Discurso durante a 159ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Referência à audiência pública realizada hoje na Comissão de Direitos Humanos, para analisar o fato da suspensão das visitas às dependências do Senado. Destaque para o discurso proferido pelo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dirigido aos estudantes, na volta às aulas, enfatizando a importância da educação para o futuro do país.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. EDUCAÇÃO.:
  • Referência à audiência pública realizada hoje na Comissão de Direitos Humanos, para analisar o fato da suspensão das visitas às dependências do Senado. Destaque para o discurso proferido pelo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dirigido aos estudantes, na volta às aulas, enfatizando a importância da educação para o futuro do país.
Aparteantes
Osvaldo Sobrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2009 - Página 44781
Assunto
Outros > SENADO. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, PRESENÇA, REPRESENTANTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ESTUDANTE, PROTESTO, IMPEDIMENTO, SENADO, VISITA, JUVENTUDE, MOTIVO, MANIFESTAÇÃO, CRITICA, SENADOR, CONTRADIÇÃO, AUTORIZAÇÃO, ENTRADA, AUTOR, LOBBY.
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, RECUSA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUGESTÃO, ORADOR, REALIZAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DESTINATARIO, CRIANÇA, JUVENTUDE, CONCLAMAÇÃO, IMPORTANCIA, INICIO, ANO LETIVO, SAUDAÇÃO, IGUALDADE, INICIATIVA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), LEITURA, TRECHO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ELOGIO, VALORIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, RESPONSABILIDADE, ALUNO, BUSCA, FUTURO.
  • COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, BRASIL, PRECARIEDADE, EDUCAÇÃO, NECESSIDADE, INCENTIVO, CRIANÇA, COBRANÇA, RESPONSABILIDADE, ANALISE, BIOGRAFIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUPLANTAÇÃO, DIFICULDADE, REITERAÇÃO, IMPORTANCIA, DESTINAÇÃO, MENSAGEM (MSG), ESTUDANTE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, falando em Comissão de Direitos Humanos, embora não fosse esse o propósito específico de minha fala, quero dizer que, hoje, a Comissão de Direitos Humanos fez uma reunião, uma audiência pública, por sugestão de estudantes do Distrito Federal e da OAB, para analisarmos o fato de que, até hoje, pelo menos - parece que amanhã isso mudará -, as visitas ao Senado estavam dificultadas. Houve uma consideração de que isso feria os direitos humanos da população e dos eleitores, afinal, esta é a Casa do Povo. Não permitir que estudantes entrem aqui, independentemente de se vão ou não fazer críticas a nós, Senadores, proibir a entra de estudantes, de jovens, de militantes seria um absurdo. Da mesma maneira, não proibimos entrada de lobistas, aqui, para defenderem seus interesses.

            Então, houve uma audiência, com a presença da OAB e de representantes desses jovens estudantes, inclusive que foram presos aqui faz aproximadamente um mês, durante uma manifestação, para discutirmos esse assunto na ótica dos direitos humanos. E a conclusão é que, de fato, não se pode admitir que uma Casa de representantes do povo esteja fechada ao povo.

            Obviamente, essa Casa tem de se proteger. Não pode aceitar que entre qualquer pessoa, aqui, armada, não só de facas e revólveres, mas até mesmo de um pedaço de pau que seja. Não podemos deixar que entre aqui. Mas se entra desarmada, mesmo que na sua camisa tenha escrito mensagens contra qualquer um de nós, Senadores, desde que essas mensagens não sejam pornográficas, não sejam ofensivas, mas sejam apenas limitadas ao mundo da política, nós não podemos proibir que entre. Então, isso, Sr. Presidente, foi o que fizemos, hoje, na Comissão de Direitos Humanos.

