Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações à sessão solene do Congresso Nacional realizada hoje pela manhã, em homenagem ao transcurso dos 144 anos da Batalha Naval do Riachuelo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Considerações à sessão solene do Congresso Nacional realizada hoje pela manhã, em homenagem ao transcurso dos 144 anos da Batalha Naval do Riachuelo.
Aparteantes
João Pedro.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2009 - Página 22887
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, SESSÃO, CONGRESSO NACIONAL, HOMENAGEM, MARINHA, ANIVERSARIO, COMBATE, FORÇAS NAVAIS, BRASIL, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI.
  • DEFESA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, AMPLIAÇÃO, PATRIOTISMO, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, SIMBOLOS NACIONAIS, CONHECIMENTO, HISTORIA, BRASIL.
  • REGISTRO, INFERIORIDADE, PRESENÇA, QUANTIDADE, NEGRO, OFICIAIS, FORÇAS ARMADAS, BRASIL.
  • DEFESA, MELHORIA, ENSINO, QUALIFICAÇÃO, TRABALHADOR, REFORÇO, FORÇAS ARMADAS, AMPLIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, NEGRO, GARANTIA, PATRIOTISMO.
  • IMPORTANCIA, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, SOCIEDADE, PRESERVAÇÃO, PATRIMONIO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Mão Santa, agradeço a sua gentileza, como sempre.

Mas, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, hoje de manhã - e o Senador Mão Santa esteve presente todo o tempo - tivemos, aqui, uma bela sessão em homenagem à Batalha do Riachuelo em homenagem à Marinha. Foi uma bela sessão em que tivemos, aqui, os Generais - superiores alguns deles -, Almirantes, Brigadeiros e pudemos discutir aquilo que foi a Guerra do Paraguai. Eu fiz questão de dizer que além do orgulho do desempenho das nossas tropas, fiz questão de olhar para o futuro e dizer que uma das características maiores dos vencedores é a generosidade, e que isso implica olharmos para os paraguaios com a generosidade de um País que, há mais de um século e meio, teve uma vitória militar. Isso implica estarmos abertos para conversar com o Paraguai, mesmo que não cedamos no que eles nos pedem, mas jamais com a arrogância, como já ouvi de muitos, assumir que não há nada para conversar.

Mas, venho aqui hoje à tarde complementar a minha fala, Senador Geraldo Mesquita, dessa manhã sobre algo que poucos falam e que deveria estar presente todos os dias: que é o patriotismo. O que essa comemoração nos traz é o orgulho de quem é de uma Pátria que teve Forças Armadas, num certo momento, que souberam enfrentar uma ameaça, que souberam vencer uma guerra, como soubemos também ao enviar tropas para a Itália na luta contra o fascismo. Mas, Senador João Pedro, esse patriotismo exige algumas reflexões. Por exemplo: não há como ser patriota sem conhecer a história do próprio país. É uma condição primária do patriotismo você conhecer os grandes eventos da história do seu país, conhecer os grandes nomes da história do seu país e sentir orgulho por tudo isso. E eu me pergunto: como conhecer bem a história de um país, ter orgulho dos fatos do passado, dos personagens do passado sem estudarmos história? Sem termos tido a chance de aprender a história do nosso país?

E, por mais que as famílias possam transmitir as tradições, por mais que haja uma passagem quase que instintiva, atávica é a palavra, de uma geração a outra dos grandes fatos da história de um país, a verdadeira compreensão, a verdadeira penetração no imaginário coletivo da história de um país vem pela escola. Então, como ter um patriotismo pleno em um país onde não conseguimos colocar todos na escola? Ou mesmo quando a gente passa a impressão de ter todos matriculados, eles não frequentam; se frequentam, não assistem; se assistem, não persistem; se persistem, não chegam ao final, e, se chegam ao final, não aprendem. Como ter um patriotismo pleno?

