Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica ao Presidente Lula por intervenção nos problemas do Senado Federal. Defesa do afastamento do Presidente Sarney da direção dos trabalhos da Casa.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • Crítica ao Presidente Lula por intervenção nos problemas do Senado Federal. Defesa do afastamento do Presidente Sarney da direção dos trabalhos da Casa.
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/2009 - Página 29386
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, PERDA, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, DETALHAMENTO, IRREGULARIDADE, ESPECIFICAÇÃO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, INTERFERENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, TENTATIVA, JUSTIFICAÇÃO, JOSE SARNEY, PRESIDENTE, SENADO, PERMANENCIA, CARGO PUBLICO, REPUDIO, ORADOR, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, COBRANÇA, RESPOSTA, SENADOR.
  • REITERAÇÃO, NECESSIDADE, LICENCIAMENTO, PRESIDENTE, SENADO, OBJETIVO, IMPARCIALIDADE, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA.
  • CRITICA, PRESIDENTE, SENADO, OMISSÃO, PERDA, AUTONOMIA, RELACIONAMENTO, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, PEDIDO, PROVIDENCIA, RETOMADA, RESPEITO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

            Quero falar sobre uma marca que tem, muitas vezes, mas certamente tem hoje a política brasileira, e ainda especialmente o Senado, Senador João Pedro, de dizer que conseguimos desmoralizar a idéia de fundo de poço. Cada vez que afundamos, que chegamos ao fundo do poço, descobrimos que há um outro andar embaixo daquele. Chegamos ao fundo do poço e descobrimos que há outro andar.

            Nos últimos meses, ou até há dois, três, anos, temos visto aqui diversos fatores que nos levam ao fundo do poço: são atos secretos; são passagens que não deveriam ser concedidas; são parentes que não deveriam ter sido nomeados; são gastos indevidos; são privilégios e mordomias; são ausências, muitas vezes, durante votação; é financiamento para aluguel para quem não deveria ter, porque mora aqui, como é o meu caso; são verbas indenizatórias não comprovadas; fortes suspeitas sobre cada um de nós. Cada vez que surge uma, o fundo do poço vai cedendo lugar a outro fundo do poço.

            Quero dizer, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, que, ao ler o jornal de hoje e depois das notícias de ontem já nas rádios e televisão, percebi que o fundo do poço está mais abaixo ainda ao descobrir que o Presidente da República está-se imiscuindo no Congresso Nacional e que o Presidente do Senado não tomou a posição firme contra a interferência do Presidente da República. Pior ainda: o que os jornais de hoje dizem é que o Presidente Sarney disse a diversos Senadores que não se afastará do cargo porque tinha um compromisso com o Presidente Lula. Desculpem-me, mas Presidente de Congresso não tem compromisso com o Presidente da República; o Presidente do Congresso tem compromisso com o Congresso e com o povo inteiro. A República tem três Poderes! Imagine se o Presidente do Supremo dissesse que tem um compromisso com o Presidente da República? Que vergonha nós não sofreríamos como brasileiros! Não. O Presidente do Supremo tem compromisso com a Justiça; o Presidente do Congresso, que é o Presidente do Senado, tem compromisso com representar o povo; e o Presidente da República tem o compromisso de fazer o que o povo precisa. Pois hoje nós estamos um passo a mais adentro do fundo do poço.

            O Presidente Lula não tinha o direito republicano de ligar do exterior para fazer qualquer pedido, qualquer sugestão ao Presidente Sarney. A única justificativa seria, em caso de doença do Presidente Sarney, ele manifestar solidariedade por algum fato pessoal, não institucional, Senador Paim. Não foi o que a gente viu. Eu não tenho dúvida que o Presidente Lula tem todo o direito de demitir Ministro por telefone. Isso ele tem. Não achei nada demais eu ter sido demitido por telefone. Era um direito dele. Mas ele não tem o direito de manter um Presidente do Senado por telefone ou de destituir um Presidente do Senado por telefone, Senador Suplicy. Não há esse direito no Executivo brasileiro, no Executivo republicano. Entretanto, é isso que a gente viu nesses dias.

            Eu quero dizer que já faz algum tempo que eu disse aqui que, para que as apurações de todos fatos que hoje pesam sobre todos nós, sejam apurados com isenção. O Presidente Sarney deveria pedir uma licença por dois meses, eu falei - eu reafirmo essa necessidade. Qualquer apuração feita que isentar o Presidente Sarney, estando ele na Presidência, não receberá o crédito da opinião pública Senador Mão Santa. É do interesse do Presidente Sarney, para limpar o seu nome, que a apuração seja feita, ele fora da Presidência. E isso, que eu acredito que ele não vai se imiscuir nas apurações. Mas, na opinião pública, vai pesar como se ele tivesse influído.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas eu não vou, eu não quero... Um minuto, Senador. Eu não quero entrar nesses detalhes. Quero dizer é que esta Casa não pode ficar calada quando a gente vê um Poder interferindo aqui. E é isso que a gente está vendo.

