vez, em menos de uma semana, que eu trago aqui a idéia de debater em cima de uma matéria desse Sr. Demétrio Weber, Senador Augusto Botelho.

Como é que eu posso deixar de vir aqui e chamar a atenção, mais uma vez, para o risco que corre o nosso País, da Nação em risco em que nós estamos, quando a gente lê notícias como essas que eu vou ler aqui?

O Presidente Clinton, anos atrás, fez uma comissão, terminou o trabalho, publicou um documento, com o título Uma Nação em Risco. Era o caso dos Estados Unidos da América, que, segundo essa comissão, viviam um profundo risco de segurança por causa da má educação que eles consideravam ter nos Estados Unidos. Como é possível não falar, mais uma vez, da Nação em risco em que nós vivemos, quando hoje um relatório é divulgado pelo Ministério da Educação... E aqui eu quero fazer um elogio ao Ministro, que não está escondendo os dados, não está manipulando dados; está divulgando os dados. É preciso fazer esse elogio ao Ministro Fernando Haddad. Mas os dados que o Ministério divulga dizem que 20% dos nossos professores não poderiam dar aulas, “se a legislação fosse levada ao pé da letra”. Ou seja, que País é este em risco em que nós vivemos, em que 20% dos que estão dando aula não têm condições de dar aula de acordo com a lei? Este é o País em que a gente vive. Onde vão estar essas crianças daqui a dez, quinze anos, se os seus professores não estão em condições de dar aulas? De cada dez crianças, duas têm professor que não tem condições. E onde vai estar o País carregado por essas crianças daqui a dez ou quinze anos? Ao todo, pelo menos 382 mil professores de um total de 1,8 milhão, em atividade atualmente, precisam de diploma imediatamente. Isso foi revelado pelo estudo a ser lançado hoje - deve ter sido - pelo Ministério da Educação.

Desse contingente de 382 mil, 119 mil professores são leigos. Cursaram no máximo até o ensino médio. Cento e vinte e sete mil apenas têm diploma de nível superior, mas sem curso de licenciatura - o que é exigido para o magistério. Ou seja, 127 mil professores não têm Licenciatura. Este País está em risco, gente! Este País está ameaçado! O nosso futuro está comprometido, quando vemos uma matéria como essa.

Ele cita fatos aqui que são assustadores. “Os 103 mil professores leigos com diplomas de nível médio estão espalhados em 52.003 escolas”, ou seja, em 1/4 das escolas do Brasil, há professores leigos onde estudam 6,6 milhões de alunos. São 6,6 milhões de alunos, quase 15% do total de alunos nas escolas os que estudam com professores que não estão em condições, de acordo com a lei, de dar aulas.

“Do total de 1,8 milhão de profissionais, 594.273 (31,5%) não têm curso superior”. Nós somos um dos últimos países a preencher professores com nível superior as nossas escolas. O MEC quer exigir que todos tenham o diploma universitário, mas como exigir isso com os salários que são pagos? Como exigir isso deixando a educação para ser paga a educação aos professores pelos pobres prefeitos das nossas cidades? Como atrair um profissional, Senador, se depois de formado ele vai fugir do magistério?

         A situação que nós temos aqui de professores sem diploma, em parte, é porque nós não damos diploma por falta de alunos, mas, em grande parte, é porque os que têm diploma fogem das escolas, com os salários que nós pagamos. Esse total de 594 mil equivale a 31,5% do total de professores.

O levantamento mostra ainda que, entre os docentes da 5ª e da 8ª série com nível superior, mais da metade é formada em cursos diferentes da disciplina que leciona, ou seja, é um professor de Português que dá aula de Matemática; é uma professor de Matemática que dá aula de Física. Há o caso de um professor de Matemática que dá aula de Educação Física, o que está sacrificando os alunos por falta da presença dele na sala de Matemática e também por que ele não vai saber dar aula de Educação Física.

Este País está em risco, Senador Augusto Botelho. Estamos aqui preocupados corretamente com a crise econômica mundial, estamos preocupados corretamente com a situação dos indígenas em Roraima e dos arrozeiros, estamos preocupados com a morte no trânsito. Tudo isso está certo, mas o grande risco para o futuro, a grande ameaça que este País vive é o fato de que nossas crianças não têm, hoje, a escola necessária para prepará-las para construir um país no séc. XXI. Se eu estivesse aqui como Senador no séc. XVI, no séc. XVII ou até mesmo na metade primeira do séc. XIX, eu não poderia dizer que o Brasil estava em risco, mas estou no penúltimo ano da primeira década do séc. XXI. Não tem futuro um país cujo quadro é este mostrado hoje no jornal O Globo.

