Discurso durante a 151ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de proposta de emenda à Constituição, de autoria de S.Exa., constante na Ordem do Dia de hoje, que inclui o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônios nacionais. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (DEM - Democratas/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ENERGETICA.:
  • Defesa de proposta de emenda à Constituição, de autoria de S.Exa., constante na Ordem do Dia de hoje, que inclui o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônios nacionais. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 09/09/2009 - Página 42115
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, INCLUSÃO, CERRADO, VEGETAÇÃO, REGIÃO SEMI ARIDA, CORREÇÃO, INJUSTIÇA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REGISTRO, DADOS, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, DESMATAMENTO, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO CENTRO OESTE, SUPERIORIDADE, BIODIVERSIDADE, OMISSÃO, ESTADO.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ABANDONO, PESQUISA, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, Biodiesel, MOTIVO, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, PERFURAÇÃO, SAL, PREJUIZO, ALTERAÇÃO, MATRIZ ENERGETICA, RETIRADA, INCENTIVO, PRODUTOR, CANA DE AÇUCAR, ESTADO DE GOIAS (GO), AMPLIAÇÃO, DESMATAMENTO, CERRADO, VENDA, MADEIRA, CARVÃO, FALENCIA, GRUPO ECONOMICO, INVESTIMENTO, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, USINA, ALCOOL, AMEAÇA, PROPRIEDADE, TERRAS, DECLARAÇÃO, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, INVASÃO, SEM-TERRA, REITERAÇÃO, COBRANÇA, RECUPERAÇÃO, ECOSSISTEMA, COMBATE, EROSÃO.
  • EXPECTATIVA, REUNIÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, DEBATE, ALTERAÇÃO, CLIMA, EMISSÃO, GAS CARBONICO, CONCLAMAÇÃO, SENADO, VOTAÇÃO, MATERIA, AUTORIA, ORADOR, PROTEÇÃO, CERRADO, COMPATIBILIDADE, INCENTIVO, PRODUÇÃO AGRICOLA.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (DEM - GO. Pela Liderança do DEM. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, aguarda há um bom tempo na fila, e novamente está pronta para votação neste plenário, a Proposta de Emenda à Constituição nº 51, que apresentei em 25 de junho de 2003. A PEC modifica o parágrafo 4º do art. 225 da Constituição Federal e repara uma injustiça cometida pelo legislador constitucional, incluindo o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônios nacionais.

            Na Carta de 1988, foram merecidamente amparadas a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar e a Zona Costeira. Entre as muitas curiosidades resultantes da confecção do texto da Carta Cidadã, uma das inexplicáveis é o esquecimento dos quase 200 milhões de hectares de Cerrado em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e, ainda, na Bahia, no Distrito Federal e em Minas Gerais. Também há, ou havia, a vegetação típica em São Paulo, Paraná, Maranhão e Piauí.

            Poderia até ser coincidência, mas, desde que foi abandonado até pelos constituintes, o Cerrado agigantou o seu declínio. Nesta semana, o desprezo ganhou números de tirar o sono, em estudo realizado pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Segundo essa pesquisa oficial do Governo brasileiro, o Cerrado já perdeu quase metade de sua cobertura. Em números precisos, foram 48,5% das árvores do Cerrado, um absurdo calculado em um milhão de quilômetros quadrados. A reportagem que trouxe à luz esses dados foi publicada no jornal O Globo deste domingo, com ampla repercussão. Também pudera: segundo informa a repórter Catarina Alencastro, citando o estudo do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente, é como se tivessem devastado uma área 22 vezes maior que o Estado do Rio de Janeiro.

            Não, não é coincidência que o Cerrado seja o campeão do desmatamento, ainda que os demais biomas também não sejam exatamente exemplos de preservação. Mas, infelizmente, as arvorezinhas retorcidas são as que mais vergam sob a omissão das políticas públicas de preservação. O jornal cita especialistas que comparam: os destruidores gastaram cinco séculos para derrubar 93% da Mata Atlântica. As autoridades federais comemoram levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do Ministério da Ciência e Tecnologia. Segundo o Inpe, seu Sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real) concluiu que “o desmatamento na Amazônia registrou queda de 46% entre agosto de 2008 e julho de 2009, em relação ao mesmo período anterior”. No entanto, para o Cerrado só notícia ruim. O jornal Diário da Manhã, em sua edição desta terça-feira, relembra que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária havia divulgado, com dados de 2002, que até então a devastação do Cerrado era de 39%. Passaram-se menos de sete anos e já amputaram outros 11% do bioma.