           Mas eu venho aqui para dizer que, nesse período todo do Governo Lula, eu tenho tido, todos os anos, um cuidado: no começo do ano, eu faço uma carta ao Presidente sugerindo que ele aproveite a volta às aulas para fazer um discurso em cadeia nacional. Nós assistimos a discursos em cadeia nacional, de qualquer Ministro, sobre a economia, até sobre a Copa do Mundo ser no Brasil, sobre todos os assuntos, mas nunca tivemos um discurso em cadeia nacional, do Presidente da República, dizendo às crianças, aos pais, aos professores, a importância de, todos os anos, voltar-se às aulas.

           Na primeira vez em que eu levei essa sugestão, eu era Ministro da Educação. Cheguei a discutir o assunto com o Ministro da Comunicação Social no momento, que era o Ministro Gushiken, e o que ouvi foi que esse não era um assunto que merecia cadeia nacional.

           Pois bem, na semana passada... Não conseguimos no Brasil, mas, no dia 15 de setembro, um Presidente da República fez isso que eu sugiro aqui. O Presidente Obama fez um discurso, e escolheu uma escola para fazer o discurso, mas um discurso em cadeia nacional, em que ele levantava a importância que tem, para qualquer criança e para o futuro do país, esse dia mágico - que, anualmente, temos em todos os países decentes do mundo - da volta às aulas.

            Eu queria ler alguns trechos do discurso dele, porque se aplicaria perfeitamente à voz do Presidente Lula. Ele começa dizendo:

Sei que para muitos de vocês hoje é o primeiro dia de aulas, e para os que entraram para o jardim infantil, para a escola primária ou secundária, é o primeiro dia numa nova escola, por isso é compreensível que estejam um pouco nervosos.

Começou levando para essas crianças uma preocupação: a do nervosismo, da tensão, dos pequenos ficarem longe de seus pais, da sua casa, dos de idade intermediária estarem ao redor de novos amigos e não dos amigos tradicionais.

            Continua ele:

Também deve haver alguns alunos mais velhos, contentes por saberem que já só lhes falta um ano. Mas, estejam em que ano estiverem, muitos devem ter pena por as férias de verão terem acabado e já não poderem ficar até mais tarde na cama.

            Começa com uma mensagem bem dirigida, bem pessoal, a essas crianças e a esses jovens e diz:

Também conheço essa sensação [é o que diz o Presidente Obama]. Quando era criança, a minha família viveu alguns anos na Indonésia, e a minha mãe não tinha dinheiro para me mandar para a escola onde andavam os outros meninos americanos. Foi por isso que decidiu dar-me, ela própria, umas lições extras, de segunda a sexta-feira, às 4h30 da manhã.

            Assim começou o atual Presidente da República dos Estados Unidos seus estudos. Ele estudava de 4h30 até a hora em que sua mãe saía para o trabalho.

        “A ideia de me levantar àquela hora não me agradava. Adormeci muitas vezes sentado à mesa da cozinha. Mas, quando eu me queixava à minha mãe, respondia-me: “Olha que isto para mim também não é pera doce, meu malandro...”

            Vejam bem o que ela disse: “Olha que, para mim, isso também não é fácil!”. Diz ainda Obama: “Tenho consciência de que alguns de vocês ainda estão a adaptar-se ao regresso às aulas, mas hoje estou aqui porque tenho um assunto importante a discutir convosco”. Vejam o Presidente da República dizendo às crianças que tem um assunto importante a discutir com elas. Que respeito às crianças é o Presidente dizer que tem um assunto importante para falar com elas! E continua:

Quero falar convosco de sua educação e daquilo que se espera de vocês neste novo ano escolar.

Já fiz muitos discursos sobre educação e falei muito de responsabilidade. Falei da responsabilidade dos seus professores em lhes motivarem, de vos fazerem ter vontade de aprender. Falei da responsabilidade dos seus pais de lhes manterem no bom caminho, de se assegurarem de que vocês fazem os trabalhos de casa e não passam o dia à frente da televisão ou a jogar com a Xbox [o que, para nós, deve ser um videogame ou qualquer outro tipo de jogo]. Falei da responsabilidade do seu governo de estabelecer padrões elevados, de apoiar os professores e os diretores das escolas e de melhorar as que não estão a funcionar bem e onde os alunos não têm as oportunidades que merecem.