Patriotismo também implica conhecer bem os símbolos nacionais. Mas eu pergunto, Senador Geraldo Mesquita, como podemos querer que pessoas que não aprenderam a ler conheçam o símbolo máximo do Brasil, que é a Bandeira Nacional, se, na Bandeira têm palavras escritas, e quem não sabe ler não é capaz de conhecer aquelas palavras “Ordem e Progresso”?

Então, patriotismo exige, especialmente no caso de um País como o Brasil, que tem um lema escrito na Bandeira, alfabetização plena da população. Falar em patriotismo em um País que tem um lema escrito na Bandeira, mas onde 14 milhões de pessoas com mais de quinze anos não sabem ler é falar no vazio. O patriotismo, no caso de um País como o Brasil, implica todo mundo saber ler. Como, em qualquer país do mundo, implica todo mundo conhecer a história do seu país.

É na escola também que a gente começa a aprender a cantar o Hino Nacional. É na escola que a gente começa a aprender a idéia de içar a Bandeira Nacional. Isso não se faz no Brasil, porque a maioria não está permanentemente na escola, e não se faz no Brasil porque ainda, com aquelas crianças na escola, perdeu-se o hábito de transmitir não só a história do Brasil, mas até mesmo o amor aos Símbolos Nacionais. Raras escolas brasileiras são capazes de fazer o elogio aos Símbolos, o reconhecimento dos Símbolos, de manhã cedo.

Outro item do patriotismo, Senador João Pedro, é a justiça social - e, no caso do Brasil, inclusive a justiça racial. Não costumamos nos lembrar que parte considerável dos soldados brasileiros na Guerra do Paraguai eram escravos, e que Dom Pedro II - o Senador Mão Santa conhece muito história, sabe - disse que daria a liberdade aos que fossem lá e não morressem, porque muitos morreram.

Pois bem: hoje de manhã, aqui - isso que eu vou falar, Senador Mão Santa, talvez V. Exª não tenha percebido -, entre todos os oficiais que encheram esta sala, havia um negro. E eu ia citar, no meu discurso, que apenas um negro estava aqui quase 150 depois da Guerra do Paraguai. Eu não citei esse oficial negro sabe por quê? Porque, pela farda, eu percebi que ele não era brasileiro; o único negro. E quando terminei a minha fala, fui a ele e lhe perguntei. Ele disse-me que representava Angola. Ele é um general representante de Angola, o adido militar de Angola no Brasil. Aí, lembrei-me de que, anos atrás, eu, Ministro da Educação, num evento, em Florianópolis, com reitores, disse: “Apenas um, dos 500 reitores aqui, é negro”. E quando eu saí para o cafezinho, esse único reitor negro se aproximou e disse: “Ministro, eu não quis dizer nada na hora, mas eu estou aqui representando o Governo de Cuba. Eu não sou nem reitor nem brasileiro”.

Como vamos exigir patriotismo dos negros brasileiros que se sentem excluídos, porque não conseguem chegar aos altos quadros da República? E isso numa instituição com características democráticas, do ponto de vista de classe, que é o Exército brasileiro, que é a Marinha brasileira, que são as Forças Armadas. Mas é que para chegar a alto oficial você tem que ter passado pela escola; você tem que entrado em curso superior, inclusive curso superior das escolas militares. E nesses cursos superiores, Senador Mozarildo, a população negra não tem entrado.

Então, como é que a gente fala em patriotismo se mandamos para o Paraguai os nossos negros escravos morrerem e os seus descendentes não se sentam nas cadeiras dos vitoriosos hoje, 144 anos depois? Como é possível isso? Como é possível falar em patriotismo sem fortalecer as Forças Armadas - e, no Brasil, a gente sabe como elas estão abandonadas?