            O Governo Federal tem participação direta em quase conluio com os predadores. O próprio Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mudou sua política em relação à matriz energética com a rapidez de uma motosserra. O Presidente começou entusiasmado com a chamada gasolina verde, mas poucos dias depois comprovou não saber a diferença entre biodiesel e os Mamonas Assassinas. Não durou muito. Logo esqueceu a mamona e sua euforia passou a ser pela cana - a de fabricação do álcool combustível, bem entendido. Quando o novo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tomou posse, seu colega brasileiro havia acabado de decorar uma palavrinha: etanol. Obama e Lula chegaram a discutir negócios em relação ao combustível que se planta, mas imediatamente acabou-se o que era doce, e a empolgação foi substituída pela paixão da vez, o pré-sal.

         O Presidente Lula está a tal ponto apegado às reservas recém-descobertas que, com o exagero de sempre, as compara à Independência do Brasil e atropela o Congresso Nacional subvertendo-lhe as prioridades e reescrevendo até os dicionários: chama de urgência algo que é para os próximos anos. Ou seja, o Presidente se alegra com algo hoje e ri com seu antípoda amanhã. Sua decisão de olvidar completamente o etanol foi tão no estalo quanto a vontade de o adotar. Para quem se dizia defensor da natureza, foi uma mudança drástica e perigosa. Trocar o biocombustível pelo óleo vai ter consequência do mesmo patamar de quando se optou por rodovias em detrimento das ferrovias. A mentalidade do Chefe do Executivo mudou completamente a ponto de incentivar a já mais que incentivada cultura do carro, abarrotando de vez as já lotadas cidades com veículos adquiridos sem Imposto sobre Produtos Industrializados.

            Ao escolher a poluição em lugar da ecologia, o Presidente da República atingiu em cheio o Cerrado. Os produtores goianos, por exemplo, acreditaram que a implantação de uma nova matriz energética era para valer. Ao crerem que Lula se empenharia no âmbito nacional e externamente para vender o biocombustível, partiram para a efetivação dos negócios. Em Goiás, como em outros integrantes da Federação, foi uma festa de financiamentos em bancos, aluguel de fazenda, construção de usinas e plantação de cana. Em lugar do incentivo e da conscientização para que a nova cultura ocupasse o lugar das pastagens, sem a necessidade de desmatamentos, o Governo simplesmente e literalmente largou os produtores da Chapada. No Brasil inteiro, são 70 mil pequenos agricultores vivendo da cana. Sem dinheiro, alguns partem para o que está à mão e é de fácil e rápido faturamento: a venda de madeira. O mínimo que resta de reserva vira carvão nos fornos da tragédia.

            Como a quebradeira é geral, a devastação deve estar sendo também generalizada. Em sua edição desta semana, o jornal Opção, de Goiânia, faz uma ressonância magnética na situação dos investidores que apostaram no biocombustível. O diagnóstico é aterrador: grupos econômicos fortíssimos estão pedindo concordata; os que seguiram a lógica do Presidente Lula e aplicaram no etanol estão atrasando pagamento, fechando fábrica, indo à lona. O dono da usina ainda tem do que viver, mas o microprodutor, endividado, vende madeira para colocar comida na mesa. Assim, o Cerrado vai tombando.

            Há outras maneiras de se ampliar a desgraça. A política do Governo Federal é tomar a terra de quem tem vocação para nela trabalhar e doá-la para quem não sabe distinguir um pé de arroz de pó-de-arroz. Por isso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, incentiva as invasões de fazendas cujos proprietários legítimos tiveram a decência de preservar. É um paradoxo, mas quem conserva uma grande área de florestas tem a propriedade declarada improdutiva e fatiada para gáudio dos oportunistas. Ou seja, o fazendeiro que preserva o Cerrado vira sem-terra.

            Portanto, de maneiras diretas ou oblíquas, o bioma vai se transformando em fumaça, em toras, em pastagens, em assentamentos. Não se respeita a mata, não se respeitam os bichos. Percorrendo o Estado de Goiás, pouco vejo de floresta nos dois lados das estradas; muito vejo de animais atropelados em busca de comida ou fugindo da depredação; pouco ouço de canto de pássaros nas beiras dos poluídos cursos d’água, que pedem socorro lotados de esgoto, lixo e assoreamento. Lastimável!

