Discurso durante a 132ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamento sobre a prisão, ontem, nas dependências do Senado Federal, de estudantes que se manifestavam, entre os quais, havia dois menores. Elogios ao papel desempenhado pelo Senador Heráclito Fortes para solucionar a questão.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. SENADO.:
  • Questionamento sobre a prisão, ontem, nas dependências do Senado Federal, de estudantes que se manifestavam, entre os quais, havia dois menores. Elogios ao papel desempenhado pelo Senador Heráclito Fortes para solucionar a questão.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2009 - Página 36207
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. SENADO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, POSSIBILIDADE, ALTERNATIVA, SUCESSÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CANDIDATURA, MARINA SILVA, CIRO GOMES, CONGRESSISTA, ELEIÇÃO, SUGESTÃO, DEBATE, PROBLEMAS BRASILEIROS, BUSCA, LIMPEZA, BRASIL, ETICA, APROVEITAMENTO, RIQUEZAS, MEIO AMBIENTE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, SEGURANÇA PUBLICA.
  • REGISTRO, OCORRENCIA, SENADO, PRISÃO, JUVENTUDE, INCLUSÃO, MENOR, NEGOCIAÇÃO, ORADOR, SENADOR, LIBERAÇÃO, REU, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, AMBITO, EDIFICIO SEDE, DISPENSA, DEPOIMENTO, DEFESA, OPORTUNIDADE, POPULAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, REPUDIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, QUESTIONAMENTO, AUTORITARISMO, SEGURANÇA, EXISTENCIA.
  • QUESTIONAMENTO, SENADO, FECHAMENTO, ACESSO, POPULAÇÃO, TURISTA, MOTIVO, EPIDEMIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, DIFERENÇA, PROVIDENCIA, CAMARA DOS DEPUTADOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vim aqui disposto a fazer um cuidadoso discurso sobre o futuro do Brasil.

            Aproveitando o lançamento da candidatura - tudo indica - da Senadora Marina Silva, aproveitando o provável lançamento do Deputado Ciro Gomes para a Presidência da República, vim fazer um discurso sobre o que eu gostaria de dizer a eles, sobre qual seria o programa que eu gostaria de vê-los levar para o Brasil. A Senadora Marina, além disso, traz, com a sua candidatura, algo muito importante para o Senado: a possibilidade de o Senado debater os grandes temas nacionais e não debater apenas o próprio Senado, como a gente vem fazendo.

            Por isso, venho cobrando dos Senadores que sejam todos eles, se possível, pré-candidatos a Presidente. Mas o tempo já passou. Felizmente, temos uma candidata. Na outra vez, tivemos pelo menos dois candidatos: a Senadora Heloísa Helena e eu próprio.

            Eu vinha dizer aqui - vou ter que deixar para outro dia esse discurso -, eu vinha propor a eles um programa chamado Brasil Limpo, um programa que mostrasse que não basta este País ser rico: a riqueza tem que ser limpa. A riqueza limpa é a riqueza bem distribuída, é a riqueza que não vem do roubo, nem da destruição da natureza, nem da concentração de renda. Eu vinha propor a ela e também ao Deputado Ciro, à distância, a ideia de que um Brasil limpo é um Brasil em que a gente possa andar pelas ruas sem medo de assalto e em que as ruas sejam socialmente limpas do ponto de vista da riqueza, do riso, da alegria e da pacificação da população.

            Eu queria falar para eles de um Brasil limpo, Senador Mário Couto, do ponto de vista das nossas escolas. Eu vinha falar para eles sobre como fazer um Brasil limpo do ponto de vista da saúde.

            O que a gente vê hoje nos nossos hospitais não é uma saúde limpa. Eu vinha falar disso. Eu vinha falar para eles das diversas formas de limpeza que a gente precisa ter neste País, inclusive a limpeza de uma indústria do conhecimento, e não apenas da velha indústria mecânica. A economia do conhecimento como sendo a economia limpa.