Cabe mais uma pergunta: como fortalecer as Forças Armadas sem uma população toda ela educada? Acabou-se o tempo em que o que fazia as Forças Armadas fortes eram as pernas e os braços dos soldados. Hoje são os cérebros dos soldados, porque as armas ficaram inteligentes. As armas exigem um conhecimento mínimo de técnicas que não se aprende diretamente lá em cima na academia militar, que exigem uma preparação anterior. Hoje, por mais dinheiro que coloquemos nas Forças Armadas Brasileiras, elas continuarão fracas em relação ao potencial dos 200 milhões de habitantes porque nossos habitantes não estão preparados para comporem Forças Armadas que sejam capazes de vencer uma guerra moderna, que exija alto conhecimento.

Então, falamos em patriotismo, mas que patriotismo é esse que joga, por minuto, sessenta crianças para fora da escola? Portanto, sessenta crianças que jogamos para fora por minuto são sessenta potenciais generais que deixarão de chegar ao comando superior das nossas Forças Armadas, porque não estarão preparadas essas crianças quando crescerem, porque não tiveram a educação que deveriam.

Como é que a gente pode falar - e deve falar; e deve insistir - em patriotismo, se não cuidamos do nosso patrimônio, que vamos deixar para as próximas gerações? E hoje, o rio mais importante deste País, do ponto de vista da integração nacional, é um rio moribundo. Como falamos em patriotismo e vamos deixar para as gerações futuras um rio morrendo, que é o rio São Francisco? Ou uma floresta sendo queimada, que é a Floresta Amazônica? Ou uma floresta inexistente como é a Mata Atlântica?

De que patriotismo a gente pode falar, enquanto não investirmos, cuidarmos, tratarmos bem do patrimônio que devemos deixar para as futuras gerações? Que patriotismo, sem uma revolução da educação?

Tem circulado, na Internet - e recebi mais de uma vez -, uma frase, Senador João Pedro, extremamente bonita que diz o seguinte: “Passamos tanto tempo querendo deixar um mundo melhor para os nossos filhos, em vez de cuidarmos de deixar filhos melhores para o nosso mundo”.

Eu acho que essa frase pode ser melhorada dizendo o seguinte: “Passamos tantas décadas querendo deixar um país mais rico e um mundo mais rico para os nossos filhos e não nos preocupamos em deixar filhos mais educados para o nosso País e para o nosso mundo”.

Que patriotismo, Senador Mão Santa, a gente vai ter se não deixamos crianças, filhos, netos mais educados para que daqui para frente eles cuidem bem e se orgulhem do País onde nós estamos? Que patriotismo podemos deixar se os motivos de orgulho são negados à nossa população, sobretudo juvenil? Por exemplo, colocar um homem na lua, colocar um homem no espaço, isso dá orgulho. Mas com que ciência? Com que tecnologia nós vamos fazer isso? Os indianos fazem. Os chineses fazem. Sem falar dos países ricos que já fizeram. A Coréia do Norte está quase fazendo. Se não gastassem tanto na fabricação da bomba atômica, certamente, se tivessem se concentrado na pesquisa espacial, já estariam fazendo. Nós não estamos.

         Que patriotismo de um País que não tem um único Prêmio Nobel. Só craque de futebol não é suficiente para consolidar o patriotismo, embora ajude bastante. Não há dúvida de que medalhas em Olimpíadas ajudam no patriotismo, mas não sustentam o patriotismo, até porque são passageiras.

Quem se lembra quais foram as medalhas em algumas Olimpíadas do passado? Mas a gente jamais esqueceria um Prêmio Nobel. Até hoje não esquecemos Santos Dumont, que foi, talvez, o único que deixou uma marca substancial no mundo de invenções da humanidade. Não esquecemos Santos Dumont; esquecemos, sim, algumas medalhas de ouro.

Então, que homenagem? Se em 1904 - não é isso, Senador Mão Santa? -, ou 1905, ou 1906, tivemos o último orgulho nosso, quando Santos Dumont fez a viagem no 14-BIS. De lá para cá, nenhum outro salto substancial que possamos deixar, dizendo aos brasileiros: tenhamos orgulho, sejamos patriotas plenamente.