            Nós não estamos vendo o Presidente Sarney chamar a atenção do Presidente Lula para o fato de que ele não tem o direito de colocar o seu dedo no Congresso, porque a última vez que fez isso foi com o escândalo do “mensalão”, adquirindo votos, segundo se diz, através do pagamento a Parlamentares. E aí, quando a gente vê o Presidente levantando essa hipótese de se imiscuir no Senado, a gente pergunta: será que vai surgir, outra vez, “mensalão” aqui para Senadores que pediam a licença do Presidente Sarney agora ficarem a favor do Presidente Sarney? Será que o Presidente Lula vai mudar o pensamento para que alguns Senadores que pensavam de um jeito pensarem de outro? E qual é o argumento? O argumento de que o Vice-Presidente do Senado é do PSDB não é um cabível, porque ele foi eleito.

            Além disso, é preciso ver os Regimentos, é preciso ver a Constituição. O papel do Vice-Presidente é convocar uma eleição o mais rápido possível para que haja novo Presidente, que, provavelmente, será do PMDB, que é o Partido majoritário nesta Casa.

            Então, quero deixar aqui a minha preocupação e a confirmação do descontentamento, da frustração de que a desmoralização chegou a um ponto tal que vai além dos atos secretos, vai além das passagens aéreas, vai além de beneficiar pessoas e parentes, vai além de tudo isso, chegando ao ponto da desmoralização mais completa do Poder fundamental da República, que é o Congresso.

            Eu, neste pouco tempo de comunicação inadiável, quero dizer que a história vai julgar cada um de nós e como estamos nos comportando neste momento. Vai julgar aqueles que enfrentam os problemas, aqueles que se submetem às pressões, aqueles que são capazes de suicídio político, se for o caso, mas dizendo a posição firme e correta de que, como nós estamos, não cumprimos o papel que o povo espera de nós. Para cumprirmos, é preciso a apuração plena e com credibilidade. É preciso a punição forte e transparente. É preciso a reestruturação clara do Senado, mas é preciso, sobretudo, um grito de independência e de autonomia desta Casa, que está virando uma casa subsidiária do Poder Executivo. Não é de hoje, já vem de algum tempo. As medidas provisórias, as pressões de um Presidente carismático, com 80% de aprovação da opinião pública pelo seu trabalho, tudo isso vem levando o Congresso a ficar um Poder irrelevante, um Poder desprezado na opinião pública.

            Agora, quando a gente vê um acordo, para não dizer palavras mais fortes, Senador Mão santa, entre o Presidente do Poder Legislativo e o Presidente do Poder Executivo, como se um fosse sócio do outro e não cada um deles representante de um Poder da República, quando a gente vê o Presidente do Congresso como sócio do Presidente da República, aí vem a mais grave de todas as frustrações. Aí vem a mais grave de todas as suspeitas. Para o povo, é bem capaz que fique mais grave o visível dos atos secretos, o visível das passagens indevidas, o visível de nomeações. Essas coisas são visíveis, indignas, têm que ser paradas, mas eu queria alertar, pedagogicamente até, que o mais grave de tudo é a desmoralização do Congresso pela perda do poder pelo qual a obrigação de zelar. E o Presidente Sarney de ontem para hoje não está zelando por essa autonomia, ao dizer que não tomaria decisão sem o Presidente da República, ao dizer que está aqui para prestar um serviço ao Presidente da República.

            Lamento muito essa realidade que nós estamos vivendo, Senador Mão Santa. Lamento muito e, apenas para cumprir o tempo que me foi dado, concluo minhas palavras dizendo que, antes de pedir a licença, se o Presidente não quer pedir, e ele tem o direito de não pedir, que ele, por favor, enquanto não toma decisão - se não quiser, não podemos obrigá-lo -, que ele defenda esta Casa, que ele se comporte como Presidente do Senado e que ele não deixe que o Presidente da República nos trate como se fôssemos um Ministério, capaz de ser nomeado ou demitido por telefone, que ele não nos trate como uma casa subsidiária do Palácio do Planalto.

            Este é um pedido que eu faço ao Presidente Sarney, enquanto ele continuar Presidente, até como uma condição para voltar a merecer o respeito da gente, porque, pelas votações que foram feitas aqui, inclusive dos Partidos, o que passa é que ele dificilmente terá condições de presidir esta Casa enquanto tudo não for esclarecido.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/2009 - Página 29386