No entanto, a verdade é que nem os professores e os pais mais dedicados, nem as melhores escolas do mundo são capazes do que quer que seja se vocês [ele se dirige às crianças] não assumirem as suas responsabilidades.

            Ele falou que ia falar de um assunto importante e, agora, falou do assunto importante: que essas crianças têm de ter responsabilidades. E diz:

Se vocês [crianças] não forem às aulas, não prestarem atenção a esses professores, aos seus avós e aos outros adultos e não trabalharem duramente [nas escolas, estudando], como terão de fazer se quiserem ser bem sucedidos.

            É a fala de um líder para as crianças do seu país, para as 150 milhões de crianças em idade escolar que devem existir nos Estados Unidos. É a fala dele, dizendo da responsabilidade, mas dizendo também que, se as crianças não fizerem isso, elas não terão futuro.Continua o Presidente Obama:

E hoje é nesse assunto que quero concentrar-me: na responsabilidade de cada um de vocês pela sua própria educação [a responsabilidade de cada um de vocês, meninos e meninas, com a educação de vocês].

Todos vocês são bons em alguma coisa. Não há nenhum que não tenha alguma coisa a dar. E é a vocês que cabe descobrir do que se trata.

           É o que sabe tocar um instrumento? É o que sabe cantar? É o que sabe pintar? É o que sabe Matemática? É o que sabe bem seu idioma? É o que tem ouvido para idiomas estrangeiros? É aquele que gosta de Biologia? É o que gosta de jogar, como profissional, algum esporte? A vocês, cabe descobrir do que se trata. Diz: “É essa oportunidade que a educação lhes proporciona”. Aqui, o Presidente vira um professor. A educação moderna não está aí apenas para ensinar; está aí para despertar o aluno para aquilo de que ele gosta, para aquilo que ele quer fazer na vida.

           Prossegue o Presidente Obama:

Talvez tenham a capacidade de ser bons escritores - suficientemente bons para escreverem livros ou artigos para jornais -, mas se não fizerem o trabalho de Inglês podem nunca vir a sabê-lo [nunca saberão se teriam chance de serem bons escritores]. Talvez, sejam pessoas inovadoras ou inventores - quem sabe capazes de criar o próximo iPhone ou um novo medicamento ou vacina -, mas se não fizerem o projeto de Ciências podem não vir a percebê-lo [podem não perceber que poderiam ser cientistas].

           É isto que a gente precisa dizer com clareza: a educação não serve apenas para ensinar, mas também para despertar o potencial que cada um tem. Por que, no Brasil, todos os grandes jogadores de futebol são bons no mundo inteiro? Porque a gente despertou no craque, desde pequeno, seu potencial. Por que a gente o despertou nele? Porque todos têm bola, porque bola existe em toda casa, em toda rua, porque campo de pelada há em todo quintal. Mas, aqui, nem todo mundo tem como aprender Inglês em casa, em qualquer beco, como acontece com o campo de futebol. Isso tem de ser feito na escola.

           Continua Obama: “Talvez, possam vir a ser prefeitos ou senadores ou juízes do Supremo Tribunal, mas, se não participarem dos debates nos clubes de suas escolas, podem nunca vir a sabê-lo [ou seja, podem não saber se teriam vocação para essas coisas]”. Esse é um toque que um presidente pode dar. Não é um Senador falando aqui, da tribuna, que vai chegar às crianças. Quem chega às crianças é quem tem o carisma da Presidência da República, é quem é capaz de falar encarnando o povo, não nós aqui, que não encarnamos o povo brasileiro dentro de nós. No máximo, encarnamos um terço dos habitantes e eleitores do nosso Estado; não encarnamos a Nação.