Estamos preocupados com a corrupção. É claro que temos de nos preocupar com isso, mas, quanto à corrupção, a gente põe na cadeia em algum momento os corruptos, e o País não será destruído. Mas isto aqui destrói o País, a não ser que a gente chegue à conclusão de que essa situação se dá por causa da corrupção e de que o dinheiro, em vez de ir para a escola, está indo para o bolso de alguém. Mas a verdade, Senador Eurípedes, é que não é exatamente isso. Em toda essa corrupção vergonhosa, maldita, que desmoraliza a classe política, o dinheiro roubado não é suficiente para a gente resolver isso. E isso não é resolvido por falta de uma vontade séria, e essa vontade séria é consequência da falta de percepção de que a Nação brasileira está em risco. Nós estamos em risco, não de terremoto, porque, neste País, felizmente, não há terremoto. Mas estamos em risco por que não estamos construindo a infraestrutura, a base sobre a qual se constrói o futuro. E, se a gente não constrói o futuro, o País está ameaçado.

A matéria não termina aí. Ela diz que o problema mais grave está nas séries finais do ensino fundamental e ocorre nas Artes. Apenas 25% dos docentes se enquadram no critério. A situação não é menos preocupante em Matemática, em que somente 44,7% dos docentes são formados na disciplina. Gente, veja o que estou dizendo! Quase metade dos professores de Matemática não são formados em Matemática! Para onde vai este País? Que futuro a gente vai ter se a gente constrói uma geração que não sabe Matemática, que é a base de tudo que será preciso para construir a base científica e tecnológica sobre a qual o País vai caminhar?

Sei que é chato falar disso todo dia, sei que as pessoas já não aguentam mais ouvir falar nisso, mas não tenho direito de deixar de falar isso quando abro o jornal hoje, pensando em fazer um discurso sobre a minha Brasília, e encontro esse resultado de um estudo feito pelo MEC, o qual parabenizo pelo estudo, assim como pela divulgação. Entre os professores do ensino médio, o maior gargalo ocorre em Física: somente 40% são formados na área específica ou equivalente, ou seja, nas escolas, apenas 60% de professores de Física sabem Física. Por isso, há Estado que está deletando a disciplina Física. Como não há mais professor de Física, eles dizem: “Não precisa mais ensinar Física”. Em Língua Estrangeira, 82% dos profissionais são formados na área específica ou equivalente. Em Língua Portuguesa e em Literatura, esse percentual atinge 82%. Só que ensinar línguas não basta para o País ter seu futuro sólido. Daqui para frente, uma população que não fale dois ou mais idiomas será uma população que frustrará a construção do futuro do seu país. E a gente já vai ver, quando vier a Copa para cá e se vierem as Olimpíadas, a população nas ruas sem saber conversar com os turistas.

O ensino médio tem o mais alto índice de professores com licenciatura: 87%. As séries finais do fundamental vêm em segundo lugar [o problema mais sério está no ensino fundamental]. Nas pré-escolas, o índice é de 45%, e, nas creches, apenas de 37%.

Estamos diante de um risco que, certamente, destruirá o País, se não mudarmos.

Não vou continuar lendo a matéria de Demétrio Weber, porque vou tomar muito tempo, Senador, e não quero cansar não a mim, mas as pessoas que só me ouvem falar disso. Mas quero dizer que, enquanto eu sentir que meu País está em risco, que meu País está com seu futuro ameaçado, que meu País não vai ter futuro por falta de educação assegurada de qualidade, compatível com as necessidades do séc. XXI, vou continuar falando nisso, por mais chato que seja, por mais que isso signifique dificuldades para mim no próprio Distrito Federal, que represento, onde a situação da educação é muito melhor, embora não satisfatória. Mas vou continuar falando desse grande risco que o Brasil vive.

Durante semanas e meses, falou-se do problema das passagens usadas pelos Parlamentares, e ninguém aqui vinha desculpar-se do uso das passagens. Entretanto, o mais grave é que ninguém viu essas passagens serem gastas no sentido de evitar o risco que o Brasil vai enfrentar doravante por falta de educação. Quando Ulysses Guimarães viajava com passagens pagas pelo Congresso, ninguém reclamava, porque ele estava construindo um novo País e lutando pela democracia. Quando Dante de Oliveira viajava pelo País defendendo as Diretas, utilizava passagens do Congresso, e ninguém reclamava, porque ele estava tentando construir o País, estava tentando evitar o risco que este País vivia de continuar debaixo de uma ditadura.

Hoje, não estamos mais debaixo de uma ditadura, mas estamos debaixo, Senador Arthur Virgílio, do fracasso vergonhoso da nossa educação. Eu já disse isto aqui e vou voltar a falar isto se tiver passado despercebido por alguns: a organização que avalia as escolas do mundo inteiro teve, Senador Sarney, de rebaixar o conteúdo das suas provas para que o Brasil não ficasse de fora. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que todos os anos avalia os jovens estudantes do mundo inteiro - e o Brasil esteve nos últimos lugares -, para que, no próximo ano, o Brasil não ficasse fora dos cinquenta primeiros, precisou rebaixar o nível de exigência no concurso. Então, estamos não mais atrás, mas estamos fora. E isso vai trazer um custo muito alto no futuro. E já está trazendo um custo no presente. O Presidente Lula fala da dificuldade de levar adiante o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Não vai conseguir levar adiante o PAC, por falta de mão-de-obra qualificada para as obras, além de outros problemas que sabemos. Hoje, não se constrói uma estrada só com enxada e com braço forte, mas com equipamentos que exigem sofisticado conhecimento para ser manipulados. Nós estamos vivendo um risco profundo para o nosso futuro, e esta Casa tem de se pronunciar.