            Mas, lamentavelmente, Sr. Presidente, não posso falar isso, porque estamos, hoje, sob a maldição do presente, que nos impede de discutir o futuro do País, que é a principal razão de ser desta Casa. Venho falar, dentro da maldição do presente, sobre a prisão, ontem, aqui, dentro desta Casa, de nove estudantes; dois dos quais menores de idade.

            Ontem, passei mais de três horas com os rapazes, apesar da simpatia dos policiais, da competência dos policiais para discutir o assunto, da compreensão dos policiais, da segurança interna do Senado. Apesar de tudo isso, passei três horas junto com esses rapazes, que estavam presos, porque não deixavam que eles saíssem até que eles fizessem um depoimento e, portanto, ficassem, de certa maneira, enquadrados. Estavam o Senador Suplicy, eu próprio, o Senador Nery e o Senador Valter Pereira, que teve papel fundamental nisso, até pela sua posição e profissão de advogado e pelo seu conhecimento de jurista. Ficamos horas e horas negociando, para conseguirmos que esses rapazes saíssem sem necessidade de dar mais do que o nome e o número da Carteira de Identidade; que não ficassem, de certa forma, com o registro de um documento que podia ser a abertura de um processo.

            E por que esta Casa, hoje, precisa ter uma espécie de cadeia, mesmo que seja uma simples sala, mesmo que haja água, mesmo que haja cafezinho? Mas onde você está sem poder sair, o nome certo disso é cadeia.

            Por que eles ficaram aquele tempo todo ali? Porque estavam protestando aqui dentro do Senado, mas longe deste plenário. Aqui, neste recinto, não se pode tolerar protesto, não se pode tolerar nada que impeça o trabalho dos Senadores. Estou absolutamente de acordo que qualquer manifestação, mesmo na tribuna de honra, que impeça, dificulte os trabalhos - e às vezes simples palmas já afetam; e vaias também -, não é viável. Estou de acordo de que aqui tem que se manter um ambiente livre de qualquer mínima algazarra.

            Agora, esses jovens estavam nos corredores. Esses jovens não estavam depredando absolutamente nada, nem lixo eles estavam deixando, se olhássemos imediatamente depois. Mas, pior, Senador Mário Couto: quando chegaram os seguranças e disseram que eles tinham que sair, eles começaram a sair; só que, como dizem os próprios seguranças, eles saíram gritando slogans, eles saíram manifestando a opinião deles em alta voz. Por isso, em vez de deixar que eles saíssem, eles os levaram para o “escritório” - o nome certo é esse, não é cadeia, embora funcione como tal, quando pessoas ficam ali, impedidas de sair -, onde funciona o serviço de segurança. E ficaram horas! Eu fiquei três horas; eles devem ter ficado quatro ou cinco. Ficaram essas horas ali, negociando se iam depor ou se iam apenas se identificar. E isso faz uma grande diferença, porque, segundo eles - isto eu não ouvi, eu próprio -, no primeiro momento em que ali chegaram, houve ameaça de que os que fossem funcionários públicos iam perder o emprego. Creio que havia algo negativo na ideia de que eles teriam de sair dali, em um veículo da própria segurança, para serem levados onde eles trabalhavam; e os dois menores, para onde moram seus pais.

            A gente não pode trabalhar desse jeito. Tem de descobrir uma forma de manter a ordem, claro, mas manter a ordem sem precisar impedir o livre trânsito de pessoas que querem fazer protestos contra qualquer um de nós, Senadores. E, diga-se de passagem, eu moro em Brasília. Eu seria o mais vulnerável a isso e estou falando que é preciso deixar que haja manifestações. Não manifestações que deixem os corredores sujos, com pedaços de pizza, por exemplo, que quebrem vidros, por exemplo, que destruam móveis, mas que venham aqui, pacificamente, dizer o que pensam de nós, Senadores, de toda a Casa e do seu Presidente também. E isso a gente não está vendo.