            Continua o Presidente Obama: “No entanto, escolham o que escolherem fazer com a vossa vida, garanto-lhes que não será possível a não ser que estudem”. Vejam que mensagem: escolham o que quiserem, mas saibam que, sem estudar, vocês não vão querer fazer.

Querem ser médicos, professores ou policiais? Querem ser enfermeiros, arquitetos, advogados ou militares? Para qualquer dessas carreiras é preciso ter estudos. Não podem deixar a escola e esperar arranjar um bom emprego.Têm de trabalhar, estudar e aprender para isso.

           Essa é outra mensagem rara no mundo hoje e que, no Brasil, não é feita. Há a ideia de que, hoje, emprego e educação são sinônimos, são a mesma coisa: emprego bom, educação boa. Não podemos cair na mentira de dizer: “Não se preocupem! Vocês vão arranjar um emprego de qualquer jeito”. Não vão!

            Diz ainda Obama: “E não é só para as vossas vidas e para o futuro que isto é importante [é importante o que ele vai dizer]. O que vocês fizerem com os estudos vai decidir nada mais nada menos que o futuro do nosso país”. Ou seja, o que vocês estudarem hoje vai mudar o Brasil de amanhã, o que vocês não estudarem hoje vai mudar o Brasil de amanhã, só que, estudando, muda para o bem e, não estudando, muda para o mal, e permanece o Brasil como está: com violência nas ruas, com desigualdade social, com atraso em relação aos outros países.

            “Aquilo que aprenderam na escola agora vai decidir se, enquanto país, estaremos à altura dos desafios do futuro”, fala o presidente de um país como os Estados Unidos, em que já há uma educação razoavelmente boa, muito superior à brasileira. Imaginem o nosso caso! No nosso caso, isso tem valor total: aquilo que aprenderem na escola agora vai decidir se estaremos à altura dos desafios do futuro. Não vai haver um Brasil moderno se todas as crianças não estiverem na escola, todas elas estudando com professores que realmente ensinem, usando equipamentos realmente modernos.

            Obama diz:

Vão precisar [no caso deles, nos Estados Unidos inteiro] dos conhecimentos e das competências que se aprendem e desenvolvem nas ciências e na matemática para curar doenças como o câncer e a AIDS e para desenvolver novas tecnologias energéticas que protejam o ambiente.

           A gente está discutindo o pré-sal, e o Presidente Obama está discutindo a pré-escola. Nos Estados Unidos, o Presidente Obama vê a pré-escola como a fonte da energia do futuro. Nós, aqui, achamos que a energia do futuro está no pré-sal.

           Prossegue Obama: “Vão precisar de embasamento e do sentido crítico que se desenvolvem na história e nas ciências sociais para que deixe de haver pobres e sem abrigo [...]”. Esse discurso não foi feito no Brasil, não foi feito na Bolívia nem no Paraguai, mas foi feito nos Estados Unidos. Repito o que disse Obama: “Vão precisar de embasamento e do sentido crítico que se desenvolve na história e nas ciências sociais para que deixe de haver pobres e sem abrigo, para combater o crime e a discriminação e para tornar o nosso país mais justo e mais livre”. Imaginem, nos Estados Unidos, um presidente preocupado com um país mais justo e mais livre! Imaginem nós aqui, onde a Justiça proíbe que jornais publiquem notícias! Imaginem nós, que somos campeões de desigualdade!

           Diz mais ainda Obama: “Vão precisar da criatividade e do engenho que se desenvolvem em todas as disciplinas para criar novas empresas que criem novos empregos e desenvolvam a economia”.