            Segundo o Ibama, o Cerrado é a savana mais rica do mundo em biodiversidade, com a presença de diversos ecossistemas, riquíssima flora com mais de 10 mil espécies de plantas, 837 de aves, 161 de mamíferos, 150 de anfíbios, 120 de répteis, grande parte são as chamadas endêmicas, significa que são exclusivas do Cerrado. São endêmicas 4,4 mil espécies de plantas, 19 de mamíferos, 45 de anfíbios, 45 de répteis. Apenas aqui no Distrito Federal, onde uns exóticos predadores andam de paletó e gravata, há 90 espécies de cupins, mil de borboletas, 500 espécies de abelhas.

            Não é a primeira vez que trago aqui esses números, essas preocupações, esses absurdos. Insisto porque é dever desta geração conservar o Brasil para os nossos filhos, nossos netos. No ritmo atual de pilhagem das riquezas naturais, o futuro vai ser irrespirável nas cidades, desértico no campo, arenoso nos rios, inviável por todos os lados. Insisto porque ainda há tempo de salvar o que resta. Alerto porque ainda é possível recuperar áreas degradadas, repovoar os rios, conter as erosões. Alerto porque a discussão entrou nas reuniões dos líderes mundiais, porém, precisa da ação das autoridades locais. No recente encontro dos ministros de finanças do G-20, o grupo dos Países mais poderosos, mudança climática e gás carbônico foram temas tão polêmicos quanto os tratados econômicos.

            O Presidente Barack Obama aprovou sexta-feira passada na Câmara dos Representantes e espera ser votada ainda nesta semana no Senado americano a Lei de Energia e Contra a Mudança Climática. O novo diploma legal dos Estados Unidos versa de lâmpadas incandescentes a sequestro de carbono, um avanço espetacular proporcionado pelo País que encabeça a lista dos maiores emporcalhadores do ar, do mar e do solo. O Senado brasileiro também pode dar uma grande contribuição para amenizar os efeitos do aquecimento global, votando ainda nesta semana a PEC do Cerrado e da Caatinga. Sobre o tema, esta Casa tem a Subcomissão Permanente de Mudanças Climáticas, falta-lhe a vontade política de apreciar as matérias que de alguma forma ajudem a preservar. É uma boa hora para se votar a proposta inclusive porque na próxima sexta-feira, 11 de setembro, quando se relembram os atentados em Nova York e Washington, é comemorado o Dia do Cerrado.

            Só queria lembrar, Sr. Presidente, para V. Exªs, que muitos Senadores se preocupam em imaginar que a aprovação dessa PEC do Cerrado, que inclui também a Caatinga, vai, de alguma forma, impedir a plantação no Brasil, que isso vai fazer com que se diminua a área plantada. Ao contrário, não se ataca em um instante a produção, só se quer considerar, como já se consideram os demais biomas, como patrimônio nacional. E muito mais. Nós lembramos que o Governo foi muito complicado no Brasil, teve uma gestão esquizofrênica ao longo dos anos. Lembro que, quando eu era adolescente, já ficando adulto, o Presidente Figueiredo lançou uma campanha chamada “Plante que o João garante”. E o dinheiro vinha para desmatar de qualquer jeito. O dinheiro era até quase que a fundo perdido para que houvesse a produção. No ano passado, o Governo fez um decreto obrigando a recomposição em 20% do Cerrado.

(Interrupção do som.)

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (DEM - GO) - Em alguns Estados que tinham e têm Cerrado, como São Paulo, a cobertura hoje é de apenas 8%. Então, imagino que isso vai ter uma solução. Mas imagino o seguinte: o mesmo Governo que deu o dinheiro para desmatar, se ele tem um programa para o Cerrado, ele também que colocar dinheiro à disposição dos fazendeiros para fazer essa recomposição, que acabou atendendo o próprio Governo naquele anseio antigo de ver a plantação de um bioma. E esse plantio acabou dando certo, talvez seja um dos maiores produtores do mundo, senão o maior. Ninguém quer atacar a produção, ninguém quer atacar o desenvolvimento. O que nós queremos é uma compatibilização. E o primeiro passo é a aprovação dessa PEC. Há seis anos, eu a apresentei. Há seis anos, ela se encontra para ser discutida e, agora, é o item 4 do dia de hoje. Não vai haver quórum, mas, quem sabe, amanhã, será o primeiro passo que nós daremos para recompor o Cerrado no Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/09/2009 - Página 42115