Foi isso, e vou concluir, que tentei fazer ao querer formar uma CPI do apagão intelectual. Não conseguimos isso, mas vamos fazer. E não vamos fazer na ótica da educação, vamos fazer na ótica da segurança nacional, da defesa nacional. Vamos analisar não a educação ruim comparando-a com a educação boa, mas a educação ruim comparando-a com aquilo que seria necessário para que o Brasil pudesse defender sua soberania, sua economia, seu futuro.

Vamos despertar para o fato de que o Brasil é uma nação em risco e de que esse risco vem da sistemática histórica, da nossa tendência de abandonar a educação. Felizmente, vemos um artigo como esse, mas, lamentavelmente, esse artigo não desperta tanta indignação quanto desperta a corrupção no comportamento. Essa é a corrupção nas prioridades, essa é a corrupção na defesa da Nação, essa é a corrupção da traição ao País. Ninguém liga para isso. Criamos uma simplificação de que o problema está apenas, e é um problema sério, na corrupção do comportamento dos políticos, não na corrupção nas prioridades das políticas. E, aí, Senador Mão Santa, essa simplificação que, por exemplo, diz que todos os políticos são iguais, essa simplificação vem exatamente da falta de uma educação, porque uma pessoa, para entender nuanças, detalhes e diferenças, precisa de um mínimo de educação. A generalização é a concessão que a linguagem faz hoje no Brasil, para que ela seja entendida por pessoas que não têm uma dedicação à educação. Então, generaliza-se tudo, porque tudo fica simples; o complexo é difícil de entender por quem não teve educação.

Quero deixar registrado isso aqui, mais uma vez, para que, pelo menos daqui a algumas décadas, quando forem estudar esse período, saibam que houve alguém que correu o risco da chatice para que dizer que nossa Nação está vivendo uma ameaça profunda pela maneira como nossas crianças são tratadas, sem receberem a necessária educação. O Brasil do futuro estará nos ombros dessas crianças, que precisam ter a educação necessária para o futuro, conforme o séc. XXI vai exigir.

Era isso, Senador Mão Santa, o que tinha a dizer, mas vejo um pedido de aparte do Senador Augusto Botelho e gostaria que meu discurso fosse enriquecido pelo aparte.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Cristovam, quero só manifestar que fiquei mais triste quando li essa reportagem hoje. Eu achava que, no Brasil, havia apenas 250 mil pessoas exercendo a profissão de professor que ainda não estavam na universidade. Mas aqui a proporção é muito maior: são 380 mil. É muito mais gente, oitenta mil a mais do que eu imaginava. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), todos os professores deveriam cursar a universidade ou completar a universidade em 2010. Os governos não levaram a sério isso, ninguém levou isso a sério. Nós temos de fazer um trabalho para ver se isso acontece. No meu Estado, graças a Deus, a maioria dos professores já cursando a universidade! Talvez, em 2010, todos eles cheguem à universidade. E o resto do Brasil? Temos de melhorar esse índice em todos os Estados, em todo o Brasil. V. Exª é um lutador pela educação. Hoje, quando li essa crônica desse cidadão, fiquei triste por saber que estamos numa situação pior do que a que imaginávamos, pelas coisas que estudamos nesta Casa. Muito obrigado, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu lhe agradeço, Senador. V. Exª disse aí algumas palavrinhas que resumem tudo: não levamos a sério. Isso resume tudo. Não levamos a sério essa coisa chamada educação. Levamos mais a sério a baixa temperatura da cerveja que tomamos do que a alta nota dos nossos filhos na escola. Levamos mais a sério a escalação do time de futebol para o qual a gente torce do que a escalação dos professores da escola dos nossos filhos. E deveríamos levar em consideração a situação dos filhos de todos os outros pais do Brasil. E o pior é que a gente não está analisando a qualidade das faculdades em que aqueles que têm o diploma estudaram. Se fizermos isso, aí sim, vai dar uma tristeza profunda por perceber que o País está sob ameaça.

Se um país estrangeiro quisesse atacar o Brasil, Senador Augusto Botelho, sabe o que ele faria? Faria o que estamos fazendo: desarticular a educação brasileira. É a melhor maneira de fazer com que se vença uma guerra: desarticular a educação. E, hoje, a gente vê, ao redor, os países se preparando. Lá fora, os países estão se preparando, e o Brasil está ficando para fora, para trás, porque a gente não está levando a sério o que há de mais sério na construção do futuro de um país: crianças em escolas de qualidade; escolas igualmente de qualidade para todos.

Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha a falar, manifestando minha preocupação e tentando despertar outros para esse risco que o Brasil vive.


Modelo1 6/29/2411:34



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/2009 - Página 20718