            Sr. Presidente, esse discurso mereceria ser lido integralmente. Por isso, peço que ele conste dos Anais desta Casa. Não vou ler o discurso inteiro, vou saltar alguns pontos, chamando a atenção para a importância que um presidente nos Estados Unidos dá para a educação das suas crianças: “Precisamos que todos vocês desenvolvam seus talentos, sua competência, seus intelectos para ajudar a resolver nossos problemas mais difíceis. Se não o fizerem - se abandonarem a escola -, não é só a vocês mesmos que estão a abandonar, mas ao vosso país”. Isso é dito nos Estados Unidos, onde quase todos terminam o 2º Grau. Imagine o nosso caso, Senador Oswaldo, em que sessenta crianças abandonam a escola por minuto! São sessenta crianças que, abandonando a escola, abandonam o futuro próprio e abandonam o futuro do País.

            Diz o Presidente Obama: “Eu sei que não é fácil ter bons resultados na escola. Tenho consciência de que muitos têm dificuldades na vossa vida que dificultam a tarefa de se concentrarem nos Estudos”. Os Estados Unidos reconhecem que, no dia a dia, há dificuldades. Imaginem aqui! Nossas crianças pobres chegam a casa, onde, às vezes, não há luz, porque o pai não tem dinheiro para pagar a luz, que é cortada. Às vezes, na casa, a família é grande, e não dá para ter concentração. O Presidente Obama reconhece que lá é preciso enfrentar essa questão: “Percebo isso e sei do que estou falando”. Essa frase poderia ser usada pelo Presidente Lula, porque ele passou por essa dificuldade mais do que qualquer um aqui.

            É o Presidente Obama, não o Presidente Lula, que diz: “O meu pai deixou a nossa família quando eu tinha dois anos, e eu fui criado só pela minha mãe, que teve muitas vezes dificuldade em pagar as contas e nem sempre nos conseguia dar as coisas que os outros meninos tinham”. O Presidente Lula teria toda a autoridade para dizer isso. Continua o Presidente Obama:

Tive muitas vezes pena de não ter um pai na minha vida. Senti-me sozinho e tive a impressão que não me adaptava e, por isso, nem sempre conseguia concentrar-me nos estudos como devia. E a minha vida podia muito bem ter dado para o torto [ou seja, ter dado errado]. Mas tive sorte. Tive muitas segundas oportunidades e consegui ir para a Faculdade estudar Direito e realizar os meus sonhos.

            A sorte para o Presidente Obama não foi a loteria, foi a escola, Senador Eurípedes.

           “Tive muitas segundas oportunidades e consegui ir para a Faculdade estudar Direito e realizar meus sonhos. [...] Nem o pai, nem a mãe dela [ele, aqui, fala da sua esposa] eram ricos. No entanto, trabalharam muito, e ela própria trabalhou muito para poder frequentar as melhores escolas do País.

           Alguns de vocês podem não ter tido estas oportunidades. Talvez não haja nas vidas de vocês adultos capazes de lhes dar o apoio de que precisam. Quem sabe se não há alguém desempregado e o dinheiro não chega [ele fala dos pais] .Pode ser que vivam num bairro pouco seguro ou os vossos amigos queiram levar-lhes a fazer coisas que vocês sabem que não estão bem [que não estão corretas].”

            O Sr. Osvaldo Sobrinho (PTB - MT) - V. Exª me concede um aparte?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Em um minuto, Senador Osvaldo, concederei o aparte a V. Exª, com todo o prazer.

Apesar de tudo isso, as circunstâncias da sua vida - o seu aspecto, o lugar onde nasceram, o dinheiro que têm, os problemas de sua família [ou seja, apesar de todas as circunstâncias negativas] - não são desculpa para não fazerem os seus trabalhos nem para se portarem mal. [Este é um recado que ele dá.] Não são desculpas para responderem mal aos seus professores, para faltarem às aulas ou para desistirem de estudar. Não são desculpas para não estudarem.

            Olhem que são nos Estados Unidos, onde quase todas as escolas são boas, bonitas, confortáveis e bem equipadas. No Brasil, não são assim. Por isso esta frase é mais importante ainda: Não pode haver desculpas - é o que diz o Presidente Obama - para quem não estuda.