Por isso, essa solenidade de hoje, que eu achei bonita, necessária, fundamental, até pela pobreza que nós temos de símbolos, de heróis, de vitórias, de bravuras, tão importante que foi, ela permite essa reflexão. É preciso desenvolver o espírito de amor ao Brasil. Isso chama-se patriotismo. Mas é preciso entender que o patriotismo, para se consolidar, para não ser aquilo que no passado a gente chamava de “patriotada”, é preciso respeitar algumas regras: a incorporação de todos os brasileiros, e não a elite apenas branca e os negros que morreram no Paraguai tendo seus descendentes excluídos; ter todos acesso ao essencial, e não termos uma população de 50 milhões de miseráveis. Como patriotismo, com 50 milhões de miseráveis? Como patriotismo desses 50 milhões, que não têm por que se sentirem representados neste País? E como patriotismo nosso, que temos vergonha do mundo de miséria e pobreza em que uma parte dos nossos irmãos vivem? O patriotismo de nossas crianças conhecerem os símbolos nacionais e os adultos saberem ler na nossa bandeira o lema “Ordem e Progresso”, que eles não são capazes de ler. O patriotismo de ciência e tecnologia, que põe o Brasil na ponta não apenas do ponto de vista do orgulho, mas do ponto de vista da economia. Porque sem uma educação, uma ciência e tecnologia desenvolvida, nós não vamos ter uma economia potente daqui para frente para todos; podemos ter para algumas ou outras ilhas de riqueza.

Por isso, Senador Mão Santa, eu quis aqui, à tarde, repercutir o que fizemos de manhã. De manhã, quando trabalhamos a homenagem à Marinha, não deu tempo de falar todo esse sentimento de patriotismo pelo lado da preocupação, o patriotismo pelo lado da tristeza de não conseguir dar aos jovens tudo aquilo que eles precisam para que o amor à Pátria tenha a dimensão que a Pátria brasileira merece e precisa. Por isso, Senador Adelmir, eu vim repetir aqui, numa outra dimensão, com outra preocupação, com outro público, aquilo que de manhã foi apenas festa, lembrando o aniversário da grande vitória brasileira na Guerra do Paraguai. Que o Brasil continue enfrentando todas as dificuldades, mas que não nos esqueçamos de que patriotismo é muito mais que apenas uma ou outra lembrança de uma vitória no passado. É, sobretudo, a luta para a construção do futuro.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Cristovam, V. Exª me concede um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - AM) - Claro, Senador João Pedro.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - V. Exª evidentemente aborda, faz uma reflexão sobre a questão do patriotismo, mas fala dessa instituição que é a Marinha, a nossa Marinha, a Marinha brasileira, e do papel contemporâneo da Marinha. Eu gostaria de fazer o aparte, primeiro, para dizer da importância da Marinha na nossa Amazônia. Ela tem uma presença muito consistente com médicos, com biólogos, com dentistas, com odontólogos. Enfim, ela faz um trabalho social importante em todos os rios da nossa Amazônia. Por sinal não só a Marinha, o Exército.... V. Exª estava falando de patriotismo, eu estava lembrando de alguns pelotões que têm uma presença expressiva de soldados indígenas ali, em condições muito precárias, de isolamento, principalmente. O Exército se faz presente na nossa fronteira em situação muito difícil. Mas a Marinha está presente pelos pequenos lagos, pelos rios e grandes rios da Amazônia e vai exercer com certeza um papel importante na presença da nossa costa, como V. Exª vem falando, nesses últimos dias, do pré-sal, essa riqueza que a Petrobras, que o Brasil vai explorar. Penso que ela vai ter um papel muito importante no sentido de acompanhar esse trabalho que está começando nos mares brasileiros. Muito obrigado e parabéns pelo pronunciamento de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu é que agradeço.

Era isso que eu tinha para falar, Senador Mão Santa, acrescentando o aparte do Senador João Pedro.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2009 - Página 22887