            A Câmara está aberta. O Senado está fechado para o ingresso de pessoas. Em nome da gripe suína, não se deixa entrar aqui nem turistas. A Câmara está aberta. Quem está errado? A Câmara, sendo tolerante demais com a doença, ou o Senado, sendo intolerante demais com os protestos? Creio que estamos sendo intolerantes com os protestos, porque, se a gripe suína, de fato, fosse uma ameaça, pela presença de pessoas, teríamos de suspender as sessões, porque se tem um lugar onde essa gripe pode se propagar muito mais facilmente do que em qualquer outro é aqui nesta sala: fria, fechada e cheia de tapetes. Mas estamos trabalhando. Por que turistas não podem vir aqui? Será que é por que eles trarão doença? E nós não vamos aos nossos Estados? Ou algum de nós está ficando trancado em casa, por causa dessa ameaça?

            Há, hoje, uma intolerância dentro do Senado com a possibilidade de manifestações ordeiras. Ordeira dificilmente é silenciosa. Mas imaginem que um grupo queira vir aqui fazer uma manifestação silenciosa; pura e simplesmente silenciosa. Aí dizem: “Não pode sentar no chão.” Mas aqui os jornalistas ficam sentados no chão. Não tem nenhum banquinho pra eles. Aí dizem: “Mas eles estão trabalhando.” E protestar é menos digno do que trabalhar? E se essa regra que vale para o Senado hoje, valer nas fábricas, onde fique proibido trabalhador fazer greve e assembléias dentro da fábrica? E se os reitores das universidades decidirem que estudante não pode se manifestar na porta da reitoria? E se a gente começar a dizer que ninguém mais pode protestar, porque isso ameaça a instituição? Acabou a democracia!

            Lamento que, em vez de estar falando aqui do futuro, como eu tinha preparado, um discurso sobre um Brasil limpo, para servir de apoio aos candidatos à Presidência da República, estou sendo obrigado a cair, mais uma vez, na maldição do presente, impedido de falar do futuro, porque uma coisa tão grave como a restrição de liberdade de nove jovens, entre os quais dois menores, dentro do recinto da Casa do povo, quando eles já estavam saindo de uma manifestação legítima que eles têm direito de fazer, obriga-me não apenas a ficar lá dentro com eles, juntamente com outros Senadores, mas me obriga também a vir aqui manifestar meu descontentamento.

            Ao mesmo tempo, Sr. Senador, como de quase toda tragédia, disso aí tirei algo que me deixou entusiasmado: ver esses jovens, inconformados, não ficarem restritos apenas a mandarem e-mails, mas a saírem de suas casas para virem se manifestar aqui dentro.

            Há um artículo hoje, creio que do Clóvis Rossi, na Folha de S.Paulo, que diz com a maior clareza: a gente tem que ir pra a rua; não basta, na comodidade da casa, ficar fazendo e-mails. Os e-mails são bons para a gente marcar o lugar onde se encontra, para definir o trajeto de uma caminhada, para escolher os slogans das faixas, mas o verdadeiro protesto é nas ruas. O protesto virtual pode até surtir efeito, mas dependendo de quem recebe. Se quem recebe tem o que se chama por aí de cara-de-pau, não adianta mandar e-mails; e-mails para quem simplesmente ri da crítica e rasga - e a gente sabe que tem pessoas com esse cinismo -, perdoe-me quem está mandando esses e-mails, mas está perdendo seu tempo, está fazendo com que algumas pessoas riam. E digo, sem falar em nome: todos aqueles que dizem “eu me lixo para a opinião pública”, estão dizendo “rasgarei os e-mails críticos que me chegarem.” E você está mandando e-mails apenas. Mande os e-mails, mas aprenda o exemplo desses meninos que vieram, que deixaram seus lazeres, que deixaram seu comodismo e que vieram aqui dentro; e ainda mais: resistiram durante aquelas horas a não aceitarem o depoimento.