A sua vida atual [das crianças que o estão ouvindo] não vai determinar forçosamente aquilo que vão ser no futuro. [Ou seja, vocês não vão ser aquilo que vocês são hoje.] Ninguém escreve o destino por vocês. Aqui, nos Estados Unidos, somos nós que decidimos nosso destino. Somos nós que fazemos o nosso futuro. E é isso que os jovens como vocês fazem todos os dias em todo o país.

            E cita aqui diversos jovens que tiveram sorte. E cita aqui diversos bem -sucedidos que tiveram sorte - sorte, no caso deles, é a chance de estudar.

É por isso que hoje me dirijo a cada um de vocês para que estabeleçam os seus próprios objetivos para seus estudos, e para que façam tudo o que for preciso para os alcançar. (...)

Mas decidam o que decidirem, quero que se empenhem, que trabalhem duramente.

            O recado de um líder para as crianças. Essas crianças não vão jamais esquecer isso! Essas crianças vão lembrar que ouviram o Presidente da República, que passou pelas dificuldades, no seu início - como o nosso Presidente Lula, que enfrentou tudo isso -, que chegou aonde chegou e que não esqueceu que o futuro dessas crianças está no estudo que elas realizarem hoje.

            Esse é um discurso que eu gostaria de ter escutado do nosso Presidente no começo das aulas. Lamento que tenha que trazer aqui para ler o discurso de um presidente estrangeiro. Mas acho que ele traz tantas lições para nós que vale a pena tomar esse tempo do Senado para ler esse documento, com os comentários que estou fazendo.

            Passo a palavra ao Senador Osvaldo, que me pediu um aparte.

            O Sr. Osvaldo Sobrinho (PDT - MT) - Senador, na verdade, o que me encanta na sua vida parlamentar é essa devoção, esse amor pela educação. Estava há pouco, não aqui, mas acolá, ouvindo o seu pronunciamento quando o senhor fez um aparte ao Senador Alvaro Dias. V. Exª falou que em determinado tempo foi chamado de “candidato a Presidente de uma nota só”. Que nota linda! Que nota bonita! Que nota espetacular! Bom seria se todos tivessem essa nota, neste País, principalmente, que carece tanto de educação; neste País em que nós sabemos que grande parte da população não teve ainda o privilégio de adentrar uma sala de aula, e grande parte dos que adentraram, em um, dois ou três anos, já estavam fora, até pela busca do mercado de trabalho, pela necessidade de ajudar a alimentar a família, pela necessidade de fazer outras atividade para a sobrevivência que não a educação. Portanto, acredito que temos que bater aqui nessa nota só. Mas que todos batamos nela; que todos busquemos isso aí. Só tem uma forma de este País se redimir: a educação. Não tem outro caminho. Em meu pronunciamento de inauguração neste Senado, falei muito bem: sou filho de um homem sem terra. E um homem que, na verdade, era peão de roça dos outros. O senhor sabe muito bem o que é isso. Nordestino sabe o que é peão: aquele que trabalha aqui, ali, acolá, e, no final do dia, recebe o seu dinheirinho e vai para casa. Mesmo assim, formou nove filhos; mesmo assim, estou aqui, como vários irmãos meus estão em várias oportunidades, em várias funções, porque tiveram a oportunidade de grassar o poder da educação. Portanto, eu fico feliz, contente. E nós não temos outra saída. Não tem segunda, terceira ou quarta, só tem uma saída: é o processo educacional. É investir. Eu fico triste quando vejo um governante falando: “eu estou gastando tanto em educação!”. Educação não é gasto, é investimento. E é o maior investimento de uma pátria, não tem outro investimento maior. Eu falo sempre para o meu filho, que é advogado e está na galeria: olha, não tem outra forma de você crescer, meu filho. É a educação. É se aprimorar, verticalizar os seus conhecimentos. É buscar, porque assim você pode ser o que quiser. Ninguém limita a sua capacidade, a sua inteligência, nem a sua oportunidade. Portanto, Senador, eu fico feliz de ouvir um pronunciamento como esse. Parece que está falando sozinho? Não, está falando para o Brasil. Está falando para muitas pessoas que precisam ouvir isso. E bater todos os dias, porque, quanto mais se ouve, mais desperta a consciência dos governantes para que façam, na verdade, educação pública de boa qualidade, educação que possa redimir essa juventude que aí está. Parabenizo-o mais uma vez. E quero dizer a V. Exª que o seu discurso me encanta, me encanta porque me fez viver, porque fez com que eu pudesse aqui estar. Só tinha uma possibilidade de eu estar aqui: pelo processo educacional. Fora dele, jamais eu teria condições de entrar nem na porta deste Senado. Hoje, Deus me deu oportunidade, por pouco tempo, mas sou Senador igual a V. Exª. Por quê? Porque a educação me colocou aqui. Ontem, teve uma greve de professores em Cuiabá - eu vou falar daqui a pouco sobre isso -, da rede estadual, municipal e da rede federal, buscando condições de sobrevivência. Nós sabemos que hoje - e eu que escolhi isso aí como vocação - é difícil falar que se vai tirar dessa profissão o sustento para a vida. Mas nós não podemos desanimar. Temos que lutar. E nós, os educadores desta Casa, temos que motivar. Temos que abrir caminhos para que se possa, verdadeiramente, fazer uma educação de boa qualidade neste País. Parabenizo V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Eu queria comentar a ideia da nota só. Em um candidato, falar muito em educação é uma nota só; em um presidente, seria uma nota forte, seria a nota forte do País, seria a nota transformadora da sociedade. E parece que há um presidente que hoje entende com clareza isso, que é o Presidente dos Estados Unidos.

