Discurso durante a 140ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Ano da França no Brasil e a ação das Alianças Francesas como agentes de difusão cultural em nosso país.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Ano da França no Brasil e a ação das Alianças Francesas como agentes de difusão cultural em nosso país.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/2009 - Página 38432
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, FORMAÇÃO, PENSAMENTO, INTELECTUAL, PAIS, PROMOÇÃO, IDEOLOGIA, LIBERDADE, IGUALDADE, SOLIDARIEDADE, INCENTIVO, EMANCIPAÇÃO.
  • AGRADECIMENTO, CARATER PESSOAL, RESIDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, PERIODO, EXILIO, ORADOR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente; Sr. Delegado-Geral da Aliança Francesa no Brasil, Sr. Yann Lorvo; Diretora da Aliança Francesa de Brasília, Srª Pascale Hualpa, a quem cumprimento; todos os demais que estão na Mesa, senhores e senhoras, eu não poderia deixar de estar aqui, em primeiro lugar, em caráter muito pessoal; e, depois, representando meu Partido.

            Em caráter muito pessoal é pela dívida que tenho com a França, porque, muito jovem e sem poder ficar aqui por motivos políticos, foi a França que me recebeu. Não apenas me recebeu: posso dizer que me educou. Ela me educou no sentido de abrir os horizontes da cultura para um jovem brasileiro, engenheiro como eu era, com a ortodoxia que nós engenheiros temos, ainda mais uma ortodoxia política, e chega na França e tem acesso à abertura cultural e a todo aquele mundo intelectual que ela representa.

            Mas isso não teria sido possível para mim, pessoalmente, se não houvesse a relação antiga do Brasil com a França. Creio que podemos dizer que o Brasil nasceu de Portugal, mas estudou na França. Portugal foi a nossa maternidade, a França foi a nossa escola. Foi na França que começou a se formar o pensamento, ainda em gestação, que a gente pode dizer brasileiro.

            Os primeiros livros que os brasileiros leram quando começaram a sua independência foram livros de autores franceses. Foi aí que nós aprendemos. Não é à toa que nossa bandeira tem tudo a ver com Auguste Comte. Não é à toa que a nossa República foi proclamada, desenhada, projetada a partir da visão filosófica da França.

            Lembro de um encontro, Senador Tuma, que eu tive aqui durante a visita do Presidente Mitterrand, e o acompanhava o Lévi-Strauss. E ele contou como, nos anos 30, no começo dos anos 30, viajando pelo interior do Brasil, teve um encontro com uma pessoa que morava numa pequena casa no meio de Goiás - imaginem Goiás nos anos 30, imaginem essa região Centro-Oeste antes de Brasília, imaginem o interior dessa região. Ele disse que, quando foi apresentado como francês, o homem disse “Anatole, Anatole”, se referindo a Anatole France. Ou seja, ali, naquele interior, chegavam os livros de Anatole France, como chegavam os livros de Alexandre Dumas, de Flaubert e de todos os outros que nos ajudaram a formar o imaginário brasileiro.

            O Brasil é filho de Portugal, mas é aluno da França. E isso tem que ficar relembrado sempre. É nesse sentido que fico muito feliz pelo fato de termos este Ano França no Brasil. Claro que, como diz o Senador Mão Santa, não deveria ser apenas um ano; deveria ser uma década, duas décadas, mas que tenhamos um ano para lembrarmos dessa relação profunda que, com Portugal, é permanente, diária e até mesmo por causa do idioma, mas, com a França, é mais subliminar, porque é uma questão mental, é uma questão da maneira como pensamos.

            Claro que, passadas umas décadas, nos meados do século XX, começamos a ter acesso a outras escolas, não mais apenas à França. Começamos a ter os nossos jovens estudando em muitos lugares, inclusive nos Estados Unidos. Mas a formação cultural do ponto de vista da intelectualidade no Brasil, essa formação devemos ao povo francês, ao Estado francês e à inteligência francesa.

            Além disso, os exemplos de luta vieram da França. Foi 1789 que fez com que descobríssemos que não era um puro sonho a ideia da emancipação, quando descobrimos que não era um puro sonho quebrarmos essa divisão das classes sociais entre uma aristocracia e uma plebe.

            Foi esse o grande exemplo que serviu ao mundo inteiro, com exceção obviamente dos Estados Unidos, que, já antes disso, tinham proclamado a sua república, três anos antes. Mas foi ali que surgiu a consolidação de um projeto de revolução social, porque os Estados Unidos fizeram aquilo, mas conviveram durante quase cem anos como uma república escravocrata, como uma república que ainda assim dividia entre uma elite e um povo, embora esse povo não fosse uma massa excluída; ele poderia ascender, como toda república deve permitir.

            Por essas duas razões eu estou aqui pessoalmente, para lembrar - não é pagar, porque essa dívida é impagável - a dívida de um jovem brasileiro que teve a chance de ser recebido na França e de ter, na França, aberto os horizontes como pensa. Obviamente tive a sorte, naquele momento, de encontrar os professores certos, e nem todos franceses obviamente. Mas encontrar os professores certos que foram capazes de me ajudar a abrir a cabeça, no sentido da heterodoxia, no sentido do cosmopolitismo, no sentido do compromisso com o processo revolucionário que transforme a sociedade.

            E, além dessa dívida, que cito apenas, quero - não falo em nome do povo brasileiro, mas como brasileiro, não apenas como pessoa - lembrar da dívida que esta República tem com os franceses, com a França, com a história da França, com os intelectuais franceses.

            Nós, concluo, lembrando mais uma vez, nascemos em Portugal e estudamos na França. Portugal é nossa maternidade, a França é nossa escola.

            E, para não deixar de falar, encerro com um agradecimento local e provinciano, mas importante, é agradecer a este programa Senado Cultural, que é capaz de fazer eventos como este, que, independente de quantos estejam aqui, são transmitidos pela televisão e são assistidos pela população brasileira, para que ela não esqueça e até descubra, porque muitos não sabem que foi na França que nossos líderes do passado, nossos intelectuais do passado foram buscar o germe do que eu espero que um dia venha a se consolidar mais, o germe do pensamento brasileiro, que terá tudo que é característico do Brasil, da sua maneira de pensar, dos seus problemas específicos, mas não vai deixar de reconhecer que teve uma escola onde aprendeu tudo isso.

            Muito obrigado a vocês que representam aqui a França e muito obrigado a todos aqueles do Senado Cultural que organizaram este evento. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/2009 - Página 38432