            Quero elogiar também aqui o papel do Senador Heráclito Fortes. Foi o Senador Heráclito Fortes que aceitou conversar, sobretudo com o Senador Nery - comigo também -, e, graças a ele, conversando com o Presidente Sarney... Mas eu diria, pelo que eu soube ali, graças, sobretudo, ao Senador Heráclito Fortes, no final, aí, já quase 9 horas da noite, nós pudemos sair daqui com esses meninos livres para irem para casa, sem nenhuma marca no passado deles, salvo a marca positiva de dizerem ao Brasil que os caras-pintadas não acabaram, que os que protestam não morreram, que os com indignação na alma não ficam deitados, isso eles mostraram.

            Tive também o prazer de ver o pai de uma menina menor de idade que foi chamado para levá-la dizer nas televisões, não mais nas televisões, porque já era muito tarde e não havia televisões no plural, a única televisão presente era a do Senado, que eu não sei se vai divulgar isso, não sei. Aqui fica não uma insinuação, aqui fica uma dúvida. A TV Senado, que gravou dele dizendo que tinha orgulho da filha. Acho até que, quando eles saíram, porque saíram os menores antes dos outros, ainda havia imprensa lá e não só a TV Senado quando eu saí. Ele disse que tinha orgulho da sua filha e eu, como brasileiro - e brasiliense por opção - orgulhei-me de que jovens de Brasília não estão mais ficando em casa, não estão mais ficando passivos, eles estão hoje em plena atividade, manifestando a indignação, a raiva, o descontentamento, a frustração que sentem por nós, Senadores.

            Lamento que não tenha podido falar do futuro. Lamento que não tenha podido falar dos candidatos a Presidente. Lamento, mas, ao mesmo tempo, me alegro por saber que há pessoas ainda jovens - nove, apenas nove - capazes de se manifestarem. Fiquei triste com a maneira como eles foram impedidos de sair durante tantas horas. Eles já estavam saindo no momento em que foram - desculpem a expressão, se muitos não gostarem - presos, retidos. Na hora em que eles estavam saindo. Pelo menos uma jovem nem na manifestação estava. Ela viu um garoto, de certa maneira, sendo - não vou usar a palavra “agredido” - tirado dali à força, um amigo seu. Ela gritou o nome, correu para ajudá-lo e terminou também ficando todas aquelas horas retida.

            Lamento tudo isso, mas me alegro também. É contraditório, como a vida, que certas razões de tristeza sejam razões de alegria - a tristeza de ver que esta Casa não permite mais manifestações, está fechada para o público e aqui só entra quem se identifica, mostra quem é e quase diz o que vem fazer. Esta Casa permitiu que alguns jovens se manifestassem.

            É isso, Sr. Presidente, que tenho a falar. Espero que, de hoje até segunda-feira, não aconteça nada dessa maldição do presente para me impedir de fazer um discurso olhando para o futuro. Mas, se outra vez, neste fim de semana, eu sentir que a maldição do presente é mais forte do que a atração pelo futuro, ficarei cumprindo meu papel de falar do presente.

            Do presente de um Senado hoje fechado a visitação, hoje assustado com qualquer gesto de descontentamento.

            Quantas vezes entraram aqui índios, operários? E quantos lobistas não entram aqui sem nenhuma preocupação nossa? Por que não entrarem, de maneira ordeira, aqueles que querem protestar contra a situação que nós vivemos?

            Eu espero que, segunda-feira, de hoje até segunda, seja possível, Senador Efraim, que eu venha falar do futuro, sem tocar nesses pontos do presente. Mas, se for preciso, eu continuarei cumprindo a minha responsabilidade de falar do presente.

            Obrigado, Senador, pela concessão do tempo, e espero que segunda-feira possamos nos ver aqui e ver se a gente fala do futuro, ou, como o senhor próprio tem sido obrigado pela maldição do presente, se V. Exª defende o seu Estado no presente, quando seria tão bom se a gente pudesse falar da Paraíba, do Pará, do Distrito Federal, olhando o futuro distante que nos espera. 


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