         Não vou tomar mais tempo, Senador, e vou saltar o discurso dele, que é uma peça belíssima. Vou dá-lo de presente ao Senador Mão Santa, que é um admirador de bons discursos, carrega livros de discursos importantes, porque merece ser lido em todos os detalhes. E gostaria que constasse em ata.

            Vou concluir, quando ele diz:

E mesmo quando estiverem em dificuldades, mesmo quando se sentirem desencorajados e lhes parecer que as outras pessoas os abandonaram, nunca desistam de vocês mesmos. Quando desistirem de vocês mesmos, é do seu país que estão desistindo. [Quando se abandona a escola, está se abandonando o país.]

A história da América não é a história dos que desistiram quando as coisas se tornaram difíceis. É a das pessoas que continuaram, que insistiram, que se esforçaram mais, que amavam demasiado o seu país para não darem o seu melhor.

           E aqui, mais uma vez, o Lula seria a pessoa ideal para falar isso. Se tem alguém que não desistiu quando as coisas ficaram difíceis, se tem alguém que continuou, se tem alguém que insistiu, que se esforçou, que amava o seu país para dar o de melhor, foi o Lula. Temos que reconhecer isso. Mesmo eu que critico, de vez em quando, a maneira como ele se comporta em relação ao Senado, a maneira como ele prioriza ou não prioriza a educação. Ele é o símbolo disso.

           E continua o Presidente Obama:

É a história dos estudantes que há 250 anos estavam onde vocês estão agora e fizeram uma revolução e fundaram este país. É a dos estudantes que estavam onde vocês estão há 75 anos e ultrapassaram uma depressão e ganharam uma guerra mundial, lutaram pelos direitos civis e puseram um homem na Lua [porque colocar o homem na Lua foi, talvez, o maior gesto do uso do conhecimento tecnológico que já tivemos]. É a [história] dos estudantes que estavam onde vocês estão há 20 anos e fundaram a Google, o Twitter e o Facebook e mudaram a maneira como nos comunicamos uns com os outros.

         Ele mostra o que os estudantes há 250 anos fizeram: criar um país novo; o que os de 75 anos atrás fizeram, ao acabar com a depressão e colocar o homem na Lua; e aqueles de vinte anos atrás - depois de mim, porque eu já não estava na escola há vinte anos -, que inventaram essas maravilhas das comunicações.

Por isso hoje quero perguntar-lhes qual é a contribuição que pretendem fazer [E lembro aquela frase famosa do Presidente Kennedy, que disse: “Não perguntem o que o governo vai fazer por vocês, mas o que vocês vão fazer pelo país”]. Quais são os problemas que vocês querem resolver?

            Essa é a mensagem às crianças de hoje, aos adolescentes de hoje: qual é o problema que vocês querem resolver além de fazer gol também no bate-bola do sábado, no bate-bola de vez em quando? Todos nós sabemos que querem fazer gols, mas, além dos gols, que problema do Brasil vocês querem resolver? Que descobertas pretendem fazer? Daqui a 20, 50, 100 anos, quando um presidente vier aqui falar, o que é que ele vai dizer de vocês? O que é que ele vai dizer que vocês fizeram pelo país de vocês?

            E vem o último parágrafo:

As suas famílias, os seus professores e eu estamos fazendo tudo que podemos para assegurar que vocês tenham a educação de que precisam para responder a essas perguntas. Estou trabalhando duramente para equipar as suas salas de aula e pagar os seus livros, o seu equipamento e os computadores que vocês precisam para estudar.

            E aqui o Presidente Obama está dizendo a verdade, porque, dos US$800 bilhões que ele colocou no programa de recuperação da economia, US$180 bilhões foram para a educação, com a ideia de que, ao se comprar computador, dinamiza-se a economia. O Brasil preferiu diferente: colocar esse dinheiro na indústria automobilística, para vender mais carros. O Obama preferiu vender mais computadores, aumentar a tiragem dos livros, pagar melhor aos professores, para que eles comprem sapatos, camisas, e assim desenvolvam a economia.

            “E por isso espero que vocês trabalhem a sério este ano”, ou seja, nada de populismo. “Espero que vocês trabalhem duro.” Nada de dizer: eu estou dando a vocês. Não! “Nós queremos de vocês”, é o que ele diz.

(...)trabalhem sério este ano, que se esforcem o mais possível em tudo o que fizerem. Espero grandes coisas de todos vocês. Não nos desapontem. [Vejam a pequena cobrança que ele faz, o puxão de orelha antecipado. O oposto do populismo de quem está dando tudo.] Não desapontem as suas famílias e o seu país. Façam-nos sentir orgulho em vocês. Tenho a certeza de que são capazes.”

            Esse é um discurso que a gente precisa fazer no Brasil.

            Daqui a cinco meses, o Presidente Lula poderá fazer o último discurso de abertura das aulas. Será o último ano de governo dele. Eu vou enviar outra vez uma carta sugerindo que ele faça um discurso. E vou enviar este, fazendo uma pequena modificação. Nós damos tão pouca importância, Senador Mão Santa, a discursos como esse que a versão que eu tirei no computador está em português de Portugal, nem em português do Brasil está. Por isso, de vez em quando, tive dificuldade em adaptar a construção portuguesa para a construção brasileira.

            Esse discurso deveria ser distribuído em todas as escolas do Brasil. E nós deveríamos pedir desculpas por estarmos aqui lendo o discurso de um presidente estrangeiro, mas eu prefiro pedir desculpas por estar lendo o discurso de um presidente estrangeiro que disse as coisas certas, do que pedir desculpas por não insistir no que o Senador Osvaldo chamou - eu também falo e todos dizem - de nota só, que, em vez de ser uma só nota, poderia ser uma nota fortíssima se fosse na boca de um presidente da república, como foi esse discurso na boca do Presidente Obama.

            É isso, Sr. Presidente. Para isso que tomei tanto tempo nesta tarde.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. CRISTOVAM BUARQUE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do inciso I, § 2º, art. 210, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- “O exemplo de Obama”


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2009 - Página 44781